A sociedade contemporânea nos traz grandes desafios todos os dias, levando os indivíduos a se desdobrarem para sobreviver num mundo marcado por inúmeras transformações, exigindo trabalhos cotidianos, estudos e qualificações para conseguirem sustento material na caminhada cotidiana.
Vivemos numa sociedade marcada pela busca frenética por recursos monetários, essa sociedade se assenta em valores materializados e imediatistas, somos impulsionados pelo individualismo e a busca constante pelos prazeres materiais, que tem na acumulação a bússola que orienta a grande parte da comunidade global.
A tecnologia, a concorrência, a competição e as transformações no mundo do trabalho exigem dos indivíduos novos comportamentos, o trabalho cotidiano está moldando as pessoas e as comunidades e o lucro transforma os valores da sociedade, todos queremos acumular e garantir uma aposentadoria mais tranquila, mais segura, com mais recursos amoedados e o acúmulo constantes de posses materiais.
Neste cenário, muitas pessoas se dedicam completamente para o seu desenvolvimento profissional e o crescimento do seu pé de meia, deixando de lado, outras atividades da vida contemporânea, acreditando que a acumulação de recursos monetários até uma determinada época da vida, pode garantir condição financeira, posteriormente, para investir seu tempo e suas energias para fazer caridade. Embora muitas pessoas pensem assim, acredito que isso é um grande equívoco, afinal, não sabemos quando e como seremos chamados para o outro lado da vida, ou seja, não sabemos quando será a nossa desencarnação! Precisamos refletir sobre isso, todos os momentos estamos capacitados para servir a Jesus, o Governador do Planeta Terra precisa de mãos valorosas e interessadas no desenvolvimento de todos os nossos irmãos.
Nesta sociedade, percebemos que, muitas manifestações religiosas, estão sendo transformadas por valores imediatistas e individualistas, centradas cada vez mais no acúmulo monetário, um verdadeiro processo de mercantilização das questões religiosas, intermediados pelos cifrões que dominam pessoas e comunidades, deixando de lado valores espirituais e religiosos e se entregando fortemente ao comércio e sendo dominados pelos mercadores da fé, indivíduos sem escrúpulos e sedentos de ganhos materiais imediatos.
Nestas reflexões, a Doutrina Espírita nos traz grandes análises do papel dos seres humanos na sociedade, estamos aqui, encarnados para angariar o crescimento enquanto espírito, cultuando valores imateriais que estão imantados em nossa alma, algo íntimo e pessoal. A Doutrina Espírito nos mostra a importância de valores espirituais, valorizando a família, as reflexões, o pensamento, o conhecimento e o respeito dos seres humanos, afinal, somos seres imortais e progredimos coletivamente.
O Espiritismo se diferencia de outras religiões ou de outras manifestações religiosas, porque nos traz novas formas de enxergar a vida e os seres humanos, valorizando o processo de crescimento espiritual, a vivência em comunidade, nascendo e renascendo como forma de impulsionar nosso crescimento moral e imaterial.
Numa sociedade centrada no imediatismo e no individualismo, onde as pessoas fazem tudo para garantir a acumulação monetária imediata, onde os indivíduos se vendem para valores financeiros em busca de prazeres imediatistas, onde os valores espirituais estão sendo trocados pelo prazer imediato, nesta sociedade, encontramos decepções constantes e cotidianas, com o incremento de ansiedades, depressões e suicídios, patologias que estão entranhadas na alma dos seres humanos contemporâneos.
Gostaria de trazer para essa discussão, um episódio marcante e muito relevante nas passagens de Jesus Cristo, para compreendermos os desafios da sociedade contemporânea, A história de Marta e Maria nos ensina a importância das prioridades da vida, um dos grandes desafios de todos os indivíduos encarnados. Estar na presença de Jesus, buscando conhecer a sua Palavra, evitando as distrações mundanas, numa vida equilibrada de amor e fé é fundamental.
Marta e Maria eram duas irmãs que viviam em Betânia. Quando Jesus visitou aquela aldeia, ficou hospedado na casa de Marta. Esta, recebeu a Jesus e os seus discípulos com amor e servia a todos com muita dedicação, como aquela ocasião especial requeria. Mas, a sua irmã Maria decidiu ficar ouvindo as palavras de Jesus, sentada aos seus pés, dedicando tempo e atenção a Ele.
