O império da lei sob ataque, por Oscar Vilhena Vieira

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Suprema Corte terá a resiliência demonstrada pelo STF?

Folha de São Paulo, 21/03/2025

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023)

Subjugar o Poder Judiciário é um passo essencial na cartilha do populismo autoritário. Foi assim na Venezuela, de Chávez, na Rússia, de Putin, na Hungria, de Orbán, e na Turquia, de Erdogan. Em todos esses países a erosão do império da lei passou por ataques ao sistema de Justiça, seguidos da captura e subordinação dos tribunais pelo poder político.

A escala de ataques a juízes federais nos Estados Unidos não é um bom presságio. O atual governo está não apenas seguindo a malfadada cartilha populista como ampliando o seu repertório ao ameaçar escritórios de advocacia que estejam patrocinando ações contrárias aos interesses do governo, alerta Steven Levitski, autor de “Como as Democracias Morrem”.

A partir de uma interpretação cesarista das prerrogativas do Poder Executivo, ideólogos do presidente têm proposto uma verdadeira subversão do sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição, buscando afastar do legislador e, sobretudo, dos juízes a competência para controlar os atos do Executivo.

As ameaças de impeachment têm sido empregadas como um instrumento de intimidação dos magistrados, não apenas pelo presidente. Elon Musk lançou uma campanha pública e fez doações para membros do Congresso dispostos a promover o impeachment de juízes que se oponham ao governo. Isso levou o recatado e conservador John Roberts, presidente da Suprema Corte, a emitir nota afirmando que “o impeachment não é uma resposta apropriada quando se discorda de decisões judiciais”.

Difícil prever se o Judiciário norte-americano, tido como um dos mais independentes e poderosos do mundo, terá a resiliência demonstrada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro ou pela Suprema Corte de Israel, que sobreviveram às investidas de Bolsonaro e Netanyahu.

Como nos lembra Alexander Hamilton, um dos pais fundadores da Constituição norte-americana, o Judiciário não tem nem a bolsa nem a espada para se impor. Conta apenas com a autoridade de suas decisões e com a lealdade dos atores políticos e cidadãos para sobreviver.

Se é verdade que o eleitor tradicionalmente tende a punir políticos que descumpram decisões judiciais ou ameacem a independência dos tribunais, a última eleição norte-americana pode estar estabelecendo um novo paradigma na medida em que o confronto com o Judiciário constituiu parte explícita da agenda premiada pelo eleitor.

Essa nova dinâmica incorporada ao projeto de subversão do Estado de Direito tem levado algumas democracias, como a alemã, a fortalecerem as barreiras de proteção aos seus tribunais.

No Brasil, onde os ataques também têm escalado, é imperativo que o próprio sistema de Justiça reduza suas vulnerabilidades, aumentando a eficiência, a integridade e a imparcialidade na aplicação da lei, assim como reduzindo privilégios corporativos inaceitáveis.

Na esfera do Supremo, o mais urgente seria reduzir radicalmente as decisões monocráticas. O emprego abusivo dessas decisões cria enorme instabilidade e grave insegurança jurídica. O Supremo também precisa adotar um código de conduta que contribua para a preservação de sua autoridade e integridade. O STF também tem o desafio de não errar no julgamento daquele que quis subjugá-lo.

A cartilha do populismo autoritário, atualizada por Trump, certamente inspirará políticos ambiciosos e oportunistas a aumentar os ataques ao Judiciário ao redor do mundo.

Não há por que acreditar que aqui será diferente.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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