Quem vai pagar os estímulos fiscais e monetários?

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Programas para incentivar atividades econômicas somaram US$ 20 trilhões, ou 25% do PIB mundial.

Paulo Leme* – OESP – 06/09/2020

Todos nós pagaremos a conta dos grandes programas de estímulos fiscais e monetários implementados pelos governos para atenuar os efeitos recessivos da pandemia. Sem entrar no mérito desses programas, a conta a ser paga é da ordem de US$ 20 trilhões (25% do PIB mundial). Dessa quantia, 60% foram financiados com emissão de dívida pública e 40% através da política monetária.

Esses recursos foram utilizados para estimular a demanda agregada, transferir renda aos desempregados, e salvar as empresas diretamente afetadas pelo lockdown, evitando um colapso ainda maior da oferta agregada.

A boa notícia é que junto com as medidas de saúde pública para controlar a pandemia, esses programas de estímulo permitiram que a economia mundial se recuperasse já a partir do segundo trimestre. Mesmo assim, estimo que a pandemia destruiu quase que US$ 10 trilhões do PIB mundial, o que exigirá pelo menos 18 meses para que volte ao seu nível de fevereiro.

O meu objetivo é explicar como e quem vai pagar essa conta de 25% do PIB. Os governos usarão três fontes principais de financiamento. Primeiro, o aumento da dívida pública. Segundo, a senhoriagem, através da emissão de moeda, aproveitando que a crise aumentou a demanda por base monetária: assustados com a crise, investidores resgataram as suas aplicações e se refugiaram em caixa, entregando sua poupança aos bancos centrais. Só nos Estados Unidos e na Europa esse movimento foi equivalente a 3,5% do PIB mundial. Terceiro, os bancos centrais compraram trilhões de dólares de ativos de risco do sistema financeiro, cuja contrapartida foi a expansão das reservas bancárias e papel moeda. Por sua vez, os bancos repassaram parte desses recursos para empresas e famílias através de empréstimos.

As perguntas são quando e como os governos vão repagar o setor privado. Isso dependerá do país, da solidez das suas instituições fiscais e monetárias, e se o país emite ou não (como no caso dos EUA e UE) moeda e dívida que são aceitas como reservas internacionais.

Há quatro caminhos para repagar (ou não) os 25% do PIB. Essas alternativas são complementares e não mutuamente exclusivas. Primeiro, as economias desenvolvidas pagarão esse passivo de forma transparente e orçamentária. Isso quer dizer que nos próximos 30 anos os governos aumentarão os impostos para pagar os juros e o principal da dívida pública. Isso significa que o PIB mundial só não caiu mais graças à transferência intertemporal de crescimento e de recursos de futuras gerações.

Segundo, quando a economia mundial voltar a crescer, haverá um aumento da demanda por instrumentos financeiros, parte da qual será atendida pela venda de ativos hoje encarteirados pelos bancos centrais. Isso reduzirá as reservas bancárias e o tamanho dos balanços dos bancos centrais.

Terceiro, os governos utilizarão instrumentos quase fiscais ou formas indiretas de tributação. O melhor exemplo disso são as taxas de juros reais negativas, que hoje cobrem quase que dois terços de todos os instrumentos de renda fixa no mundo. Juros negativos são um imposto que incide sobre os poupadores e um subsídio aos devedores (governos e empresas). A segunda forma de tributação indireta é o imposto inflacionário: a inflação é equivalente a uma forma de calote porque corrói em termos reais os salários e o valor do principal da dívida. A terceira forma de tributação é desvalorizar a moeda, mas esta é uma arma que só funciona para países que emitem ativos de reserva internacional.

Quarto, o último recurso é simplesmente dar um calote na dívida. Em um processo de reestruturação, o devedor reduz o valor da dívida através de um haircut (corte) no principal. No caso da reestruturação da dívida de uma empresa, ela impõe uma perda aos acionistas da empresa e credores.

Não há almoço grátis. O choque real imposto pela covid-19 exigiu que os governos transferissem rapidamente um volume gigantesco de recursos do setor privado (e de países com uma alta taxa de poupança) para estimular a demanda e a oferta agregada.

Assim como não ter feito nada não era uma opção, no futuro, a conta virá na forma de aumento de impostos e inflação, desvalorizações cambiais, calotes, e queda do crescimento econômico.

*PROFESSOR VISITANTE DE FINANÇAS NA UNIVERSIDADE DE MIAMI

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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