Contrastes e contradições de um país “emergente”

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Vivemos em uma sociedade onde os contrastes são cada vez maiores e mais evidentes, nesta sociedade, onde de um lado encontramos um altíssimo crescimento da tecnologia, com máquinas modernas, telefones celulares de última geração, aparelhos multifuncionais e produtos variados e sofisticados, um mundo de fantasia, onde o sonho e a realidade são colocados um ao lado do outro bastando apenas, para conquistá-lo, abrir a bolsa e sacar o cartão de crédito.
Este mundo de sonhos e fantasias é o mundo do capitalismo globalizado da contemporaneidade, da mídia e dos jornais especializados em celebridades, um mundo de conto de fadas onde a beleza e o hedonismo são presenças constantes e associados a uma beleza eterna que tem seu preço e todos podem adquirir, desde que devidamente inseridos.
Encontramos nesta sociedade as mais variadas formas de notícias que pregam um mundo irreal, mas ao mesmo tempo somos pressionados a ver e sentir o mundo real, o mundo das desigualdades sociais e culturais, entre países e dentro dos países, dos conflitos bélicos incentivados pela busca constante de recursos financeiros e pelo prazer imediato. Como nos mostra o sociólogo polonês Zygmunt Baumann vivemos no tempo dos amores e sentimentos líquidos, nesta nova sociedade tudo é instável e instantâneo, vivemos no mundo do agora, a construção de valores está sendo deixada de lado e os valores dominantes são os valores do imediato, do possuir e do dominar, o plantar e o construir caíram de moda, devemos colher sem plantar e viver o momento sem se preocupar com o futuro, pois os problemas ambientais e cotidianos nos levam a crer que o futuro não mais vai existir, só sobreviverá o mundo do agora.

Diante disso vamos aproveitar o momento, deixando de lado a educação e os valores morais, estes são vistos como investimentos de longo prazo, imprecisos e inoportunos, restrinjamos ao momento atual e ao imediatismo, vamos nos entregar à busca por recursos financeiros, deixando a ética e os valores herdados do renascimento do século XV e vamos tomar como nosso os valores da competição e da concorrência, adotemo-nos a religião do dinheiro e da ambição, estes sim vão nos preparar para o mundo atual, um mundo de sonhos, gozos e irrealidade, um mundo como diz o sociólogo, apenas líquido.

A sociedade do século XXI é a sociedade da informação, nela o conhecimento é força criadora, neste mundo tão complexo e impreciso, a educação é um instrumento fundamental, fundamental para libertar, como dizia o maior educador que o Brasil conheceu, Paulo Freire, educar é libertar o ser humano das suas trevas individuais e desenvolver suas potencialidades, que são imensas e se renovam constantemente, no entanto, para isso precisamos tornar a educação não apenas uma palavra bonita, mas um conceito fundamental, uma força construtora de alicerces sólidos que não se rompam nos momentos de terremotos sociais e crises internacionais. Um país como o Brasil, um verdadeiro continente, dotado de recursos naturais privilegiados e de um clima reconhecidamente caracterizado como um dos melhores do mundo, um povo dinâmico, empreendedor e hospitaleiro, que respeita a adversidade e convive bem com outros povos e culturas, tem vantagens estruturais que o colocam em posição de destaque nesta sociedade.
A educação é a chave para o sucesso, não seremos um país desenvolvido com o nível educacional que temos, uma média de 5 anos de estudo por trabalhador, quando o mundo desenvolvido está na casa dos 10 ou 12 anos.
Só construiremos um país de verdade com oportunidade para todos, quando nos conscientizarmos de que o progresso é uma construção social e cada indivíduo deve dar a sua contribuição, um país onde a lei do Gerson reina, a lei do tirar vantagem de tudo, não está apto para o mundo do século XXI caracterizado por inúmeros desafios, ao mesmo tempo marcado por grandes oportunidades, só seremos grandes e emergentes quando capacitarmos o nosso povo e transformarmos a educação em um projeto nacional, um projeto de Estado e não um projeto de governo, com prazos e interesses imediatos.

Radiografia da classe média num país injusto

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Autor: Frei Betto – Correio da Cidadania – 08/03/2010.

A população brasileira é, hoje, de 190 milhões de pessoas, divididas em classes segundo o poder aquisitivo. Pertencem às classes A e B as de renda mensal superior a R$ 4.807 – os ricos do Brasil.

R$ 4.807 não é salário de dar tranquilidade financeira a ninguém. O aluguel de um apartamento de dois quartos na capital paulista consome metade desse valor. Mas, dentre os ricos, muitos recebem remunerações astronômicas, além de possuírem patrimônio invejável. Nas grandes empresas de São Paulo, o salário mensal de um diretor varia de R$ 40 mil a R$ 60 mil.

Análise recente da Fundação Getúlio Vargas, divulgada em fevereiro último, revela que integram esse segmento privilegiado apenas 10,42% da população, ou seja, 19,4 milhões de pessoas. Elas concentram em mãos 44% da renda nacional. Muita riqueza para pouca gente.

A classe C, conhecida como média, possui renda mensal de R$ 1.115 a R$ 4.807. Tem crescido nos últimos anos, graças à política econômica do governo Lula. Em 2003 abrangia 37,56% da população, num total de 64,1 milhões de brasileiros. Hoje, inclui 91 milhões – quase metade da população do país (49,22%) – que detêm 46% da renda nacional.

Na classe D – os pobres – estão 43 milhões de pessoas, com renda mensal de R$ 768 a R$ 1.115, obrigadas a dividir apenas 8% da riqueza nacional. E na classe E – os miseráveis, com renda até R$ 768/mês – se encontram 29,9 milhões de brasileiros (16,02% da população), condenados a repartir entre si apenas 2% da renda nacional.

Embora a distribuição de renda no Brasil continue escandalosamente desigual, constata-se que o brasileiro, como diria La Fontaine, começa a ser mais formiga que cigarra. Graças às políticas sociais do governo, como Bolsa Família, aposentadorias e crédito consignado, há um nítido aumento de consumo. Porém, falta ao Bolsa Família encontrar, como frisa o economista Marcelo Néri, a porta de entrada no mercado formal de trabalho.

Dos 91 milhões de brasileiros de classe média, 58,87% têm computador em casa; 57,04% frequentam escolas particulares; 46,25% fazem curso superior; 58,47% habitam casa própria. E um dado interessante: o aumento da renda familiar se deve ao ingresso de maior número de mulheres no mercado de trabalho.

Já foi o tempo em que o homem trabalhava (patrimônio) e a mulher cuidava da casa (matrimônio). De 2003 a 2008, os salários das mulheres cresceram 37%. O dos homens, 24,6%, embora eles continuem a ser melhor remunerados do que elas.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o governo Lula tirou da pobreza 19,3 milhões de brasileiros e alavancou outros 32 milhões para degraus superiores da escala social, inserindo-os nas classes A, B e C. Desde 2003, foram criados 8,5 milhões de novos empregos formais. É verdade que, a maioria, de baixa remuneração.

