Autor do best-seller ‘A Geração Ansiosa’ compara o uso das mídias por adolescentes ao vício em heroína
BÁRBARA BKUM
FOLHA DE SÃO PAULO – 24/06/2024
De acordo com Jonathan Haidt, as crianças não estão bem.
Segundo dados da pesquisa mais ampla dos Estados Unidos sobre saúde e uso de drogas, o percentual de adolescentes que relataram ao menos um episódio depressivo grave saltou de menos de 15% em 2005 para quase 30% em 2020. No Brasil, os registros de ansiedade entre adolescentes superaram os de adultos pela primeira vez na história em 2023.
Para Haidt, que é psicólogo e professor da Universidade de Nova York, só há uma narrativa capaz de oferecer a explicação completa do problema, diante de hipóteses como as crises climáticas e econômicas a nível global: o livre acesso a redes sociais e smartphones.
Na última semana, a tese de Haidt ganhou tração quando a maior autoridade de saúde dos Estados Unidos, Vivek Murthy, pediu que plataformas de mídias sociais, como Instagram, TikTok e YouTube, incluíssem um aviso de que o uso pode ser prejudicial à saúde.
A posição de Murthy foi contestada, tanto por lobistas da big tech, quanto por cientistas que apontaram outras hipóteses para a derrocada na saúde mental infantil, e diziam que elas deveriam ser consideradas.
Uma delas é o aumento da consciência sobre saúde mental entre os jovens, que poderia ter aumentado os números de deprimidos e ansiosos. Haidt responde a isso com dados alarmantes de hospitais psiquiátricos, que mostraram aumento em casos de automutilação e tentativa de suicídio. Mas mesmo esses dados são contestados. O jornalista David Wallace-Wells escreveu, no The New York Times, que os índices de suicídio aumentaram em todas as faixas etárias.
Desde 2010, a taxa de meninas de 10 a 14 anos atendidas por casos como esses cresceu 188%, segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA). Wallace-Wells sinaliza que, em 2011, por causa de uma mudança com a implementação do Obamacare (a expansão da saúde pública nos EUA), indagações sobre saúde mental passaram a fazer parte do pacote de cuidado.
Haidt reúne essas informações e rebate algumas críticas no best-seller “A Geração Ansiosa”, que sai em julho no Brasil pela Companhia das Letras, sob o mote de que houve uma derrocada na saúde mental a partir do momento em que celulares com acesso a mídias sociais se tornaram parte integrante da infância e da adolescência.
Foi por volta de 2010 que a câmera frontal se disseminou nos smartphones, com a chegada do iPhone 4. Dois anos depois, o Instagram passou para as mãos do Facebook, hoje Meta, de Mark Zuckerberg. De 2011 a 2013, a rede foi de 10 milhões de usuários para 90 milhões. Hoje, estimativas do Statista apontam para 2 bilhões de pessoas com contas no aplicativo.
“Quando o smartphone com mídias sociais entra na sua vida, ele vai ficar no centro dela para sempre”, diz Haidt em entrevista à Folha. Com isso em mente, ele sugere que essa entrada demore um pouco mais –um limite de 13 anos de idade para o primeiro celular e 16 para redes sociais.
Assim, segundo ele propõe na obra, seus cérebros passariam pelos períodos mais críticos da puberdade protegidos dos mecanismos viciantes que fragmentam a atenção em troca de pequenas doses de dopamina.
A humanidade viu o surgimento da TV e da internet e seu efeito nas crianças. O que mudou com a chegada do smartphone a ponto de o sr. nomear esse período como ‘a grande reconfiguração’? Pessoas mais velhas sempre temem as tecnologias usadas pelos mais jovens. É razoável se perguntar se tudo isso é um pânico moral. Mas há diferenças.
Observamos que no mesmo ano em que a maioria das crianças passou a usar smartphones, houve o maior aumento já registrado em distúrbios psíquicos.
Em 2012, as estatísticas de saúde mental nos Estados Unidos mudaram drasticamente. Não havia sinal de problema até 2011. Depois, meninas nos EUA e em outros países começaram a dar entrada nos prontos-socorros psiquiátricos.
