Como bem observou a escritora Chimamanda Ngozi, se há no país grupo de pessoas que não possui as mesmas oportunidades que outros, existe um problema
Ana Cristina Jornalista especializada em comunicação pública e coordenadora da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPÚBLICA) – Seção Distrito Federal.
Folha de São Paulo, 21/06/2021
A recente entrevista da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie ao programa Roda Viva acabou se revelando uma breve, porém precisa, análise sobre os padrões das relações e interações sociais e culturais brasileiras sob o prisma do racismo institucionalizado no país.
O papo fluía sobre família, luto, feminismo… até que a jornalista Adriana Silva rememorou o interesse confesso da entrevistada pelo Brasil. Quando esteve no país em 2008, Chimamanda se disse impressionada com a relutância que percebeu nas pessoas em reconhecer que existe racismo nestas terras. Na semana passada, ela foi indagada sobre o que motivou tal percepção.
“Várias coisas. A primeira foi: onde estão os negros?”, perguntou a africana. “Estive num festival literário, foi ótimo, mas não havia negros. Em bons restaurantes, eu olhava ao redor e não havia nenhum negro”, observou. “Também percebi que perguntar sobre o assunto incomodava. As pessoas pareciam não querer reconhecer que havia um problema.”
Chimamanda gostaria de ver os negros do Brasil. “Quando vou a um país onde sei que há uma população negra, quero ver o que chamo de ‘minha gente’, pessoas que se parecem comigo.” Mas não viu.
Não viu porque frequentou os lugares errados, ou melhor, esteve em espaços aos quais em geral pessoas negras não têm acesso, salvo na condição de serviçais. Não viu porque na nossa estratificação social, o conceito de minoria tem mais a ver com ausência de poder do que com quantitativo populacional.
A intelectual também se disse surpresa e curiosa com a capacidade do brasileiro de afirmar com orgulho que, por aqui “somos todos misturados” e, ao mesmo tempo, valorizar padrões de beleza que nem de longe são africanos ou negros.
Como bem observou Chimamanda, se há no país um grupo de pessoas que não possui as mesmas oportunidades que outros, existe um problema. E o resultado decorrente dessa desigualdade é de responsabilidade da sociedade que os excluiu.