O Nobel de Economia de 2002 – Daniel Kahneman.

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Osmar Freitas Jr.
Revista Isto É – Edição 13/08/2003 – nº 1767

O professor Daniel Kahneman, 69 anos, dividiu com seu parceiro de pesquisas Vernon Smith (Universidade George Manson) o Prêmio Nobel de Economia de 2002. O curioso é que Smith é um economista, mas Kahneman é psicólogo. Está lá em seu currículo, para quem quiser ver: Daniel Kahneman, professor de psicologia da Universidade de Princeton, no Estado de Nova Jersey. Mas este título parece mero detalhe inoportuno para os interlocutores deste israelense formado pela Universidade Hebrew, em Jerusalém – nas cadeiras de psicologia e matemática –, e depois pela Universidade da Califórnia, onde obteve PhD, também em psicologia. Assim como a Academia Sueca de Ciências Econômicas, há quem ache que o trabalho deste homem – nascido em Tel- Aviv, e naturalizado americano – tem muito a ver com a área econômica. O megainvestidor e escritor Nassin Nicolas Taleb, por exemplo, diz: “O professor Daniel Kahneman é um dos dois economistas mais influentes dos últimos 100 anos.”

Parece um certo exagero, mas em escala até que razoável. Afinal, Kahneman – com suas pesquisas de behaviorismo econômico – mudou a relação entre clientes, consultores econômicos e gestores financeiros. Colocou foco revelador sobre fatos desprezados – como a influência psicológica sobre processos decisórios financeiros. Delineou de modo mais claro as premissas que devem nortear os investidores em resoluções monetárias. Mostrou que nós, humanos, temos tendências prejudiciais à nossa capacidade de escolha econômica, principalmente quando colocamos lucro, prejuízo e prosperidade num mesmo saco de gatos.

Todos esses – e muitos outros exemplos – levam a crer que Kahneman é um economista de mão cheia. O que é negado com veemência por este professor simpático e de fala baixa. “Não sou economista. Fui puxado para esta conversa por outras pessoas”, disse a ISTOÉ, na semana passada, na entrevista, em Nova York, que antecedeu sua ida ao Brasil. Num programa de dois dias, à convite do BankBoston, o Nobel de Economia de 2002 vai dar duas palestras – uma privada e outra pública –, deixando um terceiro dia livre para a apreciação do ethos psicológico dos nativos – cuja economia, o visitante confessadamente, não entende nada. E que fiquem avisados os brasileiros: não peçam dicas sobre bons investimentos na Bolsa de Valores. Daniel Kahneman, como deixa
claro a seguir, é psicólogo.

ISTOÉ – Qual o motivo de sua viagem ao Brasil? O sr. conhece o País?

Daniel Kahneman – Vou passar três dias no Brasil, a convite do BankBoston. E minhas atividades vão depender muito daquilo que eles queiram que eu faça. Eles vão me dizer. Acho que desejam
que eu fale em duas conferências – uma delas será mais para o
público em geral, a outra será mais privada, e tenho um terceiro
dia livre. Eu já estive no Brasil há dez anos.

ISTOÉ – O sr. está familiarizado com a economia brasileira?

Daniel Kahneman – Não, não só não conheço a economia brasileira como não sei muito sobre a economia em geral. Eu sou psicólogo.

ISTOÉ – No entanto, o sr. ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002…

Daniel Kahneman – Isso foi consequência do uso de alguns de meus experimentos, que foram depois utilizados por alguns economistas.
ISTOÉ – Como é que o sr. foi levado a trilhar a tortuosa estrada da economia?

Daniel Kahneman –Na verdade, não foi uma decisão minha. Nós não escolhemos o estudo de assuntos econômicos a priori – e quando eu digo “nós” estou me referindo também ao professor Vernon Smith, com quem eu colaborei em 1996, e com quem dividi o Prêmio Nobel. Por causa de nossos experimentos, os economistas nos puxaram para dentro do assunto. Foram eles que “puxaram conversa”. Essa aproximação ocorreu em múltiplas fases. O momento mais importante aconteceu quando um jovem em particular – um brilhante economista – apostou sua carreira, por assim dizer, na idéia de usar a psicologia em teorias econômicas. O nome desse homem é Richard Thaler (professor de economia comportamental da Universidade de Chicago), que desde então se transformou num economista muito importante e também meu amigo particular. Richard é a figura fundamental no campo da chamada “Behavior Economics” (“economia comportamental”). Foi quem deu os passos essenciais nessa área. Assim, como você vê, eu não sou um “economista comportamental”: sou um psicólogo. Como disse, fui puxado para dentro desta conversa e desse modo publiquei trabalhos em conjunto com economistas.
ISTOÉ – Mas seus experimentos alicerçaram esta área. O sr. poderia nos descrever um experimento típico, conduzido em seus estudos?

