Volta da ultradireita é tragédia contratada, por Maria Hermínia Tavares

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Trump do segundo mandato é muito mais radical do que o do primeiro

Maria Hermínia Tavares, Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

Folha de São Paula, 10/04/2025

Notável pensador alemão do século 19 fraseou que, na história, a tragédia só se repetia como farsa. No caso dos governos populistas de extrema direita dá-se o oposto: seu primeiro mandato é farsa; o segundo, tragédia.

Donald Trump é prova acabada disso. Desde que voltou à Casa Branca tem produzido destruição inigualável. Na mesma semana em que a imposição de tarifas arbitrárias a uma lista enorme de países virou de ponta-cabeça o sistema de comércio mundial, agentes do Doge (sigla em inglês para Departamento de Eficiência Governamental), comandado por Elon Musk, invadiram o Woodrow Wilson Center.

Seu diretor foi forçado a renunciar e no seu lugar foi instalada uma jovem líder da torcida organizada de Trump; chefias e altos executivos foram demitidos; seus funcionários federais colocados em disponibilidade; o reputado programa internacional de pesquisadores visitantes, desativado.

O Wilson Center, como é conhecido, foi criado pelo Congresso dos EUA —e, até a semana passada, era o mais respeitado think thank de política exterior do país. O ataque ao centro de excelência é mais um episódio da investida trumpista para garrotear as instituições que produzem conhecimento, ou financiam a sua produção, ou promovem o debate livre de ideias —universidades, agências públicas de financiamento da ciência, além dos citados think thanks.

Não há dúvida alguma: o Trump do segundo mandato é muito mais radical do que o do primeiro; tem mais clareza sobre os inimigos que quer destruir; forjou instrumentos mais afiados e cevou novos apoios para fazê-lo. E, até agora, seus desígnios não tiveram de se haver com a resistência das instituições democráticas que poderiam freá-los.

A volta da extrema direita a Washington põe em dúvida teorias caras aos cientistas políticos. A primeira sustenta que a participação no jogo democrático tende a moderar partidos e líderes extremados. A segunda supõe que instituições políticas sólidas —e robustecidas com o passar do tempo— criam freios e contrapesos eficazes à ambição de poder dos governantes. Nada disso parece estar acontecendo nos EUA. Até agora, diria um otimista.

São poucos os casos de populistas de extrema direita bem-sucedidos a ponto de se reeleger ou voltar ao governo em pouco tempo. Assim, são escassos os casos que permitam aceitar ou rejeitar aquelas teorias. Por via das dúvidas, é melhor tentar evitar que o retorno ocorra. Para tanto, levem-se a sério tanto as propostas extremistas como a intenção dos proponentes de cumpri-las.

No Brasil, as instituições democráticas formaram barreira eficaz aos intentos golpistas de Jair Bolsonaro. Mas convém não apostar só nelas. Isolar politicamente o ex-capitão é medida necessária —e urgente— nesta quadra que antecede seu julgamento por crimes contra o Estado de Direito e quando, segundo Datafolha, 52% dos brasileiros acham que deveria ser preso por cometê-los.

Eis porque chega a assustar que no último domingo (6), na avenida Paulista, todos os pré-candidatos da direita tenham decidido, pouco importa se por convicção ou cálculo eleitoral, curvar-se à liderança de quem tem Trump como ídolo e o autoritarismo como propósito.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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