Pobreza e degradação social no Brasil contemporâneo

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O aumento da pobreza e da desigualdade social é um dos maiores desafios do capitalismo contemporâneo, vivemos em um mundo de constantes mudanças e transformações estruturais com graves impactos sobre as comunidades, gerando medos e desesperanças, esta desigualdade não está mais restrita aos países em desenvolvimento, mas afetam todos os países e regiões, obrigando os governos e as lideranças empresariais a repensarem as estratégias de combate a estes desajustes e melhorar as condições destes grupos mais vulneráveis.

A sociedade brasileira desde meados dos anos 90 passou a conviver com melhoras consideráveis na economia, a redução da inflação, os incrementos dos investimentos na educação, as políticas públicas e os avanços institucionais geraram um período de crescimento mais consistente, criando com isso, as expectativas de que uma nova classe média estivesse em ascensão e o país, felizmente, estaria melhorando suas condições econômicas e ingressando em um novo momento de progresso e de desenvolvimento social.

Depois desta euforia do período 2003/2012, onde o país apresentou crescimento anual na casa dos 4,3%, os avanços obtidos foram sendo perdidos e novos espaços de instabilidades foram sendo construídos de forma acelerada, as reivindicações de 2013 geraram mais instabilidades em um governo fraco e incompetente e contribuíram para mergulhar o país na sua mais intensa e demorada recessão, com forte degradação política e perdas consideráveis na renda agregada e um incremento no desemprego cuja recuperação econômica está se fazendo mais difícil e complicada, como não se imaginava anteriormente.

Dados recentes divulgados pelo Banco Mundial traduzem em números a nossa crise generalizada, segundo esta renomada instituição, entre 2014 e 2017, mais 7,3 milhões de brasileiros caíram na pobreza extrema e passaram a viver com renda mensal de até US$ 5,50 por dia, algo equivalente, pelo câmbio atual, a cerca de R$ 635 por mês, com isso, o grupo dos pobres cresceu de 17,9% para 21% da população nos anos da crise econômica, algo em torno de 40 milhões de pessoas.

A economia brasileira está entre as dez maiores do mundo e, mesmo assim, temos um contingente de pobres e miseráveis de quase 52 milhões de indivíduos, o total de brasileiros vivendo abaixo da linha de extrema pobreza saltou de 5,6 milhões para os 10,1 milhões entre 2014 e 2017, um incremento de 80% ou mais de 4,4 milhões de pessoas, tudo isto nos ajuda a compreender a explosão na área da insegurança e na violência urbana, somente em 2017 foram mais de 62 mil homicídios, um número semelhante a países que vivem em conflitos militares.

A crise econômica iniciada em 2014 foi responsável por grande parte destes números, nestes mais de cinco anos o Brasil conviveu com sua maior recessão, com uma queda no produto interno bruto de mais de 8% e um incremento no desemprego, que levou mais de 13 milhões de pessoa a verem sua renda ser reduzida e as perspectivas de retorno ao mercado de trabalho escasseando, gerando impactos imediatos na economia, reduzindo consumo e obrigando as empresas e os agentes econômicos a diminuir os investimentos.

Desde 2017, a economia não mais se encontra em recessão, o crescimento no último biênio foi de pouco mais de 1,1% ao ano, com isso, nossa renda agregada apresentou uma queda considerável, com previsão de volta aos números de 2013 apenas no ano de 2023, estamos vivendo uma situação sombria com forte degradação social e perdas crescentes para os trabalhadores, uma nova década perdida, diante disso, cabe aos movimentos organizados repensarem suas estratégias e construir alternativas para um futuro próximo, deixando de lado os conflitos por hegemonia e apresentar propostas consistentes para viabilizar novas politicas públicas para o incremento dos indicadores sociais tão devastados nos anos recentes.

