Podridão cerebral, por José Costa Júnior

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José Costa Júnior – A Terra é Redonda – 10/03/2025

Liberdade cognitiva em tempos de economia da atenção

Conforme amplamente noticiado, a Oxford University Press, editora do prestigiado Oxford English Dictionary, escolheu “brain rot” (“podridão cerebral”) como a palavra do ano de 2024. O termo faz referência aos efeitos da sobrecarga digital de conteúdos superficiais e triviais em nossos cérebros. A exposição constante a vídeos curtos, memes, recortes e reações, entre outros conteúdos nas redes de interação social digital, ocorre em paralelo ao aumento nas dificuldades de concentração, atenção e memorização – o que seria um indício da “podridão” descrita.

O termo reflete preocupações e evidências recolhidas por muitos pesquisadores e usuários. O processo de escolha da palavra contou com pesquisas no banco de dados da editora e uma pesquisa online. Segundo a instituição, a busca pelo termo cresceu 230% ao longo de 2024, que demonstra alguma preocupação por parte de quem está conectado. No entanto, a discussão também envolve temas e conceitos mais profundos, que demandam alguma análise no âmbito da infoética – uma área de estudos que aborda a simbiose humanidade-tecnologia, seus pressupostos e consequências.

Primeiramente, o vocabulário que envolve a conexão intensa nas redes é cada vez mais vasto: influenciadores, seguidores, inteligência artificial, viralização, aplicativo, gestão algorítimica, sugestões, curtidas, reações, notificações, encaminhamentos, mentorias, tendências, entre outras expressões comuns na atualidade. Além de serem termos ligados à experiência digital, esse amplo léxico está ligado também aos impactos esperados em nossas subjetividades, atenção e pensamentos.

O que quer um influenciador senão influenciar nossas escolhas e decisões? Uma notificação não busca chamar a nossa atenção para uma mensagem ou dado que nos chega por um aplicativo? Seguir as tendências (ou trends) não nos incita a ter determinada ação ou comportamento? É possível continuar com essa exposição de questões que exemplificam a situação, mas o ponto básico é que, nas atuais circunstâncias das nossas interações com tecnologias socialmente disruptivas, nossos pensamentos, subjetividades e atenção são a todo momento desafiados por tais meios, com o objetivo de angariar recursos e impacto em nossos corações e mentes.

Essa mobilização é fruto da ação do conglomerado de corporações que atuam no nosso tempo de economia da atenção. As chamadas Big Techs desenvolvem suas tecnologias persuasivas, cuja principal finalidade é desenvolver modos de captura da atenção e produzir estímulos à nossa subjetividade, com o simples objetivo de lucrar. Enquanto no distante século XX as estratégias da propaganda também tinham tais elementos como matéria prima, as tecnologias persuasivas do mundo digital no tempo da economia da atenção operam com mais intensidade e com meios constantemente disponíveis.

Temos assim um cenário de “capitalismo de vigilância” (Zuboff, 2019), no qual o acompanhamento constante de nossas trilhas digitais garante rendimentos à corporações e governos, a partir de um “colonialismo de dados” (Couldry, 2019), no qual nossas informações, dados e subjetividades são constantemente explorados sem que tenhamos muito controle sobre isso. Outra descrição vai literalmente mais fundo e aponta esse cenário como uma forma de “capitalismo límbico” (Courtwright, 2019), no qual nossas reações, emoções e sensações mais profundas também são estimuladas, captadas e quantificadas a partir de nossas experiências no mundo digital.

Porém, uma tensão ronda esse contexto. Algumas das pressuposições da Modernidade que deram forma ao mundo em que vivemos encontram desafios em tais cenários e descrições. O sujeito moderno, do qual se esperava autonomia, liberdade, soberania e razão para deliberar livremente sobre o mundo à sua volta, passa a ter a sua subjetividade constantemente impactada – juntamente com sua autonomia, liberdade e soberania. Se o que vejo, o que sinto, o que desejo e o que escolho são fruto de influências exteriores, quem pensa por mim? Isso traz consequências sociais, políticas e econômicas, assim como para a construção das nossas visões de mundo.

O rico vocabulário descrito no início evidencia o caso. Alguns desafios já haviam sido colocados às alegadas características do sujeito moderno nas teorizações sobre a humanidade no século XX, mas nas décadas iniciais do século XXI o desafio parece ser maior. Com tantas possibilidades de influência a partir da ampliação do alcance de tecnologias persuasivas e seu impacto sobre nossa subjetividade, atenção e racionalidade, é sempre possível perguntar como são formadas nossas concepções e conclusões sobre o mundo. E também sobre o quanto nossa atenção é livre em circunstâncias nas quais os estímulos são constantes e quase irresistíveis.

O que comumente chamamos de atenção é a capacidade de focar numa parte do fluxo de informações provenientes de nossos sentidos. Focamos nosso olhar em uma pequena parte do mundo ao nosso redor, enquanto o resto do campo sensorial desempenha um papel secundário. Num pequeno artigo do começo do século XXI sobre filosofia da mente, intitulado “Zumbis não podem se concentrar”, a filósofa britânica Mary Midgley (1918-2018) defendeu que grande parte da nossa atividade ao longo do tempo é “drasticamente moldada pelo esforço e, portanto, pela atenção”.

Esse esforço cognitivo que envolve a atenção é parte do nosso cotidiano nas circunstâncias mais comuns. Ir ao banheiro e levantar adequadamente a tampa do vaso sanitário, escolher a chave certa no chaveiro para abrir a porta, avaliar as condições climáticas antes de sair de casa são exemplos de atividades que envolvem algum esforço cognitivo e direcionamento de atenção.

Caso não tenhamos a atenção adequada, podemos falhar. Não é incomum que distrações, situações de multitarefas, impactos na atenção e outros elementos até inconscientes possam nos impactar, mas, considerando a análise de Midgley, fica claro que “a atenção consciente é um fator causal no mundo, tão bem reconhecido quanto o envenenamento, a chuva ou o sarampo”. É “um fenômeno natural comum”, que dialoga constatemente com o nossos processos cognitivos, formando nossas visões de mundo e deliberações nas muitas circunstâncias das nossas vidas.

Porém, num mundo com tantos estímulos e possibilidades de distração, nossa capacidade de prestar atenção pode diminuir ou ser direcionada, impactando pensamentos e concepções da realidade. A centralidade das tecnologias persuasivas no âmbito das disputas políticas contemporâneas é um exemplo desse estado de coisas. Debates intensos e acalorados, polêmicas e ataques constantes, recortes de vídeos públicados nas redes sociais capturam a atenção e mobilizam emoções variadas, entre outras abordagens. Tais conteúdos são promovidos no contexto da economia da atenção, angariando resultados para quem os promove.

Temos assim reações indignadas ou de aprovação, compartilhamentos por apoio ou revolta e comentários e viralizações que também são mostras de como as tecnologias persuasivas envolvem acabam por mobilizar nossa atenção, promovendo cada vez mais “engajamento” por parte dos “usuários”. E conforme apontando por Mary Midgley, nossa atenção é um elemento decisivo naquilo que nos compõem, um fator causal no mundo que produz ações e reações, impactando o que somos e o que pensamos.

