O que realmente sabemos sobre a economia global, por Martin Wolf

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Da demografia à tecnologia, devemos prestar atenção nas forças que certamente moldarão nosso futuro

MARTIN WOLF, Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Folha de São Paulo, 16/01/2024

FINANCIAL TIMES

O que vai acontecer com a economia mundial? Nunca saberemos a resposta para essa pergunta.

Década após década, algo grande e em grande parte inesperado ocorreu —a grande inflação e os choques do petróleo na década de 1970, a desinflação no início da década de 1980, a queda da União Soviética e o surgimento da China na década de 1990, as crises financeiras nas economias de alta renda na década de 2000 e a pandemia, inflação pós-pandemia e guerras na Ucrânia e no Oriente Médio nesta década de 2020.

Vivemos em um mundo de riscos concebíveis e obviamente importantes. Alguns —guerra entre grandes potências nucleares— poderiam ser devastadores. A dificuldade é que eventos de baixa probabilidade e alto impacto são quase impossíveis de prever.

No entanto, também sabemos de algumas características importantes de nossa economia global que não são incertas. Também devemos considerá-las. Aqui estão cinco delas.

A primeira é a demografia. As pessoas que serão adultas daqui a duas décadas já nasceram. As pessoas que terão mais de 60 anos daqui a quatro décadas já são adultas.

A mortalidade pode aumentar, talvez por causa de uma terrível pandemia ou uma guerra mundial.

Mas, a menos que ocorra uma catástrofe desse tipo, temos uma boa ideia de quem estará vivendo daqui a décadas.

Várias características de nossa demografia são bastante claras. Uma delas é que as taxas de fertilidade —o número de filhos nascidos por mulher— têm caído em quase todos os lugares.

Em muitos países, especialmente na China, as taxas de fertilidade estão muito abaixo dos níveis de reposição.

Enquanto isso, as maiores taxas de fertilidade estão na África Subsaariana. Como resultado, sua participação na população global pode aumentar em 10 pontos percentuais até 2060.

Essas mudanças demográficas são resultado do aumento da longevidade, da transformação nos papéis econômicos, sociais e políticos das mulheres, da urbanização, dos altos custos da paternidade, das melhorias na contracepção e das mudanças na forma como as pessoas julgam o que vale a pena em suas vidas.

Apenas grandes choques poderiam concebivelmente mudar qualquer uma dessas coisas.

Uma segunda característica é a mudança climática. Talvez as tendências atuais sejam revertidas a tempo.

Mas as emissões de gases de efeito estufa mal se estabilizaram, enquanto o mundo continua a ficar mais quente à medida que os estoques desses gases na atmosfera continuam a aumentar. É uma aposta segura que isso continuará acontecendo por muito tempo.

Se assim for, as temperaturas certamente subirão muito mais do que 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, que nos disseram ser o limite superior de segurança razoável. Teremos que trabalhar mais para mitigar as emissões. Mas também teremos que investir pesadamente em adaptação.

Uma terceira característica é o avanço tecnológico. O progresso em energia renovável, especialmente a queda no custo da energia solar, é um exemplo. Avanços nas ciências da vida são outro exemplo.

Mas, em nossa era, a revolução nas tecnologias da informação e comunicação é o centro desse progresso.

Em “The Rise and Fall of American Growth”, Robert Gordon, da Universidade Northwestern, argumentou de forma convincente que a amplitude e a profundidade da transformação tecnológica diminuíram, quase inevitavelmente, desde a segunda revolução industrial do final do século 19 e início do século 20.

A tecnologia de transporte, por exemplo, mudou muito pouco em meio século. Mas a transformação no processamento de informações e comunicação tem sido surpreendente.

Em 1965, Gordon Moore, que fundou a Intel, argumentou que “com o custo unitário diminuindo à medida que o número de componentes por circuito aumenta, até 1975 a economia pode exigir a compressão de até 65 mil componentes em um único chip de silício”. Isso estava certo.

Mas surpreendentemente, a lei de Moore continua sendo verdadeira quase meio século depois. Em 2021, o número de tais componentes era de 58,2 bilhões. Isso permite maravilhas no processamento de dados.

Além disso, 60% da população mundial usou a internet em 2020. Mais transformações na forma como vivemos e trabalhamos devem seguir a partir disso. O desenvolvimento e uso da inteligência artificial é o exemplo mais recente.

Uma quarta característica é a disseminação do conhecimento pelo mundo. As regiões em desenvolvimento do mundo que se mostraram mais hábeis em absorver, usar e promover esse conhecimento estão no leste, sudeste e sul da Ásia, que contêm aproximadamente metade da população mundial.

A Ásia em desenvolvimento também continua sendo a região de crescimento mais rápido do mundo.

Dada a capacidade —e a oportunidade— de alcançar, é uma aposta segura que isso continuará. O centro de gravidade da economia mundial continuará a se deslocar na direção dessas regiões.

Isso inevitavelmente criará mudanças políticas. Na verdade, já criou. O rápido crescimento econômico da China é o grande fato geopolítico de nossa era. No longo prazo, o crescimento da Índia provavelmente também terá grandes consequências globais.

Uma quinta característica é o próprio crescimento. De acordo com o trabalho atualizado do falecido Angus Maddison, bem como do FMI, a economia mundial cresceu todos os anos desde 1950, exceto em 2009 e 2020. O crescimento é uma característica inerente à nossa economia.

As Perspectivas Econômicas Globais recentes do Banco Mundial observam que o que se avizinha em 2024 é “um marco lamentável: o desempenho de crescimento global mais fraco de qualquer quinquênio desde a década de 1990, com pessoas em uma em cada quatro economias em desenvolvimento mais pobres do que antes da pandemia”.

No entanto, mesmo nesse período afetado pelo choque, a economia mundial cresceu, mesmo que de forma desigual entre países e pessoas, e de maneira desigual ao longo do tempo. Não estamos entrando em uma era de estagnação econômica global.

É fácil ser sobrecarregado por choques de curto prazo. Mas o urgente não deve ser permitido a superar nossa consciência do importante. Em segundo plano, as grandes forças descritas acima remodelarão nosso mundo. Enquanto melhoramos nossa capacidade de responder a choques, devemos prestar muita atenção a eles.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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