Daniel Kahneman – Bem, eis um deles: dá-se a um grupo de pessoas um objeto de algum valor. Digamos uma condecoração. Num grupo grande
de estudantes de uma classe, metade das pessoas recebe uma dessas condecorações. A outra metade não ganha nada. Para aqueles contemplados é dito que eles podem levar o objeto para casa ou trocá-lo por dinheiro. Pergunta-se a essa gente: caso aceitem a troca, por quanto estariam dispostos a vendê-lo? Nós vamos decidir por quanto será feita essa venda. Perguntamos se eles venderiam a peça por US$ 10. Depois perguntamos se venderiam por US$ 9,50, e vamos baixando o preço até uma base de 50 centavos de dólar. Já aqueles que não ganharam a condecoração – e não têm nada – sabem que alguns de seus companheiros de classe receberam o prêmio. A estes foi dito: vocês têm a chance de receber a condecoração – como os outros – ou receber uma quantia em dinheiro. Novamente fazemos ofertas: US$ 10; US$ 9,50, baixando até os 50 centavos e fixando uma quantia mínima para a venda. O que essa gente toda está fazendo é calculando quanto vale aquela peça. E se você pensar bem as opções colocadas diante dos dois grupos são idênticas. Uns ganharam a condecoração e podem trocar por dinheiro, outros não ganharam, mas podem recebê-la ou trocar por dinheiro, do mesmo modo. Basicamente, as situações dos dois grupos são semelhantes. Mas verificamos que as pessoas que já tinham em mãos a peça pediram o dobro em dinheiro. A média foi o preço de US$ 7 para aqueles que tinham ganhado a condecoração e US$ 3,50 para o outro grupo. Esse é um experimento típico realizado por mim.
ISTOÉ – E o que isso vem a provar?

Daniel Kahneman – O que se vê nesse experimento é que as pessoas que são as vendedoras – aquelas que já têm o objeto – olham para sua posse como algo de que eles teriam de abrir mão. E as pessoas simplesmente odeiam ter de abrir mão de qualquer coisa: imaginam a transação como uma perda, mesmo recebendo em troca um valor em dinheiro. Já aqueles que não tinham o item em mãos não reagem dessa forma. Eles veem o objeto como algo que podem receber, não têm nada a perder. As atitudes dos dois grupos são diferentes. As pessoas têm reações muito distintas quando recebem algo e quando não recebem nada, mas contemplam a possibilidade do recebimento. Este é um dos experimentos típicos, que foi combinado com outros para formularmos teses.
ISTOÉ – O sr. poderia dar um outro exemplo de experimento que se complemente a este?

Daniel Kahneman – Como complemento a este experimento que citei nós fizemos outro. Em termos psicológicos, os dois exemplos estão relacionados. Essa nova experiência envolve um jogo de “cara e coroa” com uma moeda. Estipulamos que, se a moeda lançada caísse no lado “cara”, a pessoa perderia US$ 10. Caso contrário – caindo em “coroa” –, a pessoa iria receber uma quantia “X”. Perguntamos, então, qual seria a quantia mínima de “X” para que a pessoa aceitasse participar do jogo. A maioria das pessoas pediu entre US$ 20 e US$ 25. Novamente, a quantia pedida corresponde ao dobro do valor da perda ou duas vezes aquilo que poderiam perder. Trata-se de nova constatação de que as pessoas dão muito maior valor àquilo que podem perder do que àquilo que podem receber. Assim, em ambos os experimentos verificamos este padrão.
ISTOÉ – Em termos de teoria econômica, o que esses experimentos provam?

Daniel Kahneman – Estabelece-se que as pessoas não costumam pensar em termos de prosperidade, mas sim de lucros e prejuízos.

ISTOÉ – Explique melhor essa conclusão. As pessoas comuns fazem uma grande conexão entre lucros, perdas e prosperidade, não é verdade?

Daniel Kahneman –Vamos explicar isso com um exemplo: imagine que você investiu uma certa importância agora. O investimento tem o prazo de
um ano e você não sabe exatamente o que irá acontecer ao final desse tempo. Como se dá seu mecanismo de pensamento? Você pensa em quanto dinheiro irá ganhar no próximo ano nesse investimento no futuro. Mas pensar em termos de prosperidade é algo totalmente diferente. Nesse caso, calcular prosperidade é se perguntar: qual minha riqueza agora (ou quanto dinheiro eu tenho no total neste momento) e quanto dinheiro eu terei no próximo ano se o investimento que fiz der certo ou der errado? Essa última linha de pensamento segue uma análise sobre prosperidade: é quando se consideram todas as probabilidades para calcular a extensão de sua riqueza num futuro determinado. A riqueza
do momento e a futura são colocadas na balança.
ISTOÉ – Qual a diferença entre esse cálculo e aquele que as pessoas fazem quando têm como foco principal as considerações sobre perdas e ganhos?

