“Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a inclusão à sério”: Dani Rodrik.

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O economista turco diz que as sociedades, para não caírem nas mãos dos demagogos, precisam estar atentos para superar as divisões econômicas e sociais causadas pela globalização.

Por Guilherme Evelin

Em 1997, no auge do consenso a favor dos benefícios da globalização, o economista turco radicado nos Estados Unidos Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard, publicou um pequeno livro que ia contra a corrente. Em A globalização foi longe demais? (Editora Unesp), Rodrik divergia da maior parte de seus colegas economistas, para quem a globalização, com a desregulamentação e a redução das barreiras para o livre-comércio e o livre trânsito de capitais financeiros, só tinha méritos e só traria benefícios, tanto para países ricos quanto para países pobres — os consumidores dos países ricos teriam acesso a bens e mercadorias mais baratos produzidos nos países pobres, enquanto as economias dos países pobres cresceriam com a maior demanda por suas exportações. No livro, Rodrik apontava os altos custos políticos e sociais da globalização, menosprezados por seus colegas.

A obra causou alvoroço entre os economistas. Rodrik contou mais tarde ter sido, uma vez, abordado por Paul Krugman, o economista americano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008, que o advertiu de que seu livro fornecia “munição para os bárbaros”. A crise financeira internacional de 2008, a fragilidade do euro, a votação dos britânicos a favor do Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia —, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, a ascensão política de populistas xenófobos em vários países da Europa mudaram o curso da conversa. A crítica de Rodrik passou a ser vista como presciente. No ano passado, o último livro de Rodrik, Straight talk on trade(numa tradução livre, Papo reto sobre comércio), com mais ataques à “hiperglobalização” e aos economistas que abandonaram suas dúvidas para atuar como meros ideólogos, foi escolhido como uma das melhores obras de 2017 por Martin Wolf, comentarista do jornalFinancial Times. Wolf era, ele próprio, um dos maiores entusiastas da globalização.

Num livro anterior, The globalization paradox (O paradoxo da globalização), Rodrik cunhou o “trilema da globalização”. “Não é possível ter hiperglobalização, democracia e soberania nacional ao mesmo tempo”, escreveu. Para ele, para preservar a democracia, é preciso dar alguns passos atrás na integração da economia internacional. O economista está longe de ser, porém, um defensor do nacionalismo econômico iracundo de Trump. Rodrik acha que é possível ter uma globalização mais inteligente e flexível — como a que prevaleceu nos tempos de vigência do Gatt, o acordo geral de tarifas e comércio anterior à criação da Organização Mundial de Comércio (OMC). “O objetivo do Gatt nunca foi maximizar o livre-comércio, mas alcançar o máximo de comércio compatível com diferentes nações fazendo suas próprias coisas.”

Rodrik respondeu, por e-mail, a perguntas de ÉPOCA sobre populismo, Donald Trump, a ameaça de guerra comercial no mundo e a crise brasileira. Em relação ao Brasil, ele disse que o país precisa antes de tudo resolver sua crise política interna para retomar um projeto de crescimento econômico. Em relação ao mundo, apesar de Trump, ele se mantém otimista. Num artigo deste ano para o The New York Times, ele lembrou que um surto populista anterior nos Estados Unidos, no final do século XIX, contra os efeitos perversos da globalização da época acabou resultando, na década de 1930, no New Deal de Franklin Delano Roosevelt e na correção de vários problemas do capitalismo.

A seguir, Rodrik responde às nove perguntas de ÉPOCA.

  1. Depois da imposição de tarifas pelo governo Donald Trump a produtos chineses e da retaliação da China a importações americanas, o mundo está caminhando para uma guerra comercial global?

Muito vai depender de como a Europa e a China responderão. Se eles forem contidos em sua retaliação — e eles têm bons motivos para agir desse modo —, terminaremos bem aquém de uma guerra comercial. Guerra comercial não é um desfecho inevitável. E, se ela ocorrer, a China e a Europa deverão dividir a responsabilidade com os Estados Unidos por ela.

  1. As medidas protecionistas, as tensões comerciais crescentes e a eleição de governos populistas significam que estamos entrando em uma era de “desglobalização”?

Acho que também está muito cedo para falar em “desglobalização”. Certamente, uma verdadeira guerra comercial impactaria a globalização. Mas não chegamos lá ainda.

