Entrevista com Marcelo Medeiros, Instituto Humanitas Unisinos – 20/10/2023
Para Marcelo Medeiros, há muito preconceito contra a assistência social no Brasil. Em entrevista, economista e sociólogo fala sobre seu novo livro que aborda a desigualdade do país.
Logo na introdução de seu novo livro Os ricos e os pobres: o Brasil e a desigualdade, o sociólogo e economista Marcelo Medeiros enfatiza que “há limites claros para algumas medidas de combate à desigualdade que, com grande frequência, são alçadas quase à condição de panaceia, como é a educação”.
Lançada pela Companhia das Letras, a obra, que chegou às livrarias nesta quarta-feira (18/10), não só escancara a, conforme o próprio autor, “absurda” desigualdade social brasileira, como explica que não existe uma solução mágica para o problema. “Resolver isso vai exigir um esforço gigantesco, custar muito caro e consumir um capital político imenso, porque isso, no fundo, implica em enfrentar diretamente os conflitos distributivos e grupos inteiros vão resistir pesadamente a isso, no campo da política e da economia, em tudo aquilo que puderem, porque os grupos sempre defendem seus interesses”, diz Medeiros, professor visitante na Universidade de Columbia, em Nova York, em entrevista a Edison Veiga, publicada por Deutsche Welle, 19-10-2023.
Eis a entrevista.
E ser rico, o que significa?
Existe muita discussão sobre se ser rico é estar nos 10% mais ricos da população, ou 1%, ou 0,5%. Argumento que definir isso é um pouco perda de tempo. O Brasil é um país extremamente desigual, mas há uma característica: a desigualdade brasileira está altamente concentrada no topo. Se o Brasil fosse composto só pelos 90% mais pobres, seria um país extremamente igualitário.
Existe uma desigualdade gigantesca entre o 1% mais rico e os 10% mais ricos. Para desenhar políticas, não é necessário ter uma divisão exata dos ricos, mas sim entender que essa desigualdade está concentrada no topo. Portanto, nossas políticas, em particular a tributária, têm de ser muito progressivas. É preciso tributar mais quem tem mais capacidade de pagar.
Nos últimos anos, o Brasil voltou ao famigerado mapa da fome. De que forma combater a desigualdade pode ajudar a resolver o problema?
Combater a pobreza vai reduzir a desigualdade? Não. Pobreza tem a ver com pobres, desigualdade tem a ver com ricos. É extremamente importante acabar com a pobreza no Brasil, mas isso não teria efeitos sobre a desigualdade. Se você dobrasse a renda da metade mais pobre do Brasil, a desigualdade não iria cair mais do que 10%.
Não é que reduzir a desigualdade vai acabar com a pobreza, é que as medidas que vão acabar com a pobreza vão se beneficiar do fato de a renda ser menos concentrada. Uma pequena redução da desigualdade seria suficiente para provocar uma grande redução da fome no país. Se a gente conseguisse tributar mais as pessoas mais ricas, a gente conseguiria levantar mais recursos para gastar com mais assistência social, por exemplo, o que é algo importante para a fome.
Seu livro defende que tudo o que se faz em termos de políticas públicas, das taxas de juros aos subsídios para as empresas, passando por programas sociais, deve ser pensando no sentido do combate à desigualdade. Como isso pode ser feito?
Respondo com uma outra pergunta, uma brincadeira: você está me perguntando como eu faço para transformar o Brasil em uma Dinamarca em termos de desigualdade.
Eu pergunto como é que eu faço para transformar o Brasil em uma Dinamarca em termos de PIB per capita. E a resposta para as duas questões eu não sei, não conheço ninguém que tenha qualquer noção de fato sobre como isso pode ser feito na prática.
Não é um problema simples combater a desigualdade ou fazer o Brasil crescer. Vai exigir um esforço gigantesco, custar muito caro e consumir um capital político imenso, porque isso, no fundo, implica em enfrentar diretamente os conflitos distributivos e grupos inteiros vão resistir pesadamente a isso, no campo da política e da economia, em tudo aquilo que puderem, porque os grupos sempre defendem seus interesses.
Uma sociedade mais igualitária é necessariamente melhor?
O que justifica a desigualdade? Vem de uma situação justa, porque há pessoas se esforçando mais do que as outras? Essa seria a resposta para a desigualdade racial no Brasil? Ou isso vem de uma série de estruturas muito maiores que são injustas? Toda sociedade tem alguma desigualdade e alguma desigualdade é tolerável e pode ser até funcional.
Para você ter uma enfermeira trabalhando de madrugada no hospital, você tem de pagar a ela mais do que a que trabalha durante o dia. É uma desigualdade funcional, totalmente aceitável. O que não é aceitável é o nível de desigualdade do Brasil, que é difícil demais de justificar.
Uma sociedade mais igualitária é, muito provavelmente, mais justa.
Alguma microdesigualdade sempre vai existir e vai ser tolerável e aceitável. O que estamos discutindo não é isso: é o nível extremamente elevado da desigualdade na sociedade brasileira.
Uma das ideias centrais do livro é que não existe solução mágica para combater a desigualdade. Há esperança, então?
Há esperança, sim. Eu poderia argumentar que vai ser muito difícil o mundo manter o crescimento sob as restrições imensas que vão ser impostas pelas crises ambientais. A gente deve ter esperança? Sim. A gente vai enfrentar crises e dificuldades. Vai dar muito trabalho, vai levar muito tempo e haverá um preço político gigantesco. Digo isso para acabar com a ilusão das soluções fáceis, de que basta fazer uma reforma educacional ou tributar os ricos e a desigualdade vai diminuir. Não é só isso. A desigualdade está em tudo. E, portanto, dá muito trabalho mexer, tem de mexer muito.