Tempos nebulosos e ideias ultrapassadas

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Vivemos um momento de crescimento da desesperança, os grupos sociais estão envoltos em medos e preocupações, a pandemia está incrementando os desesperos dos trabalhadores e dos empresários, principalmente os micros e pequenos, percebendo que as novas transformações tendem a gerar desestruturações, instabilidades e incertezas generalizadas. Para aumentar as preocupações, a pandemia agrava as condições sociais, incrementando as instabilidades econômicas e as incertezas políticas. Diante deste ambiente, a saúde pública pede socorro, as depressões crescem rapidamente, as ansiedades se tornam mais evidentes e os suicídios aumentam, levando a desestruturações familiares e convulsões sociais.

O ambiente destacado anteriormente é um dos mais sombrios da sociedade brasileira nas últimas décadas, desde os anos oitenta, um mercado de forte degradação econômica e inflação em ascensão, precarização social em elevação e variados problemas políticos, o país não passava por uma crise de escala tão surpreendente, com décadas perdidas e atrasos em gerações, preocupações, medos e desesperanças.

O ambiente em curso na sociedade brasileira gera medo no mundo do trabalho, levando pessoas a preocupações constantes, inúmeras reestruturações produtivas e alterações financeiras estão impactando os trabalhadores e gerando mais desempregados estruturais. Empresas transnacionais anunciam o fechamento de unidades seculares, como o encerramento das atividades da Ford Motors, uma montadora tradicional, responsável pela criação do modelo de produção, o Fordismo, que embalou as atividades produtivas em todas as regiões do mundo. Através desta estratégia global da montadora norte-americana, a empresa anunciou a demissão de milhares de profissionais da unidade do ABC, levando muitos trabalhadores ao desespero, ao medo e a revolta silenciosa.

Diante desta situação, os editoriais dos jornais e os pseudoespecialistas, se anteciparam para destacar que as medidas anunciadas pela montadora são geradas pelo péssimo ambiente de negócio, alta carga tributária, mão de obra com baixa produtividade e taxas de juros elevadas, destacando as condições de competitividade sistêmica inexistência na empresa, como se a empresa pouco conhecesse o mercado nacional.

A Ford Motor chegou no país a mais de 100 anos para produzir e criar vínculos duradouros com a sociedade brasileira, estes pseudosespecialistas esquecem que os verdadeiros motivos destas medidas é o empobrecimento da população nacional, o país está ficando cada vez mais pobres, a classe média está diminuindo e perdendo relevância no cenário nacional. Estamos acumulando duas décadas perdidas num período de menos de quarenta anos, numa situação de descalabro que vivenciamos na contemporaneidade, outras empresas tendem a fechar suas unidades, reduzindo investimentos e a geração de empregos e reduzindo os impactos positivos sobre o desenvolvimento do país.

A situação está tão preocupante que, além da Ford Motors, outras empresas anunciaram o fechamento de empresas no Brasil, como a Audi e a Mercedes-Benz. Outras empresas estão desistindo de produzir no mercado nacional, como a japonesa Sony e a sul-coreana LG, empresas de sucesso no mercado global que deixaram um rastro de desemprego, desesperos e degradação social.

O processo de desindustrialização brasileiro está nos acompanhando desde o final dos anos 80 e início dos anos 90, desde então, a economia vem perdendo o dinamismo industrial e, ao mesmo tempo, percebemos que outros países e regiões, ganharam protagonismo no cenário global, onde destacamos os países asiáticos, com um arranjo pragmático envolvendo os governos nacionais fortemente protecionista e empresas privadas estimuladas e empreendedoras. O resultado é o fortalecimento da região como o polo dinamizador da estrutura industrial do mundo, desbancando regiões tradicionais e destruindo indústria em ascensão, como as de países latino-americanos, como os setores industriais brasileiros.

Enquanto os países latino-americanos foram alunos prendados e esforçados na adoção da cartilha de Consenso de Washington, no final dos anos 80, adotando medidas liberalizantes, reduzindo as políticas protecionistas, incrementando as privatizações e diminuindo o papel do Estado na economia, os países asiáticos foram alunos relapsos, abandonando as cartilhas dos países defensores do neoliberalismo e colheram frutos diferentes. Enquanto os seguidores do Consenso colheram destruição industrial, fragilização de suas estruturas econômicas e produtivas, os países asiáticos colheram fortalecimento das estruturas industriais e a construção de empresas fortes e consolidadas no ambiente global.

