É possível reduzir nossas desigualdades removendo, não ampliando, as exceções na forma com tributamos a renda
Cecilia Machado, Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia
Folha de São Paulo, 22/10/2024
Existem alguns bons motivos para que os trabalhadores de baixa renda paguem menos imposto que os demais. Um imposto sobre a renda gera distorções, por exemplo, desincentivos ao trabalho. Intuitivamente, é como se as pessoas recebessem um salário menor, já que uma parte do que é ganho não fica com elas. Considerando que os trabalhadores de baixa renda são mais sensíveis a essa perda, um regime de tributação progressiva —cuja alíquota cresce com a renda— desfaz parte dessa ineficiência, além de contribuir para redistribuir renda dos mais ricos para os mais pobres.
No Brasil, a progressividade do Imposto de Renda está presente em alíquotas que variam de 0% a 27,5%, com isenção para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. É nesse sentido que o aumento do limite de isenções até R$ 5.000 pode gerar mais progressividade. Mas ampliar a isenção também traz inúmeros outros desafios, o que apenas uma reformulação muito mais profunda na forma como tributamos a renda poderá endereçar.
Afinal, o que significa ganhar R$ 5.000 no Brasil? Por incrível que pareça, esse valor é a realidade quase absoluta do nosso mercado de trabalho. Cerca de 85% da população ocupada recebe salários de até R$ 5.000. Pouco menos de 70% recebem até dois salários mínimos. E metade da população ocupada recebe até R$ 1.600 (PnadC 2023). O aumento da isenção permite diferenciar os mais altos salários, mas também passa a tratar de forma igual trabalhadores que são muito diferentes, como os que recebem R$ 1.600 e R$ 5.000.
A expressiva erosão da base tributária em resposta ao aumento do limite de isenção reflete o desafio de redistribuir através de um imposto sobre a renda, considerando a enorme desigualdade que ainda persiste no mercado de trabalho e a possibilidade de evasão de tributos, seja em razão da existência de arranjos de trabalho informais, seja por causa da existência de regimes especiais que dão saída para aqueles que permanecem na base tributária.
Os exemplos são inúmeros. Trabalhadores denominados empreendedores pagam menos imposto através do MEI. Trabalhadores que viram pequenas empresas se beneficiam de regimes como o Simples. E os que são sócios ou acionistas ganham tratamento diferenciado com os lucros e dividendos.
O fato é que as pessoas respondem aos incentivos gerados pelas isenções e exceções, e o resultado é um sistema de tributação de renda com baixo poder arrecadatório e pouca capacidade redistributiva. No Brasil, a arrecadação com o imposto sobre a renda corresponde a apenas 2,4% do PIB e a cerca de 10% da arrecadação do governo federal. Em perspectiva comparada, destoamos de diversos países desenvolvidos que estabeleceram no imposto sobre a renda a principal fonte de receita do governo e o mais importante instrumento de redistribuição.
Há um amplo espaço para tornar o sistema tributário brasileiro mais justo, mas corrigir os problemas existentes através de uma nova rodada de exceção não parece ser a melhor forma de fazê-lo. As exceções não apenas reduzem o potencial redistributivo do imposto mas também geram distorções, modificando substancialmente a forma como os recursos são alocados na economia. Nesse sentido, é possível reduzir nossas desigualdades removendo —não ampliando— as exceções na forma com tributamos a renda.