Governo Lula: algumas considerações sobre um período importante da Sociedade Brasileira

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Autor: Ary Ramos da Silva Júnior – Revista do Agronegócio – Reagro, Jales, v. 3, n. 1, p. 13-31, jan./jun. 2013.

O texto, escrito para a Revista do Agronegócio – Reagro, da Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Jales, analisa o governo Luís Inácio Lula da Silva, seus avanços e retrocessos.

 

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Como a defesa da austeridade se desfez – Valor Econômico

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Autor: Paul Krugman

A crise da Grécia veio bem a calhar para os antikeynesianos; mas o FMI acabaria por reconhecer que os efeitos das medidas de austeridade impostas ao país foram além da conta.

Em tempos normais, um erro aritmético em um estudo econômico passaria completamente despercebido aos olhos do mundo. Mas, em abril de 2013, a descoberta de um desses erros – na verdade, um erro de codificação em uma planilha, juntamente com vários outros erros na análise – não só se tornou o assunto mais comentado entre os economistas, como também chegou às manchetes dos jornais. Pode-se concluir, mesmo, que esse erro mudou o rumo dos modos de fazer política econômica.

Por quê? Porque o “paper” em questão, “Crescimento em Tempos de Crise”, dos economistas de Harvard Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, havia se transformado em um marco no debate sobre política econômica. Desde que começou a circular, os “austerianos” – defensores da austeridade fiscal, de cortes imediatos e severos nos gastos do governo – vinham citando as supostas constatações de Reinhart-Rogoff para defender sua posição e atacar seus críticos. Repetidas vezes, alegações de que, como disse John Maynard Keynes, “o boom, e não a retração, é o momento certo para a austeridade” – ou seja, os cortes deveriam esperar até que as economias estejam mais fortes – foram confrontadas com declarações de que Reinhart e Rogoff haviam demonstrado o oposto, ou seja, esperar dias melhores seria desastroso, e as economias caem no abismo quando a dívida do governo supera 90% do PIB.

O “paper”de Reinhart e Rogoff possivelmente teve influência mais imediata no debate público do que qualquer outro estudo na história da economia. A afirmação dos 90% foi citada como o argumento decisivo a favor da austeridade por figuras que iam de Paul Ryan, o ex-candidato à Vice-Presidência dos Estados Unidos, que hoje preside a Comissão do Orçamento da Câmara dos Representantes, a Olli Rehn, a principal autoridade econômica da Comissão Europeia, ao conselho editorial do jornal “The Washington Post”. Então, a revelação de que o suposto limite de 90% era um produto de erros de programação, omissão de dados e técnicas estatísticas peculiares subitamente fez um número considerável de notáveis parecerem tolos.

No entanto, o verdadeiro mistério estava, antes de mais nada, na razão de Reinhart e Rogoff terem sido levados tão a sério, a ponto de se tornarem canônicos. Desde o começo, críticos se mostraram muito preocupados com a metodologia e as conclusões do “paper”, preocupação que deveria ser suficiente para fazer qualquer um parar para pensar. Além disso, o “paper” de Reinhart e Rogoff foi, na verdade, o segundo tomado como evidência decisiva em favor da austeridade econômica, para cair por terra quando submetido a escrutínio cuidadoso. Algo bastante parecido, embora de maneira menos espetacular, aconteceu depois que os “austerianos” ficaram encantados com um “paper” de Alberto Alesina e Silvia Ardagna, que se propunha mostrar que o corte de gastos governamentais teria pouco impacto adverso sobre o crescimento econômico, podendo até mesmo ser expansionista. Essa experiência certamente deveria ter inspirado uma certa cautela.

Então, por que não houve mais cautela? A resposta, como está documentado em livros resenhados aqui (1) e é involuntariamente ilustrado por outros, está na política e na psicologia: o argumento da austeridade era, e é, algo em que muita gente poderosa quer acreditar, o que as leva a se apegarem a qualquer coisa que pareça uma justificativa. Falarei sobre esse desejo de crer mais adiante neste artigo.

Antes, porém, será útil percorrer a história recente da austeridade como doutrina e como experiência de política.
“O argumento da austeridade seduz muita gente poderosa, que se apega a qualquer coisa que pareça uma justificativa”.

1- No princípio era a bolha. Muitos, muitos livros foram escritos sobre os excessos dos anos de boom – na verdade, livros demais. Pois, como veremos, a compulsão por explicar os detalhes fantásticos do boom, em vez de se buscar compreender a dinâmica da retração, é um problema recorrente para a economia e a política econômica. Por ora, basta dizer que, no começo de 2008, os Estados Unidos e a Europa caminhavam para uma queda. Haviam se tornado excessivamente dependentes de mercados imobiliários aquecidos demais, suas famílias estavam profundamente endividadas, seus setores financeiros estavam subcapitalizados e superdimensionados.

Tudo que era preciso para fazer esse castelo de cartas desabar resumia-se a algum tipo de choque adverso. A implosão dos títulos atrelados a hipotecas subprime nos Estados Unidos fez justamente isso. No outono de 2008, as bolhas imobiliárias dos dois lados do Atlântico haviam estourado, e toda a economia do Atlântico Norte foi pega em uma “desalavancagem”, processo em que muitos devedores tentam pagar suas dívidas ao mesmo tempo – ou são forçados a isso.

Por que isso é um problema? Por causa da interdependência: seu gasto é minha receita, e meu gasto é sua receita. Se ambos tentarmos reduzir nossas dívidas cortando gastos, nossas receitas caem – e receitas em queda podem piorar ainda mais nosso endividamento, ao mesmo tempo que também produzem desemprego em massa.

Foi com um estremecimento que estudiosos da história da economia observaram o processo se desenrolar, em 2008 e 2009, porque estava óbvio que se tratava do mesmo processo que provocou a Grande Depressão. De fato, no começo de 2009, os historiadores econômicos Barry Eichengreen e Kevin O’Rourke produziram gráficos chocantes, que mostravam o primeiro ano da queda de 2008-2009 no comércio e na produção industrial como perfeitamente comparável ao primeiro ano da grande depressão mundial de 1929 a 1933.

Então, uma segunda Grande Depressão estava para começar? A boa notícia foi que tínhamos, ou achávamos ter, várias grandes vantagens em relação aos nossos avós, o que ajudaria a limitar os danos. Você pode dizer que algumas dessas vantagens eram estruturais, integradas à maneira como as economias modernas operam, e não exigiam nenhuma medida especial da parte dos formuladores de políticas. Outras eram intelectuais: certamente, havíamos aprendido algo desde a década de 1930 e não repetiríamos os erros de política de nossos avós.
Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart tentaram defender seu trabalho, “mas suas respostas foram inconsistentes, na melhor das hipóteses, e evasivas, na pior”.

No lado estrutural, provavelmente a maior vantagem sobre os anos de 1930 era a maneira como os impostos e os programas de seguridade social – muito maiores do que em 1929 – agiam como “estabilizadores automáticos”. Os salários poderiam cair, mas a renda geral não cairia na mesma proporção, tanto por que a arrecadação tributária se reduziria, como por que os cheques do governo continuariam seguindo para a Previdência Social, o Medicare, o seguro-desemprego e tudo mais. Na verdade, a existência do moderno Estado do bem-estar social impôe um piso aos gastos totais e, desse modo, impediu que a espiral de queda da economia fosse longe demais.

No lado intelectual, os modernos planejadores econômicos conheciam a história da Grande Depressão, e a tinham como um alerta; alguns, incluindo Ben Bernanke, haviam sido grandes estudiosos da Grande Depressão. Aprenderam com Milton Friedman a tolice de permitir que corridas aos bancos provocassem o colapso do sistema financeiro, e a conveniência de inundar a economia de dinheiro em períodos de pânico. Aprenderam com John Maynard Keynes que, em condições de depressão, os gastos do governo podem ser uma forma eficaz de criar empregos.

Aprenderam com a desastrada virada de Franklin Delano Roosevelt em direção à austeridade, em 1937, que abandonar cedo demais o estímulo monetário e fiscal pode ser um erro muito grande.

Como resultado, onde o início da Grande Depressão foi acompanhado de políticas que intensificaram a retração – alta dos juros, como tentativa de manter as reservas em ouro; corte nos gastos, como tentativa de equilibrar orçamentos -, 2008 e 2009 foram caracterizados por políticas monetária e fiscal expansionistas, especialmente nos Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed) não só cortou as taxas de juros, como foi aos mercados para comprar de tudo, de “commercial papers” a dívidas do governo de longo prazo. O governo Obama promoveria um programa de corte de impostos de US$ 800 bilhões e aumento de gastos. Na Europa, as medidas foram menos dramáticas – mas os “welfare states” mais avantajados reduziram consideravelmente a necessidade de estímulos deliberados.

Alguns economistas (e me incluo entre eles) afirmaram desde o começo que essas medidas monetárias e fiscais, embora oportunas, eram insuficientes, dada a gravidade do choque econômico. De fato, no fim de 2009, estava claro que, embora a situação houvesse se estabilizado, a crise econômica era mais grave do que os formuladores de políticas admitiam, e provavelmente se mostraria mais persistente do que haviam imaginado. Portanto, era de se esperar uma segunda rodada de estímulo para enfrentar o problema.

“A crença de que está havendo gastos governamentais desenfreados é falsa – pelo contrário, estão bem abaixo da tendência normal”.

Mas o que, na verdade, aconteceu foi uma reversão súbita.
2-“The Alchemists”, de Neil Irwin, trata de um momento e um lugar em que as economias mais avançadas passaram do estímulo para a austeridade. O momento é o começo de fevereiro de 2010; o lugar, de uma forma meio bizarra, é o remoto povoado de Iqaluit, no Ártico Canadense, onde os ministros do G-7 realizaram uma de suas reuniões regulares. Às vezes (frequentemente) esses encontros são pouco mais que ocasiões cerimoniais, e naquele também houve muita cerimônia, incluindo carne crua de foca servida no último jantar (todos os visitantes estrangeiros declinaram). Mas dessa vez algo importante aconteceu. “No isolamento da natureza selvagem canadense”, escreve Irwin, “os líderes da economia mundial concordaram em que o grande desafio que enfrentavam havia mudado. A economia parecia estar reagindo; era o momento de voltarem suas atenções para além do estímulo ao crescimento. Nada mais de estímulos.”

