A economia mundial está passando por grandes transformações nos últimos anos, gerando impactos incertos em todas as regiões do mundo, de um período de forte crescimento econômico, estamos nos aproximando de um momento de crises financeiras e conflitos comerciais entre potências econômicas como a que está em curso entre as duas maiores economias mundiais, Estados Unidos e China, podendo reverter anos de crescimento do comércio internacional, de democracia e de estabilidade entre países e regiões.
O comércio internacional foi um dos grandes motores da economia internacional no pós segunda guerra, aumentando a integração e a interdependência entre os agentes econômicos e produtivos, os modelos foram sendo internacionalizados e as economias passaram a ser mais competitivas, abrindo espaço para uma redução das políticas protecionistas e uma melhora nas condições sociais de muitos países e regiões, como na Coréia do Sul, na Malásia, na Indonésia, na China, no Chile, entre outros.
Os ventos do comércio internacional, infelizmente, não prosperaram no Brasil da forma como cresceu em outras regiões, ainda somos um país imensamente protecionista, nossa estrutura econômica ainda se caracteriza por uma grande proteção do Estado aos setores produtivos, encontramos muitas queixas dos excessos de burocracia do Estado brasileiro mas percebemos que as empresas nacionais não abrem mão da proteção dada pelo governo, acreditando que esta proteção é fundamental para a sobrevivência das empresas nacionais, relutam na concorrência com empresas de outros países acreditando que as condições internas não concedem as isonomias necessárias para a competição com grupos mais fortes do mercado internacional, perpetuando uma relação de dependência entre o empresariado nacional e o Estado, muitas vezes criando espaços claros de corrupção e ineficiência.
Países que adotaram uma estrutura econômica mais aberta e integrada ao comércio internacional foram mais bem sucedidos no desenvolvimento de suas economias, melhoraram as condições de vida de suas populações e conseguiram construir uma sociedade mais equânime, mas além de abrirem suas estruturas econômicas e exporem seus agentes produtivos a uma maior competição, foram responsáveis por políticas protecionistas exitosas, protegeram suas economias, mas estimularam um clima de concorrência durante os momentos de proteção e quando sentiram que estas empresas estavam em condição, abriram os setores e estimularam a concorrência internacional, colhendo resultados promissores e bastante positivos.
Nas últimas décadas, depois da segunda guerra mundial, os Estados Unidos tomaram as rédeas da economia internacional, estimularam a abertura das economias, a integração regional, a redução das políticas protecionistas, além de estimular a democracia representativa e os princípios liberais, todas estas medidas auxiliaram no desenvolvimento da economia global que cresceu de forma acelerada até meados dos anos 70 e contribuíram para uma maior integração e interdependência entre os países, com blocos econômicos, acordos comerciais e áreas de livre comércio.
De todos os países, os asiáticos foram os maiores beneficiados com esta nova estrutura econômica e comercial, dentre eles destacamos o Japão e a China, mas poderíamos destacar outros, como os países do leste asiático, como a Coréia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Malásia e Cingapura, todos cresceram de forma acelerada, aumentaram sua integração regional e melhoraram as condições de vida de seus cidadãos, garantindo espaços para o surgimento de uma nova classe média, mais instruída, mais consciente de suas necessidades e dinâmica.
O Japão se caracterizou como uma das economias de maior crescimento no pós 1945, sua estrutura econômica se diversificou fortemente, novos setores centrados em alta tecnologia nas áreas de elétrica e eletrônica, além de novos ganhos na indústria automobilística, garantindo às empresas japonesas uma forte competitividade na indústria global, elevando o status de várias empresas, como Sony, Toyota, Honda, Nissan, Mitsubishi, Panasonic, etc…e aumentando a competição nos mercados globais, garantindo ao país novos ganhos de produtividade e rentabilidade, que possibilitaram a exportação de seu modelo econômico produtivo no final dos anos 1970.
No começo dos anos 90, tínhamos um certo consenso na economia mundial de que o Japão se tornaria a economia hegemônica do século XXI, os ventos favoráveis ao país asiático eram muitos, suas indústrias cresciam de forma acelerada, sua população enriquecia enormemente e o país era visto como um celeiro de novas tecnologias e novas políticas de desenvolvimento, deixando países tradicionais, como os Estados Unidos e Europa, para trás no jogo do crescimento econômico. Esta visão se mostrou equivocada, no final dos anos 80 os Estados Unidos elevaram suas taxas de juros e absorveram grande parte dos dólares disponíveis na economia internacional fragilizando a economia japonesa e forçando um ajuste no país asiático, estas transformações geraram graves desequilíbrios no Japão e abriram espaço para que os norte-americanos retomassem a hegemonia internacional ameaçada com a ascensão japonesa.
A China acordou para este movimento no final dos anos 70, depois da morte de Mao Tsé Tung, o grande líder da Revolução Chinesa, quando Deng Xiaoping assumiu e mudou as regras da estrutura econômica, alterando o modelo de economia socialista para uma nova estrutura produtiva centrada na iniciativa privada e fortemente organizada e planejada pelo Estado chinês. Neste período, a economia chinesa se abriu para o comércio internacional, um protecionismo forte marcado pelo estímulo a reestruturação de setores inteiros com exigências de ganhos constantes de produtividade, estes incentivos eram datados e os setores privilegiados deveriam melhorar sua performance, garantindo ganhos de produtividade para a economia em geral.
