Políticos corruptos e desonestos convivendo com empresas e cidadãos virtuosos

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes e devastadores paradoxos, o sistema atual é realmente um misto de escárnio, escrachos e contradições, nesta sociedade percebemos as dificuldades de nos encararmos de frente, de nos enxergarmos como realmente somos e de fazer a autocrítica necessária para superarmos nossas contradições e nos insurgirmos contra estes equívocos que alimentamos todos os dias.

A sociedade parece que está se insurgindo contra anos de exploração e desinformação, depois do advento das redes sociais, todos os indivíduos adoram dar opinião sobre todos os assuntos e temas diferenciados, de uma hora para outra, todos querem discutir política, compartilhar mensagens edificantes, curtir publicações inteligentes e se mostrar como seres dotados de intelecto avantajado e interesse por temas intelectualizados.

Passeando pelas redes sociais, encontramos publicações variadas, de um lado encontramos fotos de situações inusitadas, palavras e expressões inteligentes e curtições variadas, um verdadeiro mundo à parte, onde navegamos e nos sentimos empoderados, nos imaginamos dotados de uma capacidade de reflexão que levaria teóricos importantes da sociedade e se revirar nos túmulos, num misto de inveja e de ressentimentos.

Um dos temas mais comentados no cotidiano das redes sociais é aquele relacionado a corrupção, todos somos contrários a corrupção, todos nos declaramos acima destes vícios mundanos e nos indignamos quando nos deparamos com casos assim ou aqueles que vislumbram desdobramentos de desvios de recursos públicos, de imediato nos lembramos de casos de corrupção, criticamos os investigados e os condenamos de forma imediata, muitas vezes nem lhes dando condições de se defender, se são políticos são todos gatunos, espertos em excesso e usurpadores de dinheiro público.

Nestas reflexões condenamos facilmente a classe política, o grande bode expiatório, afinal são eles os verdadeiros responsáveis pelo nosso atraso econômico, político e cultural. Como destacou nosso presidente, o povo brasileiro é bom e acolhedor, a classe política que nos impede de chegar ao panteão das grandes economias do mundo, afinal, são eles os verdadeiros gatunos do dinheiro público, os assaltantes dos cofres públicos nos impedem o crescimento e uma melhoria nas condições sociais.

Nestas reflexões nos esquecemos de nos colocarmos nesta equação e de assumirmos nosso verdadeiro papel neste atraso histórico de nossa economia e de nossa estrutura política e cultural. Como podemos acreditar na falácia da existência de políticos desonestos, velhacos e corruptos numa sociedade marcada por pessoas e empresas virtuosas e preocupadas com o bem comum e a melhoria das condições sociais? Na verdade, esta classe política que conhecemos foi eleita pela população, tiveram votos e conseguiram alçar esta posição pela via democrática, nenhum destes supostos corruptos e velhacos conseguiram ocupar estes cargos eletivos sem a chancela da população, alguns deles foram votados em dois turnos e angariaram quantidades de votos que lhes concedem legitimidade inconteste.

A corrupção existente na sociedade está incrustada na alma de grande parte da sociedade brasileira, muitos dos indivíduos se estivessem nas casas legislativas ou nos gabinetes do executivo, adoraria se satisfazer dos benefícios e das benesses oriundas de dinheiro público, mesmo sabendo que para bancar este luxo, a população é sobretaxada em recursos que limitam sua dignidade e a condena a uma condição de indignidade e de desesperança.

Ao assumirmos os cargos públicos e usufruir de suas benesses nos esquecemos de nossas origens e de onde vem os recursos que nos financiam, os prazeres e os luxos destes grupos sociais, acreditamos que somos merecedores destes gozos mundanos e defendemos estas benesses, afinal de contas fomos eleitos e legitimados pela população.

A corrupção está na alma do povo brasileiro, desde os tempos da colonização quando comprávamos cargos na hierarquia do Estado para achacar a sociedade com altas cargas de tributos até as propagandas que legitimaram a famosa lei de Gerson que nos colocávamos como pessoas que adoravam levar vantagem em tudo, quando assumimos nossas fraquezas e limitações, nos mostrando em nossas entranhas e mostrando ao mundo nossas fragilidades.

Interessante nestas reflexões, quando nos debatemos com o tema corrupção, nos esquecemos de destacar as empresas e do empresariado privados e seu papel na sociedade que, muitas vezes nos mostram tão responsáveis social e economicamente e, na verdade, são muito mais corruptas e desonestas do que a grande maioria da sociedade. Os casos recentes nos mostram, claramente, que a corrupção crassa por todos os poderes da República, desde o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas não podemos deixar de nos indignarmos com a grande corrupção gerada e mantida pelo capital privado e pelos conglomerados nacionais e transnacionais.

