Momentos desinteressantes

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Vivemos um momento bastante estranho na sociedade brasileira, onde seus paradoxos se mostram cada vez mais intensos e evidentes, de um lado, encontramos um governo que quer vendar a sensação de que esta tudo bem, que todos os problemas estão sendo resolvidos e que as críticas são injustas, eleitoreiras e marcadas por um sentimento intenso de revanchismo e de pequenez política, todos os críticos são seres mal intencionados e que vivem querendo desestabilizar o governo e tirar o país dos trilhos do progresso e do primeiro mundo; e de outro encontramos uma oposição pouco inteligente, titubeante e marcada pela divisão e pela instabilidade, que vive criticando e, como proposta, pouco traz de novo, muitas vezes requentando coisas antigas e ultrapassadas embaladas em novas roupas para criar a sensação de novidade e de eficiência.

Estamos na segunda década do século XXI, trazemos na alma problemas originários do século XVIII, XIX e XX, e mais, somos, constantemente, impulsionados a tentar resolver os problemas do século XXI, um momento histórico único, cheio de desafios e de oportunidades, que exigem rapidez e eficiência, mas, antes de tudo, uma sociedade consciente e capacitada para compreender o momento histórico que estamos experimentando, uma sociedade coesa e altamente organizada para construir um futuro digno e decente para todos os cidadãos, um futuro onde os filhos nascidos em lares diferentes tenham a mesma oportunidade de competir no mercado de trabalho e no mercado da vida, ambos com condições de sobreviver e mais, de forma, cada vez mais digna e decente.

Quanto mais estudamos mais nos indignamos, quanto mais trabalhamos mais somos escorchados por impostos agressivos e desestimulantes, quanto mais falamos do charme e da eficiência da meritocracia, mais nos desenganamos com os modelos implantados na sociedade brasileira, onde encontramos pessoas despreparadas em altos cargos públicos, recebendo salários elevados e usufruindo de benefícios que a grande maioria da sociedade nem imagina existirem, benesses que aumentam mais as diferenças entre ricos e pobres, além de criarem uma nova casta, formada por sindicalistas, na maioria das vezes sem preparo intelectual e com grandes desajustes morais e éticos, todos indicados como representantes dos trabalhadores e atolados nas contribuições sindicais, recursos extraídos compulsoriamente da classe trabalhadora, que serve unicamente para encher a pança de muitos parasitas encrustados nestas instituições que nasceram para defender a classe trabalhadora, mas que, atualmente, luta para perpetuar suas benesses e privilégios.

Neste ambiente desinteressante internamente encontramos um mundo envolto em problemas financeiros, depressões crescentes, ameaças de guerras, desajustes culturais e intolerâncias constantes e conflitos generalizados, neste ambiente encontramos discursos que nos colocam em destaque na sociedade nacional, estamos bem cotados, somos membros atuante dos BRICs, fazemos parte de uma elite mundial e muitos acreditam que, num futuro muito próximo, seremos um dos maiores países da sociedade internacional, diante disso, fica a pergunta: será que melhoramos tanto assim ou será que foi o mundo que piorou?

Responder esta pergunta é algo bastante tentador, aceitar o axioma de que foi o mundo que regrediu de forma acelerada me atrai diretamente, mas desconversar e não reconhecer que avançamos é algo que não faz parte de minha consciência intelectual, seria muito fácil e equivocado acreditar e defender a tese que pioramos, na verdade o Brasil melhorou muito, somos um país melhor hoje do que éramos a vinte anos atrás, todas estas transformações começaram na estabilização da economia, iniciada em 1994, até o mais ferrenho opositor dos tucanos reconhecem, na intimidade, que avançamos neste período e, nos posteriores, ganhamos em outros campos, principalmente, social, somos um país que avança, mas como nossas heranças negativas são muito grandes, temos que avançar mais rapidamente, temos que ajustar nossa economia as exigências contemporâneas e trabalhar para que nossas conquistas sejam mais estruturadas e intensas, temos avançado claramente, mas nos preocupa o ritmo e a questão fiscal, como avançaremos num ambiente onde o Estado perde as condições para fomentar a economia, alguns podem argumentar que o Estado tem boas condições fiscais atualmente, esta tese é controversa, mas sabemos que mesmo equilibrados na atualidade, os gastos atuais preocupam muito mais num futuro próximo do que no momento atual, as incertezas futuras inibem investimentos e aumentam a instabilidade, afugentando novos investidores e reduzindo as perspectivas de crescimento sustentável para o país.

Vivemos num momento estranho, querelas políticas crescentes se disseminam por todos os cantos, confrontos entre poderes crescem e preocupam, propostas casuísticas de alterações constitucionais visando diminuição do poder do Supremo geram instabilidades e podem abrir precedentes preocupantes, discussões muito mais importantes e prementes são deixadas de lado, propostas para limitar investigações do Ministério Público caminham no Poder Legislativo, camufladas em leis, mas que, no fundo, objetivam aumentar a impunidade, principalmente dos grupos mais poderosos que atuam, feito quadrilhas organizadas, no seio do Estado Nacional, neste ambiente os gastos publicitários crescem de forma acelerada enquanto recursos em setores estratégicos são contingenciados e, muitas vezes, esquecidos pelos gestores públicos, e para piorar ainda mais a situação, encontramos na Comissão dos Direitos Humanos um deputado que repudia veementemente a diversidade e se mostra cheio de preconceitos com homossexuais e bissexuais, uma atitude intolerante e preconceituosa, ainda mais de um representante eleito pelo voto da população.