Marta desaprovou essa atitude de Maria e, contrariada, questionou a Jesus se Ele não se importava que ela ficasse sozinha nos serviços, sem a ajuda da irmã. Marta pediu a Ele que pedisse a Maria para ajudá-la, afinal, neste momento o Nazareno arrebatou um grupo de pessoas interessadas em ouvir suas pregações, como acontecia constantemente.
Com amor, Jesus repreendeu Marta, mostrando-lhe que a ansiedade e a inquietação das suas tarefas não eram mais importantes que ouvir a Palavra de Deus. Maria escolheu a boa parte e ninguém poderia lhe tirar isso. Nesta passagem, percebemos a importância de organização e planejamento da vida dos seres humanos, discernimento para compreender as tarefas cotidianas e elencar as prioridades que temos no momento da passagem na vida material.
O episódio de Marta e Maria está registrado Evangelho de Lucas 10:38-42:
Caminhando Jesus e os seus discípulos, chegaram a um povoado, onde certa mulher chamada Marta o recebeu em sua casa.
Maria, sua irmã, ficou sentada aos pés do Senhor, ouvindo-lhe a palavra.
Marta, porém, estava ocupada com muito serviço. E, aproximando-se dele, perguntou: “Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Dize-lhe que me ajude! ”
Respondeu o Senhor: “Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”. – Lucas 10:38-42
Nesta passagem bíblica trazemos grandes reflexões sobre a vivência no mundo material, todos estamos buscando um verdadeiro equilíbrio entre os valores materiais e os valores espirituais, desta forma, conseguiremos compreender os verdadeiros valores da existência humana, mesmo sabendo que, na contemporaneidade, os valores que dominam e comandam a comunidade são aqueles atrelados a matéria, o imediatismo, o narcisismo e os prazeres hedonistas.
O episódio registrado no Evangelho de Lucas 10:38-42 nos trazem grandes reflexões, embora não gostaríamos de tomar partido a favor de cada uma das irmãs, o que percebemos é que o ideal seria juntarmos as mãos operosas e eficientes de Marta com a capacidade de ouvir e de refletir de Maria, estas seriam as melhores escolhas que todos deveríamos fazer, mas sabemos que essas escolhas são sempre pessoais, intransferíveis e influenciam no decorrer da vida de todos os indivíduos.
Marta exemplifica bem a maioria das pessoas da sociedade contemporânea: vivendo em um estilo de vida agitada e caótica. Infelizmente, vivemos cheios de inúmeras programações, agendas sempre lotadas de compromissos materiais e muitos afazeres diários e, simultaneamente, também nos perdemos em muitas distrações e variados prazeres materiais.
Marta representa as pessoas que abraçam uma vida corrida e agitada, se desdobrando em inúmeras tarefas e atividades cotidianas, com variados projetos sociais e particulares, muitas vezes ainda se dedicando para servir bem as pessoas.
Isso não é necessariamente ruim. Jesus não reprovou o serviço dedicado de Marta. O problema é quando fazemos tudo isso cheios de ansiedades, agitações e frustrações, por não sermos valorizados ou por não recebermos a ajuda que gostaríamos.
Jesus elogiou a escolha mais acertada de Maria, que decidiu desfrutar da companhia e dos ensinamentos do Senhor Jesus, ensinamentos valiosos e dotados de ideais transformadores das vidas material e espiritual, levando experiências sublimes para seus valores mais íntimos e pessoais.
A presença física de Jesus Cristo em nossa casa seria algo impensável para todos os indivíduos, essa oportunidade única que as irmãs tiveram foi muito bem aproveitada por Maria, que deixou todos os seus afazeres cotidianos de lado e se sentou ao lado do Messias, ouvindo, refletindo, conversando, indagando e se beneficiando da presença de tão sublime visitante, naquele momento Maria estava ao lado do espírito mais elevado que passou pelas paragens do mundo material, seus ensinamentos sempre foram sublimes, inigualáveis e transformadores.
Tal como Maria, devemos manter uma preferência mental para aprender com Deus, em submissão total. Frente às muitas distrações da vida cotidiana, precisamos concentrarmo-nos nas Palavras de Jesus Cristo. Silenciando todas as outras vozes que nos deixam ansiosos e agitados, nos prostrarmos em quietude, humildade e contemplação, para nos dedicarmos em adoração, e assim O conhecermos cada dia mais e melhor.
Nas peregrinações de Jesus Cristo no mundo material, inúmeros indivíduos o buscaram, tais como Nicodemos, um alto membro do Sinédrio, além do senador romano Públius Lêntulus, que buscaram uma oportunidade de conversação com o Messias, ambos buscaram diminuir suas angústias e desesperanças, que geravam graves constrangimentos em seus valores mais íntimos.