Daniel Kahneman – Quando as pessoas pensam mais em perdas – enfocando o raciocínio em termos de prejuízos possíveis –, elas têm reações mais conservadoras. E, como vimos, as pessoas odeiam perder algo, mais do que ganhar alguma coisa. Mas quando elas pensam em termos mais gerais, mais globais, em prosperidade, são mais receptivas à aceitação de riscos. Quando se tem a prosperidade como foco principal, a pessoa fica mais confortável com a idéia de arriscar.

ISTOÉ – O sr. já declarou que superconfiança tem enormes implicações em termos econômicos. O que isso significa?

Daniel Kahneman – A idéia geral é a de que as pessoas parecem agir na crença de que conhecem uma situação, estão por dentro dos fatos, quando na verdade não sabem tanto quanto pensam. No mercado de ações, por exemplo, muita gente acredita que sabe o momento em que deve parar de investir, ou vender suas ações, ou aumentar seus investimentos, quando, na verdade, essas pessoas não sabem. Não têm informações suficientes para tomar essas decisões com a segurança que pensam possuir. Desse modo, pode-se afirmar que as pessoas em geral são muito superautoconfiantes. Esta característica tem enormes efeitos no comportamento do mercado.
ISTOÉ – Em qual área de investimentos o sr. acredita que esses padrões de comportamento econômico têm maior impacto?

Daniel Kahneman – Acho que esses padrões levantam sérias questões sobre a sabedoria – ou o bom senso – das pessoas ao investir. Principalmente levando-se em consideração que elas estão no mercado financeiro, competindo contra grandes corporações, as consequências das decisões individuais são enormes e trazem grandes impactos. Acho que o estudo do behaviorismo econômico será cada vez mais importante para explicar e apontar fundamentos básicos para se aumentar a poupança dos indivíduos e da população em geral. Uma das grandes preocupações econômicas hoje em dia trata da questão das poupanças individuais. Acho que nossos estudos vão ter implicações imediatas para as pesquisas neste campo. Por outro lado, existem instituições financeiras que usam as teorias e estudos de comportamento econômico para apostar contra o mercado em geral. Um exemplo disso: existe um fenômeno no qual quando se olha um grupo de ações, um fundo de investimento que perdeu dinheiro por um longo período de tempo, em geral esse fundo se torna uma boa aposta futura. O valor das ações que têm perdido dinheiro por muito tempo é muito baixo. Um portfólio desse tipo de ações geralmente vai ter melhor performance do que o restante do mercado. A isso se chama aposta contra a corrente, e as grandes instituições financeiras se aproveitam dessa tática.
ISTOÉ – Suas teorias têm validade multicultural, ou seja, elas representam tendências humanas globalizadas? Pessoas na França, Nigéria, Cingapura ou Brasil agem da mesma forma em experimentos semelhantes àqueles feitos pelo sr. nos Estados Unidos?

Daniel Kahneman – Nós realmente não sabemos com certeza. Não há uma quantidade grande de estudos internacionais nessa área. Mas, pelo
que vimos em algumas pesquisas, nossas descobertas principais são provavelmente bastante universais. É claro que também existem muitas diferenças culturais. Mas ainda não foi estudado e qualificado qual o
peso dessas diferenças nas decisões feitas em experimentos iguais
aos nossos em outros países. Aquilo que nós aprendemos veio de experiências nos Estados Unidos.

 

ISTOÉ – Tempos atrás o sr. escreveu que aparentemente as pessoas são mais felizes na Califórnia. O que o levou a essa conclusão?

Daniel Kahneman – Na verdade, o ponto principal deste texto é que elas não são mais felizes que pessoas em outras partes. O que acontece é que em outras partes todo mundo acredita que os californianos são mais felizes. Mas isso é uma impressão errada. E tenho certeza de que neste momento, com o enorme déficit orçamentário (US$ 36 bilhões) e outros problemas no Estado, os californianos não estão muito felizes.

 

ISTOÉ – O sr. poderia dar alguma dica de investimentos futuros?

Daniel Kahneman – Eu não seria tolo a ponto de dar qualquer dica nessa área.

 

ISTOÉ – Alguns analistas vêem em seus estudos a validação do mercado financeiro. Outros acreditam que suas pesquisas mostram que o mercado não funciona. Quem está certo?

Daniel Kahneman – Novamente devo dizer que está fora de minha alçada, mas em todo caso posso opinar que o mercado financeiro funciona bem – ainda que tenha imperfeições –, mas está provado que é muito, mas muito difícil ganhar dinheiro nele. Não é para qualquer um.
ISTOÉ – Como o sr. acha que os investidores vão se comportar em 2004, nos Estados Unidos:

Daniel Kahneman – Não tenho a menor idéia. Não sou economista.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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