‘Reação do mercado é ideológica’, diz Monica de Bolle sobre alta do dólar após fala de Lula
‘Quando teve a PEC Kamikaze, que foi a maior licença para gastar, o mercado nem se mexeu. Com o Orçamento secreto, não fez quase nada’, critica professora da Universidade Johns Hopkins.
Por Victor da Costa, Jornal O Globo – 11 novembro 2022
A economista e professora da Universidade Johns Hopkins, Monica de Bolle, criticou a reação do mercado às declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que o sobe-e-desce do dólar e da Bolsa não quer dizer nada. Em uma rede social, ela disse esperar que ele não atrapalhe a transição.
Como vê as declarações do mercado em relação às falas do presidente eleito?
O mercado está sempre com posições compradas e faz esses movimentos de Bolsa e dólar para ganhar dinheiro. Esses movimentos não querem dizer nada. O que realmente importa é a discussão macroeconômica por vir. Os economistas do mercado têm uma visão míope e estão com ela há muito tempo. O pessoal está olhando o Brasil há bastante tempo com certa condescendência.
Se ele tivesse alguma racionalidade, teria tido uma reação muito forte a todas as alterações feitas no atual governo no teto de gastos. Quando teve a PEC Kamikaze, que foi a coisa mais populista e gastadora, a maior licença para gastar, o mercado nem se mexeu. Foi uma cosquinha. Com o Orçamento secreto, não fez quase nada.
O teto de gastos já não existe há bastante tempo, basicamente desde que foi criado. Foi modificado em praticamente todos os anos do governo Bolsonaro. Quando você pega o conjunto de mudanças ocorridas, foi uma regra fiscal para jogar no lixo. A reação do mercado é ideológica.
O que deve ser feito com o teto?
O momento é de revogar e fazer um teto novo. Tem que ser algo que funcione e não pode ser feito às pressas.
Tem o pessoal do fetiche do teto e o pessoal que acha que não precisa de regra fiscal nenhuma. Discussão racional não é feita dessa maneira. O Brasil precisa de uma regra fiscal sim. A regra do teto é bem melhor do que uma regra de superávit primário. Isso é incontestável.
O que seria um bom teto?
Uma regra fiscal bem feita não pode ter um horizonte de curto prazo, como no Brasil. Geralmente são de dois a três anos. Uma boa regra tem de ter previsibilidade para se adequar a momentos ruins. O nosso regime de inflação tem flexibilidade. O mesmo tipo de coisa vale para uma regra de teto de gastos.
Um horizonte mais estendido, que é a boa prática internacional, funciona muito bem para isso. Você ter um horizonte de dois a três anos, por exemplo, em vez de cumpri algo anualmente.
E quando você trabalha em um horizonte mais longo, você consegue construir uma regra que aguente em momentos contracíclicos.
Essas mudanças de desenho tornam o teto realista, permitem que você tenha um mecanismo de amortecimento quando você precisa. E permite que tenha uma regra com flexibilidade suficiente para não ser alterada o tempo todo, o que afeta
a credibilidade. Ninguém está falando aqui em licença para gastar.
Alguns economistas defendem que gastos do Bolsa Família fora do teto trazem impacto na inflação…
Isso demonstra total desconhecimento de como a economia funciona. O gasto social com as famílias mais pobres vai para o consumo. Inflação não é causada por um grupo de pessoas de baixa renda consumindo. Isso é uma espécie de economia simplória. Quando você permite e aumenta o gasto, como fizemos no Auxílio Emergencial, as pessoas consumiram e isso gerou crescimento.
A economia brasileira não teve recessão como outras por causa do auxílio. Vimos inflação não em 2020, mas em 2021 pela gestão Bolsonaro, com o fim dos estoques reguladores por causa da inflação dos alimentos. O Brasil acabou com estoques reguladores em 2019 para agradar ao agronegócio. E, em 2021, quando veio o choque de preços, não tinha mecanismo para usar.
Só pegando esse exemplo, você ilustra todas as falácias desse argumento. Não são os mais pobres que geram a inflação. Eles movem a economia. Você está falando de pouquíssimo dinheiro para gerar inflação.