Todos esses elementos estão diretamente ligados à nossa cognição. Impactada por estímulos diversos e potentes tecnologias disruptivas e persuasivas, passa a ser relevante nos preocuparmos com os impactos na nossa liberdade cognitiva. Essa liberdade dos processos de cognição, atenção e pensamento pode agora ser impactada por meios maquínicos que atravessam nossas subjetividades e que nos são opacos. De acordo com a análise da pesquisadora americana Nita Farahany, nunca foi tão importante considerarmos a liberdade cognitiva, uma vez que as grandes corporações possuem recursos tecnológicos de influência e impacto em nossas consciências jamais observados.

Em sua concepção, qualquer um que valorize sua capacidade de ter pensamentos e reflexões privadas num “mundo interior”, sem grande interferência de ritmos tecnológicos, deveria se preocupar com a liberdade cognitiva. Não se trata de criar proibições ligadas às práticas digitais, mas encontramos regulações, controles e debates sobre os limites das tecnologias que envolvem nossa cognição. No seu livro de 2023, intitulado The Battle for Your, Farahany argumenta que as intrusões nas nossas mentes através da tecnologia já são uma realidade e precisamos estabelecer proteções e direitos sobre o tema.

Cenários distópicos como a leitura de mentes e estímulos à pensamentos e ações ainda são distantes, mas a ampla pesquisa neurocientífica e psicológica desenvolvida para as Big Techs já dá resultados – nos mais diversos âmbitos da política, da economia, da cultura, etc. As mediações algorítimicas da experiência, que garantem o funcionamento da economia da atenção configuram cenários preocupantes. As atuais sociedades polarizadas e o grande potencial para a desinformação são reflexos dessa situação.

Nesse sentido, a liberdade cognitiva é a liberdade de ter algum controle soberano sobre os próprios pensamentos e consciência, um direito a autodeterminação sobre nossos cérebros e nossas experiências mentais. Assim, qualquer manipulação externa ou interna seria passível de discussão e questionamento. Nessa “batalha por nossos cérebros”, Farahany reconhece o potencial das grandes corporações, que exploram o que temos de mais humano, para evitar cenários ainda mais críticos. Em tempos de “podridão cerebral”, é importante que que lutemos essa batalha. Afinal, apenas zumbis não são capazes de prestar atenção na sua própria condição, conforme nos avisou a atenta Mary Midgley.

José Costa Júnior é professor de filosofia e ciências sociais no IFMG –Campus Ponte Nova.

Referências

COULDRY, Nick; MEJIAS, Ulises. The costs of connection: How data are colonizing human life and appropriating it for capitalism. 2019.

COURTWRIGHT, David. The age of addiction: How bad habits became big business. Harvard University Press, 2019.

FARAHANY, Nita. The battle for your brain: Defending the right to think freely in the age of neurotechnology. Nova York: St. Martin’s Press, 2023.

MIDGLEY, Mary. “Zombies Can’t Concentrate” In: Philosophy Now. Número 44, Fevereiro de 2004.

ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. Londres: Profile Books, 2019.

 

Donald Trump – tempos dramáticos e trágicos, por Leonardo Boff

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Leonardo Boff – A Terra é Redonda – 12/03/2025

O que Donald Trump quer conservar com unhas e dentes é o seu país como o único poder a conduzir os destinos do planeta

Se tomarmos a sério o projeto imperial de Donald Trump sob o lema “America First” (em subentendido só a América) não é impensável que tempos dramáticos e até trágicos possam ocorrer. Seu propósito básico é usar o poder para todos os âmbitos é da vida. Compreendamos bem o tipo de poder. Não como expressão da cidadania, mas o poder como dominação no sentido que os pais fundadores da modernidade, Galileo Galilei, René Descartes, Isaac Newton, especialmente Francis Bacon conferiram a poder: é a vontade de potência/dominação sobre a natureza, sobre os povos (colonização) sobre as classes, sobre a matéria até o último topquark, sobre a vida até seu último gene. Esse projeto formulado na Europa, com o qual dominaram o mundo, foi radicalizado por Donald Trump. E talvez tenha chegado também ao seu fim.

Percebendo o império norte-americano em ocaso, assume o poder como dominação na sua maior radicalidade. Passa por cima da ONU, da OMC, OMS, de acordos internacionais, não respeite lei nenhuma, rompe com os próprios amigos como os europeus. Tenta o diálogo, senão faz funcionar uso da força e da rendição do adversário. Nesse afã de poder bem no estilo de Hobbes, grande teórico do poder, se propõe agregar aos EUA o Canadá, se apropriar da Groelândia e ocupar o canal do Panamá.

Talvez a dimensão mais desumana e cruel seja a expulsão de milhões imigrantes indocumentados, dividindo famílias, negando cidadania americana a nascidos nos EUA, de filhos de imigrantes. Sua arrogância de fazer “a América Novamente Grande” (NAGA) o levou a impor altas tarifas a produtos importados e ameaçando com pesadas penas econômicas e políticas aos países que se negarem a atender a suas pretensões. Deixa claro que os EUA é o único país cujos interesses são globais e se dá o direito de intervir para fazer a “América Grande Novamente”.

Todos os acordos mundiais acertados para minorar o efeito estufa foram por ele abandonados e considerados ridículos como o Acordo de Paris de 2015. Incentiva exploração de energias fósseis e de carvão, principais causadores dos bilhões de toneladas de CO2 e metano lançados anualmente na atmosfera. É um negacionista radical, negando a ciência, fazendo cortes profundos à pesquisa notoriamente avançada nos EUA. Levar a efeito tal propósito que vai contra a corrente mundial preocupada com o aquecimento global, com os efeitos extremos que revelam que a Terra está mudando e até já mudou, faz-se um inimigo da vida e da Humanidade. Possui uma mente assassina e ecocida, obcecado pelo poder absoluto, submetendo todo o planeta como seu fosse o seu quintal ampliado do qual pode dispor como quiser.

Logicamente a todo poder absoluto se opõe outro poder que lhe resiste e rejeita a estratégia de dominação mundial. O que Donald Trump quer conservar com unhas e dentes é o seu país como o único poder a conduzir os destinos do planeta. Opõe-se radicalmente a mundo multipolar, pois potências poderosas como a China e a Rússia e eventualmente os BRICs estão na mesma arena política, disputando poder no cenário mundial.

Como Noam Chomsky e outros analistas da geopolítica mundial têm observado depois de uma guerra econômica segue uma guerra militar. Observa ainda Noam Chomski que há suficientes loucos no Pentágono que arrisquem uma guerra letal segundo a fórmula 1+1=0, vale dizer, um destrói totalmente o outro e leva junto toda a humanidade. Se isso ocorrer, será o fim de grande parte da humanidade, o céu ficará branco pelas partículas, a fotossíntese das plantas e florestas será praticamente impossível, haverá perda das safras, grande fome, doenças derivadas do terror nuclear e morte de milhões. Foi o sonho prognóstico de C. G. Jung antes de morrer.

Tal tragédia não é impossível porque os dados estão aí e nossa cultura insana que instaurou a ditadura da razão analítica sem qualquer consciência e compaixão pelas consequências daí derivadas; criou o princípio de autodestruição; salvaguardados todos os benefícios que essa razão, inegavelmente trouxe para a vida humana. Mas tudo isso pode perder-se.

Outros analistas aventam a possibilidade que não haverá guerras letais mas total reedição da potência que chegou atrás do desenvolvimento da Inteligência artificial autônoma, capaz de controlar cada pessoa, toda a estrutura energética e toda a vida de um país. Por isso há uma desesperada corrida pela Inteligência artificial tipo Deep Seek, pois quem chega primeiro paralisaria o país do concorrente e tornaria totalmente ineficaz seu aparato bélico. Seria a abominação da desolação, em termos bíblicos, um drama atrás do outro e, quem sabe, o fim trágico do experimento humano. Depois que assassinamos o Filho de Deus quando se encarnou em nossa existência, nada mais trágico poderia acontecer, segundo a crença crista.

Nos perguntamos, por que não temos desenvolvido a “emoção radical”, já que esta é a milhões de anos mis ancestral e mais fundamental em nós, que a Inteligência? Esta jamais seria negada por ser uma característica essencial de nossa existência, mas com a incorporação da emoção artificial que prefiro chamar de radical, por ser a raiz de nosso ser profundo e ser onde razão continuamente molha suas raízes, outra seria a atual situação humana: imperaria mais amor que ódio, mais cooperação que competição, mais cuidado que devastação da natureza.

A vida passou por imensas crises e sempre sobreviveu, não será agora que vai desaparecer miseravelmente pela nossa falta de cuidado e de justa medida.

Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Cuidar da Casa comum: pistas para protelar o fim do mundo (Vozes);

 

O que está por trás da mudança dramática nos mercados globais, por Mohamed El-Erian

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Mudança repentina nas expectativas de crescimento dos investidores para as três maiores economias desestabiliza operações consensuais

Mohamed El-Erian, Presidente do Queens’ College, em Cambridge, e conselheiro da Allianz e da Gramercy

Financial Times/ Folha de São Paulo, 12/03/2025

Os mercados financeiros testemunharam uma mudança drástica que está revertendo com operações que eram consenso e que dominaram até o início de fevereiro deste ano.

Quedas nas ações dos EUA e seu desempenho inferior em relação a outros países refletem uma reviravolta notável nas opiniões dos investidores sobre as perspectivas econômicas para a América e a Europa —e, em menor grau, a China.

O que é menos claro é se a mistura resultante de tudo isso é favorável ou desfavorável a longo prazo. E isso importa muito para o bem-estar global, a inflação e a estabilidade financeira.

Três fatores principais sustentam a recente reviravolta de 180 graus nas opiniões consensuais sobre ações, títulos e moedas: 1) crescentes preocupações com a economia dos EUA; 2) um potencial “momento Sputnik” na Europa impulsionado por uma possível mudança na Alemanha em relação à política fiscal e ao financiamento europeu; 3) e indícios de uma resposta política mais determinada da China.

A crença no excepcionalismo americano foi erodida, com não apenas as ações dos EUA caindo, mas também os rendimentos dos títulos caindo devido a preocupações com o crescimento e o enfraquecimento do dólar.

Tendo lidado com um cheiro de estagflação, os mercados estão sofrendo um bom e velho susto de crescimento devido a uma significativa volatilidade da política dos EUA. As incertezas associadas às tarifas intermitentes sobre os principais parceiros comerciais e aliados dos EUA, como Canadá e México, foram agravadas pela preocupação com o impacto nos empregos e na renda dos cortes contínuos no setor público.

Funcionários do governo dos EUA argumentam que essas “perturbações” são pequenas e devem ser vistas como parte de uma jornada acidentada para um destino muito melhor —um futuro de comércio internacional mais justo, grande eficiência do setor público, redução da dominância fiscal e o desencadeamento de um empreendedorismo e atividade do setor privado mais poderosos.

De fato, segundo eles, é apenas uma questão de tempo até que a própria jornada melhore devido a preços de energia mais baixos, cortes de impostos e desregulamentação significativa.

A preocupação é que a jornada acidentada possa levar a um destino diferente, menos favorável. A recente imprevisibilidade dos EUA corre o risco de roubar dos EUA uma de suas importantes e diferenciadoras “vantagens” —a confiança de longo prazo dos investidores na estrutura e na tomada de decisões políticas.

A política dos EUA também é responsável pela mudança repentina de visão dos mercados sobre a Europa, que agora vê o potencial, finalmente, para uma mudança dramática na política econômica.

Abalada pelo tratamento dos EUA às alianças de defesa militar e pela mudança  em sua política para a Ucrânia, a Alemanha está subitamente contemplando uma flexibilização de suas restrições fiscais de longa data. Isso poderia se traduzir em aumento dos gastos com defesa, maiores investimentos em infraestrutura e maior financiamento regional.

Enquanto isso, a China está sinalizando uma mudança em direção a uma mistura mais adiante de estímulos a reformas. Os mercados veem isso como essencial para contrariar a crescente ameaça de “japonificação” da economia chinesa, que foi novamente destacada nos dados de domingo, com os preços ao consumidor e ao produtor caindo em fevereiro.

No papel, essa confluência de fatores apresenta dois cenários possíveis para a convergência entre o que antes era o bom (EUA), o ruim (China) e o feio (Europa) da economia global. A visão otimista antecipa uma convergência ascendente do crescimento global, com Europa e China acelerando para se aproximar do desempenho até então excepcional da economia dos EUA.

Isso resultaria em um nível geral mais alto de crescimento global, já que uma desaceleração de curto prazo dos EUA seria mais do que compensada pela recuperação na China e na Alemanha.

A perspectiva mais pessimista seria uma convergência descendente caracterizada por estagflação. Este cenário seria devido a atrasos na implementação da política da Alemanha; a contínua luta da China para equilibrar estímulos e reformas; e uma economia dos EUA desacelerando em direção à velocidade de estagnação em meio a baixa confiança do consumidor, insegurança no emprego, uma abordagem corporativa de esperar para ver sobre investimentos e as pressões estagflacionárias das tarifas.

Embora ainda não esteja claro qual caminho a economia global seguirá, os níveis absolutos e relativos de preços nos mercados sugerem expectativas que estão ligeiramente mais inclinadas para uma convergência favorável a longo prazo.

Isso implica uma crença na capacidade da Europa de superar sua inércia fiscal, na capacidade da China de navegar em seus desafios políticos e na resiliência da economia dos EUA, apesar de suas atuais perturbações.

A aposta é que a economia global provavelmente escapará das garras da estagflação e alcançará uma trajetória de crescimento mais equilibrada e sustentável. Devemos todos esperar que isso esteja certo.

 

 

 

 

Educação, Estado e poder, por Vinício Carrilho Martinez

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Vinício Carrilho Martinez ´ Terra é Redonda – 10/03/2025

Desde O Príncipe de Nicolau Maquiavel, a política sempre vem associada a um sentido de força, imposição – na falta de convicção e de convencimento

Como fazer Educação para o poder (popular), se a política perdeu a graça? Há outra palavra que rima com essa, mas não vou dizer. Em todo caso, fica essa pergunta e uma certeza: o político sem graça, que perdeu a simpatia, só a irá encontrar nos amigos de verdade, junto ao povo pobre, negro e oprimido.

Dentro desse contexto, cabe dizer que o título do texto é o mesmo da minha próxima disciplina na graduação (optativa) e há uma infinidade de questões que passam por essa tríade, desde a emancipação que interessa aos pobres, negros e oprimidos (educação para o poder) até o que há de podre no Reino da Dinamarca (Shakespeare no Hamlet).

Ainda é possível tratarmos de outras variações ou desdobramentos, como: política, dominação, decisão ou alteridade, autoridade, imposição. Desde O Príncipe de Nicolau Maquiavel, a política sempre vem associada a um sentido de força, imposição – na falta de convicção e de convencimento – e isto os antigos chamavam de virilidade. A política era entendida como atributo masculino, ainda que as mulheres sempre tenham feito muito mais política (como “a nobre arte da sobrevivência”) do que os homens dominantes (“falocracia”). Por sua vez, essa “virilidade” nem sempre (ou quase nunca) vinha associada às requeridas “virtudes”: também chamavam de virtù.

Porém, como atualização de sentidos, vamos denominar a política atuante como “rudeza” [1] e que, por sua vez, desconstrói a simpatia: as forças da extrema direta e do Fascismo Nacional são predizíveis nessa seara política. Ou seja, o que prevalece é a imposição (enquanto dominus [2]) e suas decisões são “firmes o suficiente” (como deveria ser o Estado) para que a força (virilidade) jamais possa ser questionada.

Neste caso, de imediato, sem considerar muitas das demais sintonias, vejamos que estamos num paradoxo muito estranho: simpatia, no dicionário etimológico, é a “capacidade de estar com duas ou mais pessoas” e a política, em outra definição bem simples, alude à condição de pautar, convocar, e reunir a fim de se decidir para um fim coletivo.

Então, sem muito esforço da inteligência política, se não há simpatia, podemos indagar: como é que se faz política?

Pois é a este dilema que o país parece estar submetido: o país perdeu sua graça, está sem carisma – assim como nossa política. Comparativamente ao passado recente, hoje, talvez por excesso de mágoa não resolvida, por escassez de tempo e urgência diante nas avaliações negativas, ou por imposição do mero brilho do ego, os “líderes simpáticos” de outrora estão encastelados, envoltos por “amigos” contra seus (nossos?) “inimigos”. E eis então que chegamos em outro beco sem saída, aquele que definha a política numa “relação amigo/inimigo” – “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” (leia-se, a rudeza, a frieza, a truculência).

De certa forma, não é difícil explicar como uma liderança política perde seu carisma, aquela ação/vibração ou capacidade de produzir “simpatia política” [3]: a “graça de quem faz política com pessoas, para as pessoas”. O difícil é fazer o jacaré fechar sua bocarra: essa expressão quer dizer que, quando os polos se afastam, sobretudo apontando níveis insuportáveis de parca adesão, com a boca da inimizade política cada vez mais aberta, é praticamente impossível reverter o processo.

A figura de linguagem do jacaré de boca aberta é muito forte na simbologia e na análise política, por duas razões: quando o jacaré fecha a mordida na sua presa, não há o que o faça abrir, a não ser a vontade de comer; troquemos o jacaré por um crocodilo e chegaremos ao mito do Estado. A primeira ou mais forte representação sobre o Estado foi dada por Thomas Hobbes; no entanto, o filósofo do Renascimento fazia referência a uma passagem bíblica (Isaias 27:1 [4].

Para interagirmos melhor com o animal símbolo do poder, imaginemos derrotar um crocodilo do rio Nilo, um dos mais vorazes e fortes animais da natureza, com lanças e flexas da Idade do Bronze (um metal macio): sua couraça representaria uma força superior ao tanque de guerra mais possante da atualidade (feito com aço e cheio de contramedidas), comparando-se a resistência da couraça com a tecnologia bélica da época. O resultado dessa associação entre força, resistência, indestrutibilidade, seria o Estado.

Voltando à “simpatia política” (ou antipatia, a depender de como analisamos a aceitação e as “intenções de voto”), pensemos como é intransponível a montanha que ameaça desmoronar (ou já desmoronou) para quem perdeu o carisma: o jacaré de boca aberta que está à espreita.

Sem o carisma, poderíamos pensar em uma nova política, sendo feita com esmero, capacidade técnica inquestionável, racionalidade, uma relação numeral que mais acerta do que erra – e não é o caso atual. Aliás, antes de avançarmos, frisemos que a simpatia em baixa (ou antipatia em alta) logo se associa ao preconceito, ao ranço, ao rechaço, às famosas náuseas que levam à interdição política.

Um líder político que passou pelo céu e pelo calvário foi Benito Mussolini. Precursor da Itália fascista, o Duce praticamente reinventou o “carisma político” – meio que na esteira de seu compatriota Caio Júlio César, o mais consagrado general romano –, indo aos píncaros solares do populismo de direita, mas que acabou de ponta-cabeça em praça pública.

Com muito marketing mercantil, no Brasil, tivemos Fernando Collor de Melo, instado ao poder com fomento popular e que acabou em um célebre impeachment. De cunho mais “técnico”, vimos Fernando Henrique Cardoso – alocado no poder central a partir de um “partido de quadros” e com seu “notório saber” – vimos o neoliberalismo avançar seus primeiros passos. Depois, foi defenestrado por um arranjo de petições ideológicas, levando Lula ao primeiro mandato, na soleira de um “partido de massas”. Saiu, no segundo mandato, com 80% de aprovação: um marco para a política mundial, sem dúvida – ainda mais por se tratar de um metalúrgico. Entretanto, aqui importa destacar a simpatia reunida: 80% de amigos, se preferirem dizer assim.

Hoje, sem tanta simpatia, tampouco consegue emplacar forças e partidos de quadros. É óbvio que não tratamos aqui de “partidos revolucionários”.

Faz muito tempo que o PT se afunilou como “partido de poder” – e com isso quero dizer que, numa associação ao PRI (Partido Revolucionário Institucional), do México do século XX, tornou-se uma agremiação que luta (exclusivamente) pelo poder e para se manter no poder. Contudo, nessa praia, o que parece óbvio, não é, efetivamente. Na política, nada é muito o que parece ser.

Basta-nos pensar que os partidos, os mais notáveis ou honestos (mais ainda se olhados pelo ângulo da esquerda), deveriam se voltar à mudança social, muito mais à transformação do que à preservação do status quo. Talvez os índices crescentes de perda de simpatia (carisma em baixa) se devam a isso, uma vez que não se espera de um “partido de esquerda” mover-se do mesmo modo, na mesma lagoa dominada pelo jacaré insaciável da direita (ou extrema direita).

Por fim, volta a pergunta que não quer calar: como angariar simpatia, sem sair da lagoa desse implacável crocodilo?

Com o perdão dos trocadilhos, emprestados para o entendimento mais direto, parece que, sem carisma, não se atenta mais ao fato de que “em lagoa que tem piranhas, jacaré nada de costas”.

Ou será, em outra hipótese, que os amigos encastelados não são tão amigos assim e, no fundo da lagoa, já estariam “dando boi às piranhas”?

Quando não há simpatia política, tudo é bem possível (até provável), porque “o barco furado faz muita água” e a “política do toma lá, dá cá”, parece não satisfazer a todos os ratinhos do porão do poder. É desse modo que o político carismático vira um bicho-papão.

Como dito no início, os amigos do político carismático (simplificado como populista) estão no meio do povo pobre, negro e oprimido. No castelo, no Palácio, estão os “amigos da onça”.

*Vinício Carrilho Martinez é professor do Departamento de Educação da UFSCar. Autor, entre outros livros, de Bolsonarismo. Alguns aspectos político-jurídico e psicossociais (APGIQ)

Notas

[1] O primeiro texto que vou utilizar é esse do link abaixo, sobre a dança das cadeiras na política que deixou Nísia Trindade (Ministra da Saúde) de pé – na porta da serventia.

2 Olhar o relógio é desrespeitoso e foge ao decoro da liturgia do cargo.

[2] “A lei do mais forte”, a lei do capital ou a lei da espada que dita o direito de vida e morte.

[3] As pessoas envelhecem, querem sossego – é um direito legítimo. Mas, erram pecaminosamente ao não investirem na renovação dos quadros, das lideranças políticas.

[4] Assim se dizia biblicamente sobre o Leviatã: “Naquele dia, o Senhor castigará com a sua dura espada, grande e forte, o leviatã, a serpente veloz, e o leviatã, a serpente tortuosa, e matará o dragão que está no mar”.

 

Desconectar para conectar, por Stephanie Habrich

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Proibir celulares nas escolas é só o começo: desafio maior é preparar jovens para interagirem de forma saudável tanto no mundo real quanto no virtual

Stephanie Habrich, Fundadora e diretora-executiva dos jornais Joca e Tino Econômico

Folha de São Paulo, 11/03/2025

O início do ano letivo trouxe polêmica com a lei que baniu celulares nas escolas. A pausa forçada no uso das telas gera resistência, mas levanta uma questão importante: isso realmente criará um ambiente de aprendizado mais saudável?

A ciência mostra benefícios claros dessa restrição: maior concentração e foco, redução da ansiedade, melhora na interação social e no contato humano. Além disso, combater o cyberbullying e incentivar atividades físicas e culturais são ganhos significativos. O “detox digital” também pode fortalecer o senso crítico e a autonomia dos estudantes.

Essa mudança, porém, exige acolhimento e conscientização. É essencial ouvir as preocupações dos alunos e explicar os benefícios. Pais e professores também precisam entender os impactos do uso excessivo da tecnologia, promovendo debates sobre saúde mental e dependência digital.

Pesquisas indicam que o excesso de telas compromete habilidades cognitivas essenciais, como memória e criatividade, além de estar associado a transtornos do sono e aumento da impulsividade. Escolas que já adotaram essa medida ao redor do mundo notam melhores resultados acadêmicos e maior engajamento em atividades extracurriculares.

Claro, a tecnologia é indispensável no mundo atual e pode ser uma grande aliada no aprendizado. O desafio está no equilíbrio entre seus benefícios e a necessidade de desenvolver habilidades interpessoais e emocionais. Cabe aos adultos orientar crianças e jovens no uso seguro e responsável das telas.

A educação midiática é um caminho essencial nessa jornada. Ensinar a diferenciar informações confiáveis de fake news fortalece o pensamento crítico e reduz a vulnerabilidade à desinformação. Esse processo começa cedo e se torna fundamental para a autonomia intelectual dos estudantes.

O afastamento do celular nas escolas também resgata o aprendizado ativo, incentivando a resolução de problemas, a colaboração em projetos e o desenvolvimento da criatividade sem distrações digitais. A aprendizagem significativa acontece quando há espaço para reflexão, troca de ideias e experimentação.

Reduzir o uso de celulares contribui para um futuro mais saudável, tanto para os estudantes quanto para seus relacionamentos. Mais do que proibir a tecnologia, trata-se de construir um ambiente que desenvolva habilidades essenciais para a vida e o mercado de trabalho, como empatia, resiliência e argumentação.

A discussão sobre o uso de celulares nas escolas vai além de evitar distrações em salas de aula. É uma oportunidade de repensar o papel da escola e o tipo de sociedade que queremos construir. A proibição é apenas o começo: o verdadeiro desafio está em preparar os jovens para interagirem de forma saudável tanto no mundo real quanto no virtual.

Os jornais Joca e Tino Econômico, voltados ao público infantojuvenil e seus educadores, acompanham temas atuais como o “brain rot” – ou “apodrecimento cerebral” – , causado pelo consumo excessivo de conteúdos digitais de baixa qualidade. Afinal, informação sem reflexão é só ruído.

 

O que fazer com o Estado? por Lucas Pereira Rezende

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Democratas de todos os vieses não têm um projeto alternativo claro ao neototalitarismo tecnofeudal em voga; momento é de ação, não de nostalgia

Lucas Pereira Rezende, Doutor em ciência política (UFRGS), é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG; autor de “Sobe e Desce: Explicando a Cooperação em Defesa na América do Sul” (ed.UnB)

Folha de São Paulo, 10/02/2025

Todos estão insatisfeitos com o Estado. Progressistas porque ele não levou direitos a todos; conservadores porque políticas de direitos civis esbarram em preceitos religiosos e/ou tradicionais; a classe média pela percepção de corrupção e alta carga tributária; as classes baixas por não serem atendidas plenamente, mantendo sua marginalização; o mercado pelos altos gastos; e todos insatisfeitos com a segurança pública. O que fazer, então, com o Estado?

Essa insatisfação generalizada levou parte das sociedades ocidentais, que viviam sob democracias liberais, em direção a um totalitarismo tecnofeudalista. O vácuo de um movimento de expansão do Estado democrático liberal, que seja capaz de propor uma reforma que preserve os avanços em direitos civis, que mobilize a sociedade em sua defesa, mas que também promova uma reorientação para maiores efetividade e eficiência do Estado, está sendo ocupado por alternativas que têm potencial destrutivo significativo à sociedade como a conhecemos.

Apesar dos seus problemas, foi através das instituições estatais que a democracia liberal pôde avançar. No Brasil, devemos ao Estado, por exemplo, os direitos trabalhistas, a Previdência Social, a infraestrutura desenvolvimentista, a urbanização e industrialização do país, a criação do SUS, a estabilização econômica, a pesquisa científica e o ensino superior gratuito, e a consolidação legal dos direitos civis. A constituição de 1988 representa o ápice do Estado como meio de expansão de direitos em nossa história e institucionalizou, por aqui, o modelo social-democrata.

No entanto, esse modelo extensivo de Estado demanda alta capacidade de financiamento, algo cada vez menos factível desde o início da crise de 2008. Retomo a pergunta inicial: o que fazer com o Estado? O desmanche do Estado promovido por governos como o de Javier Milei na Argentina, Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil não é aleatório e visa as instituições garantidoras dos direitos civis, rotuladas por eles como “ideologizadas”. Não melhora em nada a capacidade de produzir políticas públicas democráticas, mas é uma resposta populista à insatisfação com o Estado.

E qual a alternativa que os governos democráticos apresentaram a isso? A retomada do Estado como ele era pré-2008. O resultado, como vimos na baixa aprovação de Joe Biden e na derrota de Kamala Harris, não é nada diferente da baixa consistente de popularidade do governo Lula. Voltar ao passado com Biden e Lula foi importante para mostrar que os democratas ainda têm capacidade de mobilização e de agenda. Mas falharam em não apresentar uma resposta à insatisfação generalizada contra o Estado.

Os democratas precisam agora se organizar em torno de sua própria proposta de reforma do Estado, que busque preservar os expressivos avanços conquistados nos últimos séculos e que avance sobre os rumos que as democracias têm tomado. Para Adam Przeworski, o caminho seria de diminuição brutal das desigualdades. Para Steven Levisky e Daniel Ziblatt, o caminho é em direção a uma democracia multirracial. Há muitas possibilidades, mas todas têm o pré-requisito de se manterem ativas as regras do jogo democrático.

Não será fácil recuperar a confiança no Estado, ainda mais sem um projeto claro alternativo ao neototalitarismo tecnofeudal. Democratas de todos os vieses do mundo entendem que é através do Estado que políticas públicas podem ser executadas, e que só com instituições democráticas sólidas e muitos mecanismos de freios e contrapesos pode-se garantir direitos e se combater de fato as mazelas da sociedade. É por esta ciência que os democratas se encontram perdidos, defendendo o status quo, enquanto radicais destroem nossas instituições, canalizando a lógica do “que se vayan todos”, que por aqui explodiu em 2013 e ainda segue no sentimento coletivo.

E há pressa: não apenas pela proximidade das eleições em 2026, tanto aqui quanto as midterms (eleições legislativas de meio de mandato) nos EUA, mas porque a democracia é lenta, enquanto o autoritarismo é rápido. Há infindáveis agendas a serem protegidas e ampliadas. Mas, sem um modelo próprio de reforma do Estado que seja comum a todos os democratas, sucumbiremos à agenda destrutiva da direita radical. O momento é de ação, não de nostalgia.

 

 

‘Ainda Estou Aqui’ abre portas para mudanças na sociedade, por Sylvia Colombo

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Obras como a de Walter Salles, que venceu Oscar de melhor filme internacional, iluminam as consciências

Sylvia Colombo, Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

Folha de São Paulo, 09/03/2025

“Quem vai atrás de osso é cachorro”, já disse Jair Bolsonaro, referindo-se à busca por desaparecidos da ditadura militar brasileira (1964-1985).

Quando contei isso para Mariela Fumagalli, diretora da Eeaf (Equipe de Antropologia Forense Argentina), fez-se uma pausa na conversa. “Não é possível que uma parte considerável da sociedade se expresse dessa maneira. Se na Argentina há quem concorde com essa visão, ela é minoritária e envergonhada”, me respondeu.

A entidade que ela comanda trabalha desde 1984 na busca, recuperação, identificação e restituição da identidade das vítimas do terrorismo de Estado no país. Desde sua criação, revelou os nomes de 840 pessoas, algumas enterradas em cemitérios clandestinos, outras encontradas às margens do rio da Prata por terem sido arremessadas nos chamados “voos da morte”. Todo ano, esse número aumenta, porque o trabalho nunca foi interrompido.

Hoje, a Eaaf exporta sua expertise. Já ajudou em casos ocorridos na América Central e, recentemente, na identificação de soldados argentinos enterrados sem nome nas Ilhas Malvinas. “Podemos atuar a pedido de entidades, governos ou mesmo de particulares”, afirma Fumagalli.

A Eeaf não é a única organização não governamental que se dedica a esclarecer os crimes da ditadura. Também há as Avós da Praça de Maio, que buscam netos, ou seja, filhos de desaparecidos, e que para isso montaram um rico arquivo de DNA de pais, mães e avós para cotejar com pessoas que as procurem, em dúvida, sobre sua identidade.

A Argentina usa a interpretação de que crimes cometidos por civis prescrevem, mas não os perpetrados pelo Estado. Por conta disso, já foram condenados mais de mil repressores, num país que há muito derrubou leis de anistia.

Esses órgãos não dependem do governo de turno para continuar. Claro que, durante gestões de direita ou de centro-direita, esse trabalho encontra mais dificuldade, mas nunca deixa de ser feito. A razão, conta Fumagalli, é que, apesar de baseados em políticas públicas tomadas nos anos 1980, “foram apoiados e incorporados por uma sociedade”. E consciente por quê? Porque se informa por livros, filmes e outros instrumentos que fazem com que o período nunca caia no esquecimento.

Durante a gestão de Maurício Macri, por exemplo, houve a ideia de aliviar a pena de genocidas de avançada idade, ao incorporar em suas condenações o período em que ficaram em prisão preventiva. A manifestação popular foi tão grande que tomou as ruas do centro e cercou o Congresso. A ideia foi retirada de discussão.

Já o atual presidente, Javier Milei, adepto da teoria dos dois demônios, ou seja, que coloca em mesmo patamar os crimes cometidos por guerrilheiros e pela repressão, foi alvo de intensas manifestações, ainda durante a campanha eleitoral. Após mais de um ano de governo, não voltou a falar sobre o assunto.

“Talvez o caso de Rubens Paiva, se tivesse ocorrido na Argentina, tivesse uma solução mais rápida”, diz Fumagalli.

A diferença, na Argentina, não foi apenas o fato de que pesou muito a desmoralização dos militares nas Malvinas. Houve uma pressão da sociedade civil para esclarecer a verdade.

É nesse sentido que filmes como “Ainda Estou Aqui” são importantes. Eles iluminam as consciências. “Não é à toa que a Argentina tem uma longa história no que diz respeito a filmes sobre o período”, diz Fumagalli.

 

O problema é o câmbio, por Luís Nassif

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Fazenda e BC andam em cima de uma corda bamba. As pressões contra Fernando Haddad e Gabriel Galípolo podem ter um custo muito alto.

Luís Nassif – GGN – 27/02/2025

A bala de prata para derrubar o governo é a volatilidade do câmbio. Antecipo a conclusão, antes de expor o problema, para que sirva de alerta especialmente para os que trabalham, nesse momento, para enfraquecer o Ministro Fernando Haddad e flexibilizar a política monetária.

Está havendo uma enorme confusão nessa insistência para o Banco Central utilizar instrumentos macroprudenciais para controlar a inflação. Esses instrumentos são, por exemplo, requisitos de capital adicionais dos bancos, limites de exposição ao crédito, políticas de provisões dinâmicas etc.

Todas essas propostas partem do pressuposto que a inflação se deve ao aquecimento da demanda, o chamado hiato do produto.

Estima-se um PIB potencial – o nível máximo de produção que uma economia pode sustentar ao longo do tempo, utilizando plenamente seus recursos (como mão de obra, capital e tecnologia) sem gerar pressões inflacionárias. Depois, compara-se com o Produto Real. Se o Hiato do Produto (a diferença) é positiva, julga-se que a economia está aquecida e, portanto, tem que ser contida. E o caminho é o aumento da taxa Selic.

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Modelo similar é o Hiato do Crédito – uma medida para saber se a expansão do crédito, não só bancário, mas também via mercado de capitais, está desviando do que seria a tendência. 

Monta-se uma equação como se a inflação pudesse ter uma calibragem fina: se aumentar a Selic em xis, haverá uma queda de y na atividade, trazendo a inflação de volta aos limites fixados pelas metas inflacionárias.

Menciona-se o Adicional Contracíclico de Capital Principal (ACCP), um instrumento que permite conter o crédito dos bancos em período de expansão e liberar em período de escassez.

É o câmbio, estúpido!

Só há um engano central: o aumento da Selic não tem nada a ver com o nível de atividade, assim como o aumento da inflação. Na verdade, nem arranha.

Vamos a dois exemplos simples. Primeiro, o custo do financiamento para pessoa física.

  1. A taxa de juros média, nos financiamentos pessoais, está em 150% ao ano, ou 7,93% ao mês.
  2. Se eu adquirir um eletrodoméstico de R$1 mil, em 12 prestações, cada prestação sairá por R$132,19.
  3. Suponha que, com as medidas macroprudenciais, consiga o mesmo efeito de uma alta de 2 pontos percentuais da Selic – ao ano. A taxa anual do financiamento saltará para 152%, ou 8,01% ao mês.
  4. O valor da prestação sairá de R$ 132,19 para R$132,69 – 50 centavos. Alguém vai deixar de comprar?

Agora, o custo do financiamento de capital de giro para uma média empresa.

  1. A taxa de juros média está em 29%, ou 2,14% ao mês
  2. Um financiamento de R$ 100 mil, ao final de 6 meses sairá por R$113.578,00.
  3. Se aumentar em 2 pontos a taxa média, o empresário terá que pagar R$114.255,00, ou 0,77% a mais.
  4. Supondo que o custo financeiro corresponda a 10% do preço final do produto, haverá um aumento de 0,07% no custo de produção.

Basta um pouco de bom senso. É evidente que uma Selic de 2 dígitos desestimula investimento. Mas um aumento adicional de 50 centavos no valor de uma prestação vai desestimular o consumo? Um aumento adicional de menos de 1% no custo de fabricação de um produto vai desestimular a produção? Os consumidores vão deixar de comer mais alface ou mais feijão.

É evidente que não.

Quando fixa a Selic, o Banco Central mira um único alvo: a taxa de câmbio. A inflação brasileira tem uma causa central, além dos problemas ambientais: a volatilidade do câmbio. Aumentando os juros, entram mais dólares, há uma apreciação do real reduzindo os preços dos produtos comercializáveis – importados ou exportáveis.

O câmbio é essencial para o investimento produtivo externo, para as decisões de produção interna ou substituição por importados. Um câmbio estável é ponto central para qualquer tentativa de crescimento.

Há décadas venho apontando essa loucura de uma política monetária cuja variável de ajuste é o câmbio. Mas não dá para escapar da armadilha com voluntarismo.

Ocorre que o sistema de metas inflacionárias tornou-se dominante nas maiores economias. E todas elas se tornaram alvos dos grandes movimentos especulativos do capital.

Tudo é regido pelo chamado “carry trade” – uma estratégia pela qual o investidor toma emprestado em uma moeda, com uma taxa de juros mais baixa, e investe em outra moeda. Quando o investidor considera que o carry de uma moeda é baixo – isto é, está rendendo pouco -, ele tende a sair do ativo. E aí o câmbio explode.

Na grande corrida de dezembro passado, o carry brasileiro estava abaixo do carry do México e da África do Sul. Montou-se uma operação para trocar moedas, tirando investimentos do real e levando para os demais países. E aí o cartel do câmbio deitou e rolou.

O que esse fato ensina? Não adianta um país tomar uma medida de redução do carry, porque o dinheiro irá para outro país. 

A situação brasileira só se acalmou quando a Selic subiu, o carry ultrapassou o do México e África do Sul, e o BC desmontou posições de derivativos com atuações de mercado. Depois, conseguiu gradativamente normalizar o câmbio.

As saídas estruturais

Nenhum país conseguirá sair sozinho dessa armadilha. As reclamações sobre o custo de carregamento do dólar são unânimes, vão do Brasil à África do Sul. Só uma ação articulada das principais economias conseguirá conter o ímpeto do dólar, ainda mais agora, sob a gestão errática de Donald Trump.

É por isso que conversas, com BCs da África do Sul, Índia e outros países, é o primeiro passo para controlar a hidra de Lerna do livre fluxo de capitais.

É importante entender que Fazenda e BC andam em cima de uma corda bamba. As pressões contra Fernando Haddad e Gabriel Galípolo podem ter um custo muito alto.

Se o BC apertar as medidas macroprudenciais, e não cuidar do carry, não segura o câmbio. E se não segurar o câmbio, a inflação vai para o espaço e acabará com qualquer possibilidade eleitoral em 2026.

Além disso, pelas regras do ACCP, a contração de crédito ocorreria só em 12 meses. Ou seja, com a economia sofrendo com a Selic em dois dígitos, viria a trombada do trancamento do crédito. E a inflação continuaria sendo sacudida pelo câmbio.

 

Produto Interno Bruto (PIB) – 2024

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O ano de 2024 foi marcado por grandes alterações no ânimo da economia brasileira, percebemos grandes pressões para fragilizar a política econômica, com setores fortes e influentes se alterando para que a economia entrasse em crise, com recessão e o incremento da fragilização política, que poderiam inviabilizar a reeleição do Presidente da República. Nestes escaninhos ouvimos todas as críticas, xingamentos, notícias falsas e até o ressurgimento do impedimento do presidente Lula, que na opinião, se acontecesse, jogaria a sociedade brasileira em graves desajustes institucionais.

Ao analisar a sociedade brasileira, percebemos uma fragilização institucional preocupante, de um lado vislumbramos uma justiça lenta e onerosa, onde os bagrinhos estão encarcerados e os poderosos continuam se safando de suas responsabilidades, gerando uma sensação de impunidade crescente e uma perda de credibilidade do sistema judiciário. De outro, percebemos um sistema que apresenta grande partidarização, muitos buscando uma candidatura para uma futura carreira política, comprometendo toda uma institucionalidade.

Hoje, o assunto do momento foi a divulgação, feita pelo IBGE, do Produto Interno Bruto (PIB) referente ao ano de 2024, com um crescimento de 3,4%, um dos melhores resultados da última década e, no cenário global, nos colocando na colocação de 16◦, uma notícia alvissareira para a sociedade e, principalmente para o governo federal, num momento em que a popularidade do presidente não é das melhores.

Embora percebamos um dado positivo para a economia nacional, observamos uma desaceleração no último trimestre do ano anterior, com uma quase estagnação econômico, fazendo com que o novo ano nos traga informações de um possível baixo crescimento econômico, gerando redução dos investimentos produtivos e reduzida criação de emprego.

indústria da transformação foi um dos destaques positivos, com crescimento de 3,8% no acumulado de quatro trimestres, a melhor taxa em uma década. O setor de serviços também teve forte expansão, impulsionado por TI, comunicação e comércio. A agropecuária trouxe dados preocupantes, recuou 3,2% no ano, mas seu impacto sobre o PIB foi limitado, dado que o setor representa 7,8% da economia.

Outro dado interessante foi o consumo das famílias, que subiu 4,8% no ano, sustentado pelo mercado de trabalho aquecido e pelo crédito ainda disponível, apesar dos juros elevados. Já os investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) avançaram 7,3%, representando um dos pontos mais positivos da economia no período.

O setor externo da economia brasileira apresentou dados que nos geram preocupações, ainda num momento de instabilidades do comércio global em decorrência das decisões do governo norte-americano, as exportações desaceleraram no quarto trimestre, enquanto as importações cresceram quase 15% no ano, resultando em um déficit em conta corrente de aproximadamente 2,5% do PIB.

O aumento das taxas de juros no Brasil e a tendência de desaceleração global devem afetar o crescimento, com projeção abaixo de 2% para este ano. Além disso, o impacto da política fiscal mais contracionista e a alta nos preços dos alimentos no final de 2024 podem afetar o consumo, além de perder apoio político de setores importantes para a eleição de 2022.

Ao olhar para o cenário mundial, percebemos que os EUA criaram 150.000 vagas, dados que estavam dentro das expectativas. Esse movimento pode impactar a política do Federal Reserve, aumentando a expectativa de cortes na taxa de juros ao longo de 2025.

O governo zerou tarifas de importação de diversos alimentos, como café, açúcar e biscoitos, para aliviar a inflação, que gerou graves constrangimentos e preocupações referente a popularidade do governo federal, perdendo apoio de setores significativos para a eleição de 2026, todas essas medidas visam a redução dos preços do consumidor final, mas levanta debates sobre sua eficácia e o impacto na indústria local.

O cenário agora é de apreensão, com a observação sobre como a economia reagirá à combinação de desaceleração global, política monetária mais restritiva, mudanças no comércio exterior e ajustes fiscais. Apesar dos indicadores trazidos pelo IBGE, o crescimento do PIB foi positivo e, ao mesmo tempo, precisamos refletir sobre o comportamento econômico em 2025.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre e Doutor em Sociologia.

 

 

 

Trumpismos – radiografia da extrema direita, por Michael Lowy

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Michael Lowy –  A Terra é Redonda – 18/02/2025

Prólogo do livro de Miguel Urbán Crespo

A espetacular ascensão da extrema direita se tornou, nas últimas décadas, um fenômeno global, que se reforça e se espalha cada vez mais diante da crise das democracias liberais. De fato, o que poderia ser definido como “trumpismo” sofreu sérias derrotas eleitorais recentes, como exemplificado pelo caso do Brasil e dos Estados Unidos, mas ainda mantém uma influência considerável e continua trabalhando ativamente para retomar o poder.

Além disso, na Europa, governa, de formas diversas, na Hungria, Polônia e Itália, e representa uma séria ameaça eleitoral e política na França, Espanha ou Alemanha. Se olharmos para o Chile, observamos que os partidários do pinochetista José Antonio Kast ganharam as eleições para o Conselho Constituinte. Os exemplos são numerosos em muitas partes do mundo: Índia (Narendra Modi), Turquia (Recep Tayyip Erdoğan), Israel (Benjamin Netanyahu) etc.

Até agora, a maioria dos trabalhos sobre esse tema tem se limitado a realizar estudos de caso em apenas um país. Existem poucas pesquisas sérias que tentam abordar o fenômeno em escala global. O brilhante ensaio de Miguel Urbán Crespo é, sem dúvida, um dos mais amplos, profundos e atualizados trabalhos até agora publicados, pelo menos aqueles que surgem de uma leitura política e ativista. Seu ponto de vista radical, antifascista e anticapitalista não é uma limitação, e sim uma condição fundamental para entender a lógica do autoritarismo reacionário, bem como para pensar as formas de combatê-lo.

Como Miguel Urbán destaca, não se trata apenas de uma ressurreição do antigo fascismo dos anos 1930, mas de algo novo, mesmo que encontremos nele alguns traços do fascismo clássico. O termo “trumpismo” tenta destacar esse componente inovador, embora compreendendo que a onda reacionária pode assumir formas muito diferentes do modelo americano.

Suas características comuns seriam, na opinião do autor: nacionalismo autoritário, xenófobo, demagógico, machista, islamofóbico (menos em suas manifestações fundamentalistas islâmicas), antissemita (exceto nos casos de neofascismo sionista) e negacionista climático. Poderíamos adicionar alguns outros adjetivos: homofóbico, racista, conspiracionista, anticomunista (ou antiesquerda em todas as suas acepções) etc.

Além das múltiplas formas que podem assumir de acordo com os países e culturas: neoimperialismo, iliberalismo, populismo punitivista ou excludente, fundamentalismo religioso… No entanto, para ser sincero, não gosto do termo “populismo”, que gera mais confusão do que clareza; prefiro o outro conceito que Miguel Urban usa para se referir às políticas punitivistas e excludentes (o muro na fronteira): a necropolítica.

Para definir essa extrema direita, pessoalmente uso o termo “neofascismo”, que enfatiza ao mesmo tempo a diferença e a semelhança com o fascismo histórico. O conceito proposto por Miguel Urbán, “autoritarismo reacionário”, parece-me perfeitamente adequado. Ele reúne duas das características principais do fenômeno, comuns a suas várias manifestações, apesar de suas evidentes diferenças, o que permite explicar o surgimento recente do “Frankenstein” da extrema direita.

A principal hipótese do autor é de que a crise do sistema capitalista, assim como o surgimento de políticas neoliberais cada vez mais autoritárias e afastadas das democracias liberais estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial, criou as condições para o surgimento do iliberalismo antidemocrático e do autoritarismo reacionário, que de forma alguma questionam o paradigma econômico neoliberal.

Considero a análise muito acertada, desde que não confundamos os dois fenômenos: Emmanuel Macron e Donald Trump representam duas formas políticas radicalmente distintas, por mais que apresentem traços comuns, começando pelo fato de ambos compartilharem uma fé cega no neoliberalismo. Outra hipótese que me parece interessante é a proposta por Daniel Bensaïd há alguns anos: a globalização capitalista neoliberal, ao enfraquecer os Estados nacionais, provoca “pânicos identitários” que são instrumentalizados pela extrema direita.

Ambas as ideias se baseiam em outra das contribuições mais interessantes do livro que você tem em mãos, ou seja, a análise dos mecanismos utilizados pelo “trumpismo”: as fake news, as guerras culturais (“morte ao woke!”), o conspiracionismo, bem como o terrorismo. Alguns desses métodos já eram usados pelo fascismo clássico, mas agora assumem novas formas, sem precedentes, como o uso massivo das redes sociais – outrora o rádio, no caso do nazismo ou do fascismo italiano – para implementar o quadro autoritário.

Como resistir a essa onda reacionária global? Miguel Urbán reconhece que não há uma receita mágica para enfrentar esse combate indispensável, mas se refere a algumas vitórias importantes – mesmo que às vezes efêmeras – contra o neofascismo e a extrema-direita: a dissolução do Aurora Dourada na Grécia, os avanços dos grandes movimentos feministas no Chile e na Polônia, o surgimento do Black Lives Matter nos Estados Unidos etc.

Este livro é, em última análise, uma ferramenta valiosa para entender e combater – a partir da filosofia da práxis marxista, ambos são inseparáveis – o surgimento da internacional reacionária.

Michae Löwy é diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scientifique (CNRS). Autor, entre outros livros, de Franz Kafka sonhador insubmisso (Editora Cem Cabeças)

Referência

Miguel Urbán Crespo. Trumpismos: neoliberais e autoritários – radiografia da direita radical. Usina Editorial, 2025, 312 págs. Tradução de Valerio Arcary.