Reconstruindo as capacidades estatais, por André Roncaglia

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Transparência ajuda a qualificar debate sobre o papel das empresas públicas no século 21

André Roncaghia, Professor da Unifesp, pesquisador associado do Ibre-FGV e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

Folha de São Paulo, 08/08/2024

A Sest (Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais) do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) apresentou, há alguns dias, o “Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais”, um mapa do sistema de empresas estatais federais.

O relatório oferece uma descrição de cada uma das 44 empresas sob controle direto da União e permite uma análise mais adequada dos resultados das estatais ajustados aos seus objetivos.

A imprensa costuma repercutir uma análise superficial, tipicamente financista, de lucro ou prejuízo. A extrema direita se gaba de o governo Bolsonaro ter melhorado a gestão das estatais, mas os números mostram o desmonte a granel do sistema, por meio de cortes de investimento e da venda lesa-pátria da Eletrobrás.

Os objetivos das empresas estatais transcendem a mera busca de resultados financeiros de curto prazo. Sua governança considera aspectos ligados ao interesse público, como a geração de empregos de qualidade, o abastecimento e a segurança alimentar, a inovação tecnológica e a gestão focada em resultados.

Em 2023, o sistema de empresas estatais federais contribuiu com cerca de 6% do PIB em valor adicionado bruto e mais 6% na compra de insumos, ativando cadeias produtivas nacionais. Os ativos somaram cerca de R$ 6 trilhões (60% do PIB), e o lucro líquido foi de R$ 197,9 bilhões: dois terços desse resultado vieram da Petrobrás (R$ 125,2 bilhões), seguida pelo Banco do Brasil (R$ 33,8 bilhões), pelo BNDES (R$ 21,9 bilhões) e pela Caixa Econômica Federal (R$ 11,7 bilhões). A queda de 28% nos lucros relativos a 2022 se deveu à redução nos preços do petróleo e ao aumento de 30% dos investimentos das empresas.

Em termos de emprego, o sistema detém mais de 436 mil postos, com atuação em todo o território nacional, e vem melhorando a baixa representatividade das mulheres (ainda em 38% do total), mas que já detém 49% dos empregos gerados nos últimos dez anos.

Ao longo do ano de 2023, foram distribuídos R$ 128,1 bilhões em dividendos e juros sobre o capital próprio, dos quais a União recebeu R$ 49,4 bilhões. Cerca de R$ 222 bilhões foram pagos na forma de impostos, taxas e contribuições para municípios, estados e a União. Os lucros retidos no total de R$ 101 bilhões podem reforçar os investimentos ligados ao Novo PAC.

A Ebserh, que controla 41 dos 45 hospitais universitários federais (responsáveis por mais 8 milhões de cirurgias em 2023), e a Embrapa (tecnologia agropecuária) receberam, cada uma, cerca de R$ 4 bilhões do Tesouro. E os Correios receberam R$ 532 milhões para universalizar o acesso à distribuição postal.

No mundo inteiro, as empresas estatais retomam sua centralidade em setores estratégicos, como os de rede (ferrovias, portos, eletricidade, saneamento, telecomunicações etc.) e na produção e na prestação de serviços (saúde, financeiros, manufatura, indústria aeroespacial etc.). Um estudo do Roosevelt Institute —”Industrial Policy 2025: Bringing the State Back In (Again)”—mostra que, das 10 maiores empresas do mundo, 4 são estatais. A França, por exemplo, tem mais empresas estatais que a ex-soviética Rússia. O Brasil tem menos cobertura estatal do que Suíça, Alemanha e Argentina.

Ao operar uma agenda intensiva em inovações para o setor público, o MGI visa construir as capacidades estatais para lidar com os desafios da transição ecológica e da digitalização da economia. É uma estrada longa e repleta de obstáculos. Por isso, a maior transparência ajuda a qualificar o debate público sobre o papel das empresas estatais no século 21.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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