  1. Acredita que a reação populista à globalização, representada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, pode levar a um aperfeiçoamento da globalização?

Essa certamente é minha esperança. É uma oportunidade para as forças progressistas e para a esquerda oferecerem uma resposta programática genuína — e mostrarem que as queixas que trouxeram Trump à Presidência são reais, mas que há melhores maneiras de responder a elas do que por meio do chauvinismo e do unilateralismo.

  1. O senhor vê a ascensão do populismo, o descontentamento com a globalização nas sociedades ocidentais e a crise das democracias liberais como provas de seu famoso trilema, segundo o qual não é possível compatibilizar democracia, soberania nacional e hiperglobalização?

Isso ocorreu mais na Zona do Euro do que nos EUA, porque foi na Europa que a hiperglobalização foi mais longe. Os EUA poderiam ter evitado a reação populista se tivessem melhores redes de segurança social e se os acordos comerciais assinados pelo país não fossem tão unilaterais, com vantagens tão exageradas. Mas, tanto na Europa como nos EUA, houve um erro crucial: o aumento da globalização aprofunda as divisões econômicas e sociais dentro das sociedades e, a menos que estejamos atentos à superação dessas divisões, os demagogos aproveitam-se do fracasso do centro político.

  1. O senhor é um crítico duro de seus colegas, os economistas, a quem responsabiliza por muito da confusão política e econômica do mundo. Acha que estão prontos para rever seus pontos de vista sobre a liberalização e a desregulamentação das últimas décadas?

Estou otimista com a variedade de ideias políticas que estão surgindo da profissão econômica no presente. Há uma tendência a pensar que o neoliberalismo e a economia mainstream são a mesma coisa. Na realidade, o neoliberalismo foi uma perversão da economia. Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a desigualdade, a mobilidade social e a inclusão a sério.

  1. Se houver uma escalada das medidas protecionistas e tivermos uma reversão da liberalização comercial e financeira das últimas décadas, como um país como o Brasil, que experimentou um crescimento lento desde a década de 1980 e não obteve grandes ganhos com a globalização, pode ser afetado?

Em última análise, o que acontece em casa é mais importante do que esses desenvolvimentos globais — especialmente em um país tão grande como o Brasil. É claro que, se os preços das commodities caírem e os mercados globais começarem a fechar, haverá custos para o Brasil, como em outros países. Mas a prioridade número um do Brasil deveria ser superar a crise política doméstica e ter um programa econômico sério em vigor.

  1. Em seu livro mais recente, o senhor escreveu que um dos fenômenos econômicos mais importantes de nosso tempo é “desindustrialização prematura” — em parte por causa do avanço da automação, em parte em virtude da globalização. Esse é o caso do Brasil, que se tornou principalmente um exportador de commodities nas últimas décadas?

O Brasil sofreu com isso, assim como muitos outros países de renda média. Não vejo uma maneira fácil de reverter a desindustrialização, infelizmente.

  1. Pode algum país vencer o desafio do crescimento sem indústria forte?

Sim, mas terá de ser um caminho diferente de crescimento, uma partida histórica. Parte disso é investimento em pessoas e infraestrutura física. Parte disso é uma estratégia coerente de conectar os setores e empresas mais avançados da economia com os setores e regiões mais atrasados — tanto em serviços quanto em indústria. E tudo isso tem de ser feito sem pôr em risco os equilíbrios macroeconômicos.

  1. Qual é a política inteligente a ser perseguida por qualquer país para vencer o desafio do crescimento em tempos de globalização com tantos paradoxos? A China pode ser uma inspiração ou não?

É difícil copiar diretamente a China e fazer exatamente o que esse país fez. As circunstâncias são muito diferentes. Mas a mensagem geral que o sucesso da China envia ainda é útil: para alavancar sua economia, como a China fez, você precisa de uma estratégia de crescimento interno que se concentre em investimento doméstico, aquisição de tecnologia e diversificação. Você precisa fazer sua própria lição de casa antes que a globalização possa ajudá-lo. A segunda mensagem é: não se deve ficar muito apaixonado por projetos ocidentais ou pelas chamadas “melhores práticas”; uma economia orientada para o mercado pode ser dirigida com diversos arranjos institucionais, e uma certa quantidade de experimentação e heterodoxia é inevitável.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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