Trump põe as polícias nas ruas, por Luiz Francisco Carvalho Filho

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Mascarados, agentes do governo fizeram até sequestro de aluna de doutorado

Luiz Francisco Carvalho Filho, Advogado criminal, é autor de “Newton” e “Nada mais foi dito nem perguntado”

Folha de São Paulo, 29/03/2025

É aterrorizante a cena de prisão da estudante turca Rumeysa Ozturk, 30 anos, por agentes mascarados do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, captada por câmera de vigilância urbana, em Massachusetts.

A mulher é submetida a sequestro-relâmpago por homens que não se identificam. É suspeita de ser favorável a palestinos de Gaza e desfavorável ao governo de Israel, o que significaria, segundo autoridades migratórias, antissemitismo. Muçulmana e bolsista de prestígio no programa de pós-graduação da Universidade Tufts, tem o visto de permanência cassado.

Não é caso isolado. Trump põe as polícias nas ruas, persegue delitos de opinião e ambiciona instituir uma dinâmica política de limpeza étnica e ideológica nos campos universitários.

Com fundamento em lei de 1798, editada para tempos de guerra e nunca utilizada em tempos de paz, que permite deportar cidadãos de “países inimigos” sem garantias do devido processo legal, Trump avança contra venezuelanos que supostamente pertencem a gangues e a grupos criminosos. Convênio sinistro de colaboração totalitária, o governo de El Salvador faz a gentiliza remunerada de acolher presos dos EUA em suas gigantescas prisões. É a terceirização da violência e do abuso de poder.

Nas fronteiras, não se pronuncia a palavra “não”. Turistas são atingidos. Com base em “suspeita razoável” e sem mandado judicial, agentes dos órgãos de imigração encontram meios de invadir, em busca de informações sensíveis ou comprometedoras, a privacidade de telefones e computadores de quem viaja a passeio para Nova York ou para a Disney.

Ordens executivas de controle ideológico atingem escritórios de advocacia com histórico de patrocínio de causas contrárias ao que se convencionou chamar de pensamento trumpista. Não resistem pelo temor de perder a clientela para a concorrência.

Instituições museológicas e de pesquisa como o Smithsonian são acusadas de ideologia imprópria. Cientistas patrocinados pelo governo norte-americano estão impedidos de participar de encontros internacionais que discutem temas inoportunos, como clima, vacinação.

A resistência é pífia. Como mostra o jornalista Guga Chacra, em O Globo, a capitulação é geral. Não há mais vozes dissonantes no Partido Republicano como havia no primeiro mandato. O líder da minoria democrata no Senado a nada se opõe. A venerável Universidade Columbia sucumbe para não perder fundos federais de financiamento e admite restrições à liberdade acadêmica. A covardia e o oportunismo se espalham como fogo.

Muito além da guerra tarifária, o presidente dos Estados Unidos quer anexar a Groenlândia e intimidar países vizinhos. Aparece como chefe de uma polícia planetária e corrupta, pronta para agir, o que, no Brasil, dá ânimo para a famiglia Bolsonaro de criminosos políticos e para seus agregados de sempre, os golpistas silenciosos.

Ambicioso, o autocrata não tem limites. Trump ameaça com impeachment juízes que eventualmente criem embaraços judiciais para atos que violam a Constituição.

Os Estados Unidos, a despeito das suas guerras e da arrogância diplomática, têm tradição profunda de liberdades civis, que, agora, escorre como água pelos dedos.

A América está de ponta-cabeça.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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