No início dos anos 90, de nossas crianças de 7 a 14 anos, 15% estavam fora da escola. Hoje, são menos de 2,5%. O aumento da escolaridade facilita a inserção no mercado de trabalho, apesar de o Brasil padecer de ensino público de má qualidade e particular de alto custo.

Quanto à educação, estão insatisfeitas com a sua qualidade 40% das pessoas com curso superior; 59% daquelas com ensino médio; 63% das com ensino fundamental; e 69% dos semi-escolarizados (cf. A Classe Média Brasileira, Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, SP, Campus, 2010).

A escola faz de conta que ensina, o aluno finge que aprende, os níveis de capacitação profissional e cultural são vergonhosos comparados aos de outros países emergentes. Quem dera que, no Brasil, houvesse tantas livrarias quanto farmácias!

Hoje há mais consumo no país, o que os economistas chamam de forte demanda por bens e serviços. Processo, contudo, ameaçado pela instabilidade no emprego e o crescimento da inadimplência – a classe média tende a gastar mais do que ganha, atraída fortemente pela aquisição de produtos supérfluos que simbolizam ascensão social.

A classe média ascendente aspira a ter seu próprio negócio. Porém, o empreendedorismo no Brasil é travado pela falta de crédito, conhecimento técnico e capacidade de gestão. E demasiadas exigências legais e trabalhistas, somadas à pesada carga tributária, multiplicam as falências de pequenas e médias empresas e dilatam o mercado informal de trabalho.

Embora a classe média detenha em mãos poderoso capital político, ela tem dificuldade de se organizar, de criar redes sociais, estabelecer vínculos de solidariedade. Praticamente só se associa quando se trata de religião. E revela aversão à política, sobretudo devido à corrupção.

Descrente na capacidade de o governo e o Judiciário combaterem a criminalidade e a corrupção, a classe média torna-se vulnerável aos “salvadores da pátria” — figuras caudilhescas que lhe prometam ação enérgica e punições impiedosas. Foi esse o caldo de cultura capaz de fomentar a ascensão de Hitler e Mussolini.

Reduzir a desigualdade social, assegurar educação de qualidade a todos e aumentar o poder de organização e mobilização da sociedade civil, eis os maiores desafios do Brasil atual.

* Frei Betto é escritor, autor de Calendário do Poder (Rocco), entre outros livros

Um bom livro sobre a crise

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Autor: Luiz Gonzaga Belluzo – Valor Econômico

A crise financeira desatou um movimento de críticas ao paradigma dominante na teoria econômica. Se a memória não falha, acho que já tratei nesta coluna do texto do biógrafo de Keynes, Robert Skideslsky, “The Return of the Master”. No gênero, o jornalista inglês John Cassidy escreveu o livro “How Markets Fail”, que merece mais do que um fim de semana dedicado à leitura. Nele o autor combina erudição, simplicidade e sobretudo capacidade de situar as teorias em seu ambiente histórico, social e político, o que torna a crítica mais consistente e afasta as tentações das manobras pseudocientíficas que o sociólogo americano Wright Mills chamava de “empirismo abstrato”.

Cassidy começa com Adam Smith, celebrado fundador da Economia Política que, na Teoria dos Sentimentos Morais pretendia “provar que, anteriormente a qualquer lei ou instituição positiva, a mente estava dotada naturalmente da faculdade que permitia distinguir, em certas ações e afeições, as qualidades do certo, do louvável e do virtuoso e, em outras, aquelas do errado, do condenável e do vicioso….” É por meio da razão que descobrimos essas regras gerais de justiça que regulam nossas ações.

Na “Riqueza das Nações”, Smith derivou a propensão para a troca a partir das inclinações naturais do indivíduo. Naquele “estado rude e primitivo da sociedade”, a troca de mercadorias decorreria da disposição benevolente dos indivíduos ao relacionamento com o “outro”. Os produtores privados de mercadorias, ao buscar o seu interesse, “constituem” a sociedade. Smith busca afirmar a autonomia da sociedade econômica em relação ao Estado sublinhando o caráter natural e “espontâneo” das relações fundadas no autointeresse coordenado pela sabedoria providencial e impessoal da Mão Invisível. Smith, diz Cassidy, recomendava restrições à liberdade para a operação dos bancos, “que podem colocar em perigo a segurança de toda a sociedade e, por isso, devem ser disciplinados pelas leis dos governos, desde os mais livres aos mais despóticos.”

Ao longo do século XIX, a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII. O homo oeconomicus, dotado de conhecimento perfeito, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica. Essa metafísica da corrente dominante supõe uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade. Para esse paradigma, a sociedade onde se desenvolve a ação econômica é constituída mediante a agregação dos indivíduos, articulados entre si por nexos externos e não necessários.

Os modelos de equilíbrio geral, com informação perfeita e mercados competitivos para todas as datas e contingências, são replicantes do Demônio de Laplace. Em seu pecado original de orgulho iluminista, o deus-mercado se pretende “uma inteligência que abarcaria, na mesma fórmula, os movimentos dos maiores corpos do universo e do menor átomo: para ele nada seria incerto e o futuro e o passado estariam sempre presentes sob seus olhos.”
Cassidy mostra com clareza e simplicidade que nos anos 70, o “nobelizado” Robert Lucas juntou o suposto das expectativas racionais ao modelo de equilíbrio geral para reintroduzir, na contramão da Revolução Keynesiana, o Demônio de Laplace no universo da moderna teoria econômica. Com esse movimento, Lucas expulsou do paraíso da respeitabilidade acadêmica as ideias keynesianas de incerteza e de instabilidade da economia capitalista.
A propósito de capitalismo, John Cassidy ironiza a concepção “lucasiana” da sociedade e da economia: “Ele criou um capitalismo sem capitalistas, em que as empresas são meras abstrações que transformam insumos em produtos”. Nesse capitalismo sem capitalistas, Lucas adotou a teoria dos mercados eficientes para o conjunto da economia. Eugene Fama e outros estenderam tal hipótese para os mercados financeiros. “Lucas assumiu que os mercados de bens, de trabalho, todo e qualquer mercado, eram igualmente eficientes.”

A suposição fundamental das teorias novo-clássicas, com expectativas racionais, assegura que a estrutura do sistema econômico no futuro já está determinada agora. Isso porque a função de probabilidades que governou a economia no passado tem a mesma distribuição que a governa no presente e a governará no futuro.

Cassidy discorda. Para ele, a ação econômica numa sociedade capitalista é definida pelo caráter crucial das antecipações do grupo social que detêm o controle da riqueza e que deve decidir o seu uso a partir do critério da vantagem privada. Os planos privados de utilização da riqueza são racionais do ponto de vista individual, mas o turbilhão de ações egoístas, ao modificar irremediavelmente as circunstâncias em que as decisões foram concebidas, pode levar a um processo cumulativo de erros.

Cito Cassidy: “A ideia de que o comportamento racional do investidor pode levar a um resultado coletivamente irracional – um bolha, por exemplo – é tão antiga quanto a famosa South Sea Bubble de 1720. Muitos investidores sabiam que as informações sobre os ganhos do comércio entre a Espanha e a América Latina eram exageradas e as empresas que lançavam ações no mercado de Londres eram fraudulentas.”

