País possui riqueza para aplicar 10% do PIB em ensino público de qualidade
Miriam Fábia Alves, Presidenta da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)
Nelson Cardoso do Amaral, Presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação)
Folha de São Paulo, 13/02/2024
No editorial “Educação a sério” (1º/2), esta Folha avaliou que a Conferência Nacional de Educação (Conae) “desperdiça tempo” e é pautada por “bandeiras demagógicas”.
O texto aponta o pedido de revogação do ensino médio como “revanchismo”. Em 2023, a ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) demonstrou em cinco seminários regionais e documento para o MEC resultados de pesquisas que indicam que o novo ensino médio amplia desigualdades, prejudica a formação humana pela redução de carga horária e retirada de disciplinas e se ampara em itinerários pouco claros e inexequíveis. Portanto, uma política frágil, com graves prejuízos aos estudantes, que não dá para ser remendada.
O editorial também cita o aumento doinvestimento em educação para 10% do PIB (Produto Interno Bruto) como “meta farsesca” e afirma que o dispêndio atual é compatível com o padrão global.
Vejamos: o Education at a Glance de 2023, da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mostra que o Brasil investe bem menos que a média dos países-membros, segundo o Dólar por Poder de Paridade de Compra (US$-PPC), que permite a comparação. Em 2020, a média da OCDE foi de US$-PPC 11 mil contra US$-PPC 3.300 no Brasil —ou seja, 30% do montante aplicado nos “países desenvolvidos”.
A leitura atenta do documento-base da Conae 2024 evidencia de onde “sairiam tais recursos”. Além de novos impostos, o Brasil possui riqueza para aplicar 10% do PIB em educação pública, como já expôs a Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) em nota técnica.
Além disso, medidas adotadas em “países desenvolvidos” mostram, por exemplo, que a Noruega mantém um fundo soberano com sua riqueza natural. E a Coreia do Sul saltou o investimento por aluno de US$ 151 para US$ 8.230 (1970 a 2018).
Já o argumento falacioso de que “a educação brasileira precisa antes de gestão do que de mais verbas” ignora a falta de recursos estruturais em milhares de escolas e condições mínimas de carreira a docentes e profissionais.
O editorial também cita metas não alcançadas do atual Plano Nacional de Educação (PNE), como matrículas em creches e oferta de escola em tempo integral, para justificar que o novo plano necessita de “metas mais palpáveis”.Com isso, ignora que o último decênio foi marcado pela lei do teto de gastos (que ceifou a viabilização de metas), pela pandemia e por um governo que de 2019 a 2022 trabalhou pelo desmonte da educação.
O que está em jogo na Conae é a construção de um projeto de país com propostas robustas e ambiciosas que coloquem a educação como protagonista no desenvolvimento social e político brasileiro, com justiça social, ambiental e equidade. Assim, o texto-base ao PNE 2024-2034 avança em aspectos como a transição ecológica e o desenvolvimento sustentável.
Contando que este texto subsidiará o projeto de lei do governo a ser apreciado por um Congresso Nacional conservador, é essencial que expresse tudo o que a sociedade brasileira de fato almeja e precisa para o desenvolvimento educacional e democrático do país.