A que ponto a mudança de política foi decisiva? O gráfico 1, tirado do mais recente [relatório] “Perspectivas Econômicas Mundiais”, do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra como os gastos reais dos governos se comportaram nesta crise em comparação a recessões anteriores; no gráfico, o ano zero é o ano antes da recessão global (2008, na atual retração), e os gastos estão comparados com seu nível naquele ano-base. O que se vê é que a crença disseminada de que está havendo gastos governamentais desenfreados é falsa – pelo contrário, após uma alta breve, em 2009, começaram a cair na Europa e nos Estados Unidos e agora estão bem abaixo da tendência normal. A virada para a austeridade foi bem real, e bem grande.

Diante disso, aquela foi uma mudança de política bem estranha. Os manuais de economia afirmam que a redução de gastos públicos faz diminuir a demanda geral, o que leva a uma produção menor e a uma taxa de emprego menor. Isso pode ser desejável se a economia está muito aquecida e a inflação está em alta; alternativamente, os efeitos adversos da redução dos gastos públicos podem ser compensados. Os bancos centrais (o Fed, o Banco Central Europeu ou seus congêneres de outros países) podem cortar as taxas de juros, para, assim, induzir um aumento dos gastos privados. Entretanto, nenhuma dessas condições ocorreu no começo de 2010, e não estão ocorrendo agora. As economias mais avançadas estavam e estão muito deprimidas, sem nenhum sinal de pressão inflacionária. Enquanto isso, as taxas de juros de curto prazo, que estão mais ou menos sob controle do banco central, estão próximas de zero, e deixam pouco espaço para a política monetária compensar a redução dos gastos do governo. Portanto, o manual diria que toda essa austeridade que estamos vendo é bastante prematura, e seria preciso esperar até a economia se mostrar mais forte.

A questão, então, está em saber por que os líderes econômicos jogaram os manuais pela janela tão prontamente.

Uma resposta é que, em primeiro lugar, vários deles nunca acreditaram em manuais. O “establishment” político e intelectual da Alemanha nunca fez muito uso da economia keynesiana, assim como a maior parte do Partido Republicano nos Estados Unidos. No calor de uma crise econômica aguda – como aconteceu no outono de 2008 e no inverno de 2009 – essas vozes discordantes puderam, até certo ponto, ser caladas; mas, assim que as coisas se acalmaram, voltaram com tudo.

Uma resposta mais ampla é a de que falaremos adiante: os motivos políticos e psicológicos que levam muitas figuras influentes a odiar as noções de gasto público e dinheiro fácil. Mais uma vez, assim que a crise ficou menos séria, passou a haver mais espaço para ceder a esses sentimentos.

Além desses fatores, porém, no começo de 2010 havia dois outros aspectos contingenciais da situação: a nova crise na Grécia e o aparecimento de uma pesquisa econômica aparentemente rigorosa e de alta qualidade que dava suporte à posição “austeriana”.

A crise grega foi um choque para quase todo mundo, especialmente para o governo que assumiu em outubro de 2009. As novas autoridades sabiam que tinham pela frente um déficit fiscal – mas somente após tomarem posse descobriram que o governo anterior estava maquiando os números, e que o déficit e o estoque de dívida acumulado eram muito maiores que o imaginado. Com as notícias chegando aos investidores, a Grécia, primeiro, e depois a Europa, viram-se mergulhadas em um novo tipo de crise – aquela em que não eram os bancos que quebravam, mas sim os governos, incapazes de tomar recursos emprestados nos mercados internacionais.

A crise grega foi uma dádiva para os antikeynesianos. Eles vinham alertando para os perigos do déficit público; o desastre grego parecia mostrar a que ponto a devassidão fiscal pode ser perigosa. Até hoje, qualquer pessoa que argumentar contra a austeridade fiscal, quanto mais sugerir que precisamos de outra rodada de estímulo, pode esperar ser atacada por alguém que transformará os Estados Unidos (ou o Reino Unido, conforme o caso) na nova Grécia.

Se a Grécia proporcionou a lição óbvia ao mundo real, Reinhart e Rogoff parecem ter fornecido a matemática. Seu “paper” parecia mostrar que a dívida não só prejudica o crescimento, como também há um “limite”, um tipo de gatilho, quando o endividamento supera 90% do PIB. Seus números sugerem que, se um país for além desse ponto, o crescimento econômico para. A Grécia, é claro, já estava com um endividamento maior que o número mágico. Mais precisamente, grandes economias, incluindo os Estados Unidos, estavam com grandes déficits fiscais e se aproximando do limite. Colocando a Grécia e Reinhart-Rogoff juntos, parecia haver uma necessidade clara de uma virada brusca e imediata em direção à austeridade.
Mas uma virada dessas em uma economia ainda deprimida pela desalavancagem do setor privado não teria um impacto negativo imediato? Não há com que se preocupar, dizia outro estudo acadêmico bastante influente, “Grandes Mudanças na Política Fiscal: Impostos versus Gastos”, de Alberto Alesina e Silvia Ardagna.

Uma das coisas particularmente boas em “Austerity: The History of a Dangerous Idea”, de Mark Blyth, é a maneira como acompanha a ascensão e queda da ideia da “austeridade expansionista”, a proposição de que o corte nos gastos leva a um PIB maior. Blyth demonstra que essa é uma ideia associada a um grupo de economistas italianos (que ele chama de “the Bocconi boys”, em alusão à Universidade Luigi Bocconi, de Milão), que a defendeu em uma série de ensaios que, ao longo do tempo, foram ficando mais estridentes e menos qualificados, culminando na análise de Alesina e Ardagna em 2009.

Em suma, Alesina e Ardagna fizeram um ataque frontal à proposição keynesiana de que cortar gastos públicos em uma economia debilitada produz mais fraqueza. Assim como Reinhart e Rogoff, dispuseram evidências históricas de modo a dar sustentação a seus pontos de vista. Segundo Alesina e Ardagna, grandes cortes de gastos em países avançados sempre foram, em média, seguidos de expansão, e não de contração. O motivo, diziam, é que a austeridade fiscal resoluta criava confiança no setor privado, e essa maior confiança mais do que compensava qualquer empecilho representado por gastos menores do governo.

Conforme Mark Blyth documenta, essa ideia se espalhou como fogo. Alesina e Ardagna fizeram uma apresentação especial, em abril de 2010, ao Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros do Conselho Europeu de Ministros; a análise rapidamente chegou aos pronunciamentos oficiais da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE). Assim, em junho de 2010, Jean-Claude Trichet, então presidente do BCE, rebateu as preocupações de que a austeridade poderia afetar o crescimento: “Em relação à economia, a ideia de que medidas de austeridade podem desencadear a estagnação é incorreta… Na verdade, nessas circunstâncias, tudo que ajuda a aumentar a confiança das famílias, empresas e investidores na sustentabilidade das finanças públicas é bom para a consolidação do crescimento e a criação de empregos. Acredito piamente que, nas atuais circunstâncias, políticas que inspirem a confiança estimularão o crescimento econômico, e não prejudicarão, porque o principal fator hoje é a confiança”. Algo totalmente Alesina-Ardagna.

No verão de 2010, uma ortodoxia da austeridade havia tomado forma, tornando-se dominante nos círculos políticos europeus e influente neste lado do Atlântico. Como as coisas correram nos quase três anos decorridos desde então?

3-É difícil ter evidências claras dos efeitos das políticas econômicas. Geralmente, os governos mudam as políticas com relutância e é difícil distinguir os efeitos das medidas tímidas que adotam de todas as outras coisas que acontecem no mundo. O estímulo Obama, por exemplo, foi temporário e bem pequeno em comparação ao tamanho da economia dos Estados Unidos, jamais ultrapassando 2% do PIB, e entrou em vigor em uma economia assolada pela maior crise financeira em três gerações. Bem ou mal, quanto do que ocorreu em 2009-2011 pode ser atribuído ao estímulo? Ninguém sabe realmente.

No entanto, a virada para a austeridade após 2010 foi tão drástica, especialmente nos países endividados da Europa, que os alertas usuais perderam a maior parte de sua força. A Grécia impôs cortes nos gastos e aumento de impostos correspondentes a 15% do PIB; Irlanda e Portugal ficaram com cerca de 6%; e, ao contrário dos esforços tíbios de estímulo, esses cortes foram sustentados e na verdade se intensificaram ano após ano. Cabe perguntar de que modo a austeridade funcionou de fato.

Economistas italianos, os “Bocconi boys”, fizeram sua parte, difundindo a ideia de que existe uma “austeridade expansionista”.

A resposta é que os resultados foram desastrosos, como qualquer pessoa teria previsto consultando manuais de macroeconomia. O gráfico 2, por exemplo, mostra o que aconteceu com uma seleção de países europeus. O eixo horizontal mostra as medidas de austeridade – cortes nos gastos públicos e aumento de impostos – como proporção do PIB, conforme estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O eixo vertical mostra a mudança porcentual no PIB real. Como se pode ver, os países que foram forçados a adotar medidas de austeridade severas experimentaram recessões bastante severas, que foram mais ou menos proporcionais ao grau de austeridade.
Foram feitas algumas tentativas para explicar esses resultados, especialmente na Comissão Europeia. Mas o FMI analisou a fundo os dados e não só concluiu que a austeridade teve grandes efeitos econômicos adversos, como também emitiu o que pode ser classificado como um “mea culpa”, por ter subestimado esses efeitos adversos.(2) Há uma alternativa à austeridade? E o que dizer dos riscos do endividamento excessivo?

No começo de 2010, com o desastre grego ainda vivo na memória de todos, os riscos do endividamento excessivo pareciam óbvios; esses riscos pareciam ainda maiores em 2011, depois que Irlanda, Espanha, Portugal e Itália entraram para o clube dos países que precisavam pagar grandes ágios de juros. Mas uma coisa engraçada aconteceu a outros países com endividamento elevado, incluindo Japão, Estados Unidos e Reino Unido: apesar dos grandes déficits e do aumento acelerado das dívidas, os custos dos empréstimos para esses países continuavam muito baixos. A diferença crucial, conforme apontou o economista belga Paul DeGrauwe, parecia ser que esses países tinham suas próprias moedas, e tomavam emprestado nessas moedas. Esses países não ficam sem dinheiro porque podem imprimi-lo se necessário e, fora o risco de um aperto monetário, as nações avançadas evidentemente podem arcar com patamares elevados de endividamento sem mergulhar numa crise.

Decorridos três anos desde a virada para a austeridade, tanto as esperanças como os medos dos “austerianos” mostram-se fora de lugar. A austeridade não levou a um aumento da confiança; os déficits não levaram à crise. Mas o movimento em favor da austeridade não estava embasado em pesquisas econômicas sérias? Na verdade, viu-se que não estavam – as pesquisas que os “austerianos” mencionavam eram bastante falhas.

A primeira coisa a soçobrar foi a noção de austeridade expansionista. Antes mesmo do anúncio dos resultados da experiência da Europa com a austeridade, o “paper” Alesina-Ardagna ruía sob análises rigorosas. Pesquisadores do Roosevelt Institute observaram que nenhum dos exemplos alegados de austeridade que levariam à expansão da economia ocorreram em meio a uma retração econômica; pesquisadores do FMI constataram que a medida Alesina-Ardagna de política fiscal tinha pouca relação com as mudanças de políticas reais. “Na metade de 2011”, escreve Blyth, “o apoio empírico e teórico à austeridade expansionista estava desaparecendo.” Lentamente, com pouco estardalhaço, toda a noção de que a austeridade pode estimular as economias deixou a cena pública.
Ben Bernanke e outros economistas aprenderam com Friedman, Keynes e Roosevelt, mas as medidas que tomaram contra a crise iriam mostrar-se insuficientes
Reinhart-Rogoff duraram mais tempo, muito embora questionamentos importantes tenham sido feitos sobre o trabalho dos dois bem no início. Já em julho de 2010, Josh Bivens e John Irons, do Economic Policy Institute, haviam identificado um erro claro – uma interpretação equivocada dos dados da economia americana imediatamente após a Segunda Guerra Mundial – e um grave problema conceitual. Reinhart e Rogoff não ofereceram evidências de que a correlação ia do endividamento elevado para o crescimento baixo, em vez de fazer o caminho contrário, e outras evidências sugeriram que o segundo caso era mais provável. Mas essas críticas tiveram pouco impacto; pode-se dizer que, para os “austerianos”, Reinhart-Rogoff foram uma história boa demais para ser conferida.

Então, a revelação, em abril de 2013, dos erros de Reinhart e Rogoff veio como um choque. Apesar da influência de seu “paper”, Reinhart e Rogoff não fizeram uma distribuição ampla de seus dados – e pesquisadores que trabalharam com dados aparentemente comparáveis não conseguiam reproduzir seus resultados. Até que puseram suas planilhas à disposição de Thomas Herndon, estudante de pós-graduação da Universidade de Massachusetts em Amherst – e ele as achou muito estranhas. Havia, na verdade, um erro de codificação, que pouco contribuíra para as conclusões de Reinhart e Rogoff. Mais importante é que os dados por eles empregados não serviam para incluir as experiências de vários países aliados – Canadá, Nova Zelândia e Austrália – que emergiram da Segunda Guerra Mundial com endividamento alto, e ainda assim apresentaram crescimento sólido. E usaram um sistema de ponderação estranho, em que cada “episódio” de endividamento elevado era considerado da mesma forma, tivesse ocorrido durante o ano de crescimento ruim ou durante 17 anos de crescimento bom.

Além desses erros e esquisitices, ainda havia uma correlação negativa entre dívida e crescimento – mas isso poderia ser, e provavelmente era, principalmente uma questão de baixo crescimento levando a endividamento elevado, e não o contrário. E o “limite” de 90% desapareceu, solapando as histórias assustadoras que estavam sendo usadas para vender austeridade.
Não surpreende que Reinhart e Rogoff tenham tentado defender seu trabalho; mas suas respostas foram inconsistentes, na melhor das hipóteses, e evasivas, na pior.

O mais notável é que continuam escrevendo de uma maneira que sugere, sem declarar diretamente, que o endividamento de 90% do PIB é um tipo de limite a partir do qual coisas ruins acontecem. Na verdade, mesmo se alguém ignorar a questão da causalidade – se o crescimento baixo causa o endividamento elevado, ou o contrário -, os efeitos aparentes sobre o crescimento da dívida a partir de, digamos, 85% a 95% do PIB, são bem pequenos e não justificam o pânico com o endividamento que tem sido uma influência tão poderosa sobre políticas econômicas.

A esta altura, portanto, a economia da austeridade está muito mal. Suas previsões mostraram-se totalmente erradas; os documentos acadêmicos produzidos não só perderam o status canônico, como se tornaram alvo de zombaria. Mas, como afirmei, nada disso (exceto aquele erro no Excel) deveria ser surpresa: a macroeconomia básica deveria ter dito a todos que esperassem o que de fato aconteceu, e os estudos que agora caíram em descrédito obviamente apresentavam falhas desde o começo.

“Economistas que disseram à elite o que ela queria ouvir foram celebrados, apesar das muitas evidências de que estavam errados”.

Isso levanta a questão óbvia: por que a economia da austeridade exerceu poder tão grande sobre a opinião da elite logo de início?

4-Todos gostam de uma representação moral. “Pois o salário do pecado é a morte” é uma mensagem muito mais satisfatória do que “merda acontece”. Todos queremos que os acontecimentos tenham um significado.

Quando aplicada à macroeconomia, essa compulsão pela busca de um significado moral cria em todos nós uma predisposição a acreditar em histórias que atribuem as consequências de uma recessão aos excessos do boom que a precedeu – e, talvez, também torne natural ver as consequências como necessárias, parte de um processo inevitável de limpeza. Quando Andrew Mellon pediu a Herbert Hoover que deixasse a Depressão seguir seu curso, para “purgar a podridão” do sistema, ele estava oferecendo um conselho que, por mais ruim que fosse economicamente, tinha uma ressonância psicológica junto a muitas pessoas (e ainda tem).

Em contraste, a economia keynesiana se baseia fundamentalmente na premissa de que a macroeconomia não é uma representação moral – as depressões são essencialmente uma disfunção técnica. Com o agravamento da Grande Depressão, Keynes fez a famosa declaração de que “temos um problema de magneto” – ou seja, os problemas da economia são como os de um automóvel com um defeito pequeno, mas crítico, em seu sistema elétrico, e o trabalho do economista é descobrir como consertar esse problema técnico. A obra-prima de Keynes, “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, é notável – e revolucionária – por não dizer quase nada do que acontece nos booms econômicos. Teóricos pré-keynesianos do ciclo de negócios adoravam explicar os excessos chocantes que ocorrem em épocas de vacas gordas, ao mesmo tempo em que tinham relativamente pouco a dizer sobre o que exatamente faz com que esses excessos abram espaço para os períodos de vacas magras, ou o que você deveria fazer quando eles fazem isso. Keynes inverteu essa prioridade; quase toda sua atenção estava voltada para a maneira como as economias ficam deprimidas e o que pode ser feito para deixá-las menos deprimidas.

Eu diria que Keynes estava certíssimo nessa abordagem, mas não há dúvida que ela é bastante insatisfatória para muitos, como uma questão emocional. Assim, não deveríamos nos surpreender com o fato de muitas interpretações populares de nossos problemas atuais retornarem, sabendo disso ou não seus autores, ao estilo instintivo e pré-keynesiano de discorrer sobre os excessos do boom, em vez das falhas da retração.

“The Great Deformation”, de David Stockman, deve ser visto sob esse prisma. O livro é uma arenga extremamente longa contra os excessos de vários tipos, com todos eles, na visão de Stockman, tendo culminado na atual crise. Aos olhos de Stockman, a história é uma série de “farras”: “uma farra de tomada insustentável de empréstimos”, uma “farra de repressão dos juros”, uma “farra de engenharia financeira destrutiva” e, repetidamente, “uma farra de impressão de dinheiro”. Isso porque, no mundo de Stockman, todos os males da economia derivam do pecado original do abandono do padrão-ouro. Toda a prosperidade que achamos que tivemos desde 1971, quando Nixon abandonou o último elo com o ouro, ou talvez até mesmo desde 1933, quando Franklin Delano Roosevelt nos tirou o ouro pela primeira vez, foi uma ilusão destinada a terminar em lágrimas. E, é claro, qualquer política que quiser aliviar a atual recessão só vai piorar as coisas.

Jean-Claude Trichet, ex-presidente do Banco Central Europeu: “piamente” convencido de que austeridade leva à confiança, que leva ao crescimento econômico
Por si só, o livro de Stockman não é importante. Além de alguns ataques aos republicanos, consiste basicamente de declarações bombásticas de analistas que recomendam o ouro. Mas a atenção que o livro despertou, a maneira como impressionou muita gente, incluindo até mesmo alguns liberais, sugere quanto ainda é forte a compulsão de se ver a economia com um auto de moralidade, três gerações após Keynes ter tentado nos mostrar que não é nada disso.

E de maneira nenhuma autoridades poderosas estão imunes a essa compulsão. Em “The Alchemists”, Neil Irwin analisa os motivos de Jean-Claude Trichet, então presidente do Banco Central Europeu (BCE), ao defender políticas duras de austeridade: “Trichet abraçou um ponto de vista, especialmente comum na Alemanha, que estava embasado em um tipo de moralismo. A Grécia havia gastado demais e se endividado muito. Precisava cortar gastos e reduzir déficits. Se mostrasse coragem e determinação política, os mercados iriam recompensá-la com custos menores na tomada de empréstimos. Ele depositou muita fé no poder da confiança…”

Dado esse tipo de predisposição, seria de admirar que a economia keynesiana tenha sido jogada pela janela, enquanto Alesina-Ardagna e Reinhart-Rogoff foram instantenamente elevados à condição de canônicos?
Então, o impulso “austeriano” seria apenas uma questão de psicologia? Não. Há também uma boa pitada de interesse próprio envolvido. Como já notaram vários observadores, um afastamento do estímulo fiscal e monetário pode ser interpretado, se você quiser, como conceder aos credores prioridade sobre os trabalhadores. Inflação e juros baixos são ruins para os credores, mesmo que promovam a criação de empregos; reduzir déficits do governo numa situação de desemprego em massa pode agravar uma depressão, mas aumenta a certeza dos detentores de bônus de que seus títulos serão totalmente pagos. Não acredito que alguém como Trichet estivesse cínica e conscientemente servindo a interesses de classe à custa do bem-estar geral; mas certamente não há por que ignorar que seu senso de moralidade econômica tenha se encaixado tão perfeitamente nas prioridades dos credores.
Também vale notar que, embora pareçam em grande medida um fracasso lamentável, as políticas econômicas adotadas desde a crise financeira não têm sido tão ruins para os ricos. Os lucros tiveram uma forte reação mesmo com a persistência de uma taxa de desemprego sem precedentes no longo prazo; os índices de ações dos dois lados do Atlântico voltaram aos patamares anteriores à crise mesmo com o rendimento médio fraco. Pode ser um exagero dizer que aqueles que fazem parte do 1% mais rico na verdade se beneficiam de uma depressão contínua, mas certamente não estão sendo tão prejudicados, e isso provavelmente tem a ver com a disposição dos formuladores de políticas de permanecer no curso da austeridade.

5-Como isso pôde acontecer? Essa é a pergunta que muitos faziam quatro anos atrás; e ainda é a pergunta que muitos fazem hoje. Mas o “isso” mudou.

Já em julho de 2010, economistas haviam identificado um erro de interpretação e um grave problema conceitual no “paper” de Reinhart e Rogoff.

Há quatro anos, o mistério era como uma crise financeira tão terrível havia acontecido, com pouco aviso prévio. As lições duras que tivemos de aprender envolveram a fragilidade das finanças modernas, a estupidez de confiar a regulação dos bancos a eles mesmos, e os perigos de supor que arranjos financeiros pomposos eliminaram, ou mesmo reduziram, problemas de risco muito antigos.

Eu diria, no entanto – por mais egoísta que possa parecer (alertei sobre a bolha imobiliária, mas não tinha nenhuma noção do tamanho do colapso que se seguiria quando estourasse) -, que o fracasso na previsão da crise foi um pecado relativamente menor. As economias são complicadas, entidades em eterna mutação; ficou entendido que poucos economistas perceberam até onde os empréstimos de curto prazo e a securitização de ativos, como as hipotecas subprime, recriaram velhos riscos que caberia ao seguro de depósitos e à regulamentação bancária controlar, conforme previsto quando de sua criação.
Para mim, o que aconteceu depois – a maneira como os formuladores de políticas econômicas voltaram suas costas para praticamente tudo que os economistas aprenderam sobre como enfrentar depressões, a maneira como a opinião da elite se apoderou de tudo que pudesse ser usado para justificar a austeridade – foi um pecado muito maior. A crise financeira de 2008 foi uma surpresa, e aconteceu muito rápido; mas fomos aprisionados em um regime de baixo crescimento e desemprego desesperançadamente alto que já dura anos. Durante todo esse tempo, os formuladores de políticas ignoraram as lições da teoria e da história.

É uma história terrível, principalmente por causa do imenso sofrimento resultante desses erros de política. Também é muito preocupante para aqueles que gostam de acreditar que o conhecimento pode fazer uma diferença positiva no mundo. Até onde os formuladores de políticas e a opinião da elite em geral fizeram uso das análises econômicas, fizeram-no, como diz o ditado, da maneira que um bêbado usa um poste de rua: pelo apoio, e não pela iluminação.

“Papers” e economistas que disseram à elite o que ela queria ouvir foram celebrados, apesar das muitas evidências de que estavam errados; os críticos foram ignorados, não importando a frequência com que estivessem certos.

O fracasso de Reinhart-Rogoff fez surgir alguma esperança, entre os críticos, de que a lógica e as evidências finalmente estão começando a ter importância. Na verdade, é cedo demais para dizer se o domínio da economia da austeridade sobre políticas econômicas vai diminuir de maneira significativa, diante dessas revelações. Por enquanto, a mensagem mais geral dos últimos anos continua sendo a de que poucos benefícios podem resultar do saber. (Tradução de Mario Zamarian).

(1) “The Alchemists: Three Central Banks and a World of Fire”, de Neil Irwin (Penguin); “Austerity: The History of a Dangerous Idea”, de Mark Blyth (Oxford University Press); “The Great Deformation: The Corruption of Capitalism in America”, de David A. Stockman (Public Affairs).

(2) Ver “Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers,” de Olivier Blanchard e Daniel Leigh, IMP Working Paper, Janeiro de 2013.

Paul Krugman, professor na Universidade de Princeton, é Prêmio Nobel de economia

Keynes em Bretton Woods

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Autor: Sylvia Nasar

RESUMO Com toques romanescos e rigor jornalístico, a norte-americana Sylvia Nasar compôs, em “A Imaginação Econômica”, uma vibrante narrativa da evolução das ideias econômicas, de Marx e Engels a Amartya Sen. Leia capítulo sobre um dos protagonistas, J. M. Keynes. A Companhia das Letras lança o livro no final do mês.

O economista britânico John Maynard Keynes descreveu a viagem transatlântica com sua mulher Lydia no Queen Mary, em junho de 1944, semanas antes da conferência monetária internacional de Bretton Woods, New Hampshire, “como um momento extremamente tranquilo, mas também extremamente atarefado”.

Viajava na companhia de Friedrich von Hayek e do agora amigo íntimo Lionel Robbins, além de 12 agentes governamentais britânicos. Keynes presidiu mais de 13 encontros a bordo e teve destaque na escrita de dois “rascunhos de bordo” sobre as duas principais instituições que administrariam os acordos monetários do pós-Guerra: o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Nos momentos de folga, ele se estirava numa espreguiçadeira no convés e lia livros. Com uma nova edição da “República”, de Platão, e uma biografia de seu ensaísta preferido, Thomas Babington Macaulay, ele leu “O Caminho da Servidão”, de Hayek.

Em contraste com seus discípulos mais doutrinários, Keynes era um gênio capaz de defender, em pensamento, duas verdades opostas: “Moral e filosoficamente”, ele escreveu numa longa carta a Hayek, “eu me vejo de acordo com quase tudo o que você escreveu; e não apenas de acordo, mas é um acordo que me envolve profundamente”.
Hayek pode não ter sido bem-sucedido “em demarcar satisfatoriamente a linha entre a liberdade e o planejamento”, e, assim sendo, não poderia ser um guia útil para percorrer o “caminho do meio” na elaboração de uma política, mas ele articulava valores que Keynes considerava essenciais para “levar uma boa vida”. Robbins ponderou: Keynes, “tão radical no que diz respeito a temas puramente intelectuais, em temas relativos à cultura é um verdadeiro conservador, à la [Edmund] Burke”.

Keynes afirmou que Hayek se precipitava demais ao descartar a possibilidade de que algum planejamento era compatível com a liberdade, particularmente se tal planejamento fosse feito por alguém que compartilhasse seus valores: “Atos perigosos podem ser praticados com toda segurança numa comunidade que pensa e sente corretamente qual seria o caminho que conduz ao inferno, caso tais atos fossem executados por aqueles que pensam e sentem de modo errado”.

Ele queria dizer com isso que uma guerra econômica desfechada por Churchill ou Franklin Roosevelt provavelmente não conduziria a um Estado totalitário, embora as guerras empreendidas por Stálin e Hitler tivessem desembocado naquela situação.

BRETTON WOODS Keynes e Lydia foram levados às montanhas Brancas de New Hampshire por um trem especial. O hotel Mount Washington, em Bretton Woods, era uma “grande dame” da virada do século, com a intenção de evocar “grandes dames”, como o hotel Majestic de Paris, onde Keynes se hospedou no fim da última guerra, só que tinha 350 quartos com banheiro, um salão de baile, uma piscina coberta e um pátio plantado com palmeiras, além de venezianas de cristal Tiffany.

Porém, o estabelecimento, um pouco maltratado e cujos dias de glória ficaram para trás, estava mal preparado para acolher 730 delegados de 44 países aliados. “As torneiras escorrem o dia inteiro, as janelas não abrem nem fecham, o encanamento desentope e volta a entupir, e ninguém pode ir a lugar algum”, Lydia escreveu à sogra.

O casal estava instalado numa enorme suíte, vizinha à do secretário do Tesouro dos EUA, Henry Morgenthau. Ao contrário da viagem de navio, a conferência era “um manicômio”, observou Lydia, “e a maioria das pessoas trabalham mais do que é humanamente possível”. Roosevelt enviara os convites e Morgenthau atuava como anfitrião titular, mas os principais arquitetos, planejadores e contatos eram seu assistente, Harry Dexter White, e Keynes. Os principais delegados tinham ideias e interesses divergentes e, em muitos casos, agendas ocultas.

O hotel estava repleto de espiões. Os delegados não tinham autoridade para assumir compromissos em nome de seus governos, mas os organizadores da conferência reconheceram que eles teriam de garantir uma recuperação econômica, e ela não poderia acontecer sem cooperação. Eles partilhavam da determinação expressa por Roosevelt em seu discurso sobre o Estado da União no sentido de não repetir os erros cometidos após a Primeira Guerra Mundial e de adotar uma abordagem global, multilateral, “ao estilo Nações Unidas”.

O próprio fato da realização da conferência refletia uma redefinição radical e uma ampliação da responsabilidade dos governos. Assim como Washington, Londres e Paris agora aceitavam a responsabilidade de manter elevado o nível de emprego, praticamente todos os governos ocidentais aceitaram alguma medida de responsabilidade para manter o emprego em alta também nas economias de seus parceiros comerciais.

As características da nova ordem refletiam uma visão comum em relação ao que não dera certo da última vez e uma convicção de que levar as coisas a bom termo tinha desdobramentos além dos econômicos. Roosevelt, Churchill, Keynes e seus discípulos americanos acreditavam que as patologias econômicas -a inflação e o desemprego- produziram o fascismo e debilitaram fatalmente muitas democracias.

Acreditavam com igual convicção que a fragmentação da economia global que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, causada pelas frenéticas tentativas de cada nação de isolar-se da crise econômica que se espalhara pelo mundo inteiro, e o consequente declínio no comércio mundial foram parcialmente responsáveis pela guerra mundial. A rivalidade econômica poderia conduzir à guerra. […]

INOVAÇÃO A grande inovação dos anos 1920 e 1930 -a economia do todo, desenvolvida por Fisher, Keynes e, em menor grau, Schumpeter e Hayek- ensinou que o que era bom para uma nação podia facilmente ser mau para as demais.

Desvalorizar a moeda, erguer barreiras comerciais e impor controles sobre a remessa de capitais podiam ser eficazes ao reduzir deficits da balança de pagamentos, deter o fluxo de ouro para o exterior e elevar as rendas do governo. Porém, se todos adotassem as mesmas táticas, o resultado seria empobrecimento e desemprego em escala universal.
Nos anos 1930, o comércio mundial caiu à metade, e o comércio prosseguiu sobretudo no interior de certos blocos, como o da libra esterlina, no Império Britânico, o da esfera soviética e o bloco de comércio bilateral estruturado pelo dr. Hjalmar Schacht, ministro da Economia de Hitler.

Agora já se reconhecia que manter a livre empresa funcionando globalmente exigia a mão visível do governo. De certo modo, enfatiza o biógrafo Robert Skidelsky, as novas disposições arquitetadas por White e Keynes eram o keynesianismo aplicado globalmente.

O objetivo da conferência de Bretton Woods era reavivar o comércio mundial, estabilizar as moedas e lidar com as dívidas de guerra e os mercados de crédito, então congelados. A guerra deixou grande parte do mundo dramaticamente mais pobre, e os países precisavam ter a capacidade de retomar o caminho da prosperidade.

No sentido mais amplo, a recuperação implicava reedificação e reconstrução, voltar à globalização anterior a 1913, mas sem retomar a premissa do período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, segundo a qual o maquinário econômico funcionava automaticamente. Para o Ocidente, isso significava aprender com o passado a fim de evitar os erros do entreguerras -lição que os marxistas alegavam que os capitalistas não conseguiam aprender- e restaurar a credibilidade moral e material.

A estabilidade econômica era a chave da estabilidade política, e o crescimento econômico era a condição necessária, quando não suficiente, para a sobrevivência do Ocidente no longo prazo. As sociedades modernas não poderiam sobreviver se esse engenhoso mecanismo funcionasse mal ou quebrasse, assim como as grandes cidades não conseguiriam sobreviver sem eletricidade nem trens.

Ao contrário de pensadores britânicos que se batiam pelo livre-comércio nos anos 1840, nem Keynes nem Fisher (nem Schumpeter e Hayek) acreditavam na tendência automática à paz e ao progresso, como tantos assumiram com efusão durante a Belle Époque.

Os governos tinham de intervir; a cooperação internacional era necessária. Nenhum sistema era autorregulador nem gerado espontaneamente, conforme se dava por certo antes de 1914. Para criar um sistema, tornava-se necessária a participação da única superpotência que ainda existia no Ocidente e a dos impérios europeus, outrora poderosos, mas agora rebaixados. A alternativa era impensável. […]
White e Keynes partilhavam os temores de George Orwell, Gunnar Myrdal, Schumpeter, Hayek e muitos outros, mas não eram nem escravos do determinismo econômico, nem radicalmente suspeitosos do governo. Não estavam preparados para acreditar que agora os governos não poderiam ser convencidos a evitar a depressão e a guerra ao estabelecerem uma estrutura comum de cooperação.

Acreditavam que os governos democráticos podiam aprender com os erros do passado e rejeitavam o conceito marxista da necessidade histórica e o pressuposto tradicional da rivalidade entre as Grandes Potências.

Certamente não partilhavam a convicção de Stálin de que a guerra fazia parte do DNA do capitalismo. O verdadeiro teste, é claro, não era se o Ocidente podia aprender com a história, mas se, mediante a ajuda de seu engenhoso mecanismo, aprenderia as lições corretas. […]

RETOMADA Os Aliados aprenderam com a experiência. Admitiam que a paz dependia da retomada econômica. Em 1918, tal premissa era partilhada por poucos -entre eles, Schumpeter, Keynes e Fisher-, mas dificilmente pelos líderes das nações vitoriosas ou por seu eleitorado. A situação de falência da Grã-Bretanha e sua dependência financeira dos EUA significavam que os americanos determinariam em grande parte o desfecho, ainda que sob aparência de cooperação.

Por seu lado, embora Morgenthau, secretário do Tesouro, ocupasse nominalmente o cargo, seu representante, Harry Dexter White, era o único com “pleno conhecimento da questão”, que podia “impedir um voto relativo a qualquer tema que ele não queira que seja votado”. White orquestrava tudo, desde entrevistas coletivas até ordenar que os comunicados fossem datilografados e distribuídos.
Keynes quase não se deu ao trabalho de disfarçar o fato de que estava enfiando suas opiniões goela abaixo do comitê sobre os bancos que ele presidia, o que era bem característico dele. Morgenthau teve de se ir à suíte de Keynes “e solicitar que, por favor, agisse mais devagar, falasse mais alto e pusesse em ordem em seus papéis”.

Skidelsky frisa que, se Keynes não era aberto, pelo menos era eficiente, e que sua pressa em discutir a programação refletia a exaustão e a crescente determinação de partir o quanto antes. Ele pronunciou o discurso final durante um banquete e, ao chegar, todos os presentes se levantaram, esperando que sentasse à cabeceira.

URSS “A URSS é um país que está chegando, a Grã-Bretanha é um país que está indo embora”, White disse a Keynes a certa altura de suas longas e dificultosas negociações. Como assinala Skidelsky, Keynes de vez em quando ficava intrigado com a obsessão de White pela Rússia e volta e meia sentia-se indignado com sua hostilidade para com a Grã-Bretanha.

Ele aparentemente não desconfiava que seus discípulos americanos mais influentes -e muitas vezes seus adversários na mesa de negociação- passavam segredos do governo para a URSS e ajudavam os soviéticos a espionar a ele e aos outros delegados. No grupo de economistas que White levou a Bretton Woods, uma dúzia ou mais de funcionários da Divisão de Pesquisa Monetária do Tesouro eram informantes de agentes da KGB.
A aliança dos tempos da guerra, o heroísmo e o sacrifício dos soviéticos ao derrotarem os alemães, o papel dos comunistas europeus na resistência, tudo isso explica por que as primeiras revelações de que os soviéticos montaram uma operação de espionagem em larga escala pareciam inicialmente inacreditáveis e, depois, chocantes.

O mais perturbador era a confiança depositada pelos soviéticos numa quinta-coluna de cidadãos americanos, que evocava a estratégia nazista, extremamente bem-sucedida, de se apoiar numa rede de simpatizantes na Europa.

A imagem recentemente retocada da URSS explica não apenas por que Roosevelt e Truman mostravam lentidão em aceitar que a Segunda Guerra Mundial seria seguida por uma Guerra Fria, mas também aquilo que hoje parece inescrutável: como alguns dos mais brilhantes e competentes funcionários se dispuseram a atuar como espiões e apologistas de um regime estrangeiro, e por que a maioria aparentemente não se arrependia disso? Agiram como agiram pelo bem da “humanidade”.

Jamais, nos piores momentos da Grande Depressão [anos 1930], o Partido Comunista dos EUA (CPUSA) alcançou, nem remotamente, o status de movimento político de massa, e menos ainda de independência. A participação partidária atingiu o auge em 1944 -cerca de 80 mil seguidores-, e a grande maioria afastou-se em menos de um ano. O partido exerceu escassa influência em uns poucos bairros da Bay Area, Boston e Nova York e em sindicatos. Em alguns casos os espiões eram pobres ou economicamente precários, e muitas vezes foram os primeiros da família a frequentar uma universidade.

Muitos se disfarçavam sob a capa do antissemitismo e do esnobismo. A ascensão de Hitler e Franco, com sua ameaça explicitamente anti-intelectual e militarista à civilização, conferiu ao partido algum prestígio nas universidades. Lutar contra a Grande Depressão tornou-se um movimento político, como o dos Direitos Civis, nos anos 1950 e 1960. Assim como os físicos do Projeto Manhattan se viam como parte do esforço de guerra, elaborar previsões no Tesouro fazia parte da luta para derrotar o fascismo.

Nos anos 1930, Lauchlin Currie foi auxiliar de ensino na Universidade Harvard e coautor de vários manifestos do New Deal, programa de recuperação econômica de Roosevelt, com seu melhor amigo, Harry Dexter White. Em 1939 tornou-se um dos seis assistentes administrativos da equipe do presidente Roosevelt e logo o aconselhava em relação a questões momentosas, como mobilizar a economia para a guerra, o orçamento dos tempos da guerra e disponibilizar a Lei de Empréstimo e Arrendamento para a China.

Currie organizou os Tigres Voadores. Foi ele quem cuidou da Lei de Empréstimo e Arrendamento para os chineses e participou intimamente das negociações de empréstimos dos EUA para a Grã-Bretanha e para a Rússia, bem como dos entendimentos que resultaram na conferência de Bretton Woods.

MANOBRAS Provas eloquentes, recolhidas em fontes independentes, mostram que Currie e White não foram vítimas inocentes de sujas manobras políticas contra o New Deal, e certamente não foram vítimas do macarthismo. As acusações contra eles foram formuladas por duas fontes independentes e corroboradas por cabogramas interceptados e decodificados pelo governo dos EUA muito antes de o senador Joseph McCarthy desfechar suas sensacionais acusações. Tudo foi confirmado décadas mais tarde, com base em material procedente dos arquivos da KGB.

A acusação contra Currie foi a de que ele, possivelmente por ordem do presidente, pressionou o OSS [Office of Strategic Services] a devolver aos soviéticos mensagens cifradas e a suspender as operações de decodificação. A prova contra Harry Dexter White foi particularmente danosa.

De acordo com dois de seus biógrafos, David Rees e R. Bruce Craig, Whittaker Chambers, editor da “Time” e ex-agente do GRU, o serviço secreto da URSS, que forneceu ao assistente do secretário de Estado, em 1939, o nome de outros agentes soviéticos, revelou que White e Currie eram agentes.

Chambers entregou cópias de um documento do Tesouro que White lhe confiara para encaminhar ao GRU. Suas acusações foram confirmadas independentemente por dois ex-agentes pelo menos. Um cabograma datado de 1944, entregue por Nathan Gregory Silvermaster, diz respeito a uma oferta à esposa de White para ajudar a pagar as taxas da faculdade onde a filha do casal White estudava. Dois outros cabogramas documentam conversas não autorizadas entre White e um general da KGB, Vitaly Pavlov, incluindo uma de 1941, enquanto eles almoçavam num restaurante de Washington.

Embora Moscou os valorizasse como espiões, a verdadeira importância de Currie e White estava na influência que exerciam. Eles ocupavam posições de grande suscetibilidade, abrangência e autoridade, tomavam iniciativas e promoviam medidas que podem ou não ter atendido aos interesses de seu governo, mas que, em definitivo, tinham a intenção de promover os interesses da URSS.

A ironia é que nenhum dos dois tinha a menor pista sobre as intenções dos soviéticos, assim como os mais ingênuos políticos americanos. Ao contrário de Roosevelt e Truman, cujas posições mudaram drasticamente após a conferência de Yalta, em 1945, aqueles homens dúplices, calculistas e duros reagiram como se fossem amantes enganados e incompreendidos quando Stalin os fez de bobos.

A geração que ingressou na economia durante ou logo após a Grande Depressão apegou-se à mensagem contida na “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” com a sofreguidão de afogados que se agarram a uma boia. Keynes era seu herói, e eles eram seus discípulos -quer dizer, discípulos intelectuais. O rótulo “keynesiano” não implicava apoio às medidas preconizadas por Keynes, muito menos à sua filiação política. Alguns eram conservadores, no plano da política, e alguns, particularmente na Europa, eram socialistas. A maioria se encaixava no espectro definido pelos partidos mais relevantes.

O fato de alguns terem atingido posições de poder e influência, usando-as para executar tarefas ocultas, devido a sua lealdade a um regime totalitário, diz muito a seu respeito e a sua época, mas muito pouco sobre as ideias keynesianas e ainda menos sobre o homem Keynes -exceto, talvez, que, como todo mundo, ele não podia imaginar como homens tão inteligentes podiam ser tão estúpidos ou tão maus.

O Hotel Mount Washington, um pouco maltratado e cujos dias de glória ficaram para trás, estava mal preparado para acolher 730 delegados de 44 países aliados

A inovação dos anos 1920 e 30 -a economia do todo, por Fisher, Keynes, Schumpeter e Hayek- ensinou que o que era bom para uma nação podia ser mau para as demais.
O heroísmo e o sacrifício dos soviéticos na guerra explicam por que a revelação do esquema de espionagem soviética parecia inacreditável e chocante

O rótulo “keynesiano” não implicava apoio às medidas preconizadas por Keynes, muito menos à sua filiação política. Alguns eram conservadores e alguns eram socialistas

A origem da corrupção

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Autor: Stephen Kanitz

O Brasil não é um país intrinsecamente corrupto.
Não existe nos genes brasileiros nada que
nos predisponha à corrupção, algo herdado,
por exemplo, de desterrados portugueses.

A Austrália que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não somos nem mais nem menos corruptos que os
japoneses, que a cada par de anos têm um ministro que renuncia diante de denúncias de corrupção.

Somos, sim, um país onde a corrupção, pública e privada, é detectada somente quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria. As nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior número de auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos mais elevados índices de corrupção, segundo o World Economic Forum, tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total. Se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda precisaremos formar e treinar 160.000 auditores.

Simples. Uma das maiores universidades do Brasil possui hoje 62 professores de Economia, mas só um de auditoria. Um único professor para formar os milhares de fiscais, auditores internos, auditores externos, conselheiros de tribunais de contas, fiscais do Banco Central, fiscais da CVM e analistas de controles internos que o Brasil precisa para combater a corrupção.

A principal função do auditor inclusive nem é a de fiscalizar depois do fato consumado, mas a de criar controles internos para que a fraude e a corrupção não possam sequer ser praticadas. Durante os anos de ditadura, quando a liberdade de imprensa e a auditoria não eram prioridade, as verbas da educação foram redirecionadas para outros cursos. Como consequência, aqui temos doze economistas formados para cada auditor, enquanto nos Estados Unidos existem doze auditores para cada economista formado. Para eliminar a corrupção teremos de redirecionar rapidamente as verbas de volta ao seu devido destino, para que sejamos uma nação que não precise depender de dedos duros ou genros que botam a boca no trombone, e sim de profissionais competentes com uma ética profissional elaborada.

Países avançados colocam seus auditores num pedestal de respeitabilidade e de reconhecimento público que garante a sua honestidade. Na Inglaterra, instituíram o Chartered Accountant. Nos Estados Unidos eles têm o Certified Public Accountant. Uma mãe inglesa e americana sonha com um filho médico, advogado ou contador público. No Brasil, o contador público foi substituído pelo engenheiro.

Bons salários e valorização social são os requisitos básicos para todo sistema funcionar, mas no Brasil estamos pagando e falando mal de nossos fiscais e auditores existentes e nem ao menos treinamos nossos futuros auditores. Nos últimos nove anos, os salários de nossos auditores públicos e fiscais têm sido congelados e seus quadros, reduzidos – uma das razões do crescimento da corrupção. Como o custo da auditoria é muito grande para ser pago pelo cidadão individualmente, essa é uma das poucas funções próprias do estado moderno. Tanto a auditoria como a fiscalização, que vai dos alimentos e segurança de aviões até os direitos do consumidor e os direitos autorais.

O capitalismo remunera quem trabalha e ganha, mas não consegue remunerar quem impede o outro de ganhar roubando. Há quem diga que não é papel do Estado produzir petróleo, mas ninguém discute que é sua função fiscalizar e punir quem mistura água ao álcool. Não serão intervenções cirúrgicas (leia-se CPIs), nem remédios potentes (leia-se códigos de ética), que irão resolver o problema da corrupção no Brasil. Precisamos da vigilância de um poderoso sistema imunológico que combata a infecção no nascedouro, como acontece nos países considerados honestos e auditados. Portanto, o Brasil não é um país corrupto. É apenas um país pouco auditado.

Publicado na Revista Veja, edição 1600, ano 32, nº 22, de 2 de junho de 1999, página 21

A pobretologia a serviço dos Estados Unidos da América: O imperialismo brando do Banco Mundial

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Autor: Eleonora de Lucena

A despeito dos diferentes discursos que assumiu ao longo de seus quase 70 anos, o Banco Mundial sempre coadunou sua atuação à política externa dos EUA, diz autor de estudo sobre a história política e ideológica do banco, num projeto de “imperialismo brando” que visava ao desenvolvimento capitalista da periferia.

O FIM DE SEMANA foi marcado por mais uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird) com a nata do poder econômico. Banqueiros, ministros de Estado e economistas terão avaliado as projeções de crescimento, os números de déficits, o estágio da guerra das moedas. Até o velho tabu do controle de capitais foi trazido à mesa.
A atual crise financeira revigorou a importância dessas duas criações da conferência de Bretton Woods (1944), que moldou o mundo no pós-Guerra. Há pouco tempo, FMI e Bird eram classificados como decadentes por alas da esquerda e da direita nos EUA. O vento mudou.
O FMI nunca emprestou tanto e tão rapidamente como na segunda metade de 2008. Os desembolsos do Banco Mundial pularam de US$ 24,7 bilhões (R$ 39 bi) em 2008 para US$ 58,7 bilhões (R$ 93 bi) em 2010. Ao mesmo tempo, a disputa por poder nas instituições foi intensificada.
Ao receber Barack Obama, em março, a presidente Dilma Rousseff falou da “lentidão das reformas nas instituições multilaterais que ainda refletem um mundo antigo”. Em recente declaração, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, também defendeu mudanças no FMI e no Bird.