Nos mercados financeiros, as decisões são comandadas por impulsos, medos e súbitas mudanças no estado de expectativas. Os investidores e os senhores da finança têm a faculdade de usar o poder conferido pelo controle do dinheiro e do crédito para beneficiar o conjunto da sociedade ou simplesmente entregar-se ao “amor do dinheiro” e à proteção patrimonial, produzindo crises e desigualdade.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Importações, competição e inovação

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Valor Econômico
Autor: Naércio Menezes Filho

Já mostramos neste espaço que as exportações brasileiras são pouco sensíveis à taxa de câmbio, dependendo muito mais do crescimento da renda dos nossos parceiros comerciais. Assim, a existência de uma possível “doença holandesa”, provocada pela valorização cambial, não se sustenta diante das evidências. Ficou faltando analisar o comportamento das importações, pois outro argumento dos “intervencionistas” é que o câmbio valorizado barateia significativamente os produtos comprados no exterior, o que provocaria uma invasão de importados e poderia destruir a indústria nacional. Será que esse argumento faz sentido?
O gráfico mostra o comportamento das nossas importações de bens de capital, intermediários e de consumo nos últimos 20 anos. Podemos ver que as importações, da mesma forma que as exportações, cresceram lentamente até 2003 e aceleradamente a partir de então, declinando somente com a recente crise econômica mundial. Como as importações cresceram mais rapidamente no período de valorização cambial recente, será que os “intervencionistas” teriam razão?

Várias pesquisas recentes mostram que, ao contrário do que ocorre com as exportações, o comportamento das importações depende muito do câmbio. Porém, uma análise mais detalhada da figura mostra que os intervencionistas não estão com a razão. Na verdade, a importação que mais cresceu no período recente foi a de bens intermediários.

Esses bens são, na maior parte das vezes, utilizados como insumos para a produção de outros bens pelas nossas firmas. Assim, quando o câmbio valoriza e as importações de bens intermediários aumentam, as firmas são capazes de obter insumos a preços mais baixos, o que reduz custos e provoca aumento da produção, beneficiando tanto a indústria como o consumidor.

Logo abaixo dos bens intermediários, em termos da composição das nossas importações, estão os bens de capital. A valorização cambial neste caso, além de reduzir o preço das máquinas e equipamentos adquiridos no exterior, promove um aumento da produtividade das firmas importadoras, pois os bens de capital produzidos no exterior geralmente incorporam tecnologias mais avançadas, que são trazidas para as firmas brasileiras através da importação. Isso também provoca uma diminuição dos preços e aumento da produção, para um dado nível de emprego. De fato, a redução das tarifas de importação de insumos importados nos anos 90 foi a principal responsável pelo aumento da produtividade ocorrido naquele período.
Mas, e os fornecedores locais de insumos e de bens de capital, não seriam prejudicados pela concorrência internacional? Alguns analistas argumentam, inclusive, que a competição com produtos importados tende a diminuir os incentivos à inovação e ao crescimento das firmas brasileiras. Seria necessário, portanto, proteger a indústria nacional. Setores do governo vão mais longe, defendendo, inclusive, a fusão entre empresas nacionais, para criar empresas de primeira classe, que poderiam competir com as grandes firmas do mundo todo.

Entretanto, as coisas não são tão simples assim. Na verdade, existe uma longa tradição na teoria econômica e nas pesquisas empíricas mostrando que a maior competição tende a provocar aumento das inovações e do crescimento das firmas. Segundo essa linha de raciocínio, a falta de competição faz com que as empresas se acomodem, aproveitando suas altas margens de lucro, sem se preocupar com inovações de processo e de produto. Afinal, quem teria razão?

Um livro recente (“Competition and Growth”, de Phillipe Aghion e Rachel Griffith) procura sistematizar as pesquisas teóricas e empíricas recentes nessa área, para saber se, afinal, mais competição conduz a um aumento ou diminuição das inovações e do crescimento econômico. Os autores concluem que a redução de barreiras à entrada de produtos importados tem, em geral, um efeito positivo sobre a inovação e o crescimento econômico. Entretanto, este efeito é mais forte para as firmas e indústrias que estão mais perto da fronteira do conhecimento tecnológico, pois elas conseguem competir mais facilmente com os produtos importados através da inovação. Além disto, o efeito da competição sobre o crescimento depende fortemente das instituições do país. Quanto mais flexível for o mercado de trabalho, por exemplo, maior será o efeito da competição sobre o crescimento.

Dessa forma, as importações têm efeitos positivos sobre o crescimento e a produtividade das nossas firmas, seja por permitir acesso a bens de capital tecnologicamente mais avançados, seja através da competição, que faz com que as firmas inovem para poderem competir. Entretanto, para que as firmas possam inovar e crescer frente à concorrência internacional, elas tem que estar próximas à fronteira tecnológica. Para que mais firmas alcancem esse estágio, temos que ter mais trabalhadores qualificados e instituições que favoreçam a inovação. Proteger excessivamente a nossa indústria, assim como proteger excessivamente nossos filhos, pode ser ruim para o seu desenvolvimento no longo prazo.

Naércio Menezes Filho, é professor titular (cátedra IFB) e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa e professor da FEA-USP, escreve mensalmente às sextas-feiras.

Os riscos dos desdobramentos da crise.

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Autor: Yoshiaki Nakano – Valor Econômico

Do pico de nível de atividade econômica, no período pré-crise, atingido em abril de 2008, até o segundo trimestre de 2009, a atual crise provocou uma contração maior no PIB, no comércio mundial e nas bolsas de valores do que a grande depressão dos anos 30. Entretanto, as respostas das políticas monetária e fiscal foram muito mais rápidas e intensas do que nos anos 30. Com isso, tivemos uma rápida e sensível melhora nas expectativas e surpreendente início de recuperação da atividade econômica desde o segundo trimestre na Alemanha, França e no Japão, estabilização nos Estados Unidos e recuperação do crescimento na Ásia.

A rigor a crise financeira iniciou-se nos Estados Unidos e contaminou diretamente os bancos dos principais países desenvolvidos. Nos países emergentes ela foi importada pelo pânico psicológico, revelou-se sem maiores consequências e a desaceleração do crescimento veio da queda nas exportações. A sustentação do crescimento e o seu ritmo dependerão do dinamismo de seu mercado doméstico. Tudo indica que os emergentes estão retomando o crescimento ainda que em ritmo menor.

Algumas grandes questões colocam em risco a recuperação recém-ensaiada nos países desenvolvidos. Ela se sustentará no momento em que os estímulos fiscais forem retirados? O que acontecerá com o seu sistema financeiro enquanto a nova regulação não vem, com uma política monetária fortemente expansionista, que inundou o sistema com abundante liquidez, uma taxa de juros próxima a zero e o retorno das práticas e da especulação financeira?
Com o socorro monumental dado pelo Federal Reserve (Fed, banco central) e pelo Tesouro, o mercado financeiro norte-americano já voltou a operar com as mesmas práticas que desencadearam a crise, as operações de trading no mercado de capitais, gerando grandes lucros e, com isso, os bônus bilionários e a sensação de que a crise financeira já acabou.