Não víamos organizações de jovens baby boomers pedindo que programas de TV viciantes não fossem feitos, mas vemos isso na geração Z. É uma emergência de saúde mental.
Então, basicamente, ficamos sem alternativas além dos celulares para explicar a crise. Nos EUA, poderiam haver outras explicações. Mas a tendência se repete no Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia. Há evidências em estudos correlacionais, longitudinais, experimentais e empíricos.
O sr. menciona no livro que a crise é com os jovens, mas parece que essa mudança social da tecnologia afetou a sociedade como um todo, mudou a relação que temos uns com os outros. Com certeza. No século 20, a pesquisa feita em torno da TV não estabeleceu se ela era uma causa clara para distúrbios psíquicos. Mas as mudanças sociais foram gigantes. As pessoas deixaram de estar com seus vizinhos para ficar em casa vendo TV.
Mídias sociais, por outro lado, não nos tornam consumidores passivos, mas pessoas cheias de opiniões, prontas para reclamar de tudo.
“A Geração Ansiosa” se preocupa em distinguir as mídias sociais da internet como um todo. Por que fazer essa distinção hoje? Um mistério enorme é: por que os millennials estão bem e a geração Z está tão mal se eles também cresceram na internet, com celulares?
Até 2010, quase ninguém tinha smartphone. Eram celulares flip ou tijolões. Não havia Instagram nem câmera frontal e pouca gente tinha internet banda larga. Não se passava o dia no celular em 2010.
Mas, em 2015, ao menos nos países ricos, todo mundo já tinha um celular com câmera frontal. As meninas estavam no Instagram e a internet rápida estava amplamente disponível.
Quando o smartphone com mídias sociais entra na sua vida, ele vai ficar no centro dela para sempre. Mas, para os millennials, isso não aconteceu até o fim da puberdade. Quando você se tornou usuária assídua de Instagram?
Provavelmente lá pelos meus 19 anos. É esse meu argumento. É por isso que você está bem. Bem, eu não sei se você está bem, mas sua geração, os nascidos até 1995, de modo geral, estão bem.
Porque aos 19 anos o seu cérebro já tinha praticamente passado pela puberdade. Mas se você tiver uma irmã alguns anos mais jovem… Ela tem celular?
Tem, mas sem Instagram. O negócio dela é o YouTube. O pior é o Instagram. Mas os shorts [vídeos curtos] do YouTube são horríveis. São terrivelmente viciantes. Não têm benefícios. Esses vídeos de 10 a 15 segundos são pequenas doses de dopamina fácil e barata. Ninguém abaixo dos 18 anos deveria ver isso.
Hoje de manhã [17 de junho], a principal autoridade de saúde dos Estados Unidos [Vivek Murthy] pediu ao Congresso que colocasse avisos em mídias sociais, de que elas podem ser um risco à saúde mental.
Como se fosse um alimento com alto teor de açúcar. Sim, mas se pais decidissem criar seus filhos numa dieta de baixo açúcar, eles poderiam. Se pais quiserem seus filhos fora das mídias sociais, a única forma é vetar a internet como um todo e trancafiá-los. A vida em família, em todo o mundo, é uma briga em torno do tempo de tela.
O sr. diz no livro que há uma dicotomia entre uma parentalidade superprotetora com os filhos no mundo físico, mas permissiva no mundo digital. Qual a relação dessa infância orientada ao smartphone com essa superproteção? Nos EUA e no Reino Unido, nós perdemos a confiança uns nos outros nos anos 1990. Havia histórias de abuso sexual, algumas reais, outras não, e paramos de deixar que nossos filhos saíssem de casa.
Naquele momento, já existiam computadores pessoais. As crianças os adoravam, especialmente os meninos. Todos estavam felizes. Mas esses predadores sexuais não estão nos parquinhos. Eles estão no Instagram.
A internet era segura no começo. Claro que havia conteúdo inapropriado, mas não era opressivo. Até as redes sociais não eram tão ruins. Mas quando surge o feed, o botão de curtida, por volta de 2009 a 2011, ela não é mais uma rede consistente, é uma plataforma.
Cada criança está numa plataforma, fazendo uma performance para o mundo, torcendo para ter o holofote sobre ela.