Para que tenhamos ideia do tempo perdido pelo Brasil, a taxa média de crescimento econômico na década atual foi de 0,6%, sendo que, nos últimos 30 anos, foi de parcos 2,2%, números muito baixos e insuficientes para uma melhora mais consistente das condições econômicas e produtivas do Brasil. Este período foi marcado por políticas fortemente centradas no combate a inflação que assolava o país, com números na casa do 30% ao mês, onde para vencer os desequilíbrios nos mercados de preços foram adotadas as mais diferentes estratégias, desde congelamento de preços e tablitas a substituição da moeda corrente por uma nova base monetária, além de uma forte valorização cambial.

A trajetória de concentração de renda faz parte da história da sociedade brasileira, nossos números estão nos últimos lugares deste ranking vergonhoso, a população por mais que faça críticas crescentes a esta situação, já se acostumou com esta realidade assustadora e macabra, evitando um discurso político mais estruturado e consistente, fazendo de contas que esta situação está amplamente amparada num determinismo imutável, com isso, vamos vivendo e contribuindo para a perpetuação deste ambiente tenebroso.

Um dos livros mais instigante sobre o tema da desigualdade brasileira foi escrito por Pedro Ferreira de Souza, “Uma História da Desigualdade: a Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil (1926-2013)”, uma obra de escol e leitura imprescindível, que retrata nossa histórica desigualdade social e como a população convive com esta chaga aberta na sociedade, para alguns a população é muitas vezes conivente com a desigualdade mas, com certeza, é pouco informada de como esta situação degrada os laços sociais e cria espaços para conflitos e desequilíbrios estruturais, incrementando a violência, a exclusão e a insegurança.

Vivemos em uma sociedade onde a mobilidade social é reduzidíssima, onde as chances de uma criança oriunda de uma favela carioca ou paulista crescer e se transformar em um profissional de destaque é algo desprezível, nesta sociedade somos governados pelos mesmos agentes públicos, com ocupações que passam de pais para filhos como se vivêssemos em um período feudal, onde a ascensão é desprezível, inexistente.

Como retratou Raimundo Faoro, no seu livro clássico Os Donos do poder, o poder público é indutor de nossa desigualdade, já que é exercido por grupos que administram a maquina pública para derivar benefícios do poder, privilégios e riquezas, esta descrição feita pelo ilustre intelectual em 1958, passados mais de sessenta anos, ainda se mantem bastante atual e preocupante, muitas vezes nos condenando a uma condição de indignidade e exclusão social.

A história da sociedade brasileira é uma história de violências constantes, inicialmente contra os indígenas, depois contra a população negra, fomos um dos últimos povos a abolir a escravidão, nossa elite agroexportadora explorou ao máximo os negros cativos e, ainda hoje, percebemos uma grande indiferença em relação a miséria e a violência generalizadas. Com estes atrasos históricos e a persistência nestas políticas, nos distanciamos a passos largos dos países mais civilizados no mundo que deixaram, a muito tempo, estas heranças escravistas e escravocratas nefastas que prejudicam a economia e retardam o desenvolvimento econômico e as melhorias sociais.

Existem muitas políticas para a redução desta pobreza, de um lado encontramos algumas teses interessantes que devem ser consideradas, tais como o aumento da tributação daqueles que auferem lucros elevados dentro do sistema econômico, principalmente dentro do sistema financeiro, temos uma estrutura tributária centrada nos impostos sobre consumo, tributamos muito pouco a renda e isentamos de impostos aplicações financeiras, com isso, estimulamos uma péssima concentração da renda, fazendo com que nossa situação se transforme em algo insustentável, onde uma pequena parte dos cidadãos são beneficiados enquanto uma grande quantidade são condenados a viverem em situação de degradação, incrementando a pobreza e a desigualdade social.

Temos muitas medidas imprescindíveis na pauta do país, desde a reforma da previdência, até as reformas tributária, política e do Estado, mas precisamos ainda, de reformas que estimulem a concorrência e o incremento da produtividade, reduzindo o papel do Estado em várias áreas através de parcerias público-privada, privatizações e a introdução de uma lógica de eficiência no setor público, ou seja, uma medida pró mercado que prescinda do Estado como agente fundamental no sistema econômico e produtivo.