No entanto, não é a percepção dos analistas econômicos que sabem que as fragilidades do sistema financeiro não foram removidas e ninguém está prevendo a recuperação da economia em forma de V. Ao contrário, os analistas mais sérios agrupam-se em dois grupos. De um lado, aqueles que acham que a recuperação terá a forma U, mas com base achatada e longa e, de outro, aqueles que acreditam que a recuperação terá a forma de um W. Há fortes argumentos para ambos os grupos.

Aqueles que veem a recuperação em forma de U, com base achatada e longa, apontam que dois choques negativos e persistentes nos países desenvolvidos: choque de queda no consumo, em função da enorme destruição de riqueza financeira e necessária elevação da taxa de poupança das famílias americanas que estavam super-endividadas. O mesmo ocorre na Europa em menor grau; assim, a hipótese de recuperação via exportações está afastada. Com forte e persistente queda no consumo e nas exportações, a recuperação dos investimentos também é remota. Mais do que isto alguns analistas como Paul Krugman apontam riscos dos Estados Unidos entrarem numa espiral deflacionária, pois as respostas de política econômica tomadas até agora nos Estados Unidos e os desdobramentos da crise estão distantes daquelas tomadas pela Suécia e outros países nórdicos no início da década de 90, que permitiram rápida recuperação econômica. O desenrolar da crise mais se assemelha com o caso japonês em que o socorro do banco central e do tesouro se deu sem simultânea reestruturação do sistema financeiro, como no caso sueco, e com isso a recuperação foi lenta e prolongada e agravada pela temível espiral deflacionária.

Aqueles que acreditam que a recuperação será longa e em forma de W ou www, apontam duas ordens de riscos. Primeiro os riscos oriundos da estratégia de saída das expansionistas políticas monetária e fiscal e da retirada das garantias e da liquidez extraordinária injetada no sistema. Os desafios são gigantescos: em que momento reverter as políticas, lembrando que os estímulos fiscais têm data marcada para serem retirados e que a sua permanência requer aprovação do Congresso provavelmente resistente; como sequenciar ao longo do tempo as saídas; como coordenar e sincronizar globalmente as saídas.

Em segundo lugar temos os riscos oriundos da injeção extraordinária de liquidez e socorro aos bancos sem a simultânea reestruturação. Com recursos sem limite, as taxas de juros próximas a zero garantidas pelo Fed e na crença de que o governo não permitirá novas quebras os bancos, as mesmas práticas especulativas que geraram as bolhas e seu colapso retornaram. Pois é assim que geram enormes lucros recordes agora captando recursos custo praticamente zero e especulando com ativos com preços deprimidos.

Não são as operações tradicionais de empréstimos bancários ao setor real da economia que estão de volta. Basta verificar que as reservas bancárias ociosas passam de mais de US$ 1,3 trilhão. São as operações alavancadas de trading no mercado de capitais que voltaram e que, ao canalizarem recursos da liquidez extraordinária injetada pelos bancos centrais para as bolsas de valores, principalmente dos emergentes, petróleo, as commodities e para moedas-commodities, como o real, estão provocando a elevação de seus preços que já atingiram níveis em plena recessão global que não se justificam. Assim já podemos falar de mini-bolhas. De fato, nestas instituições quando o preço de seus ativos aumentam no seu balanço recompõe-se o seu patrimônio líquido e a alavancagem se reduz com isto são estimulados pela expectativa de polpudos lucros e bônus milionários abrem o apetite ao risco alavancando-se com novas operações e assim sucessivamente até que geram bolhas que podem eventualmente estourar.

Assim, aqueles que acreditam que a recuperação se dará sob a forma de W apontam para as grandes dificuldades de implementar uma saída das políticas e da retirada da liquidez extraordinária sem turbulências num quadro no qual a própria ação de socorro dos bancos centrais está gerando mini-bolhas. Certamente haverá sustos já que o socorro do governo aos bancos foi feito sem a sua reestruturação que deverá demorar e quem sabe será implementado só em 2011.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Pré-sal: farsa e tragédia

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Autor: Cláudio Considera – Valor Econômico

A educação no país é muito ruim e a sociedade não se mobiliza para reivindicar melhoras na qualidade
Em livro recém-lançado (Educação Básica no Brasil, Ed. Campus, vários autores) Samuel Pessoa, Fernando de Holanda B. Filho e Fernando Veloso, chamam a atenção para os poucos anos de educação básica que o Brasil tem, comparativamente a diversos países (mais ricos ou mais pobres), e sua consequência, tanto para o baixo crescimento que tivemos ao longo dos anos, como para a nossa perversa distribuição de renda.

Samuel e Fernando Holanda nos deixam pesarosos ao se perguntarem pelo motivo do descuido da sociedade com a educação da segunda metade do século passado em diante. Para eles, aos olhos de hoje, é difícil entender que a sociedade tenha se mobilizado pelo “petróleo é nosso” e que não tenha havido movimento equivalente por universalização e por melhor qualidade do ensino básico.
Recordando, desde 1950, não foi apenas em petróleo que o Estado brasileiro, do período do nacionalismo-desenvolvimentista, investiu pesadamente. Vários setores da infraestrutura básica, tais como mineração, siderurgia, telecomunicações, energia, portos etc, foram estatizados sob a alegação de que eram investimentos de longo prazo de maturação e de rentabilidade baixa, incapazes, portanto, de atrair o capital privado, quer nacional ou internacional.
Por 30 anos, até 1980, o Brasil cresceu a taxas espetaculares (7,4% ao ano, em média) e seu PIB em 1980 tornou-se 8,5 vezes maior do que em 1950. Certamente esse crescimento tem como fator fundamental a ação investidora do Estado como produtor. De 1980 a 1992, com a falência do Estado, crescemos apenas 1,36% e o PIB per capita teve uma redução de 8%. Além disso, o processo inflacionário ocupou todas as energias e recursos do Estado brasileiro, incapacitando-o até mesmo para ser um Estado apenas indutor.

Em 1992, quando se inicia o processo de privatização, contávamos com mais de 800 empresas estatais em péssimas condições econômicas e financeiras, incapazes de serem recuperadas sem fortes investimentos, impossíveis de serem realizados pelo Estado. Em compensação, o baixo investimento em educação naquele período havia acarretado uma tragédia educacional irrecuperável. Assim é que, os anos médios de escolaridade da força de trabalho brasileira – população economicamente ativa (PEA) – era, em 1980, de apenas 3,1 anos, apenas 1 ano superior àquela da África subsaariana e bastante inferior à dos países de língua inglesa (8,5 anos) e mesmo dos maiores países da América Latina, excluindo o Brasil (5,6 anos).