Os ganhos foram tão consideráveis, que a economia chinesa se transformou na segunda maior economia mundial, perdendo apenas para a economia norte-americana, e foi alçada ao posto de maior exportador mundial, ultrapassando países com forte tradição de comércio internacional, tudo isso fez o país asiático se transformar em um grande agente econômico global, gerando medos, incertezas e inseguranças em vários setores da economia internacional.
Depois de décadas de crescimento do comércio internacional, o mundo está envolto em uma perigosa guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, de um lado os Estados Unidos, que se sentem prejudicados com os altos superávits comerciais chinesas, e de outro lado a China, uma economia em forte expansão econômica que, nos últimos anos se transformou no maior ator do comércio global, na relação comercial entre os dois países encontramos um forte superávit para a China, que exportou US$ 530 bilhões e importou dos US$ 140 bilhões, ou seja, acumulando um superávit de quase US$ 400 bilhões, garantindo ganhos fabulosos para o país asiático e a ira dos Estados Unidos que, neste momento está se materializando nas ameaças protecionistas do presidente Donald Trump contra a economia chinesa.
Os efeitos desta guerra comercial são imprevisíveis para todos os países, de um lado encontramos novos espaços e oportunidades para os produtores, e de outro percebemos perdas para outros, o fenômeno ainda é bastante recente e não se tem dados claros dos possíveis resultados concretos do conflito, o que se tem mais claro é que o comércio internacional perde e, com isso, todos os países perdem, as regras do comércio também são afetadas e a confiabilidade destes setores também são prejudicadas, ameaçando o equilíbrio da economia mundial.
Os ganhos crescentes dos chineses estão baseados em uma política fortemente protecionista, muitos setores ganharam espaço no cenário global devido ao apoio do governo chinês, crédito farto a taxas de juros reduzidas, além de uma estratégia baseada em preços baixos levaram as empresas do país a ganhar novos mercados e garantir retornos consideráveis, levando a China a acumular uma grande reserva internacional em moeda conversível, algo em torno dos US$ 3,9 trilhões, recursos estes agora utilizados para abrir novos mercados, comprar empresas de vários países e garantir ao país recursos para os investimentos futuros na formação e consolidação de uma educação de qualidade capaz de melhorar as condições de vida da população.
Os gastos, ou melhor, os investimentos da China em educação, pesquisa, ciência e tecnologia, garantem ao país, uma atração, todos os anos, dos melhores pesquisadores disponíveis na comunidade científica internacional, estes buscam no país asiático condições favoráveis para o desenvolvimento de suas pesquisas, recursos em abundância e novos espaços de consolidação profissional.
Os avanços na área da educação são visíveis e palpáveis, as escolas gozam de autonomia pedagógica, de recursos em abundância e de ótimas condições de trabalho, os professores são bem remunerados, respeitados e vistos como agentes centrais para o crescimento do país no cenário internacional, mas destacamos ainda, que todas estas condições são garantidas e aumentadas, se necessário, desde que os ganhos sejam mantidos, as metas alcançadas e os alunos se destacarem em testes, provas e avaliações globais, como as aplicadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o conhecido exame de PISA (Programa Internacional de Avaliação de alunos).
Com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, em 2016, aumentaram as chances de uma guerra comercial contra a China, esta possibilidade se transformou em um fato com as medidas adotadas pelos norte-americanos para proteger sua estrutura produtiva, estas medidas estão fortemente atreladas a grupos, dentro dos Estados Unidos, que acreditam que a piora das suas condições de vida estão atreladas ao forte protecionismo chinês, a solução para este imbróglio está na diminuição dos superávits chineses no comércio bilateral entre os dois países, este pensamento encontra guarida em muitos setores da sociedade americana.
O grande problema deste pensamento, é que o crescimento dos superávits chineses está atrelado a entrada de empresas norte-americanas em território chinês, estas empresas perceberam que o custo de produção nos Estados Unidos estava crescendo de forma acelerada e viram nesta oportunidade, a chance de produzir no país asiático como a forma de conseguir competir na economia internacional, sem esta medida, as empresas americanas perderiam mercados e seriam fragilizadas na concorrência mundial. Grande parte do superávit comercial chinês com os Estados Unidos é composto por exportações de empresas americanas para seus mercados locais, ou seja, para atender os interesses de seus consumidores dentro dos Estados Unidos da América.
A ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos gerou grandes desequilíbrios para a economia norte-americana, as falas atabalhoadas do presidente e suas posições retrógradas em termos comerciais estão gerando um clima de animosidade com antigos parceiros comerciais em todas as regiões do mundo, a Europa, que desde o final da segunda guerra mundial, sempre se caracterizou como um grande parceiro comercial dos americanos, vem se afastando e se incomodando com as posições defendidas pelos norte-americanos, criando uma cisão importante e com vários impactos sobre o comércio internacional, abrindo espaço para que a região caia na zona de influência da China, que neste momento se estrutura e se fortalece para este conflito iminente.
A economia internacional se aproxima de uma situação de fortes ajustes, a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos pode antecipar um movimento recente de novos protecionismos e mais, um movimento de intolerância e xenofobismo, com isso, as bases da economia, criadas depois do Acordo de Bretton Woods, podem estar ameaçadas com fortes perdas para a comunidade internacional, reformar o modelo é uma das atitudes mais urgentes para a boa governança global, mas para que isso seja efetivamente construído, é fundamental o diálogo democrático e construtivo entre os países, sem isso, o mundo caminhará a passos largos para o caos generalizado com graves prejuízos para todos os atores econômicos, aumentando a desesperança e insatisfação com a política tradicional, pavimentando o caminho para lideranças autoritárias, sectárias e antidemocrática.