O aumento da produtividade do trabalho pode ser traduzido como o chamado desenvolvimento econômico, sua efetivação leva a uma melhora nas condições sociais e aumenta as oportunidades de emprego e de renda, para isso, fazem-se necessárias uma maior qualificação do capital humano e uma educação de qualidade que capacite os trabalhadores para as grandes transformações da chamada Quarta Revolução Industrial.

Acreditamos fortemente na integração entre Estado e Mercado, cada um dos agentes possui um papel relevante dentro da sociedade, a atuação integrada é fundamental para garantir uma melhora mais consistente nos investimentos, na distribuição da renda, na geração de empregos e na condição social da população, atuando ainda como fiscalizador e regulador de todo o sistema econômico e produtivo, evitando sempre um crescimento exagerado de suas intervenções e seus resultados negativos, como excessos burocráticos e ineficiências generalizadas, além de um incremento da corrupção e fragilidade da democracia e do sistema político.

Um país com níveis de desigualdade como o Brasil, deve ter um projeto humanista de inclusão social, sem viés ideológico e não deve ser indiferente quanto a miséria de nosso povo, sobretudo esta miséria presente entre os descendentes de escravos, africanos e indígenas e, mais recentemente, de trabalhadores estrangeiros que fogem de seus países em busca de novas e melhores oportunidades de emprego e sobrevivência, muitos deles, como haitianos e venezuelanos, a chegada ao Brasil se dá em busca da sobrevivência.

A situação social do país é tão degradante que, segundo a Agência Nacional das Águas (ANA), 45% da população brasileira não tem acesso adequado a esgoto e a saneamento básico, com implicações diretas na saúde da população, ao mesmo tempo, temos uma tecnologia cada vez mais avançada na sociedade global, onde encontramos uma elite com acesso a serviços inimagináveis em países mais ricos e desenvolvidos.

O país vive momentos de grandes transformações e retrocessos evidentes, depois de um forte e consistente crescimento na primeira década do século XXI, os desajustes fiscais e os desequilíbrios criados no pós 2013 levaram o país a uma forte recessão, depois de mais de 8% de queda no produto interno bruto a economia voltou a crescer de forma tímida e insuficiente, este crescimento nos parece frágil em demasia, necessitamos de uma impulso com urgência, sem este, dificilmente conseguiremos melhorar nossa performance, depois de diagnósticos de forte crescimento em 2019, muitos analistas se mostram preocupados e estão refazendo seus cálculos para 2019, antes 3% de crescimento, hoje as previsões estão na casa dos 2%, pra mim o crescimento será menor, algo entre 1,5% e 2%, número insuficiente para melhorar nossa condição de atraso econômico.

A crise econômica degrada as condições sociais, aumenta a informalidade e reduz os trabalhadores formalizados do sistema, desta forma, percebemos uma redução dos repasses para as instituições previdenciárias e um incremento nos gastos públicos, como forma de reduzir os impactos negativos desta crise, levando o Estado a déficits crescentes que reduzem sua credibilidade perante os agentes econômicos locais e internacionais, encarecendo a captação dos recursos e inviabilizando sua atuação efetiva como investidor para impulsionar o crescimento dos investimentos, atitude esta central para turbinar o crescimento econômico.

O brasileiro acostumou com esta paisagem marcada pela desigualdade social, desde os primórdios somos descritos como uma sociedade desigual, os indicadores do IBGE ou de organismos internacionais, como o Banco Mundial ou a Oxfam, nos mostram claramente esta realidade, sem políticas públicas consistentes e efetivas dificilmente conseguiremos uma melhora neste ambiente, outro ponto central para a redução das desigualdades no médio e longo prazo é a educação, cujos resultados a sociedade brasileira deixa muito a desejar, diante disso, os desafios para o Brasil são imensos e devem ser vistos com urgência pela sociedade, unindo os movimentos sociais, a classe política e os grupos empresariais, deixando de lado os confrontos ideológicos e as picuinhas políticas e eleitoreiras.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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