Nestas andanças cotidianas, Nicodemos procurou o Mestre Jesus para alguns esclarecimentos, afinal, todos temos dúvidas, todos temos indagações, todos estamos tentando satisfazer nossos questionamentos do Doutor da Lei, como era conhecido o membro do Sinédrio. Das dúvidas de Nicodemos, destacamos uma das maiores indagações dos seres humanos, muitos falam abertamente sobre suas dúvidas cotidianas e outros postergam suas preocupações. Nicodemos queria compreender como encontrar o Reino de Deus e queria uma explicação mais consistente e estruturada, afinal, não conseguia entender como aconteceria o nascer de novo, resposta cotidianamente destacada pelo Nazareno. Como nascer de novo seria possível para um homem adulto, como ele conseguiria voltar o ventre materno e renascer?
Jesus de Nazaré responde as indagações de Nicodemos e mostra que nascer de novo era uma metáfora para compreendermos aquilo que o Espiritismo chamou de reencarnação, um momento em que todos precisamos passar para o desenvolvimento espiritual e o crescimento individual que todos estamos buscando neste momento do estágio no mundo material.
Outro exemplo retumbante que encontramos está no livro Há dois mil anos, escrito pela parceria entre Francisco Cândido Xavier e Emmanuel, onde a obra retrata a história do cristianismo, as perseguições dos cristãos e as agitações políticas e sociais da sociedade da época. Dentre as mais variadas conversas descritas de Jesus de Nazaré, destacamos a conversa entre o Senador Públius Lêntulus, que o procurou para pedir ajuda na recuperação de sua filha, que sofria de lepra, uma doença incurável e a ciência da época não conseguia resolver o problema.
Na conversa, Jesus deixa claro que o senador era uma pessoa de Estado, superficial e orgulhoso, suas prioridades eram sempre imediatistas e individuais, sua demanda seria resolvida não pela pessoa, mas pela fé de sua esposa, pessoa caridosa e dotada de grande solidariedade humana, além de espírito de grande envergadura moral.
Ambas as conversações descritas acima aconteceram na penumbra, na escuridão, sem testemunhas, isso aconteceu porque os interlocutores, pessoas proeminentes da sociedade da época, queriam conversar com o Messias a sós, sem presença de outras pessoas, sem registros e sem público. Os interlocutores se sentiriam diminuídos se a sociedade soubesse que eles buscaram apoio de uma pessoa do povo, um carpinteiro humilde, sem títulos e sem valores monetários.
Ao se sentar aos pés de Jesus Cristo, Maria nos traz elementos para compreendermos os verdadeiros ensinos de Deus, priorizando suas Palavras e nos submetendo a Ele, em contrapartida, Marta estava mais preocupada em deixar a casa em ordem para os visitantes, preparando uma refeição saudável, mas Jesus preferia mais alimentar do que ser alimentado, tudo isso nos traz grandes elementos de reflexões, afinal Jesus estava no mundo material para alimentar os irmãos.
Vivemos numa sociedade marcada por inúmeras distrações no cotidiano, na contemporaneidade, encontramos variados produtos, tecnologias e experiências variadas, nesta situação nos esquecemos do que é o mais importante e a presença de Deus é a maior prioridade de todos os indivíduos, lembremos disso!
Isso pode ser aplicado em nossa própria vida, quando, muitas vezes, nos distraímos com tantas tarefas, atividades mundanas, muitas programações (inclusive na Casa Espírita!) e deixamos de prestar atenção às coisas mais importantes. A vida de oração, leitura e estudo do Evangelho devem estar bem presentes em nossa rotina diária.
A leitura do evangelho de Lucas nos traz grandes instrumentos de reflexões, mais que isso, o episódio do encontro de Jesus com Marta e Maria nos traz mais informações para que compreendamos quais os verdadeiros valores do mundo material, afinal, grande parte das pessoas estão buscando acumular riquezas materiais, propriedades, aplicações financeiras, terrenos e fortunas para garantir o futuro, poucos param para refletir sobre quais os compromissos que assumimos na espiritualidade, no momento da reencarnação, no momento no planejamento do retorno ao mundo material. Somos muito imaturos, amamos a matéria, o poder e a acumulação, mas nada disso nós levamos para o outro lado da vida, levamos apenas as nossas obras, nossos sentimentos e nossos valores.
Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia.