Cresce o risco de nova contração

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Valor Econômico
Autor: Nouriel Roubini

A Economia mundial está começando a se recuperar da pior recessão e crise financeira desde a Grande Depressão. No quarto trimestre de 2008 e nos primeiros três meses de 2009, o ritmo de contração na maioria das economias avançadas era semelhante à queda livre do PIB que os países registraram nos estágios iniciais da Depressão. No entanto, no final do ano passado, as autoridades econômicas, que até aquele momento estavam agindo tardiamente, enfim começaram a usar a maioria das armas disponíveis em seus arsenais.

Os esforços deram frutos, e a queda livre da atividade econômica se atenuou. Existem agora três questões em aberto quanto às perspectivas. Quando a recessão mundial vai acabar? Que forma tomará a recuperação econômica? Existem riscos de recaída?

Quanto à primeira questão, parece que a economia mundial chegará ao fim da queda no segundo semestre de 2009. Em muitas economias avançadas (Espanha, Estados Unidos, Itália, Reino Unido e em alguns países da zona do euro) e em alguns emergentes (principalmente na Europa), a recessão não se encerrará formalmente antes do final do ano, já que os brotos verdes da recuperação ainda estão cercados de ervas daninhas. Em algumas outras economias avançadas (Alemanha, Austrália, França e Japão) e na maioria dos mercados emergentes (China, Índia, Brasil e outras partes da Ásia e América Latina), a recuperação já começou.

Quanto à segunda questão, o debate se trava entre aqueles -a maioria do consenso econômico- que antecipam uma recuperação em forma de V, com rápida retomada de crescimento, e aqueles -como eu- segundo os quais a recuperação será em U e se manterá anêmica e abaixo da tendência por ao menos dois anos, após um par de trimestres de rápido crescimento alimentado por reposição de estoques e recuperação da produção ante os níveis quase tão desfavoráveis quanto os da Grande Depressão.
Existem diversos argumentos que apontam para uma recuperação fraca e em forma de U. O emprego continua a cair acentuadamente nos Estados Unidos e em vários mercados -em economias avançadas, o desemprego estará acima dos 10% em 2010. Isso é má notícia não só em termos de demanda e prejuízos bancários mas também em termos de capacitação profissional, um fator chave para o crescimento da produtividade em longo prazo.

Segundo, temos uma crise de solvência, e não apenas de liquidez, mas ainda não começou uma redução real no endividamento, porque os prejuízos das instituições financeiras foram socializados e transferidos aos balanços dos governos. Isso limita a capacidade de empréstimo das instituições financeiras, a capacidade de gasto dos domicílios e a capacidade de investimento das empresas.

Terceiro, nos países que operam com deficit em conta corrente, os consumidores precisam começar a cortar gastos e poupar mais, em um momento em que as pessoas endividadas enfrentam um choque de patrimônio causado pela queda nos preços das casas e dos mercados de ações e pela retração na renda e no emprego.

Quarto, o sistema financeiro -a despeito do apoio das autoridades- continua severamente danificado. A maior parte do sistema bancário paralelo desapareceu, e os bancos tradicionais estão sobrecarregados com trilhões de dólares em prejuízos inesperados com empréstimos e títulos, enquanto ainda se mantêm perigosamente subcapitalizados.

Quinto, os lucros fracos (causados por dívidas elevadas e riscos de inadimplência, crescimento baixo e persistentes pressões deflacionárias sobre as margens de ganhos empresariais) restringirão a disposição das companhias de produzir, contratar trabalhadores e investir.

Sexto, o endividamento do setor público por meio do acúmulo de pesados deficits fiscais ameaça dificultar a recuperação nos gastos do setor privado. Os efeitos das políticas de estímulo, além disso, se dissiparão no começo do ano que vem, o que vai requerer maior demanda privada para sustentar o crescimento.

Sétimo, a redução nos desequilíbrios mundiais implica em que os deficits em conta corrente de economias perdulárias, como a dos EUA, vão reduzir os superávits das economias que poupam em excesso (Japão, Alemanha, China e outros emergentes). Mas, caso a demanda interna não se expanda rapidamente o bastante nos países superavitários, resultará em recuperação mais lenta do mundo.

Recessão em forma de W
Também existem duas razões para que exista risco ascendente de uma recessão de duplo mergulho, em forma de W. Para começar, existem riscos associados às estratégias de saída para o grande relaxamento da política monetária e de estímulo fiscal: as autoridades serão criticadas por agir e também por não agir. Caso decidam levar a sério os grandes deficits fiscais e decretem aumento de impostos, corte de gastos e redução da liquidez excessiva, poderão solapar a recuperação e levar a economia a uma estagdeflação (recessão e deflação).

Mas, caso mantenham grandes deficits orçamentários, os ativistas dos mercados de títulos públicos punirão as autoridades econômicas. As pressões inflacionárias subirão, os rendimentos dos títulos públicos de longo prazo terão de subir e as taxas de empréstimo dispararão, gerando estagflação.

Outro motivo para temer uma recessão de duplo mergulho é que os preços de petróleo, energia e alimentos agora estão subindo mais rápido do que os fundamentos econômicos justificam e podem ser propelidos a alta ainda maior pela liquidez excessiva em busca de ativos e pela demanda especulativa.

No ano passado, o petróleo a US$ 145 por barril marcou um ponto de inflexão para a economia mundial, ao criar termos negativos de comércio internacional e um choque na renda disponível para as economias importadoras da commodity. A economia mundial não suportaria outro choque contrativo caso especulação semelhante conduza o preço do petróleo a um rápido retorno para a marca dos US$ 100.

Em resumo, a recuperação deve ser anêmica e abaixo da tendência nas economias avançadas e existe forte risco de uma recessão de duplo mergulho.

O autor é professor de Economia na Escola Stein de Administração de Empresas na Universidade de Nova York.

A crise financeira um ano depois

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Valor Econômico
Autor: Jeffrey D. Sachs

Um ano depois do início da crise, ela parece estar sanada. Mas o desemprego continua em alta

Já transcorreu quase um ano desde que a economia mundial balançou à beira da calamidade. No espaço de três dias, de 15 a 18 de setembro de 2008, o Lehman Brothers apresentou seu pedido de falência, o controle da mega-seguradora AIG foi assumido pelo governo dos EUA e o Merrill Lynch, ícone falido de Wall Street, foi absorvido pelo Bank of America numa transação intermediada e financiada pelo governo dos EUA. Sobreveio o pânico e o crédito parou de circular. Companhias não conseguiam capital de giro, quanto mais recursos para investimentos de longo prazo. Uma depressão parecia possível.

Hoje, a tempestade foi domada. Meses de ações emergenciais promovidas pelos principais bancos centrais do mundo impediram o colapso dos mercados financeiros. Quando os bancos pararam de fornecer liquidez de curto prazo a outros bancos e companhias industriais, os bancos centrais preencheram a lacuna. Consequentemente, as principais economias evitaram um colapso do crédito e da produção. A sensação de pânico diminuiu. Os bancos estão mais uma vez emprestando uns aos outros.

Apesar de o pior ter sido evitado, muitas aflições persistem. A crise culminou no colapso dos preços dos ativos no fim de 2008. Famílias ricas e de classe média em todo o mundo se sentiram mais pobres e, portanto, reduziram suas despesas radicalmente. Os preços de alimentos e de petróleo nas alturas se somaram às aflições e, por conseguinte, à depressão econômica. Empresas não conseguiam vender a sua produção, o que acarretou cortes de produção e demissões. O desemprego crescente agravou a perda de riqueza familiar, arremessando famílias em profundo perigo econômico e levando a reduções adicionais nos gastos dos consumidores.

O grande problema agora é que o desemprego continua aumentando nos EUA e na Europa, já que o crescimento é lento demais para gerar suficientes postos de trabalho novos. Deslocamentos continuam sendo sentidos por todo o mundo.

Seguiu-se um enorme debate em torno do chamado “gasto de estímulo” nos EUA, Europa e China. Esse gasto tem como objetivo usar os maiores gastos ou incentivos fiscais do governo para compensar a queda no consumo das famílias e no investimento empresarial. Nos EUA, por exemplo, praticamente um terço do pacote de estímulo de US$ 800 bilhões consiste em redução de impostos (para estimular gastos de consumidores); um terço é composto por despesas públicas em estradas, escolas, energia elétrica e outros tipos de infraestrutura; e um terço assume a forma de transferências federais a governos locais e estaduais para serviços de saúde, seguro-desemprego, salários para escolas.

Os pacotes de estímulo são controversos, pois aumentam o déficit orçamentário e, consequentemente, implicam na necessidade de reduzir gastos ou elevar impostos no futuro próximo. A pergunta é se eles estimulam a produção e a geração de empregos com êxito no curto prazo, e, caso afirmativo, se fazem o suficiente para compensar os inevitáveis problemas orçamentários que virão.

A real eficácia desses pacotes não está clara. Suponhamos que o governo conceda uma redução de imposto para aumentar o salário líquido dos consumidores. Se os consumidores decidirem poupar essa redução em vez de estimular o consumo. Nesse caso, o estímulo terá pouco efeito positivo sobre o gasto da família, mas agravará o déficit orçamentário.

Uma avaliação inicial dos pacotes de estímulo sugere que o programa da China funcionou bem. A queda acentuada nas exportações da China para os EUA tem sido compensada por uma queda expressiva nos gastos do governo chinês com infraestrutura, digamos, na construção de metrôs nas maiores cidades da China.

Nos EUA, o veredicto é menos claro. O corte de impostos foi mais provavelmente economizado que gasto. O componente de infraestrutura ainda não foi gasto devido a longas demoras para transformar o pacote de estímulo dos EUA em projetos de construção reais. A terceira parte – a transferência para governos locais e estaduais- quase certamente tem sido bem sucedida, na manutenção das despesas com escolas, saúde e desempregados.

Em suma, os efeitos do estímulo sobre os gastos nos EUA provavelmente têm sido positivos, mas reduzidos, e sem um efeito decisivo sobre a economia. Além disso, temores em torno do enorme déficit orçamentário dos EUA, agora na casa dos US$ 1,8 trilhão (12% do PIB) por ano, tendem a aumentar, não só gerando enormes incertezas no meio político e nos mercados financeiros, mas também diminuindo a confiança dos consumidores.

Quando a crise se aprofundou há um ano, Barack Obama inseriu na campanha presidencial o tema de uma “recuperação verde”, baseada num surto de investimentos em energias renováveis, novos veículos elétricos, edifícios “verdes” ambientalmente eficientes e agricultura ecologicamente segura. No calor da batalha contra o pânico financeiro, a atenção das políticas públicas se afastou daquela recuperação verde. Agora, os EUA precisam retornar a essa ideia importante.

As políticas públicas do governo nos EUA e em outros países ricos deveriam estimular aqueles investimentos por meio de incentivos especiais. Esses incentivos incluem um sistema de teto e mercado para emissões de gás estufa, subsídios para pesquisa e desenvolvimento em tecnologias sustentáveis, tarifas do tipo “feed-in” (que visam estimular tecnologias de geração de energia limpa alternativa) e incentivos reguladores para energia renovável e outros atrativos para a absorção de tecnologias. “verdes”.

O mundo rico também deveria fornecer aos países mais pobres subsídios e empréstimos a juros baixos para comprar tecnologias energéticas sustentáveis, como energia solar e geotérmica. Fazê-lo se somaria à recuperação global, melhoraria a sustentabilidade ambiental de longo prazo e aceleraria o desenvolvimento econômico. A crise ainda pode ser uma oportunidade para sair de uma rota de bolhas financeiras e consumo excessivo rumo a uma rota de desenvolvimento sustentável. Na verdade, aproveitar essa oportunidade é a única receita para crescimento genuíno que nos resta.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia na Universidade Columbia e consultor especial do secretário-geral das Nações Unidas para as Metas de Desenvolvimento do Milênio.

A importância da educação

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Valor Econômico
Autor: Fabio Giambiagi

Acaba de ser publicado o livro “Educação básica no Brasil” (Campus/Elsevier), com 12 capítulos, incluindo um do Prêmio Nobel de Economia do ano 2000, o professor James Heckman, que nos honrou com a co-autoria de um ótimo artigo escrito junto com os professores Araújo, Cunha e Moura. Como fui apenas um dos quatro organizadores do livro e os méritos cabem aos autores, que escreveram excelentes capítulos, sinto-me à vontade para elogiar o conteúdo. Penso que os interessados podem ter na leitura das páginas um diagnóstico e um roteiro acerca dos desafios a serem enfrentados pela educação brasileira. A maior contribuição do livro é a de mostrar o que vem sendo feito de inovador e começando a revelar os primeiros resultados nessa área, no Brasil e no mundo. Capítulos como os de Fernandes e Gremaud, destacando o papel da avaliação e do aprimoramento de indicadores; de Menezes-Filho e Ribeiro sobre os determinantes da melhoria do rendimento escolar; de M.Neri sobre como a educação é percebida pela população; e de C.Ferraz sobre as experiências de SP e PE com a adoção de incentivos por desempenho na remuneração de professores, sem prejuízo dos demais capítulos que não há espaço para resumir, apontam caminhos promissores para a ocorrência futura de novos avanços na matéria. Como em tantas outras áreas no Brasil, houve melhoras, mas há uma árdua tarefa pela frente.

A importância da educação pode ser medida pelos dados de um dos capítulos, escrito por C.Moura Castro. Nele, mostra-se que no Brasil, indivíduos com o ensino fundamental ganham em torno de 2 vezes o que ganha um indivíduo sem escolaridade; os que têm ensino médio completo recebem um terço (1/3) a mais que aqueles que possuem apenas o fundamental; e os graduados com ensino superior têm rendimentos equivalentes a mais de 3,5 vezes o de quem tem apenas o ensino médio. Estudar, portanto, é importante para o país e para os indivíduos, pois, de um modo geral, à maior educação estão associados níveis maiores de rendimento e de bem-estar.

O Brasil se atrasou, historicamente, em relação a outros países que ou já tinham feito seu “dever de casa” na matéria há muito tempo – como os EUA – ou se dedicaram intensamente à educação nas últimas décadas – com destaque para alguns asiáticos. F.Barbosa Filho e S. Pessôa mostram que no começo da década atual, o número médio de escolaridade da população economicamente ativa dos países de língua inglesa, com destaque para os EUA, era o dobro em relação ao Brasil.

A tabela, retirada do primeiro capítulo do livro, de autoria do professor F Veloso, complementa essa informação, decompondo o dado do percentual da população com 25 anos ou mais de idade com ensino médio completo. Apesar dos avanços dos últimos anos, o Brasil fica mal na foto. No conjunto da população, o indicador já é constrangedor: enquanto que apenas 30% da população adulta tem ensino médio completo no Brasil, o percentual atinge níveis de 80% a 90% na Alemanha ou os EUA. Porém, é no avanço ao longo do tempo que se nota mais nosso atraso relativo, quando se comparam os percentuais daqueles que concluíram o ensino médio entre grupos populacionais específicos. Uma medida é comparar esse indicador para dois grupos etários: o de 25 a 34 anos e o de 55 a 64 anos. Aquele indica qual o grau de educação dos jovens, enquanto que o último mostra a “fotografia” do grupo que foi jovem três décadas antes. É uma forma de medir o progresso de um país entre gerações. Veja-se o que aconteceu com a Espanha: no grupo de 55 até 64 anos, apenas 27% têm ensino médio completo, mas entre os mais jovens, o percentual atinge 64%. Não é à toa que a Espanha de hoje é apenas uma pálida lembrança do país dos anos 70. No Chile – que experimentou grandes progressos nos últimos 30 anos – tais percentuais são de 32% e 64%, respectivamente. E o que mais impressiona: não apenas os mais idosos da Coréia do Sul têm níveis de educação similares aos dos jovens do Brasil de hoje, mas – pasmem – o percentual de jovens que concluiu o ensino médio na Coréia atingiu incríveis 97%.

Fabiana de Felício apresenta outros dados para compor o quadro: a taxa de conclusão do ensino fundamental aos 16 anos de idade no Brasil era de 61% em 2007, o que é pouco. Por outro lado, tinha sido de apenas 34% em 1997. Ao mesmo tempo, a escolaridade média das pessoas com 15 anos ou mais era de 7 anos em 2007, o que também é pouco, informação essa que, porém, vem acompanhada de duas boas notícias: a primeira é que houve uma melhora importante, pois o número de anos de estudo desse grupo era de 5 em 1987; e a segunda é que a faixa de 15 a 30 anos já tinha alcançado 9 anos de estudo em 2007.

O quadro em geral retratado nos diversos capítulos – que não temos como expor em detalhes, mas que poderá ser melhor percebido mediante a leitura do livro – é de avanços lentos, mas graduais, acentuados nos últimos 15 anos. Se o esforço dedicado ao tema – por méritos compartilhados pelas gestões de Paulo Renato de Souza sob FHC e de Fernando Haddad no Governo Lula – for mantido, o Brasil daqui a algumas décadas poderá ser melhor do que o país em que nos tocou viver. Resta esperar que haja persistência nesses avanços e, de preferência, que eles se acelerem na próxima década.

Fabio Giambiagi é economista.
E-mail: fgiambia@terra.com.br.

Vantagem do atraso

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Autor: César Benjamin – Folha de São Paulo

O SISTEMA produtivo dos países ricos ocupa a ponta tecnológica e é relativamente homogêneo. Neles, o aumento da produtividade depende, principalmente, da invenção de técnicas novas, um processo caro, lento e difícil. Nos grandes países intermediários, porém, como a China e o Brasil, convivem setores que apresentam níveis de produtividade muito desiguais. Essa desvantagem nos confere uma vantagem dinâmica: deslocando trabalhadores dos setores mais atrasados para os mais modernos ou modernizando setores atrasados, eleva-se a produtividade média da economia pela simples difusão de técnicas já conhecidas, um processo, em geral, muito mais fácil.
Um dos segredos do crescimento chinês é, justamente, a capacidade de usar essa vantagem do atraso. São imensos os ganhos de eficiência que nossa economia pode ter dessa maneira. Um exemplo extremo é o da matriz de transportes. No Brasil, a modalidade rodoviária -a mais cara- realiza a quase totalidade dos transportes de passageiros e a grande maioria dos de carga, com cerca de 40 mil empresas e mais de 300 mil transportadores autônomos. Os custos de operação dessa rede se aproximam de 20% do PIB, mais do dobro do percentual que se verifica nos Estados Unidos.
Um estudo da CNT e da Coppe (UFRJ), realizado em 2002, estimou que as empresas brasileiras mantinham US$ 118 bilhões parados, em excesso de estoque, por causa da inconfiabilidade do sistema de transportes. Não podiam operar “just in time”. Isso mostra a importância da infraestrutura: ela transmite eficiência (ou ineficiência) ao conjunto da economia.
O Brasil deveria aproximar a sua matriz de transportes daquela que prevalece nos EUA: 20% em rodovias, 40% em ferrovias, 40% em hidrovias e cabotagem. Não só estamos muito longe disso (a cabotagem, por exemplo, tornou-se residual, apesar de termos sete regiões metropolitanas no litoral) como tendemos a nos distanciar desse objetivo: os investimentos em transportes, além de insignificantes (em média, 0,2% do PIB na última década), concentram-se justamente em rodovias.
Estamos em um círculo vicioso: o transporte rodoviário apresenta baixas barreiras à entrada (basicamente, a habilitação e o caminhão), o que gera um permanente aumento da oferta, que tende a reduzir o preço dos fretes. Resulta daí uma elevada barreira à saída, pois as dívidas dos caminhoneiros se estendem no tempo. As barreiras à entrada em ferrovias e hidrovias, ao contrário, são muito elevadas.
Deixando o setor entregue a decisões atomizadas, o modo rodoviário tende a se expandir. A soma de comportamentos racionais em termos microeconômicos aprofunda a irracionalidade macroeconômica. Para sair dessa armadilha, é preciso planejar, uma função típica de Estado, demonizada aqui há mais de 20 anos. O último Plano Viário Nacional foi elaborado ainda durante o regime militar.
Sucessivos governos dizem que não têm 2% do PIB para investir em transportes, quantia mínima necessária durante, ao menos, dez anos. São os mesmos governos que pagam mais de 8% do PIB em juros, desnecessariamente, há muito mais tempo. A alteração da matriz de transportes não exige que inventemos nada.
Mas, se realizada, teria em nossa economia o mesmo efeito de uma revolução tecnológica. Estaríamos aproveitando uma vantagem do atraso. Para isso, porém, o nosso sistema político deveria ser capaz de identificar grandes objetivos nacionais e sustentar decisões de longa maturação. Nunca estivemos tão distanciados disso. Em anos eleitorais, faremos novas operações tapa-buracos.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de “Bom Combate” (Contraponto, 2006).

Redistribuir o tempo de trabalho

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Folha de São Paulo – 20/08/2009
Autor: Márcio Pochmann

“O tempo não para. Eu vejo o futuro repetir o passado”
(Cazuza)

A VANÇOS técnico-científicos deste começo de século criam nas sociedades modernas condições superiores para a reorganização econômica e trabalhista. De um lado, o aparecimento de novas fontes de geração de riqueza, cada vez mais deslocadas do trabalho material, impõe saltos significativos de produtividade. Isso porque o trabalho imaterial liberta-se da existência prévia de um local apropriado para o seu desenvolvimento, conforme tradicionalmente ocorre em fazendas, indústrias, canteiros de obras, escritórios e supermercados, entre tantas outras formas de organização econômica assentadas no trabalho material.

Com a possibilidade de realização do trabalho imaterial em praticamente qualquer local ou horário, as jornadas laborais aumentam rapidamente, pois não há, ainda, controles para além do próprio local de trabalho. Quanto mais se transita para o trabalho imaterial sem regulação (legal ou negociada), maior tende a ser o curso das novas formas de riqueza que permanecem -até agora- praticamente pouco contabilizadas e quase nada repartidas entre trabalhadores, consumidores e contribuintes tributários.
Juntas, as jornadas de trabalho material e imaterial resultam em carga horária anual próxima daquelas exercidas no século 19 (4.000 horas). Em muitos casos, começa a haver quase equivalência entre o tempo de trabalho desenvolvido no local e o realizado fora dele. Com o computador, a internet, o celular, entre outros instrumentos que derivam dos avanços técnico-científicos, o trabalho volta a assumir maior parcela no tempo de vida do ser humano.

De outro lado, a concentração das ocupações no setor terciário das economias. No Brasil, 70% das novas ocupações abertas são nesse setor. Para esse tipo de trabalho, o ingresso deveria ser acima dos 24 anos de idade, após a conclusão do ensino superior, bem como acompanhado simultaneamente pela educação para toda a vida.
Com isso, distancia-se da educação tradicional, voltada para o trabalho material, cujo estudo atendia sobretudo crianças, adolescentes e alguns jovens. Tão logo concluído o sistema escolar básico ou médio, iniciava-se imediatamente a vida laboral sem mais precisar abrir um livro ou voltar a frequentar a escola novamente.
Para que os próximos anos possam representar uma perspectiva superior à que se tem hoje, torna-se necessário mudar o curso originado no passado. Ou seja, o desequilíbrio secular da gangorra social. Enquanto na ponta alta da gangorra estão os 10% mais ricos dos brasileiros, que concentram três quartos de toda a riqueza contabilizada (“Os Ricos no Brasil”, Cortez, 2003), há apenas 6% da população que responde pela propriedade dos principais meios de produção da renda nacional (“Proprietários: Concentração e Continuidade”, Cortez, 2009).

Em contrapartida, a ponta baixa da gangorra acumula o universo de excluídos (“Atlas da Exclusão Social no Brasil”, Cortez, 2004), que se mantêm historicamente prisioneiros de brutal tributação a onerar fundamentalmente a base da pirâmide social. No mercado nacional de trabalho também residem mecanismos de profundas desigualdades, como no caso da divisão do tempo de trabalho entre a mão de obra.
Em 2007, por exemplo, a cada 10 trabalhadores brasileiros, havia 1 com jornada zero de trabalho (desempregado) e quase 5 com jornadas de trabalho superiores à jornada oficial (hora extra). Além disso, 4 em cada grupo de 10 trabalhadores tinham jornadas de trabalho entre 20 e 44 horas semanais, e 1 tinha tempo de trabalho inferior a 20 horas por semana.

O pleno emprego da mão de obra poderia ser alcançado no Brasil a partir de uma nova divisão das jornadas de trabalho, desde que mantido o nível geral de produção. A ocupação de mais trabalhadores e a ampliação do tempo de trabalho dos subocupados poderia ocorrer simultaneamente à diminuição da jornada oficial de trabalho e do tempo trabalhado acima da legislação oficial (hora extra).

Com redistribuição do tempo de trabalho o reequilíbrio da gangorra social, torna-se possível.

MARCIO POCHMANN, 47, economista, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.
Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).

Petróleo pode ser uma maldição – Valor Econômico

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Autor: Moisés Naím

Um país petrolífero autoritário tem menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma autocracia sem recursos
O petróleo é uma maldição. Gás natural, cobre e diamantes também são nocivos para a saúde de um país. Daí decorre uma constatação que é tão poderosa quanto anti-intuitiva: países pobres, mas ricos em recursos, tendem a ser subdesenvolvidos não apesar das suas riquezas minerais e em hidrocarbonetos, mas em virtude da sua riqueza de recursos. De uma forma ou de outra, o petróleo – ou ouro, ou zinco – torna o país pobre. Esse fato é difícil de acreditar e exceções, como Noruega e EUA, são geralmente usadas para argumentar que petróleo e prosperidade para todos podem de fato caminhar juntos.
A raridade dessas exceções, no entanto, não só confirma a regra como também mostra o que é preciso fazer: democracia, transparência e instituições públicas eficientes. Essas são precondições importantes para aspectos mais técnicos da receita, incluindo a necessidade de manter a estabilidade macroeconômica, gerenciar as finanças públicas prudentemente, investir parte dos lucros inesperados no exterior, estabelecer “fundos para dias chuvosos”, diversificar a economia e assegurar que a moeda local não alcance uma cotação elevada demais.
Tudo isso parece simples, e com Brasil, Gana e outros países provavelmente em vias de se tornarem grandes protagonistas do petróleo, podemos ter a expectativa de testemunhar alguns raros casos de teste dessas recomendações.
Infelizmente, para a maioria dos países subdesenvolvidos, as defesas sugeridas são tão utópicas quanto a meta mais ampla que elas ajudariam a alcançar. Países que já possuem essas vantagens institucionais não precisam se preocupar com a maldição dos recursos. Para os demais, a exemplo de uma doença auto-imune, a maldição mina a capacidade dos governos de construir defesas contra ela. Poder concentrado, corrupção e o dom dos governos de ignorar as necessidades das suas populações tornam a maldição algo difícil de se resistir.
Juan Pablo Pérez Alfonzo, ministro do Petróleo da Venezuela no começo da década de 1960 e um dos fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), foi o primeiro a chamar a atenção para o problema. O petróleo, ele disse, não é ouro negro: é o excremento do diabo.
Desde então, a constatação de Pérez Alfonzo tem sido rigorosamente testada – e confirmada – por economistas e cientistas políticos. Eles documentaram, por exemplo que, desde 1975, as economias de países subdesenvolvidos ricos em recursos naturais cresceram em ritmo mais lento que as dos países que não podiam depender da exportação de minérios e matérias primas. Mesmo quando ocorre crescimento alimentado por aqueles recursos, ele raramente gera os costumeiros benefícios sociais plenos do crescimento.
Uma característica comum dessas economias é que elas tendem a ter taxas de câmbio que estimulam importações e inibem a exportação de quase tudo exceto sua principal commodity. Não que seus líderes não percebam a necessidade de diversificar. Os países ricos em petróleo investiram em outros setores mas poucos desses investimentos tiveram êxito, pois a taxa de câmbio retarda o crescimento da agricultura, da produção fabril, do turismo e demais setores.
Depois, há a intensa volatilidade das commodities exportadas. Nos últimos 24 meses, por exemplo, o preço do petróleo disparou, subindo de menos de US$ 80 por barril para US$ 147, depois caiu para US$ 30, e mais uma vez se deslocou para cima, para US$ 60, em meados de 2009. Esses ciclos têm efeitos devastadores. A expansão provoca excesso de investimento, assunção de risco temerária e endividamento demasiado. A recessão leva a crises bancárias e cortes orçamentários draconianos que prejudicam os pobres, que dependem de programas governamentais. Ademais, o crescimento impulsionado pelo petróleo não gera empregos em volumes proporcionais à sua participação na economia. Em muitos desses países, o petróleo e o gás natural respondem por mais de 80% das receitas governamentais, ao passo que esses setores geralmente empregam menos de 10% da força de trabalho. Isso aumenta a desigualdade econômica.
Talvez de forma ainda mais significativa, a maldição do petróleo gera políticas perversas. Considerando que os governos desses países não precisam tributar a população para acumular receitas fiscais gigantescas, seus líderes podem se dar o luxo de ser insensíveis e de se esquivar de prestar contas aos contribuintes, que por sua vez mantêm vínculos tênues e não raro parasitários com o Estado. Esses governos, com sua capacidade de dispor de imensos recursos financeiros praticamente de acordo com a sua vontade, inevitavelmente se tornam corruptos.
Assim que assumem o poder, esses governos ricos em petróleo são difíceis de desalojar, gastando vastos recursos públicos para comprar ou reprimir adversários políticos. Estatisticamente, um país petrolífero autoritário tem muito menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma autocracia carente de recursos. Governos ricos em petróleo nos países em desenvolvimento gastam duas a dez vezes mais com suas forças armadas que países pobres ou de renda mediana e são mais propensos a declarar guerra. A maioria dos países exportadores de petróleo que não possuem sólidas instituições democráticas antes de começarem a exportar petróleo cria uma atmosfera inóspita para a democracia.
Isso explica porque fundos soberanos, fundos de estabilização do petróleo e outras soluções tentadas pelos países ricos em petróleo para evitar os efeitos da volatilidade, excesso fiscal, endividamento, taxas de câmbio inibidoras de exportação e outros efeitos nocivos, raramente funcionam. Eles são atacados antes dos dias chuvosos ou são desperdiçados em investimentos medíocres.
Assim, estarão perdidas todas as esperanças para países pobres com ricos recursos naturais? Não necessariamente. Chile e Botsuana se destacam como casos de sucesso em continentes onde a maldição dos recursos provocou destruição. Como eles conseguiram se proteger ainda é um mistério. Desvendar o segredo do seu escape da maldição dos recursos poderá salvar milhões do excremento do diabo. Mas ninguém fez isto até agora.
Moisés Naím é editor-chefe da revista “Foreign Policy”, onde uma versão deste artigo será publicada em breve.

Reduzir a meta de inflação: uma boa ideia?

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Autor: José Luis Oreiro e Luiz Fernando de Paula – Valor Econômico – 18/08/2009

Existem poucas evidências em favor da tese de que a taxa de inflação deve ser a mesma para todos.
Alguns economistas ortodoxos estão lançando a ideia de que o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve reduzir a meta de inflação a partir de 2011. O argumento fundamental é que a crise econômica mundial, ao atuar no sentido de reduzir as pressões inflacionárias latentes na economia brasileira em 2008, abre uma janela de oportunidade para que a taxa de inflação brasileira possa, no pós-crise, convergir para a média internacional. Sustenta-se que a convergência da taxa de inflação para a média mundial seja um objetivo desejável, cujos benefícios de longo prazo superariam em muito o custo que toda a desinflação (decorrente da requerida elevação, ainda que temporária, da taxa de juros) gera em termos de perda de produto e de emprego, pelo menos no curto prazo.
Os problemas causados pela inflação são claros quando a taxa de inflação é alta (superior a dois dígitos, por exemplo), pois recursos escassos da economia são alocados de forma ineficiente para o mercado financeiro, ocorre uma variação excessiva nos preços relativos, impõe-se um imposto inflacionário que recai majoritariamente sobre os mais pobres e, normalmente, inicia-se um processo cumulativo que pode levar à hiperinflação. No entanto, os custos da inflação não são tão claros quando a inflação é baixa, ou seja, para uma taxa de inflação de um dígito por ano. Com efeito, os estudos empíricos sobre os efeitos da inflação sobre o bem-estar não são conclusivos e, em alguns casos, apontam para a existência de uma relação positiva entre inflação e crescimento no longo prazo.
Os potenciais benefícios de uma inflação baixa incluem a facilitação dos ajustamentos no mercado de trabalho, pois, na medida em que os salários nominais são rígidos para baixo, a inflação permite que uma redução no salário real seja empreendida sem que haja cortes no nível de emprego. Alguma inflação também é importante para manter a economia distante de um problema ainda maior, a deflação, cujos efeitos nocivos sobre o sistema econômico foram mais do que comprovados pela Grande Depressão de 1929.
Deve-se mencionar que existem poucas evidências empíricas para suportar a tese de que países em desenvolvimento devam ter a mesma taxa de inflação que países desenvolvidos. A relação entre inflação e crescimento foi analisada a nível empírico por M. Sarel em “Nonlinear effects of inflation on economic growth” (IMF Staff Papers 43, 1996). Segundo esse autor, tomando-se uma amostra de países desenvolvidos e em desenvolvimento até 1990, pode-se mostrar a existência de uma relação não-linear entre inflação e crescimento, de tal forma que haveria uma relação positiva entre ambas as variáveis para níveis de inflação abaixo de 8% ao ano e uma relação fortemente negativa entre ambas a partir desse valor.
A metodologia de Sarel foi replicada por Padilha (2007) em sua dissertação de mestrado desenvolvida na Universidade Federal do Paraná. Tomando uma amostra de 55 países desenvolvidos e em desenvolvimento com dados até 2004, o trabalho em consideração tinha por objetivo reavaliar a relação entre inflação e crescimento do artigo de Sarel e discutir as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os resultados apontam que, para o conjunto dos países em desenvolvimento, a taxa de quebra na relação entre crescimento e inflação é de 5,1%, ao passo que para os países desenvolvidos a relação de quebra se reduz apenas 2,1%. Os resultados são estatisticamente significativos e apontam uma diferença de cerca de três pontos percentuais entre a inflação “ótima” para países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Deve-se ressaltar que os resultados de Sarel, atualizados por Padilha, não justificam o inflacionismo, ou seja, o aumento deliberado e contínuo da taxa de inflação com vistas a se explorar o trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego (via curva de Phillips). O que os resultados desses trabalhos parecem apontar é para a possibilidade de que a curva de Phillips de longo prazo seja negativamente inclinada abaixo de um certo nível crítico de inflação, tal como racionalizado recentemente em Thomas Palley (“The economics of inflation targeting: negatively sloped, vertical, and backward-bending Philips curves”, 2006). Acima desse nível crítico de inflação, a curva de Phillips seria vertical, em consonância com boa parte da literatura teórica e empírica convencional sobre o tema. Dessa forma, bancos centrais devem ter um cuidado especial, principalmente nos países que adotam o regime de metas de inflação, com a fixação da meta de inflação de longo prazo, para não escolher o “trecho errado” da curva de Phillips de longo prazo.
Em função dessas considerações, acreditamos que a revisão da meta de inflação de 2011 para baixo de 4,5% ao ano não seja uma boa ideia. O regime de metas de inflação brasileiro precisa de uma série de reformas – substituição do índice cheio pelo core inflation, aumento do prazo de convergência da inflação para além do ano-calendário, adoção de cláusulas de escape, desindexação dos preços administrados, e extinção das LFT’s para aumentar a eficácia da política monetária -, mas a redução da meta numérica de inflação não é uma delas.
Essas questões são examinadas no livro “Política Monetária, Bancos Centrais e Metas de Inflação: teoria e experiência brasileira”, organizado por nós em conjunto com Rogério Sobreira (EBAPE/FGV) e publicado recentemente pela Editora da Fundação Getúlio Vargas. Nesse livro foram reunidos trabalhos acadêmicos de 23 economistas de diversas linhas teóricas e de diferentes centros de pesquisa e ensino de economia do país. A abordagem teórica adotada é eclética e plural, o que proporciona ao leitor um amplo panorama dos temas tratados por professores e pesquisadores brasileiros de diferentes instituições de ensino superior e de pesquisa do Brasil.

José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB e Membro da Associação Keynesiana Brasileira. E-mail: jlcoreiro@terra.com.br.

Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj e Vice-Presidente da Associação Keynesiana Brasileira. E-mail: luizfpaula@terra.com.br.

Indústria já se preocupa com o pós-Copenhague

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Autor: Sérgio Leo

Grandes empresários, especialmente nos setores de aço e cimento concluíram que a movimentação para a próxima conferência do clima e meio ambiente, em Copenhague, em dezembro, tem grande potencial de interferência em seus negócios futuros. Estão preocupados. Decidiram influir nas posições do governo brasileiro. A Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) deve, em breve, divulgar posição comum à indústria paulista. Cresce, no setor privado, o temor de retaliações a pretexto do combate ao aquecimento global.

O sistema multilateral, que tem na Organização Mundial de Comércio (OMC) um xerife contra o protecionismo, está enfraquecido e sem prestígio com alguns dos maiores atores globais, como os Estados Unidos. O setor privado teme que, nessas condições, sejam facilitados eventuais abusos protecionistas embarcados em legítimas medidas de proteção do meio ambiente.

Esse receio deve se materializar nos documentos que a indústria prepara para influenciar na posição do governo brasileiro para a reunião de Copenhague. A conferência na capital dinamarquesa ambiciona arrancar dos países maiores compromissos com metas para controle de emissões de gases causadores do efeito estufa. Mesmo que fracasse, deve ser seguida de medidas nacionais, na Europa e Estados Unidos, por exemplo. Empresas como as de cimento e de aço teriam dificuldades para adaptar-se sem grande esforço e perda de investimentos recentes, analisam executivos desses setores.

Não há uma posição fechada da indústria. Ainda que seja geral a cobrança por maior agilidade dos órgãos de licenciamento ambiental, há, entre os empresários brasileiros, os que defendem maior compromisso com a redução da emissão de gases-estufa. O Brasil não pode mais alinhar-se automaticamente com países emergentes como Índia e China na defesa de padrões antiquados de eficiência energética e produtiva. A posição defensiva tradicional na discussão sobre meio ambiente não tem mais acolhida nem na Fiesp, o que torna mais interessante acompanhar essa discussão e ver que sugestões resultarão das reuniões entre os empresários.

Os Estados Unidos já criam injustificadas barreiras ao aço brasileiro, para proteger a ineficiente indústria local. Com argumentos ecológicos, poderão levantar mais obstáculos, especialmente num governo do Partido Democrata, tradicionalmente mais sensível às pressões protecionistas. O setor privado já constatou que Copenhague não é um convescote de ONGs ambientalistas, mas um marco a partir do qual novos desafios – e ameaças, segundo alguns – surgirão para as empresas brasileiras que não estiverem preparadas para um mundo menos tolerante com as causas do aquecimento global.

Os ambientalistas e especialistas que se queixavam da timidez do Itamaraty na discussão sobre meio ambiente que se preparem. Por mais progressista que venha a ser a posição dos industriais, deverá haver recomendações para maior cautela no governo, ao assumir compromissos de redução de emissões e ajustamento da matriz produtiva às metas que sairão de Copenhague.

Nacionalismo de ocasião
Depois de firmado o acordo sobre Itaipu com o Brasil, o Paraguai regularizou, discretamente, a situação dos brasilguaios e ainda há críticos da política externa que, sem notar continuaram cobrando ação do governo brasileiro nesse tema. Na Bolívia, o Brasil discute ampliação de vendas e negócios, enquanto a Petrobras lucra com a compra do gás do país andino – até reduziu a demanda.
Esses exemplos mostram que se deve ter cuidado nas análises apressadas – muitas vezes de inspiração eleitoral – sobre a “excessiva generosidade” do governo em relação aos países vizinhos. Novo foco de exploração política será a “invasão” de leite importado do Uruguai. Depois de meses retendo as vendas do vizinho, que representam um quarto das importações de leite no Brasil, Brasília liberou a entrada de leite uruguaio, mas, agora, produtores brasileiros querem barrar o produto, em prejuízo dos consumidores.
Outro foco de equívocos deve ser, em breve, a ação do governo boliviano para remover famílias de brasileiros que atravessaram a fronteira e, ilegalmente, instalaram propriedades na zona fronteiriça. Por questões de segurança nacional, raros países autorizam a posse de terras na fronteira por estrangeiros, especialmente dos países vizinhos.

O governo de Morales, sempre em consultas com o governo brasileiro, ofereceu condições e indenização para que os brasileiros deixem as terras onde estão. Mas, sem querer deixar aos bolivianos sua posses, brasileiros ameaçam resistir com violência. Vão querer transformar seus interesses em causa nacional. Sempre haverá quem queira aproveitar isso politicamente.

Sergio Leo é repórter especial do Jornal Valor Econômico.

O perigo da utopia

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Autor: José Luís Fiori

“…a geopolítica do equilíbrio de poderes e a prática do imperialismo explícito deixaram de fazer sentido devido a uma série de novos fatos históricos […] esta abordagem das relações internacionais não tem mais espaço no mundo em que vivemos, do pós-colonialismo, da globalização, do sistema político global, e da democracia […] com a globalização, todos os mercados estão abertos e é inimaginável que um país recuse vender a outro, por exemplo, petróleo a preço de mercado […] Resulta ainda daqueles fatos que a guerra entre grandes países também não faz mais sentido […] No Século XX, as guerras entre as grandes potências não faziam sentido porque todas as fronteiras já estavam definidas.” – Luiz Carlos Bresser-Pereira, em “O mundo menos sombrio”, Jornal de Resenhas, nº 1, 2009, USP, p. 7

Na segunda metade do Século XX, em particular depois de 1968, tornou-se lugar comum a crítica dos “novos filósofos” europeus, que associavam a utopia socialista ao totalitarismo. Mas não se ouviu o mesmo tipo de reflexão, depois da década de 80, quando a utopia liberal se tornou hegemônica e suas ideias tomaram conta do mundo acadêmico e político. Logo depois da Guerra Fria, Francis Fukuyama popularizou a utopia do “fim da história” e da vitória da “democracia, do mercado e da paz”. E apesar dos acontecimentos que seguiram, suas ideias continuam influenciando intelectuais e governantes, sobretudo na periferia do sistema mundial. Basta ver a confusão causada pelo anúncio recente da decisão americana de ampliar sua presença militar na América do Sul. Com a instalação ou ampliação de sete bases militares no território colombiano, que deverão servir de “ponto de apoio para transporte de cargas e soldados no continente e fora dele” (FSP, 05/08/09).
O governo americano justificou sua decisão com objetivos “de caráter humanitário e de combate ao narcotráfico”. A mesma explicação que foi dada pelo governo americano, por ocasião da reativação da sua IV Frota Naval, na zona da América do Sul, no ano de 2008 : “Uma decisão administrativa, tomada com objetivos pacíficos, humanitários e ecológicos” (FSP, 09/07/08). Uma das funções dos diplomatas é participar deste jogo retórico que às vezes soa até um pouco divertido. E cabe aos jornalistas o acompanhamento destes debates sobre distâncias, raio de ação dos aviões, ameaça das drogas etc. Todavia, os intelectuais têm a obrigação de transcender este mundo da retórica e dos números imediatos e também o mundo das fantasias utópicas, o que às vezes não acontece, e não se trata – evidentemente – de um problema de ignorância.
Pense-se, por exemplo, na utopia liberal do “fim das guerras”, que já não fariam mais sentido entre os grandes países, e contraponha-se este tese com a história passada e a história dos Séculos XX e XXI. Segundo a pesquisa e os dados do historiador e sociólogo americano, Charles Tilly, “de 1480 a 1800, a cada dois ou três anos iniciou-se em algum lugar um novo conflito internacional expressivo; de 1800 a 1944, a cada um ou dois anos; a partir da Segunda Guerra Mundial, mais ou menos, a cada 14 meses. A era nuclear não diminuiu a tendência dos séculos antigos a guerras mais frequentes e mais mortíferas [aliás], desde 1900, o mundo assistiu a 237 novas guerras, civis e internacionais [enquanto] o sangrento Século XIX contou 205 guerras” (Charles Tilly, Coerção, capital e Estados europeus , Edusp, 1996, p. 123 e 131).
Mesmo na década de 1990, durante os oito anos da administração Clinton, que foi transformado na figura emblemática da vitória da democracia, do mercado e da paz, os EUA mantiveram um ativismo militar muito grande. E, ao contrário da impressão generalizada, “os Estados Unidos se envolveram em 48 intervenções militares, muito mais do que em toda a Guerra Fria, período em que ocorreram 16 intervenções militares” (Bacevich, 2002: p:143). E mais recentemente, os “fracassos” militares dos EUA, no Iraque e no Afeganistão – ao contrário do que dizem – aumentaram a presença militar dos EUA na Ásia Central e o cerco da Rússia e da China, envolvendo, portanto, preparação para a guerra entre três grandes potências. Em tudo isto, fica clara a dificuldade intelectual dos liberais conviverem de forma inteligente com o fato de que as guerras são uma dimensão essencial e co-constitutiva do sistema mundial em que vivemos, e que portanto não é sensato pensar que desaparecerão. Ao contrário do que pensam os liberais, a associação entre a “geopolítica do equilíbrio de poderes” e as guerras não se restringe ao Século XIX – já havia sido identificada na Grécia – e o sonho do “governo mundial” das grandes potências existe pelo menos desde o Congresso de Viena, em 1815, sem que isto tenha impedido o aumento do número dos Estados e das guerras nacionais.
Neste tipo de sistema mundial, por outro lado, é muito difícil acreditar na possibilidade do “fim do imperialismo”, e ainda menos neste início do Século XXI, em que as grandes potências – velhas e novas – se lançam sobre a África e sobre a América Latina disputando palmo a palmo o controle monopólico dos seus mercados e das fontes de energia e matérias-primas estratégicas. E soa quase ingênua a crença liberal nos “mercados abertos”, num mundo em que todas as grandes potências impedem o acesso às tecnologias de ponta, não aceitam a venda de suas empresas estratégicas e protegem de forma cada vez mais sofisticada seus produtores industriais e seus mercados agrícolas. Neste ponto, chama atenção a facilidade com que os economistas liberais confundem os mercados de petróleo, armas e moedas, por exemplo, com os mercados de chuchu, queijos e vinhos.
Em tudo isto, o importante é que a utopia liberal também pode ter consequências nefastas, sobretudo para os países que não estão situados nos primeiros escalões da hierarquia de poder do sistema mundial. Se as utopias de esquerda levaram – em muitos casos – ao totalitarismo, a utopia liberal e sua permanente negação do papel poder e da preparação para a guerra, na história do capitalismo e das relações internacionais, leva, com frequência, os intelectuais e dirigentes destes países mais fracos à uma posição de servilismo internacional.