INTERESSES Para entender o que está por trás desses movimentos e os interesses que explicam a história da dupla FMI-Bird, é muito esclarecedora a leitura de “O Banco Mundial Como Ator Político, Intelectual e Financeiro” [Civilização Brasileira, 504 págs., R$ 59,90], de João Márcio Mendes Pereira, 33. O livro é resultado de sua pesquisa de doutorado em história na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mostra como, desde a sua origem, o Banco Mundial serviu aos interesses da expansão capitalista liderada pelos EUA, metamorfoseando-se conforme os ditames da potência.
Assim, atuou para ajudar empresas norte-americanas na reconstrução dos países devastados pela guerra. Depois, virou propagandista de ações na periferia para bloquear revoltas, criando o que o autor chama de “pobretologia”. Incorporando uma retórica de esquerda, passou a financiar ONGs e aderiu ao discurso verde. Ao mesmo tempo, disseminou o Consenso de Washington, alardeando privatizações.
Se nas organizações da ONU cada país tem um voto, no Banco Mundial o poder foi sempre balizado pelo dinheiro, sem considerar, por exemplo, o tamanho das populações.
Pereira assinala que “o poder de voto de cada membro está condicionado pela sua subscrição de capital”, refletindo as desigualdades mundiais. Ou ainda: “A posição de cada membro é resultado da relação complexa entre a dinâmica internacional da acumulação capitalista e o exercício do poder político”.

DÓLAR A partir daí, o historiador narra várias fases do banco. Conta como a Grã-Bretanha, logo no início, teve que assumir sua nova posição, subalterna aos EUA, para que o Bird fosse estabelecido e enviasse dinheiro para a reconstrução europeia. O dólar passava a mandar. Veio o Plano Marshall.
De início desconfiada em relação ao novo banco, Wall Street logo percebeu que os empréstimos seriam lucrativos para as empresas norte-americanas e úteis para a política externa -marcas que continuam firmes até hoje.
Nos primeiros anos, o banco se preocupou em abrir mercados para produtos e capital norte-americano, buscando também matérias-primas. Muitos empréstimos foram então destinados a áreas coloniais de interesse das metrópoles. Nenhum dólar era desembolsado para hospitais, escolas, saneamento básico.
A Guerra Fria mudou esse quadro e trouxe a retórica do desenvolvimento. A ordem era investir na periferia para evitar a sedução por mudanças. Foi a época dos projetos para a agricultura, voltados para irrigação em grandes propriedades e que abriram os mercados para fertilizantes e pesticidas.
Era a “revolução verde” promovida pelo banco, que, no entanto, desprezava temas como reforma agrária, distribuição de riqueza e ensino fundamental de massa. É uma fase bem detalhada pelo autor, que também escreveu “A Política de Reforma Agrária de Mercado do Banco Mundial: Fundamentos, Objetivos, Contradições e Perspectivas” (Hucitec, 2009).

POBREZA ABSOLUTA Sob o impacto do desastre no Vietnã, Robert McNamara assumiu o banco preocupado com segurança e com a força política do campesinato. O ex-secretário de Defesa dos EUA e arquiteto daquela guerra quis dar ênfase ao combate à pobreza, especialmente a rural, para minar as rebeliões que rondavam os países pobres. No banco, a discussão sobre equidade foi substituída pela da “pobreza absoluta”. Foi quando apareceu a questão do “foco” na abordagem social. Os negócios continuaram como sempre.
Para Pereira, “o banco se tornou uma agência capaz de articular e veicular um projeto mais abrangente de desenvolvimento capitalista para a periferia, ancorado a um só tempo na ‘ciência da pobreza’ e na ‘ciência da gestão política da pobreza’, pela via do crédito e não da filantropia”.
Dissecando a miríade de projetos, ele conclui que os recursos beneficiaram, quase que diretamente, a acumulação privada de capital. Do ponto de vista político, o alinhamento com Washington era total: empréstimos negados a Allende saíram para Pinochet.
O arrefecimento da Guerra Fria fez o banco engavetar os projetos da área social. Nos anos 1980, fica clara a posição de vanguarda ideológica da instituição. O Bird traz temas como a reforma do Estado. Receita a liberalização do comércio, desvalorizações cambiais, endividamento.

NEOLIBERALISMO A crise mexicana (1982) e a estagnação da periferia provocam uma nova adaptação no discurso. Depois da queda do Muro de Berlim (1989), o neoliberal Consenso de Washington se instalou sem pejo, propagandeando a desregulamentação financeira, a privatização em massa e o aniquilamento de direitos sociais.
Até hoje, com alguma reciclagem, de acordo com o autor, essas seguem sendo as diretrizes do banco. Mas há nuances. Uma delas foi a incorporação do discurso ambientalista, que atraiu e domesticou ONGs pasteurizadas. Pereira classifica esse movimento de “imperialismo brando”, que “consiste em manter uma vasta rede de ONGs presas às planilhas de pagamento”.
A adesão ecológica aconteceu depois de vários fiascos de seus projetos no terreno ambiental. Um dos mais ruinosos foi em Rondônia, a mesma que vivenciou recentemente a rebelião dos peões da construção civil.
Lá, escreve Pereira, o Bird financiou devastação, violência e concentração fundiária ao dar seu apoio ao Polonoroeste e à construção da rodovia BR-364, no início dos anos 1980.

CÁUSTICO Pereira, professor adjunto de história da América contemporânea da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é bastante cáustico ao relatar desde os critérios para concessão de créditos até a produção intelectual do banco. Condena também a falta de transparência. Desanca a elaboração de relatórios e estudos, mostrando direcionamentos, censuras internas, omissões e erros.
Conta, por exemplo, como o ponto de vista japonês -que dá ênfase ao poder estatal- foi sabotado em trabalhos do banco, que acabavam sendo feitos sob encomenda dos interesses norte-americanos.
Nesse ponto, Pereira relata as ginásticas feitas pelo Bird sobre a alardeada contradição entre Estado e mercado. Sua opinião: “O rechaço à tese do ‘Estado mínimo’ [em 1997] foi uma manobra política inteligente, pois fez crer, para muitos, que estava em julgamento algo que, na verdade, nunca existiu. […] A reestruturação capitalista neoliberal foi menos um desmantelamento e mais um redirecionamento da ação do Estado em favor da fração financeira mais globalizada do capital e da ofensiva capitalista contra direitos sociais e trabalhistas”.
Falta ao livro um mergulho na relação Brasil-Banco Mundial. Afinal, o país é um dos principais clientes do banco e pouco se conhece sobre os bastidores dos sucessivos governos com a instituição. Em entrevista à Folha, Pereira reconhece essa lacuna e conta que está esboçando uma nova pesquisa a respeito.

FEUDOS BUROCRÁTICOS O historiador ressalta como o banco criou nos países feudos burocráticos simpáticos a suas políticas.
Mostra como seduziu, com sua aura científica, lideranças políticas, empresariais e a mídia, usando o mote de promover uma “engenharia institucional amistosa com o mercado”.
Essa faceta ideológica segue sendo primordial para o banco. Se o montante de dinheiro desembolsado cresceu com a crise, ele ainda é relativamente pequeno. Basta lembrar que a soma de todos os empréstimos realizados pela instituição desde 1947 é de US$ 639 bilhões (R$ 1 tri), menor que o socorro dos EUA aos bancos em 2008, de US$ 700 bilhões (R$ 1,1 tri).
Aqui, como em todo lugar, a política se sobrepõe.

Desconfiada em relação ao novo banco, Wall Street logo percebeu que os empréstimos seriam lucrativos

Os recursos beneficiaram a acumulação privada de capital. Do ponto de vista político, o alinhamento com Washington era total

Espanha: pressão para mudar previdência pública.

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Autor: Jorge Félix

Apesar de a crise econômica internacional ter sido provocada por uma desregulamentação financeira que dura quase três décadas – precisamente desde a ascensão de Margareth Thatcher em 1979 – seu desdobramento, cada vez mais, vai apontando para uma conseqüência que nada tem a ver com sua origem. Ao mesmo tempo em que os países ricos encontram resistências para impor algum controle sobre o mercado financeiro, cresce em todo o planeta a tendência de culpabilizar os sistemas de previdência pública pelos déficits públicos – ampliados, agora, pela necessidade de socorrer as instituições financeiras, as industrias e intensificar os investimentos público para fazer frente a debilidade do setor privado.

A Espanha é um dos melhores exemplos desta distorção.
O presidente do governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) está sendo pressionado a promover uma reforma da Seguridade Social sob a alegação de que em 2009, devido à recessão crônica, o sistema registrará um déficit. O motivo do rombo seria a alta taxa de desemprego – quase 18% da população economicamente ativa no segundo trimestre.

A falta de vagas, sobretudo para os jovens (entre estes a desocupação bate 35%), resiste até mesmo ao pacote de investimentos de 11 bilhões de euros lançado pelo governo para gerar 300 mil postos de trabalho. Outros 14 bilhões foram destinados ao crédito. Sem sucesso. Sem emprego, o trabalhador deixa de contribuir para a previdência e reduz a receita.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) fez as suas contas. Mesmo com a reforma promovida em 2001, acreditam os economistas da OCDE, a Espanha sofreria um desequilíbrio nas contas previdenciárias a longo prazo. De acordo com esses cálculos, o pagamento de benefícios pularia dos atuais 10% do PIB para 18% em 2050 em decorrência do envelhecimento populacional, mesmo que o país reverta o desemprego e possa contar com imigrantes.

A Fundación Empresa y Sociedad estima que o país irá necesitar de 2 milhões de imigrantes jovens até 2020 para fazer frente ao envelhecimento da população.

Diante desta realidade, que coloca o país na pior situação econômica entre os vizinhos da União Européia, Zapatero começa a enfrentar pressões dentro do próprio governo por revisão das regras do sistema público de aposentadorias. O primeiro a levantar a voz pela reforma foi Miguel Angel Fernández Ordóñez, presidente do Banco de Espanha (ou banco central do país), com o apoio do Círculo de Empresários.

“Podemos alargar progressivamente a idade mínima para a aposentadoria”, afirmou Ordóñez, provocando uma polêmica no primeiro escalão do governo do PSOE, legenda tradicionalmente defensora do sistema de bem-estar social do país – lembre-se, um dos mais fracos da Europa ocidental. A reação mais forte partiu do ministro do Trabalho, Celestino Corbacho.