Nos anos recentes, a sociedade brasileira descobriu coisas que, para muitos, seria algo inimaginável, grandes conglomerados econômicos, verdadeiros impérios financeiros, geradores de milhares de empregos, cuja atuação no mercado sempre foi sinônimo de competência e de qualidade de gestão, ruíram como cartas quando tocadas pelas mãos incautas ou pelo vento deselegante. Empresas como a Construtora Odebrecht, o conglomerado JBS, maior processador de carne animal do mundo e a empresa Gol Linhas Aéreas, todas empresas respeitadas e admiradas, muitas delas se mostravam muito bem administradas e saudáveis financeiramente, perderam muita de sua respeitabilidade quando se descobriu que todas elas e muitas outras, durante muitos anos, talvez décadas, se regozijaram com os recursos públicos, colocando a classe política em suas folhas de pagamentos, subornando autoridades nas mais diversas esferas e enriquecendo de forma acelerada ao mesmo tempo que crescia sem pudores e sem ética, esta é uma das vertentes mais evidentes do capitalismo brasileiro que está vindo à tona na atualidade.

No livro Why not, a jornalista Rachel Landim nos relata como um pequeno açougue na nascente capital federal se transformou numa das maiores empresas brasileiras, o modus operandi de seus gestores que não tiveram escrúpulos para comprar e corromper as autoridades que, mesmo recebendo salários bastante generosos do Estado ainda se venderam para angariar benesses maiores de empresas do setor privado.

Os mesmos casos de corrupção estão sendo descobertos em inúmeras empresas nacionais, nestes exemplos todos percebemos que o modelo de desenvolvimento utilizado na economia brasileiro foi responsável por uma verdadeira transformação da sociedade, estimulou um êxodo rural, industrializou o país e melhorou a estrutura produtiva, elevando o Brasil a uma das dez maiores economias do mundo, mesmo assim, o modelo pecou pelo excesso de proteção a economia nacional que acabou gerando distorções no sistema econômico e produtivo, onde os empresários eram ricos e as empresas pobres, com um mercado cativo e garantido, poucas empresas se empenhavam no incremento da produtividade, este modelo gerava uma perniciosa proximidade entre os governos e as elites industriais, que garantiram espaços claros e evidentes de corrupção e desvios de recursos públicos, eternizando o país em condições intermediárias de desenvolvimento, mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo.

A corrupção brasileira está inserida dentro das instituições, desde as casas do legislativo, como nas mansões de executivo e nos tribunais nacionais, tendo o Supremo como um de seus eixos, para que consigamos combater estes desequilíbrios e seus desperdícios mais frequentes, fazem-se necessário que todas estas instituições passem a funcionar de forma efetiva, reduzindo os gastos supérfluos e diminuindo esta exposição excessiva de Ministros e de tribunais que, embora aleguem transparência, esta exposição excessiva expõem os egos insuflados de seus membros e cria uma casta de privilegiados que vivem em condições desiguais e as custas de trabalhadores analfabetos e despreparados para os novos e constantes embates da quarta revolução industrial.

Se queremos combater a corrupção, faz-se fundamental que entendamos, que nenhuma das grandes instituições devem ser deixadas de lado, desde os grandes bancos, passando pelo judiciário, pelas autoridades policiais, pelas instituições religiosas e os setores políticos, todos devem se debruçar na compreensão de nossas desafios mais íntimos, entender que todos devemos nos reinventar é fundamental para um progresso num futuro próximo.

O combate a corrupção deve começar em nossas atitudes do cotidiano, deixemos de culpar nossos representantes que são muito mais parecidos conosco do que queremos enxergar, cumpramos os horários e façamos nossas atividades como fomos designados e recebemos para tal, que muitos professores deixem de enganar os alunos em sala de aula, que os alunos se conscientizem da importância do estudo e passem a se dedicar aos estudos e deixar de lado os olhares interesseiros e as cópias em provas e em trabalhos escolares, que os profissionais da saúde que, muitos deles, se veem ungidos ao patamar de Deuses, possam compreender que seu trabalho é fundamental para a sociedade e que cumprir o horário das consultas e permanecer nos postinhos nos horários de trabalho são promessas que foram feitas na formatura legitimando o juramento de Hipócrates.

Uma sociedade onde os indivíduos riem das contravenções, cortam filas, passam no sinal fechado, ultrapassam por locais proibidos e, constantemente, abusam de não darem setas nos momentos de conversões, como se fossem impermeáveis a críticas e condenações, este cenário pode parecer trágico e está cada vez mais mostrando que somos mesmo muitos mais idiotas do que imaginamos, enquanto nos ludibriamos nos parecendo espertos e moderninhos, estamos nas últimas posições do desenvolvimento e da decência mundiais.

Como nos disse o grande escritor brasileiro Monteiro Lobato, um país se faz com homens e de livros, estes nos auxiliam a moldar a nossa personalidade e nos ajuda em nossa compreensão enquanto seres humanos, na ausência do estudo, do conhecimento e da reflexão crítica, vamos nos tornar um grande exército de incapazes e incompetentes e nosso país será sempre o país do futuro que vive envolto em seu passado como forma de exorcizar seus obsessores que teimam em mostrar ao povo brasileiro uma realidade que ele se acostumou a não enxergar.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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