Neste momento percebemos que grandes grupos nacionais foram vendidos ou desnacionalizados, perderam a autonomia de suas estruturas econômicas e produtivas, os países asiáticos construíram empresas de ponta no capitalismo internacional. Atualmente o capitalismo global passou a conhecer grandes conglomerados produtivos e industriais, tais como as chinesas Tencent, a Baidu, a Chery, a Huawei, a Lenovo, a Alibaba; as sul coreanas Samsung, a LG, a Hyundai, a Kia; as Taiwanesas Acer, HTC, dentre outras. O processo de industrialização gerou grandes conglomerados que competem com os grandes grupos ocidentais, gerando confrontos geopolíticos, como os que estamos observando nos conflitos entre as grandes economias da economia internacional, Estados Unidos e a China, um grande embate na busca pela hegemonia, tendo nos setores de semicondutores um dos setores mais competitivos, onde cada um dos países se organizam para garantir a liderança neste mercado,

As experiências exitosas dos países asiáticos foram fortemente planejadas com os Estados Nacionais, um conluio entre os grandes agentes econômicos e políticos, uma estratégia construída entre Estados e Mercados. Esta atuação conjunto entre os setores está distante de países como o Brasil, vivemos um conflito entre estes entes, gerando instabilidades políticas com impactos negativos dos setores econômicos, reduzindo os investimentos produtivos, criando desconfiança crescente e perpetuando uma condição de subserviência de estratégias bem construídas centradas nos interesses nacionais.

Nesta semana, o criador do Consenso de Washington, John Willianson, morreu nos Estados Unidos, aos 82 anos, suas ideias impulsionaram o pensamento neoliberal. Neste momento da contemporaneidade, o neoliberalismo vem perdendo espaço na agenda dos países desenvolvidos e dos países asiáticos. Infelizmente no Brasil, esta agenda ainda está na ordem do dia, perpetuando o atraso intelectual de uma elite que pensa, primordialmente, nos interesses econômicos imediatistas, deixando de lado os interesses da sociedade nacional.

De um lado, percebemos uma pressão dos grupos empresariais, das mídias corporativas, dos grandes escritórios de advocacias, das grandes consultorias e dos grupos de pensadores do capital que ganham impulsionando as vendas de ativos públicos, dilapidando patrimônio em prol de interesses imediatistas, transformando tudo em verdadeiros negócios. Mesmo sabendo que o pensamento neoliberal vem perdendo espaço, no Brasil esta presente em mentes e corações de muitos teóricos cosmopolita.

A redução do Estado deve ser estimulada em setores ineficientes e pouco estratégicos, vendendo setores que não atuem de forma condigna. Mas precisamos refletir sobre as desestatizações, sem planejamentos e sem pensamentos estratégicos, por este, vem criando verdadeiros vácuos produtivos, transferindo os centros de poder e estruturação globais, contribuindo para a desestruturação da economia nacional.

A pandemia deixou claro que os países que conseguiram preservar setores de centro de tecnologia, pesquisas e conhecimento científico, estão conseguindo sair melhores neste momento e se mostram mais capacitados e qualificados para vacinar sua população, retomando o crescimento da economia e melhorando os indicadores macroeconômicos.

Percebemos que muitos grupos não perceberam que as privatizações e a redução do Estado terão impactos negativos para os grupos privados nacionais, os mesmos setores que bradam menos intervenção do governo na economia serão os mais prejudicados pela redução da atuação do Estado, isto porque, olhando a história brasileira e dos empresários nacionais, percebemos que os grandes grupos privados necessitam dos favores e das benesses dos governos de plantão, sendo de direita, de esquerda e de centro.

Este é o modo de atuação dos capitais privados nacionais, sempre imediatistas e buscam lucros elevados, querem menos intervenção estatal para garantir mais benefícios e direitos sociais reduzidos para os trabalhadores, mas ao mesmo tempo, exigem mais Estados para subsidiar seus recursos financeiros, taxas de juros elevadas para valorizar seus investimentos improdutivos e o protecionismo da concorrência dos grandes grupos globais.

Neste momento de pandemia, faz-se necessário aos grandes grupos sociais, econômicos e políticos, repensarem o que queremos para o Brasil nos próximos anos, reconstruindo as estruturas produtivas que estão sendo destruídas e repensar o papel do país na sociedade internacional, aumentando a autonomia, investindo maiores recursos em saúde, educação e na construção de políticas públicas inclusivas, abrindo espaços para a diversidade. A contemporaneidade exige mais criativa, mais espírito empreendedor e maior capacidade de tomar risco, buscando a transformação que sempre estamos esperando desde a independência nacional, lá se vai uns 200 anos…

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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