No campo econômico encontramos um conjunto de medidas fiscais sendo adotadas para evitar que a economia se estagne, no ano passado o país cresceu 0,9%, segundo o governo a culpa é da crise internacional que desacelerou nossa economia, uma justificativa frágil quando analisamos os outros países da região que, mesmo assolados pela crise, conseguiram crescer mais do que a economia brasileira, a justificativa para o baixo crescimento é outra, e passa pela excessiva intervenção do Estado na economia, todos os dias encontramos medidas novas, políticas novas visando incrementar algum setor, recentemente encontramos o governo arquitetando uma forma de salvar as empresas Xs, do bilionário Eike Batista, até recentemente o homem mais rico do Brasil que, de uma hora para a outra perdeu o posto para Jorge Paulo Lehmann (Grupo 3 G, donos da AB Inbev, Lojas Americanas, Burger King, Heinz, etc…), um socorro em curso que, com certeza, custará bilhões de recursos públicos repassados pelo BNDES, um verdadeiro capitalismo sem riscos, muito bem descrito por Lazzarini no livro Capitalismo de Laços, mas nada novo quando analisamos a história do país, Raimundo Faoro, destacou esta relação promíscuas entre Estado e as elites econômicas e políticas, na brilhante obra Os donos do poder, escrita nos anos 50 e considerada um dos mais importantes livros para se compreender o país, justificando a máxima de que o Brasil não é para principiantes.

O governo adota posturas interessantes, de um lado, estuda medidas para socorrer grupos econômicos em dificuldades e, de outro, seguindo as pegadas Chavistas, estuda complementar o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), com subsídios para a compra de móveis e eletrodomésticos, uma política que, se adotada, vai gerar um grande incremento nestes setores, receberá o beneplácito dos empresários dos setores envolvidos e garantirá uma maior perpetuação deste governo no poder por muitas e muitas décadas, eternizando uma política com traços fortes de populismo, modelo muito caro aos governantes da América Latina, o resultado disso tudo não precisa ser nenhum gênio político ou expert econômico para identificar, problemas fiscais crescentes que, posteriormente, pode gerar graves constrangimentos para os setores econômicos, podendo causar fortes pressões sobre o nível de preços e aumento inflacionário.

Outro ponto importante a se destacar, este relacionado à chamada nova classe média, um setor que, nos últimos anos, cresceu em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, um grupo social que vive com uma renda ridícula de R$ 2.000,00 mensais, um valor tão reduzido que retrata, claramente, nossa estrutura salarial, composta de salários extremamente baixos e mais, estes denotam nossa baixíssima produtividade, que sendo baixas condenam o país a comemorar o surgimento de uma classe média formada por indivíduos que ganham pouco e pior, para manter esta renda precisa trabalhar em condições escorchantes e deprimentes, muitos deles em condições indignas, pois, são condenados a uma alta carga horária e ganhos ridículos, para acompanhar o crescimento desta classe média mundial somos obrigados a reduzir os valores e redefinir o que chamamos de classe média.

Nesta semana, assistindo a palestra do banqueiro André Esteves, do Banco BTG Pactual, confesso que fiquei assustado, sua fala evoca os mais intensos otimismos pelos rumos do Brasil contemporâneo, adjetivos intensos e grandiloquentes chamaram a atenção de todos que puderam assistir a apresentação, ao mesmo tempo, outros palestrantes traçaram um horizonte mais cinza e nebuloso para o país, estamos num momento interessante e, ao mesmo tempo, preocupante, somos a oitava economia do mundo, mas acumulamos problemas de simples resolução, faltando apenas vontade política e convicção intensas, se não nos debruçarmos sobre tais problemas, colheremos num futuro muito próximo, gravíssimos equívocos estruturais que podem nos comprometer enquanto país.

No campo do comércio internacional colhemos dados assustadores, não nos embrenhamos em nenhum acordo comercial relevante, o Mercosul, visto anteriormente como um bloco econômico em franco crescimento e com boas perspectivas futuras, na atualidade, se transformou num refugo caracterizado por governos protecionistas e politicas equivocadas e desnecessárias, que nos condena e ficarmos presos a um bloco insignificante enquanto, outros países, se inserem em outros acordos econômicos e comerciais a acabam ganhando espaço do Brasil nos acordos internacionais, assim como na experiência dos anos 90, quando da adesão do México ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que reduziu nossa entrada nos mercados norte-americanos, gerando graves constrangimentos para variados setores exportadores nacionais.

Vivemos momentos pouco interessantes internamente, o Brasil caminha muito lentamente, nossa economia cresce de forma reduzida, o emprego cresceu e se transformou no grande ativo do governo federal, o pleno emprego pressiona os preços e constrangem os setores assalariados, principalmente, os de baixa renda, reduzindo o poder de compra da economia e exigindo que o Estado adote políticas monetárias mais restritivas, elevando juros para conter a demanda e segurar a inflação que ameaça voltar e piorar o ambiente macroeconômico, inibindo investimentos e afugentando o chamado espírito animal da classe empresarial.

Mesmo vivendo momentos pouco interessantes ainda acreditamos no futuro do Brasil, gostamos da visão social deste governo, somos muito favoráveis a inclusão proposta nestas políticas, mas temos receio de onde estão saindo os recursos para incrementar a economia, as isenções fiscais, os subsídios crescentes, sabemos que os recursos estatais são limitados, a divida interna é baixa quando comparada com países desenvolvidos, mas mesmo assim, acreditamos que temos bons motivos para continuarmos otimistas, mesmo que com um otimismo moderado, pois enxergamos todos estes problemas econômicos como espaço integrado para novos negócios, novas oportunidades e uma nova forma de mostrarmos ao mundo todo o nosso potencial de país, lembrando que nos anos 40 fomos chamados de o país do futuro, agora devemos demonstrar a toda a comunidade internacional que este futuro chegou, é agora e veio para ficar.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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