Ufanismo cauteloso

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Nestes tempos de globalização, caracterizado pelas incertezas e a concorrência transnacional, a esperança e o ufanismo, muitas vezes, são atropelados pela preocupação constante e pela indignação, gerando novos medos e desejos variados, sendo a estabilidade um sonho muitas vezes inalcançável, mas um eterno desejo dos homens contemporâneos.

As vantagens da competição, tão decantada por filósofos e economistas liberais ou neoliberais, nos causam grande apreensão e preocupação, competir nos exige esforços cotidianos, que requer uma grande dedicação nas atividades profissionais, sob pena de vermos nossos empregos serem destruídos e nos condenando a uma vida de privações, retirando-nos deste maravilhoso mercado de consumo, marcados pelo prazer e pelo hedonismo, cuja senha de entrada está nos recursos financeiros que mantemos em bancos ou lastreadas por atividades profissionais de sucesso e destaque social, sem estes recursos o indivíduo estará condenado ao ostracismo social.

O mundo vive hoje um momento de apreensão, uma crise ronda a Europa, os resquícios do crash de 2008 ainda preocupam bancos centrais e a comunidade financeira, contaminando as esperanças da população, preocupada com os ajustes que prenunciam cenários intensos de horror, privações e desesperanças, tudo isso porque os custos monetários e fiscais dos ajustes sempre são pagos pelos contribuintes numa velha equação onde os lucros são privatizados e os prejuízos são, sempre, socializados, sinais evidentes de quem realmente detêm o poder na comunidade mundial.

Empresas investem e desinvestem com uma rapidez e uma flexibilidade impressionantes, entram e saem dos países da noite para o dia, gerando novos empregos ou impulsionando incremento no desemprego, uma situação inusitada jamais vista anteriormente na sociedade internacional, fruto dos avanços na informática e na tecnologia que diminuem as distâncias e aumentam a concorrência entre os indivíduos, agora a competição não é mais local, muito menos nacional, mas sim internacional ou global, como muitos preferem.

Alguns autores vêem este momento da economia internacional como saudável e positivo, afinal a concorrência gera grandes benefícios para os consumidores, que podem adquirir produtos diversificados e a preços reduzidos, além dos preços, que estão em queda, esquecem, muitas vezes, que este indivíduo não é apenas um consumidor, vivemos em uma sociedade capitalista onde para consumirmos é fundamental possuir renda e esta, para o indivíduo comum, só é possível através do emprego e do trabalho físico, justamente estes se encontram em um período de grandes transformações estruturais e os novos empregos exigem uma ampla qualificação, muitas vezes algo inalcançável para o trabalhador comum, é por isso que o desemprego aumenta e muitos vêem o processo atual de globalização como algo negativo e desfavorável ao trabalhador.

No caso do Brasil vivemos um período bastante interessante, nos anos 90 o país passou por grandes ajustes macroeconômicos, a economia se abriu para o mundo, algumas empresas estatais foram privatizadas, atraímos investimentos internacionais e estabilizamos a economia, reduzindo a inflação a padrões normais aceitos pela comunidade internacional, estas transformações foram fundamentais para que nos anos recentes conseguíssemos uma melhoria nos indicadores sociais e na implantação de políticas públicas que culminaram na redução da miséria, melhoria no emprego e na ampliação das oportunidades sociais.

O crescimento da economia brasileira abriu oportunidades e novas perspectivas para a sociedade, novos investimentos nacionais e estrangeiros previstos anteriormente estão se efetivando, gerando novos empregos nas mais variadas áreas, desde setores de alta tecnologia que buscam profissionais altamente qualificados até setores intensivos em mão-de-obra que buscam trabalhadores com menor qualificação teórica e boa bagagem prática, como a construção civil, um setor com grandes perspectivas de expansão no país.

O Brasil vive um grande paradoxo, ou melhor, mais um paradoxo, somos a oitava economia do mundo, estamos em franco crescimento econômico e com grandes melhorias sociais, somos ainda o palco da próxima Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas (2016), que requer bilhões de reais de investimentos e mesmo assim, encontramos nos rincões deste país mais de 40% da população sem esgoto tratado e, sem este, morrendo de doenças primitivas erradicadas no mundo desenvolvido e nas regiões mais adiantadas do próprio país.

Nenhum país que se desenvolveu nos últimos 100 anos conseguiu fazê-lo sem maciços investimentos em educação e na qualificação de sua mão de obra, a educação é o grande gargalo da sociedade brasileira, sem investimentos sérios nesta área não vamos alçar novos vôos na economia mundial, a hora mais propícia para estes investimentos é agora, a globalização faz com que os países se movimentem com uma agilidade intensa, todos devem se preparar para a competição que é algo inexorável, violento e agressivo, afetando todos os cidadãos em todas as regiões do mundo.

Investimentos maciços em educação são fundamentais, é um pré-requisito para o desenvolvimento econômico e sustentado no longo prazo, deixando de lado o chamado vôo de galinha e consolidando um verdadeiro desenvolvimento econômico, com inclusão social e melhorias constantes nos padrões de vida e consumo, deixando de lado o fútil e o supérfluo e se concentrando em coisas mais importantes e necessárias para uma vida saudável.

A sociedade mundial, envolta em grande competição, exige investimentos na qualificação da mão de obra, nenhum país conseguiu se desenvolver e ganhar novos espaços na economia internacional com uma população que apresenta níveis médios de educação de cinco anos, o Brasil para se tornar efetivamente uma realidade na economia mundial precisa melhorar a qualidade de seu capital humano, transformar sonhos em realidade só se efetiva quando a educação abre espaço para a ascensão social de sua população, quando proporciona oportunidades e melhorias para seus cidadãos, capacitando-os para a vida, não apenas para o mercado e para o imediato.

Um dilema que nos consome, ou melhor, que deveria nos consumir: um país como o nosso, caracterizado por tamanha deficiência em sua infra-estrutura, marcado por grande desigualdade social deveria gastar bilhões para abrigar, durante trinta dias, o maior espetáculo de futebol do mundo? Embora satisfeito com o progresso brasileiro dos últimos 15 anos ainda não estou convencido dos benefícios deste investimento que não se restringirá a recursos da iniciativa privada, conhecendo este país e a elite política que o governa, não estou me referindo ao governo atual, com certeza, muitas fortunas serão construídas com recursos públicos, muitos desconhecidos entrarão para a cena política depois do espetáculo do futebol.

Cabe à sociedade brasileira fazer escolhas imediatas, severas, muitas vezes amargas e bastante duras, este momento de oportunidades crescentes não vai durar muitos anos, vender o país na sociedade mundial exige decisões estratégicas de líderes comprometidos com a sociedade e com o futuro, a época de propagandas enganosas chegou ao fim, precisamos de políticas e decisões concatenadas para que as expectativas de progresso se efetivem e se tornem verdadeiras.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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