Samuel e Fernando Holanda mencionam ainda estudos que mostram que a incapacidade do Brasil em universalizar a educação básica no momento em que passávamos pelo processo de transição demográfica (quando se passou a ter altas taxas de crescimento da população) explica diversas características trágicas de nossa sociedade hoje: favelização das grandes cidades, o forte crescimento populacional, a explosão da criminalidade, entre outras, além do aumento da desigualdade e da baixa produtividade do trabalho.
Por sua vez, Fernando Veloso chama a atenção que os países mais ricos (renda per capita superior a US$ 23 mil) em 2000 tinham escolaridade média superior a 8 anos enquanto que o Brasil tinha pouco menos de 6 anos para uma renda per capita de cerca de US$ 7 mil; escolaridade essa inferior à de países com renda per capita inferior à nossa. Mostra ainda que, em 2006, essa pouca escolaridade brasileira era de má qualidade, pois nossa classificação no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) era no máximo o 49 º com cerca de 393 pontos quando os dez primeiros colocados tinham acima de 500 pontos.

Mesmo considerando esses resultados, o governo brasileiro, de 2 anos atrás em diante, lançou-se num programa de reestatização do setor de petróleo no Brasil, turbinado na primeira semana de setembro pela exploração do pré-sal. A história se repete: agora como farsa e tragédia. Como farsa, pois a razão ora esgrimida para que o Estado aumente sua participação no setor é oposta àquela da estatização do nacional-desenvolvimentismo: segundo vários ministros do governo, a estatização é necessária, pois, tratar-se-ia de uma atividade bastante lucrativa, sem risco e que, portanto, não deve ser deixada para o capital privado (nacional ou multinacional). Argumentam que todos os lucros dessa atividade deveriam ser apropriados pelo Estado, que no futuro poderá utilizar esses lucros em benefício da sociedade em ações como educação e outros. Isto é dito, mesmo se reconhecendo que estes frutos só viriam a se concretizar em 10 anos.

De fato, as razões acima expostas são apenas uma farsa daqueles que acham que, de fato, o Estado deve ser o proprietário dos recursos produtivos da nação e ocupar-se da produção de bens e serviços mercantis. O Estado deveria, segundo eles, retomar seu papel de produtor e não apenas de indutor da atividade econômica.

A história se repete também como tragédia: podemos, com base na nossa história, inferir os resultados dessa opção em continuar investindo pouco e mal em educação: ampliação da favelização, da pobreza e da criminalidade nos anos que estão por vir.

Fico pesaroso em pensar o quão melhor o Brasil estaria, daqui a dez anos, se os jornais da primeira semana de setembro anunciassem que os recursos que a União gastará para capitalizar a Petrobras (R$ 100 bilhões – 5 bilhões de barris de petróleo a R$ 20,00 por barril), com vistas à exploração do pré-sal, fossem utilizados na educação. Ou, ainda, se os jornais de 8 de setembro estampassem em suas manchetes: “O Brasil investirá R$ 31,5 bilhões para deflagrar uma revolução na educação”, ao invés de comprar armamentos.

Isto sim beneficiaria a grande maioria dos pobres deste país, tornando-os mais educados e produtivos, menos pobres, socialmente incluídos e contribuindo definitivamente para o desenvolvimento brasileiro.

Mas, como nos lembraria o senador Cristovam Buarque, tal ação não rende votos, mesmo que voltadas para os mais pobres. A sociedade continua preferindo estatais e armas.

Claudio Considera é professor de economia da Universidade Federal fluminense

O mito da redução do Estado

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Valor Econômico
Autor: Luís Gonzaga de Mello Beluzzo

Na edição de segunda-feira, 14 de setembro, a “Folha de São Paulo” publicou entrevista com a “especialista em desenvolvimento” australiana Linda Weiss. Ela proclama que a “a redução do papel do Estado na economia sempre foi um mito”. Disso já sabia o celebrado historiador Fernand Braudel. Em sua obra maior, “Civilização Material e Capitalismo”, Braudel escreveu: “o erro mais grave (dos economistas ) é sustentar que o capitalismo é um sistema econômico… Não devemos nos enganar, o Estado e o Capital são companheiros inseparáveis, ontem como hoje.”

Em seu curso no College de France, oferecido entre 1978 e 1979, mais tarde publicado sob o título de “Nascimento da Biopolítica”, Michel Foucault cuidou de examinar as condições da governabilidade nas sociedades de mercado. A certa altura, Foucault concluiu que a teoria econômica move-se num vazio institucional e histórico, enquanto a vida econômica dos homens concretos se movimenta numa ordem social economicamente regulada pelo direito “com base na economia de mercado”. Não se trata de mercado ou Estado, senão de uma coisa e outra.

As reformas ditas liberalizantes não afastaram, de fato, o Estado da arena econômica, mas foram empreendidas, desde o crepúsculo dos anos 70 do século passado, com o propósito de mobilizar os recursos políticos e financeiros dos Estados Nacionais para fortalecer os respectivos sistemas empresariais envolvidos na concorrência global.

O Estado não saiu da cena, apenas mudou de agenda. Na esteira do apoio decisivo do Estado, as corporações globais passaram a adotar padrões de governança agressivamente competitivos. Entre outros procedimentos, as empresas subordinaram seu desempenho econômico à “criação de valor” na esfera financeira, repercutindo a ampliação dos poderes dos acionistas. Aliados aos administradores, agora remunerados com bônus generosos e comprometidos com o exercício de opções de compra das ações da empresa, os acionistas exercitaram um individualismo agressivo e exigiram surtos intensos e recorrentes de reengenharia administrativa, de flexibilização das relações de trabalho e de redução de custos.

As estratégias de localização da corporação globalizada introduziram importantes mutações nos padrões organizacionais: constituição de empresas-rede, com centralização das funções de decisão e de inovação e terceirização das operações comerciais, industriais e de serviços em geral. A cartilha neoliberal pretendia nos ensinar que a globalização nasceu de uma espantosa revolução tecnológica capaz de aproximar o homem do momento em que vai se livrar da maldição do trabalho e gozar dos encantos da vida cosmopolita. A microeletrônica, a informática, a automação dos processos industriais etc. prometem nos libertar das limitações impostas pelo espaço e pelo tempo. O indivíduo livre pode trabalhar em casa e se tornar, além de patrão de si mesmo, um partícipe da prosperidade universal. A globalização, associando tecnologia e transformação das formas de trabalho, realizaria essa maravilhosa promessa da modernidade.

Mas a realidade da globalização neoliberal foi outra. A individualização das relações trabalhistas promoveu a intensificação do ritmo de trabalho, conforme estudo recente da OIT e de outras instituições que lidam com o assunto. O trabalho se intensificou, sobretudo, entre os que se tornaram independentes das relações formais, os que negociam diariamente a venda de sua capacidade de trabalho nos mercados livres.

Isso aconteceu no mesmo período em que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações nos parlamentos e nos executivos. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis de concorrência. A abertura dos mercados e o acirramento da concorrência coexistiram com a tendência ao monopólio e, assim, impediram que os cidadãos, no exercício da política democrática, tivessem força suficiente para decidir sobre a própria vida.

Os neorreformistas, na realidade, cuidaram de transferir os riscos para os indivíduos dispersos, ao mesmo tempo em que utilizaram o Estado e sua força financeira coletiva para limitar as perdas provocadas pelos episódios de desvalorização da riqueza. A intensificação da concorrência entre as empresas no espaço global não só acelerou o processo de financeirização e concentração da riqueza e da renda como, ironicamente, incrementou a fúria legislativa do Estado em matéria econômica, o que, em consequência sobrecarregou os aparelhos judiciários. O acirramento da concorrência em todas as esferas multiplicou os conflitos entre empresas e entre estas e os trabalhadores.

Os empenhos do Novo Estado promoveram, ademais, a reversão das tendências à maior igualdade observadas no período que vai do final da Segunda Guerra até meados dos anos 70 – tanto no interior das classes sociais quanto entre elas. Na era do capitalismo “turbinado”, financeirizado e “estatizado”, os frutos do crescimento se concentraram nas mãos dos detentores de carteiras de títulos que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza. Para os demais, perduravam a ameaça do desemprego, a crescente insegurança e precariedade das novas ocupações, a exclusão social.

O projeto da autonomia do indivíduo está inscrito no pórtico da modernidade. Significa a sua autorrealização dentro das regras das liberdades republicanas e do respeito ao outro. Opõe-se à submissão aos poderes, públicos e privados, que o cidadão não controla. A disseminação das formas mais agressivas de concorrência, fomentadas pela nova configuração de funções do Estado, encontra débil resistência em seu trabalho de reduzir os “conteúdos” da vida humana às relações dominadas pela expansão do valor de troca. Mas pode se tornar intolerável para os indivíduos a sensação de que o seu quotidiano e seu destino são governados pelas tropas de uma “racionalização” sufocante, destruidora do projeto de uma vida boa e decente.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. E-mail: BelluzzoP@aol.com

Da Guerra

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Valor Econômico
Autor: José Luís Fiori

Entre 1495 e 1975, as grandes potências estiveram em guerra durante 75% do tempo, começando uma nova a cada sete ou oito anos. Mesmo nos anos mais pacíficos desse período, entre 1816 e 1913, essas potências fizeram cerca de 100 guerras coloniais. E, ao contrário das expectativas, a cada novo século houve mais guerras do que no século anterior. (J. Levy, “War in the modern Great Power System”, Ky Lexington, 1983) Por isso, pode-se dizer que as guerras foram a principal atividade dos Estados nacionais europeus, durante seus cinco séculos de existência e, agora de novo, o Século XXI já começou sob o signo das armas.

Mas, apesar disto, segue sendo um tabu falar e analisar objetivamente o papel das guerras na formação, na evolução e no futuro do sistema interestatal capitalista que foi “inventado” pelos europeus nos Séculos XVI e XVII e só se transformou num fenômeno universal no Século XX. Talvez porque seja muito doloroso aceitar que as guerras não são um fenômeno excepcional, nem decorrem de uma “necessidade econômica”. Ou porque seja difícil entender que elas seguirão existindo, mesmo que não ocorram enfrentamentos atômicos entre as grandes potências, porque não precisam ser travadas para cumprir seu “papel” dentro do sistema interestatal. Basta que sejam planejadas de forma complementar e competitiva.
À primeira vista, tudo isso parece meio absurdo e paradoxal. Mas tudo fica mais claro quando se olha para o começo desta história e se entende que o sistema mundial em que vivemos foi uma conquista progressiva dos primeiros Estados nacionais europeus. E desde os seus primeiros passos, esse sistema nunca mais deixou de se expandir, “liderado” pelo crescimento competitivo e imperial de suas grandes potências, que lutam para manter ou avançar sua posição relativa dentro do sistema. Por isso, tem razão o cientista político norte-americano John Mearsheimer, quando diz que “as grandes potências têm um comportamento agressivo não porque elas queiram, mas porque elas têm que buscar acumular mais poder se quiserem maximizar suas probabilidades de sobrevivência, porque o sistema internacional cria incentivos poderosos para que os Estados estejam sempre procurando oportunidades de ganhar mais poder às custas dos rivais…”. (Mearsheimer, “The tragedy of the great powers”, 2001: 21).

Nesse processo competitivo, a guerra, ou a ameaça da guerra, foi o principal instrumento estratégico utilizado pelos Estados nacionais para acumular poder e definir a hierarquia mundial. E as potências vencedoras – que se transformaram em “líderes” do sistema – foram as que conseguiram conquistar e manter o controle monopólico das “tecnologias sensíveis”, de uso militar. Mas essa competição por tecnologia e pelo controle monopólico dos recursos bélicos deu origem à uma dinâmica automática e progressiva de preparação contínua para as guerras, numa disputa que aponta todo o tempo na direção de um império único e universal.

Paradoxalmente, esse império não poderá ser alcançado sem que o sistema mundial perca sua capacidade conjunta de seguir se expandindo. Por quê? Porque a vitória e a constituição de um império mundial seria sempre a vitória de um Estado nacional específico. Daquele Estado que fosse capaz de impor sua vontade e monopolizar o poder até o limite do desaparecimento dos seus competidores. Se isto acontecesse, entretanto, acabaria a competição entre os Estados e, nesse caso, os Estados não teriam como seguir aumentando o seu próprio poder.

Ou seja, nesse sistema interestatal inventado pelos europeus, a existência de adversários é indispensável para que haja expansão e acumulação de poder e a preparação contínua para a guerra é o fator que ordena o próprio sistema. Assim mesmo, como a “potência-líder” também precisa seguir acumulando poder para manter sua posição relativa, ela mesma acaba atropelando as instituições e os acordos internacionais que ajudou a criar num momento anterior. Ela é quem tem maior poder relativo dentro do sistema e, por isso, ela é que acaba sendo, quase sempre, a grande desestabilizadora de qualquer ordem internacional estabelecida.

Agora, a preparação para a guerra, e as próprias guerras, nunca impediram a complementaridade econômica e a integração comercial e financeira entre todos os Estados envolvidos nos conflitos. Pelo contrário, a mútua dependência econômica sempre foi uma peça essencial da própria competição. Às vezes predominou o conflito, às vezes a complementaridade, mas foi essa “dialética” que se transformou no verdadeiro motor político-econômico do sistema inter-estatal capitalista, e no grande segredo da vitória europeia sobre o resto do mundo, a partir do Século XVII.

Entre 1650 e 1950, a Inglaterra participou de 110 guerras aproximadamente, dentro e fora da Europa, ou seja, em média, uma à cada três anos. E entre 1783 e 1991, os Estados Unidos participaram de cerca de 80 guerras, dentro e fora da América, ou seja, em média, também, uma a cada três anos (M. Coldfelter, “Warfare and armed conflicts”, MacFarland, Londres, 2002). Como resultado, neste início do Século XXI, os Estados Unidos têm acordos militares com cerca de 130 países ao redor do mundo e mantém mais de 700 bases militares fora do seu território. E assim mesmo devem seguir se expandindo – independente de qual seja o seu governo – sem precisar ferir necessariamente o direito internacional, e sem precisar dar explicações a ninguém.
Por isto, soa absolutamente cômica e desnecessária a justificativa de que as bases militares dos EUA na Colômbia têm a ver com o combate ao narcotráfico e à guerrilha local, assim como os argumentos que associam a instalação do escudo antimísseis dos EUA na fronteira com a Rússia ao controle e bloqueio de foguetes iranianos. Como soa ridícula, nesse contexto, a evocação do “princípio básico da não ingerência” na defesa das decisões colombianas, polacas ou checas. Nesse “jogo” não há limites e, por mais lamentável que seja, os “neutros” são irrelevantes ou sucumbem, e só restam duas alternativas, para os que não aceitam aliar-se ou se submeter à potência expansiva: no caso dos mais fracos, protestar; e no caso dos demais, defender-se.

José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e autor do livro “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações” (Editora Boitempo, 2007).

Intervenções cambiais do Banco Central

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Valor Econômico
Autor: Márcio G. P. Garcia

Apesar de toda a incerteza sobre o futuro da economia mundial, o cenário dominante atual é que os piores temores sobre a crise econômica parecem ter passado. Este cenário, que propicia o retorno do apetite dos investidores internacionais por ativos mais arriscados, com maiores retornos esperados, tem contribuído para melhorar a conta financeira (capital) do balanço de pagamentos brasileiro. Simultaneamente, a retomada do crescimento mundial vem se concentrando mais pesadamente na Ásia, em especial na China, acarretando aumento da demanda por nossas exportações de commodities, melhorando também a balança comercial. Tais movimentos voltaram a trazer para o centro da política econômica a questão do que fazer para mitigar a apreciação cambial que vem ocorrendo, prejudicando o desempenho das exportações, sobretudo de manufaturas.

Algumas medidas ineficazes ou insensatas vêm sendo propostas para mitigar o influxo de dólares, como controles de entrada de capitais estrangeiros e taxação das exportações de commodities, embora não se saiba se o governo lançará ou não mão delas. As principais medidas que vêm sendo utilizadas há anos, e deverão crescer ainda mais de importância, são as intervenções esterilizadas pelo Banco Central do Brasil (BC) nos mercados cambiais, ainda que o BC sempre advirta, corretamente, não ter um alvo para a taxa de câmbio.

Intervenções cambiais esterilizadas são compras ou vendas de divisas estrangeiras pelo BC sem que ocorra alteração no estoque de moeda (nem na taxa de juros). Na sua forma mais simples, uma operação esterilizada de compra de divisas envolve duas operações das mesas do BC. Inicialmente, o BC compra dólares e paga em reais, assim acumulando reservas internacionais e aumentando a base monetária. Simultaneamente, o BC conduz operações de mercado aberto que visam o enxugamento da liquidez adicional gerada pela operação de compra de câmbio: o BC vende títulos públicos de sua carteira, assim fazendo retornar a seu valor inicial a base monetária (e também a taxa de juros).

Ressalte-se a diferença entre intervenções esterilizadas e não-esterilizadas: estas últimas expandem (compra de divisas) ou contraem (venda de divisas) a base monetária, alterando, portanto, a taxa de juros. Não há dúvidas quanto à eficácia de intervenções cambiais não-esterilizadas em mover a taxa de câmbio, pelo menos por algum tempo. Países que têm metas, explícitas ou não, para a taxa de câmbio, recorrem, via de regra, a intervenções não-esterilizadas.

Intervenções esterilizadas podem afetar a taxa de câmbio via dois canais teóricos: o canal de sinalização e o canal de equilíbrio de portfólio. No canal de sinalização, o pretenso efeito sobre a taxa de câmbio adviria de sinais implícitos de futuras mudanças em políticas governamentais. Este canal não parece relevante quando se adota o sistema de metas para inflação, no qual há muitas formas de o BC passar ao mercado informações que julgue conveniente divulgar.
No canal de equilíbrio de portfólio, mudanças nas taxas de retorno alteram a taxa de câmbio. Segundo a lógica deste hipotético efeito, ativos denominados em dólares e reais não são substitutos perfeitos. Inicialmente, os dealers de câmbio detêm seus respectivos estoques desejados de moeda estrangeira. Então, o BC realiza a compra esterilizada, reduzindo os estoques dos dealers para níveis abaixo dos desejados (às taxas de retorno vigentes, os dealers passam a ter demasiados ativos em reais e poucos ativos em dólares). Assim sendo, os dealers vão ao mercado para recompor seu estoque, comprando dólares e pagando em reais, causando a depreciação do real, a qual, por sua vez, causa a diminuição do retorno esperado dos ativos em dólares. No novo equilíbrio de portfólio, com o dólar mais apreciado, os novos retornos esperados são compatíveis com a nova quantidade relativa de ativos em dólares e reais.
A literatura empírica sobre a capacidade de intervenções esterilizadas afetarem a taxa de câmbio é bastante controversa. Detecta efeitos que variam entre diferentes países, e mesmo entre diferentes episódios, ao longo do tempo, em um mesmo país. Estudos empíricos em mercados emergentes têm sido pessimistas quanto à eficácia de intervenções esterilizadas em alterar a trajetória da taxa de câmbio.

O advento dos derivativos financeiros veio a tornar ainda mais complexa a operação das intervenções esterilizadas. Por exemplo, ao decidir atuar no mercado cambial, o BC tem ainda que decidir se vai atuar no mercado à vista (mercado composto pelo BC e por bancos autorizados a operar com câmbio) ou no mercado de derivativos cambiais, usualmente via swaps cambiais. Em princípio, o locus de atuação do BC seria indiferente, produzindo o mesmo resultado independentemente de onde o BC intervenha. Na prática, contudo, pode ser relevante a escolha do mercado no qual o BC intervirá. Um exemplo ilustra o problema.
Uma das formas com que investidores estrangeiros lucram com a diferença entre os juros altos no Brasil e os juros mais baixos nos EUA, em operação conhecida como carry-trade, é vendendo contratos futuros de dólar na BM&F Bovespa. A pressão vendedora de dólar futuro deprime o preço do dólar futuro, reduzindo o forward premium (diferença entre os preços do dólar futuro e do dólar à vista). Como a taxa de juros interna não se altera, sobe o cupom cambial (a taxa de juros em dólar no Brasil), gerando oportunidade de arbitragem para os bancos, que passam a trazer dólares tomados por empréstimo no exterior. Neste caso, em qual mercado deve o BCB intervir? No mercado futuro (onde começou a pressão vendedora de dólar futuro), no mercado à vista (onde surgiram os dólares spot (à vista) que apreciaram o BRL), ou em ambos os mercados? Se em ambos, em qual proporção? Esta é uma questão extremamente relevante de política econômica para a qual não se dispõe de respostas claras, teóricas ou empíricas.

Mais ainda, calibrar o tamanho das intervenções é também um grande problema. Em entrevista recente, o diretor do BC Mário Torós rebateu a ideia de que o BC deva aumentar suas intervenções de compra no mercado spot para além do fluxo cambial: “De forma geral, o resultado final desse tipo de atuação (quando a compra, pelo BC, supera o volume de dólares ingressados no dia), é uma circularidade. Você compra, puxa o cupom, entra capital especulativo, o fluxo de dólares aumenta, você vai e compra esse fluxo maior. Por definição, você estará sempre comprando o fluxo”. … O governo sabe se sua política está afetando ou não o ingresso de capitais especulativos na medida em que a atuação do BC no mercado está sendo de tal maneira que a taxa de juros do cupom cambial se mantém no nível da taxa de juros do mercado internacional (mais um pequeno prêmio) (Valor Econômico, 14/8/2009).