José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e autor do livro “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações” (Editora Boitempo, 2007). Escreve mensalmente às quartas-feiras.

A América do Sul na política externa brasileira

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Autor: Marcelo Coutinho

O debate sobre política externa deve enxergar o longo prazo, ajustando-se às condições da nova década
A política externa brasileira passou por dois grandes paradigmas e alguns interstícios mais ambíguos, como na Era Vargas. Essas referências respeitaram evoluções internacionais e domésticas que fizeram variar a maneira como definíamos nossa identidade, interesses nacionais e recursos que nos capacitavam a alcançá-los. Embora os enfoques mudassem significativamente, a América do Sul sempre foi objeto de atenção especial da nossa diplomacia. Hoje, a difusão do poder internacional e a modernização dos padrões de cooperação recomendam alianças flexíveis e multifacetadas. No entanto, para evitar dispersões contraproducentes, convém não esquecer que, se a geometria é variável, a geografia continua permanente.

A primeira referência paradigmática da política exterior brasileira foi a do Barão do Rio Branco, cujo legado predominou durante toda a República Velha e caracterizou-se pelo alinhamento com os EUA e o arbitramento internacional que tornou nossas fronteiras inquestionáveis. Ainda caudatária das fortes desconfianças entre o Império brasileiro e as novas repúblicas hispano-americanas no Século XIX, a região era vista com suspeição até depois da Primeira Guerra Mundial, pois temíamos uma frente sul-americana antibrasileira e essa preocupação nos levou a uma aliança preferencial com os EUA, com o apoio do Chile.

A segunda referência foi a política externa independente de Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Araújo Castro do início dos anos 1960, cuja definição é autoexplicativa e foi posteriormente recuperada pelo pragmatismo responsável de Azeredo da Silveira na segunda metade dos anos 1970, mas cujos rudimentos já estavam presentes no segundo governo Vargas e no governo Kubitschek. Nesses períodos abandonamos dogmas elitistas e passamos a diversificar nossas relações, mais orientados agora pela maximização dos interesses genuinamente nacionais. Criamos, por exemplo, a Alalc (1960) e a Aladi (1980). Até que os objetivos brasileiros na América Latina deixassem de refletir claramente a visão de Washington, passamos por algumas recaídas ideológicas de subordinação e realinhamento automático com a grande potência, que acabou por nos distanciar da região ou estabelecer com ela um quase “imperialismo por procuração”, nos termos do “key-country” (“para onde for o Brasil também irá a América Latina”, Nixon, 1971).
Cada vez mais consciente da sua condição de país latino-americano a partir do pós-guerra, o país elaborou a duras penas, ao passar das décadas, um consenso entre as elites nacionais de que a região é o aspecto mais importante das nossas relações internacionais, não sendo ela excludente com as ambições universalistas.
A latino-americanização ou sul-americanização da política externa ocorreu não como fórmula defensiva de evitar coalizões antibrasileiras na vizinhança ou mesmo fora dela, mas como forma positiva de nos desenvolvermos, ao mesmo tempo em que constituíamos uma plataforma regional para nossas demandas e inserção globalizada.

O crescimento do Brasil no cenário internacional e as mudanças políticas na região fizeram com que este consenso com respeito à integração regional estivesse ameaçado, pela primeira vez desde o último grande retrocesso, observado no governo Castelo Branco. Tendo em vista que o centro gravitacional do mundo está se pulverizando em múltiplos polos de poder para além dos EUA, começaram a aparecer defensores de um descolamento brasileiro da América Latina. A tese de menos Mercosul segue por esta linha. No entanto, tal contestação da centralidade política e econômica da América do Sul para o país entra em forte contradição com a crescente relevância que as regiões assumem no mundo, seja no comércio ou em questões de segurança e meio ambiente.

O Brasil conseguiu agregar valor às suas exportações graças à América Latina. O regionalismo estrutural está para a indústria brasileira hoje como o nacional-desenvolvimentismo esteve para os anos dourados. Em um contexto de maior imprevisibilidade, assegurar um ambiente de paz e cooperação no espaço onde vivemos e no âmbito de democracias com apelo social, pode ser ingrediente do sucesso. Assim sendo, o debate sobre política externa deve enxergar o longo prazo, ajustando-se às condições da nova década, mas sem nos descarrilar da história. Não obstante as diferenças, estamos ocupando o lugar deixado pelos Estados Unidos na região, que outrora foi da Inglaterra e, antes dela, da Espanha. Como “uma potência doce”, o Brasil faz isso sem ser violento ou imperialista. A pergunta é se devemos continuar com o espírito de comunidade, “socio y no patrón”, ou concorrermos com a voracidade chinesa, a grande potência emergente no Século XXI.

O aumento das expectativas com relação ao Brasil e a reierarquização mundial, que nos colocará algumas posições à frente, têm estimulado progressivamente o país a assumir novos compromissos e a abrir múltiplas frentes de trabalho. É positiva a forma como adotamos relações internacionais variáveis de acordo com os interesses em questão, formando inúmeros grupos e parcerias. Isso não chega a ser uma novidade.

Mas a diferença de agora é que podemos de fato consolidar os avanços acumulados nas últimas décadas desde que não se abra mão dos princípios clássicos da política externa brasileira como o de não intervenção e respeito aos direitos humanos e a democracia. Nenhum tipo de pragmatismo pode ser mais importante do que esses princípios, que em nada se confundem com o viés ideológico ocidentalista do período oligárquico ou da Belle Époque, quando alguns imaginavam ser superiores aos vizinhos.

O mundo não se move pela lógica Norte-Sul ou Sul-Sul. O mundo se globaliza. No entanto, a maleabilidade requerida pelo jogo complexo montado pela evolução do sistema internacional contemporâneo ainda respeita algumas leis básicas da geografia, das distâncias, fronteiras, culturas e territorialidades. As regiões são cada vez mais centrais nesse tabuleiro e em qualquer outro que venha a ser montado porque elas são permanentes. Podem adotar novas configurações, mas são constantes em inúmeros aspectos práticos. Mesmo que alguém considerasse desejável, não há como mudar de vizinhança nesse caso. Aliás, uma boa vizinhança, diga-se de passagem. Sem guerras e mais cooperativa do que muitas outras no mundo. Portanto, antes de sermos Brics ou G-20 financeiro seremos sempre latino-americanos.
Marcelo Coutinho é fundador e coordenador do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professor de Relações Internacionais da UnB.