Para vencedores do Nobel de Economia, EUA são modelo para o mundo, mas índices de qualidade de vida dizem o contrário.
Álvaro Machado Dias, Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind.
Folha de São Paulo – 05/11/2024
Três raciocínios de interesse nacional emergem dos papers dos nobelistas de economia de 2024.
(1) Uma vez que instituições inclusivas são a base da prosperidade, o golpe militar pode ser descrito como um dos eventos mais danosos da República, posto que as suspendeu por décadas.
(2) Conforme a institucionalidade leva à prosperidade pela via da destruição criativa, segue que o agronegócio monocultor está nas antípodas do enriquecimento nacional. Sendo ou não pop, tech e yellow, o horizonte criativo da banana é bem menor que o da IA.
(3) Mudanças institucionais, como a reforma tributária, tendem a ser ainda mais importantes do que intuímos, porém exceções acumuladas costumam tornar arranjos novos tão ruins quanto os anteriores. Descontos atualmente negociados farão parte de teses futuras sobre as nossas falhas.
Essas perspectivas dão uma medida do grande poder translacional do paradigma dos autores, que em diferentes ocasiões apresentam os Estados Unidos como modelo de institucionalidade.
Aí o caldo entorna: tendo imigrado para lá aos 9 anos de idade, sinto que isso dialoga pouco com o campo. Um país em que é comum crianças invadirem a escola para matar os colegas de fuzil enquanto seus pais se engalfinham em lutas profissionais ferinas não me parece desenhado para revelar o melhor de nós. Do mais, no índice Edelman de confiança nas instituições de 2024, os Estados Unidos estão no fim da fila, abaixo da Colômbia, onde as Farc viraram partido.
A questão é profunda: a riqueza individual, norteadora das teses dos laureados sobre ganhadores e perdedores, não é fim, mas meio, para a realização em ato dos valores fundamentais humanos, os quais Thomas Jefferson acreditava serem “vida, liberdade e a busca da felicidade”.
No Relatório de Felicidade Global de 2024, os EUA aparecem na 23ª posição, empatados com o México, exemplo de falência institucional preferido de Acemoglu. A Costa Rica, que foi colônia extrativista, está na 12ª colocação. Mesmo onde as instituições são sólidas e a cultura próxima, a lógica da prosperidade como desfecho absoluto pede um grão de sal. A Finlândia é o país mais feliz, a Noruega é o 7º, com um PIB per capita 65% maior.
É fato que a pesquisa de felicidade global é limitada pela necessidade de só utilizar dimensões amplamente disponível. A alternativa é o conceito de bem-estar, que inclui o PIB per capita, mas também saúde, desigualdade e outros. Em saúde, os EUA estão mais perto da Arábia Saudita que do europeu menos saudável, a Alemanha (Ray Dalio, 2024). Em desigualdade, são lanterninhas entre as nações avançadas, tensionando a hipótese distributiva pela via da inovação institucionalizada. O Haiti, país das instituições mais frágeis do mundo, é menos desigual.
O que importa não é só considerar que a prosperidade numérica não passa de uma via para a vivencial e que, na vida das pessoas, instituições incluem educação, saúde, estruturas políticas de orientação dialógica e outros determinantes do bem-estar alheios à régua das patentes.
O ponto é que, para elevar a qualidade da vida levada no Brasil, a gente não precisa virar uma Coréia do Sul com PIB per capita de Luxemburgo. Se resolvermos questões mais modestas, como moradia digna e violência, é possível que nos juntemos à Costa Rica e outros exemplos de que, na prática, a teoria pode ser outra.