Nós não vamos pagar nada?

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Autor: Chris Anderson – Editor da revista Wired –

Consumidoras correm para aproveitar promoção em loja nos EUA

Chris Anderson, editor da revista de tecnologia e novas tendências “Wired” e um dos pensadores da internet, é o promotor de dois conceitos muito caros a esse meio. O primeiro é a “teoria da cauda longa”, estratégia de negócio segundo a qual a meta é vender poucas unidades de muitos e variados itens, o que substituiria o popular modelo dos “best-sellers”.

O segundo é o que ele chama de “freeconomics” ou a economia das coisas de graça, alicerçada no fato de que o custo de armazenamento e transmissão de conteúdo digital baixa cada vez mais. De onde vem o dinheiro? Do conceito “freemium”, junção das palavras “free” e “premium”: a maioria consome de graça (“free”), bancada por uma minoria que paga por uma versão de mais qualidade (“premium”).

Ambos os conceitos foram desenvolvidos em artigos, viraram palestras e livros.

O segundo surgiu recentemente em livro nos EUA e chegou neste mês ao Brasil. É “Free – O Futuro dos Preços” (Free – The Future of a Radical Price, no original). Nele, e na entrevista que deu à Folha por telefone, Anderson defende que, sim, diferentemente do que popularizou o economista Milton Friedman (1912-2006), existe almoço de graça -desde que a sobremesa seja bem paga por alguém.

Nos EUA, a versão eletrônica do livro ficou disponível gratuitamente por alguns dias. Agora é vendida por US$ 26,99 [R$ 50], em papel, e US$ 9,99, versão eletrônica -o “audiobook” em inglês continua de graça e pode ser baixado do site do autor, www.thelongtail.com.

No Brasil, só papel e só a dinheiro: R$ 59,90 por 88 páginas. A editora Elsevier já vendeu a primeira tiragem, de 10 mil cópias, prepara a segunda e colocou os três primeiros capítulos de graça em www.elsevier.com.br.

FOLHA – Se a informação quer ser livre/de graça, por que tenho de pagar R$ 59,90 para ler seu livro?
CHRIS ANDERSON – Não tem. Poderia ir ao site e baixar o “audiobook” gratuitamente.

FOLHA – Sim, mas quem quer ler em português, caso da maioria dos leitores brasileiros, tem de desembolsar.
ANDERSON – Cada região tem um editor diferente, cada um tem um enfoque diferente para isso, uma estratégia própria.
Nos EUA, era de graça. No Reino Unido, na Bélgica. A única parte que eu controlo é o “audiobook”. Eu encorajei todos os editores a dar o livro, alguns aceitaram, outros não.

FOLHA – Por que um editor pagaria milhares de dólares pelos direitos de seu livro, outro tanto para traduzir, mais ainda para imprimir e distribuir e finalmente daria de graça aos leitores brasileiros? Faz sentido economicamente?
ANDERSON – O livro trata disso extensivamente, mas sim, eu acredito que, se feita corretamente, essa ação vai levar a mais vendas do livro, não a menos. Você não precisa dar a versão física, pode dar a digital.
E, se você acredita que a versão física é a “premium”, que as pessoas ainda preferem ler em papel por todas as razões óbvias, para manter, fazer anotações, ler na praia, então não precisa temer dar a versão digital de graça, pois será uma forma de marketing, de amostra que vai promover a física.

FOLHA – Em seu livro, o sr. defende que sim, há almoço de graça, no sentido de que há toda uma economia florescendo baseada em dar os produtos, e não vender. Como isso funciona no caso específico da indústria de conteúdo?
ANDERSON – Em primeiro lugar, não há nada de novo aí. O que está mudando é o conceito, que evoluiu de um truque de mercado para um modelo econômico. Essa mudança é impulsionada pela indústria tecnológica. A ideia de conteúdo livre tem cem anos: rádio é de graça, TV aberta é gratuita. O problema é que agora anúncios não são mais suficientes para sustentar o modelo. Daí o que chamo de “freemium”, onde você dá a maior parte de seu conteúdo de graça, mas reserva parte dele, geralmente a melhor parte, para os que pagam.

FOLHA – O sr. cita Brasil e China como a nova fronteira da “freeconomics” e a forte presença de pirataria nos dois países como algo positivo. Como a pirataria pode ser benéfica para uma economia?
ANDERSON – Pirataria é uma palavra mal compreendida. Nem todo o conteúdo distribuído dessa maneira é pirata. Alguns são, outros são “pirateados”, entre aspas, por vontade dos autores, que valorizam a distribuição gratuita. Um dos exemplos que dou é o tecnobrega brasileiro. Não é pirataria, porque os autores autorizam os camelôs a reproduzir e vender os CDs sem lhes pagar nada.
Meu ponto é: conteúdo digital pode ser copiado e distribuído a um custo cada vez mais próximo de zero e, de uma maneira ou de outra, vai ser distribuído. Usar os mesmos canais de distribuição dos piratas será uma decisão de cada artista.
Mas o fato é que essas são as forças motoras da atual economia, são intrínsecas à internet e à era digital e impossíveis de serem contidas. A pirataria não é boa para a economia, mas a distribuição gratuita sim, e os piratas são os primeiros a usá-la.

FOLHA – O sr. diz ter problemas com as palavras “mídia”, “jornalismo” e “noticiário”. Por quê?
ANDERSON – Eu sei o que “mídia profissional”, “jornalismo profissional” e “noticiário profissional” significam. Mas como chamar quando isso é produzido por amadores? A maior parte do que eu leio hoje em dia está on-line e não vem desses canais. Está no Facebook, no MySpace, no Twitter, em blogs. Leio sobre amigos, família, hobbies. O que é isso? Eu não acho que a palavra “jornalismo” descreve o que está acontecendo. Acho que precisamos de novas palavras.

FOLHA – Ao mesmo tempo uma breve visita a sua conta no Twitter revela que o sr. segue o “New York Times”, a revista “New Yorker” e várias outras contas da chamada mídia tradicional. Além disso, seu trabalho principal vem de editar uma revista de papel, a “Wired”. Como o sr. concilia isso?
ANDERSON – Nós vivemos num mundo de hipermídia, onde não temos mais o monopólio sobre a atenção do leitor. Acho que há um papel para a mídia tradicional, mas há também um papel crescente para todo o resto. Nós vivemos em ambos os mundos. Você não vive em ambos os mundos?

FOLHA – Mas o sr. é o evangelista desse novo mundo e edita uma revista do velho mundo. Como concilia os dois?
ANDERSON – Nós usamos o modelo “freemium”. O que está na wired.com é de graça, faturamos um pouco com a publicidade on-line, e isso levanta assinaturas para a revista, que é o nosso “premium”.

FOLHA – Se o sr. me dá o conteúdo de graça on-line, por que eu pagarei por ele na revista?
ANDERSON – Porque não é o mesmo conteúdo, as palavras podem ser as mesmas, mas a revista é mais que palavras, é um pacote visual, com fotos, arte e um conceito de edição. De graça, você não tem o pacote.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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