Subentende-se da declaração do diretor do BC que não há um objetivo de comprar um volume definido a priori, devendo o BC absorver o excesso do fluxo que ocorreria na ausência de sua intervenção. Tal objetivo é compatível com o já alto nível de nossas reservas cambiais (as quais, em nível menor, já se demonstraram suficientes para enfrentar a crise de 2008) e o alto custo fiscal das mesmas. Em suma, embora não seja claro que as intervenções esterilizadas do BC em mercados cambiais possam alterar a trajetória de longo prazo da taxa de câmbio, é quase certo que continuarão a ocorrer.

Márcio G. P. Garcia, é PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras (http:// www.econ.puc-rio.br/mgarcia

O ponto crítico da civilização

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Autor: Lester Brown
Mercado Ético.

Tem aumentado a preocupação com os pontos críticos da natureza. Cientistas já questionam, por exemplo, a capacidade de recuperação das espécies em risco de extinção. Biólogos marinhos, por sua vez, estão preocupados com o fato de que a pesca excessiva dará início ao colapso dessa indústria.

Sabemos que existiram pontos críticos em civilizações antigas, pontos em que a população foi dominada pelas forças naturais que as ameaçavam. Por exemplo, em algum ponto, o acúmulo de sal relacionado à irrigação do solo esgotou a capacidade agrária dos Sumérios. Com os Maias, os efeitos danosos do desmatamento associados à perda da fertilidade do solo tornaram-se irreversíveis.

Porém, os pontos críticos que levam ao declínio e ao colapso de uma sociedade nem sempre são facilmente previstos. De forma geral, os países desenvolvidos podem lidar com novas ameaças de forma mais efetiva do que os países em desenvolvimento. Por exemplo, enquanto os governos de países industriais têm sido capazes de manter os índices de infecção do HIV entre adultos abaixo de 1%, muitos governos de países em desenvolvimento têm falhado nesse controle e agora estão lutando com altos índices de infecção. Isto é mais evidente em alguns países sul-africanos, onde 20% ou mais adultos estão infectados.

Uma situação semelhante existe com o crescimento populacional. Enquanto a taxa se mantém estável em quase todos os países industrializados, exceto os Estados Unidos, observa-se o contrário em quase todos os países da África, Oriente Médio e do subcontinente indiano – onde a taxa populacional é crescente. Esses 80 milhões de pessoas a mais no mundo por ano nascem, exatamente, em países onde os sistemas naturais já estão se deteriorando, em face da excessiva pressão populacional. Nestes países, o risco de falência do Estado também está crescendo.

No entanto, alguns assuntos parecem superar até mesmo as habilidades de governança das nações mais avançadas. Quando alguns poucos países detectaram a redução nos níveis de água dos lençóis subterrâneos, era lógico esperar que seus governos rapidamente elevassem a eficiência racional do recurso e estabilizassem o crescimento da população, para estabilizar os aqüíferos. Infelizmente, nenhum país – desenvolvido ou em desenvolvimento – o fez. Dois Estados em falência, onde o resultado da extração excessiva da água soma-se à falta de uma política de segurança hídrica, são o Paquistão e o Iêmen.

Embora a necessidade de cortar as emissões de carbono seja evidente já há algum tempo, nenhum país conseguiu se tornar uma nação “carbono-neutra”. Até mesmo as sociedades tecnologicamente mais avançadas enfrentam muita dificuldade política para isso. Poderiam, assim, os crescentes níveis de dióxido de carbono na atmosfera, provarem-se tão incontroláveis para a nossa civilização quanto os níveis de sal no solo foram para os Sumérios no ano 4.000 A.C.?

Outro ponto de pressão sobre os governos é a redução da oferta de combustível fóssil. Embora a extração mundial de petróleo tenha excedido, em 20 anos, a descobertas de novas reservas, somente a Suécia e a Islândia possuem algo que remotamente assemelhe-se a um plano para lidar efetivamente com uma retração da oferta.

Este não é um inventário exaustivo de problemas não resolvidos, mas apresenta uma noção da quantidade deles. Analiticamente, o desafio é avaliar os efeitos de pressionar cada vez mais o sistema natural global. O resultado desse estresse ficou evidente na atual questão da segurança alimentar, o ponto fraco de muitas civilizações antigas que entraram em colapso.

Além da dificuldade de adaptação ao crescimento constante da demanda por alimentos, várias tendências convergentes estão tornando as coisas ainda mais difíceis para agricultores ao redor do mundo. Os pontos críticos delas são a queda dos níveis dos lençóis freáticos, o uso indevido de terras cultiváveis e ocorrências climáticas extremas, incluindo ondas de calor, secas e enchentes. Como os problemas não resolvidos se acumularam, os governos mais fracos estão começando a sucumbir.

Para agravar a situação, os Estados Unidos, maiores produtores mundiais de trigo, aumentaram dramaticamente sua participação na safra de grãos utilizando o etanol como combustível – saltando de 15%, em 2005, para mais de 25% em 2008. Esse esforço mal orientado para reduzir a dependência do petróleo ajudou a conduzir os preços mundiais de grãos a elevações constantes até meados de 2008, criando uma insegurança alimentar mundial sem precedentes.

Os riscos desses problemas acumulados (e suas conseqüências) dominarão cada vez mais os governos, levando à falência generalizada do Estado e, finalmente, ao fim da civilização. Os países que estão no topo da lista de Estados em falência não são particularmente uma surpresa. Incluem, por exemplo, Iraque, Sudão, Somália, Chade, Afeganistão, República Democrática do Congo e o Haiti. E a lista cresce cada vez mais a cada ano, levantando questões perturbadoras: quantos Estados em falência serão submetidos a isso antes do fim completo da civilização? Ninguém sabe a resposta, mas é uma pergunta que precisamos fazer.

Estamos numa corrida entre os pontos críticos da natureza e nossos sistemas políticos. Podemos desativar poderosas usinas de carvão antes que o derretimento da calota de gelo da Groelândia se torne irreversível? Podemos reunir vontade política pelo fim do desmatamento na Amazônia antes que as crescentes queimadas cheguem a um ponto sem retorno? Podemos ajudar os países a estabilizarem a população antes que se tornem Estados em falência?

Temos tecnologias para restaurar os sistemas naturais de suporte da Terra, para erradicar a pobreza, para estabilizar a população, para reestruturar a economia energética mundial e o clima. O desafio agora é construir vontade política para fazê-lo. Salvar a civilização não é um esporte para espectadores. Cada um de nós possui um papel de liderança a representar.

Adaptado do Capítulo 1, “Entering a New World”, Lester R. Brown, Plano B 3.0: Mobilizing to Save Civilization (Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 2008), disponível para download gratuito e para compra no site do Earth Police Institute.

Lester R. Brown é considerado um dos mais influentes pensadores mundiais. Formado em ciências agrícolas, dedica-se à pesquisa e ao debate dos grandes temas ambientais e econômicos desde os anos 70, quando fundou o World Watch Institute. É também fundador do Earth Policy Institute.