Vi um artigo no [jornal americano] The Wall Street Journal em que mães de meninas influenciadoras admitiam saber que os seguidores de suas filhas eram homens adultos que se masturbavam para as fotos delas, mas diziam que as meninas precisavam daqueles seguidores. O Instagram está transformando famílias em cafetinas.
Por que a crise de saúde mental da geração Z afeta meninas de forma tão desproporcional? Se você olhar só para os índices de ansiedade, depressão e automutilação, as meninas estavam na frente em 2010. Existe evidência clara que isso está relacionado às mídias sociais.
No caso dos meninos, a conexão com a mídia social é menos clara. Mas depois de publicar o livro, pensei que deveríamos procurar esses meninos e meninas depois de já adultos.
As mulheres continuam deprimidas e ansiosas. Mas os homens estão desempregados e solteiros, porque a puberdade era só videogame e pornografia. Eles não fazem ideia de como flertar e tem problemas para olhar as pessoas nos olhos. Seus cérebros foram moldados por dopamina rápida, então eles são incapazes de trabalhar por uma recompensa a longo prazo.
Pais também são usuários assíduos de mídias sociais e celulares. Será que eles não deveriam se preocupar em ser exemplos melhores, além de regular os comportamentos? Sim, mas não acho que tenha grande impacto. Adolescentes estão 99% focados no que seus colegas estão fazendo e pensando. Eles não se importam com a opinião dos pais. Se eu começar a ler a revista The Economist em casa, minha filha de 14 anos vai começar a ler? Claro que não.
Devemos ser modelos melhores e devemos ter regras claras para uso de celular em família, como durante as refeições. Não leve o celular para a cozinha ou sala de jantar. Nada de celulares pouco antes de dormir.
Mas as crianças não estão nos copiando. Elas estão respondendo à maior força social que uma criança pode encontrar, que é ser incluída.
O sr. propõe marcos de idade para se ter um smartphone [13 anos] e para uso de mídias sociais [16 anos]. Como equilibrar isso com essa pressão social? Há dez anos, a idade média em que se adquiria um smartphone era 13 anos, por aí. No Reino Unido, um quarto das crianças de 5 a 7 anos têm seu próprio celular. Logo nós vamos implantar telefones no útero.
Eu acredito que seja um problema de ação coletiva. Damos celulares às crianças porque todo mundo dá. Os pais estão encurralados, exaustos e desmoralizados. Isso explica o sucesso do meu livro.
Ele está dizendo, “ei, você não está maluco, isso faz mal aos seus filhos”. E podemos sair dessa juntos a um custo de zero dólares.
Por isso a posição da autoridade máxima da Saúde nos EUA é importante. Isso dá suporte aos pais que querem negar acesso ao Instagram aos seus filhos de 10 anos. Ele está sugerindo normas.
Podemos fazer essa reforma com normas e não leis, mas algumas são necessárias.
Como o sr. sugere que essas leis e normas funcionem? Podemos expressar nossa raiva e pedir ação aos políticos. Podemos processar as empresas. E podemos nos organizar coletivamente nas escolas, proibindo os celulares.
Não permitir o uso na aula e pedir que os alunos deixem o aparelho no bolso é como permitir que um viciado em heroína leve a droga para uma clínica de reabilitação, desde que a mantenha no bolso. O vício é tão grave que é necessário trancar os celulares e só devolver na saída.
Apesar de sua restrição a mídias sociais e smartphones, o sr. não parece restritivo com relação ao uso de outros tipos de tela. Existe tempo de tela de qualidade? Com certeza. Ver filmes é ótimo. Se seu filho de 6 ou 7 anos vê uma ou duas horas de TV por dia, sem problemas.
Mas a geração Z nunca tem oportunidade de prestar meia hora de atenção. São sempre interrompidos. A tela em si não é o problema. O problema é a fragmentação da atenção.
JONATHAN HAIDT, 60
Professor da Stern Business School da Universidade de Nova York, é doutor em psicologia social pela Universidade da Pensilvânia e pesquisa os fundamentos da moral em diferentes culturas. Antes de “A Geração Ansiosa”, publicou “A Mente Moralista” (Alta Cult), “A Mente Justa” (Edições 70) e “A Hipótese da Felicidade” (LVM Editora).