“Não se pode criar insegurança sobre algo que funciona, nem jogar com a intranqüilidade de mais de 8 milhões de aposentados”, declarou Corbacho, recomendando a Ordóñez que fosse tratar de combater a crise financeira. Segundo o ministro, o sistema de previdência deve registrar um superávit tímido este ano, de 0,4%, mas fechará as contas no azul.

A vice-presidente María Teresa Fernández de la Veja entrou no embate com o presidente do Banco de Espanha e garantiu que o governo tem um fundo de reserva de 57 milhões de euros para honrar os compromissos previdenciários em caso de redução da receita em conseqüência do desemprego.

No entanto, em meio ao bate-boca público, Ordóñez conseguiu abrir a discussão sobre uma elevação da idade mínima de aposentadoria de 65 para 67 anos e, por tabela, aqueceu o debate em favor da desregulamentação do mercado de trabalho. A legislação trabalhista da Espanha é vista como um entrave ao aumento do emprego. Em maio, os trabalhadores, graças a lei, obtiveram ganho real de salário de 3,5%, apesar da recessão. O PIB, este ano, deve encolher 4% e mais 0,8% em 2010, de acordo com previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo a revista The Economist, isso pode fazer com que os trabalhadores concluam que a crise é benéfica. Porém, cresce o número de trabalhadores espanhóis ilegais ou em contratos de curto prazo (um terço da PEA). “O problema não é a regulação trabalhista”, reagiu o Toni Ferrer, negociador chefe do Sindicato Geral de Trabalhadores, lembrando que os salários têm aumentado, em média, apenas 0,5% ao ano desde 2005. “O que precisa mudar é o modelo econômico”, recomendou em entrevista à publicação britânica.

Por convicção política ou de olho em sua difícil situação eleitoral, Zapatero, por enquanto, ignora as pressões por reformas. Seu maior argumento é que o sistema de seguridade social espanhol é um dos menos generosos da Europa. Os gastos sociais do governo, per capita, param em pouco mais de 5 mil euros contra 7 mil da França e 8 mil da Alemanha. Por outro lado, os defensores da reforma afirmam que é alto o valor médio dos benefícios, de 854,96 euros. A dúvida é se Zapatero conseguirá sustentar o sistema nos próximos anos de recessão e déficit.

O sistema espanhol é baseado em dois pilares: o estatal, obrigatório e majoritário, e o privado, opcional e de ainda pouca relevância. O setor estatal é confiável e funciona com cobertura médica e seguro desemprego. Essas garantias atraem inclusive os estrangeiros. O problema apontado pelos céticos quanto a sua sustentabilidade é que os espanhóis podem se aposentar a partir de 60 anos, proporcionalmente, ou amparados por um acordo com a empresa. São os chamados “relevistas” que aceitam a redução de salário de 25% a 85% em troca de uma jornada parcial. A partir de 61 anos, o trabalhador também tem o beneficio assegurado no caso de ser demitido com 30 anos de contribuição. Essas flexibilidades na regra acabam reduzindo a idade mínima de aposentadoria – que, de fato, na média, é inferior a 65 anos.

Além de criar empregos e atrair imigrantes, a Espanha tem o desafio de reduzir o ritmo de envelhecimento da população. Desde 2005, o país introduziu incentivos para aumentar a taxa de fecundidade – uma das mais baixas da Europa. No ano passado conseguiu a proeza de registrar uma taxa de 1,46 filhos por mulher (embora acima do 1,16% de 1996 ainda bem abaixo de 2,0 filhos por mulher necessários para haver a reposição populacional).

Com uma expectativa de vida de 77,76 anos para os homens e 84,33 anos para as mulheres, o país assiste seu sistema de previdência aumentar o numero de beneficiários em 1,7% ao ano. Um problema, como afirma o governo, que não é a causa do déficit público, mas que a crise econômica mundial pode fazer com que seja o primeiro a ser atacado.

O Estado mostra suas garras

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Autor: Gustavo Cerbasi – FSP – 28/02/2011.

Se o Brasil quer crescer, o Estado tem de encolher; na teoria, somos ricos; só falta colocar isso em prática

COMPLETADOS dois meses de um governo que se autorrotula como austero, as coisas andam como era de esperar. O debate do momento é sobre a volta da CPMF (o antigo tributo do cheque), supostamente justificada pela necessidade de arrecadação. Nas últimas semanas, o foco das atenções estava na contenção do aumento do salário mínimo e da correção da tabela para desconto do Imposto de Renda na fonte.
Dos debates já encerrados, a conta ficou para o contribuinte. Tanto o simbólico salário mínimo quanto a tabela do IR foram corrigidos abaixo da inflação, diminuindo o poder de consumo da população.
Não seria incoerente, se não vivêssemos um período de recordes na arrecadação de tributos, de formação de reservas e de autonomia dos cidadãos que nunca estiveram tão empregados quanto agora. Este deveria ser o momento de garantir o aumento definitivo do bem-estar da população, mas estamos sendo chicoteados pela incompetência. Agora, não é o caso de debater se a CPMF é justa ou não.
Ela seria justíssima, incidindo proporcionalmente ao volume de riqueza manipulado pelos cidadãos, não fosse a carga tributária geral tão elevada e a aplicação dos recursos tão ineficiente.
Gostaria de pagar 1% de CPMF em lugar dos tributos estaduais e federais que incidem em cascata e que saem muito mais caro. Gostaria de ser tributado em 50% de minha renda se pudesse matricular meu filho em qualquer escola pública sem preocupação, se pudesse ser atendido no SUS (Sistema Único de Saúde) sem risco de morrer na fila ou se pudesse andar em ruas seguras sem me disfarçar por trás das películas ilegais do meu carro.
O pior dessa situação é que não falta dinheiro. Ele sobra, mas é muito mal usado. Aliás, nunca poderá ser bem usado se não houver mudanças profundas na lógica de uso de recursos do Estado.
Empresas públicas e autarquias que ousam ser eficientes em suas contas são punidas com corte das dotações orçamentárias nos anos seguintes. O segredo para o gestor público ter dinheiro é ser ineficiente, gerar deficit, para poder pleitear aumento da mesada. É por isso que, por exemplo, por mais que se enterre dinheiro nos aeroportos, eles sempre serão essa vergonha.
Conversei com pessoas que se sentiram alarmadas ao ouvir dizer que o serviço aeroportuário funcionará com anexos improvisados para a Copa de 2014. Não entendi. Alguma vez os aeroportos deixaram de funcionar de improviso?
Quando o governo alega que está investindo a arrecadação em obras e infraestrutura, ele está abusando de nossa ignorância. Para projetos com prazo definido, o mecanismo de captação recomendado é a emissão de títulos públicos, com prazos de vencimento compatíveis com os prazos de obras -e não faltam investidores interessados em financiar as obras necessárias.
A arrecadação de tributos tem como objetivo custear os gastos do dia a dia do governo, e é aqui que o Brasil mais peca. Falta qualidade, faltam atendimento digno e tecnologia no serviço público, mas o número de servidores não para de crescer.
Onde eles estão? Mal alocados em serviços burocráticos e ineficientes, drenando nossos recursos sem muito agregar ao bem-estar da sociedade. Não defendo a demissão em massa de servidores, mas creio que um enxugamento de funções e a realocação de mão de obra para os serviços realmente necessários à população ajudariam a reduzir a necessidade de tributos.
Estamos sedados pelo hábito de aceitar a ineficiente condução do Estado mas, se o governo realmente se apresenta como austero, o momento é de mudança. A CPMF não é necessária. O aumento do salário mínimo não foi justo. A correção da tabela do IR também não será. Se o Brasil pensa em crescer, está na hora de o Estado encolher.
A sociedade civil está madura o suficiente para administrar bem os recursos que são desperdiçados pela má gestão pública. Na teoria, já somos ricos; só falta colocar isso em prática e lidar inteligentemente com o dinheiro que a economia gera.

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GUSTAVO CERBASI é autor de “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos” (ed. Gente) e “Como Organizar Sua Vida Financeira” (Campus).
Internet: www.maisdinheiro.com.br

De volta para o futuro: A defesa da presença do Estado na Economia retorna à pauta.

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Autor: Rafael Cariello

MAL ECLODIU, a crise de 2008 forçou o governo dos EUA a fazer pesados investimentos em áreas cruciais da economia, como o setor bancário e a indústria automobilística. Para muitos observadores, assistia-se à volta de um modelo intervencionista que parecia superado desde a chegada ao poder do republicano Ronald Reagan, em 1980.
A mesma débâcle agravou, nos meses seguintes, os deficits orçamentários recordes dos países europeus, logo forçados a cortar gastos e benefícios públicos. Há quem avalie que, em consequência dessas decisões, o próprio Estado de bem-estar social encontra-se em risco. As reformas liberalizantes advogadas por Reagan e pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher teriam por fim alcançado a Europa continental.
Como se pode ver, essas análises são contraditórias -e apressadas. Buscam compreender o momento atual nos termos das duas grandes ondas político-ideológicas do século 20, hegemônicas.
A história desses dois modelos de intervenção estatal -o social-democrata, entre as décadas de 30 e 70, e o liberal, nos dois decênios finais do século- é narrada pelo cientista social britânico Tony Judt (1948-2010) no último livro que publicou em vida, “Ill Fares the Land” (algo como “o mal consome a terra”, título retirado de um verso do poeta Oliver Goldsmith).
Desde a Grande Depressão, e com mais força a partir da Segunda Guerra Mundial, a social-democracia conquistou o apoio de políticos da centro-direita à centro-esquerda, nos EUA e na Europa. Com a exceção de grupos radicais nos dois extremos do espectro ideológico, todos pareciam concordar quanto à necessidade de o Estado se fazer presente em amplos setores da economia, do transporte público à siderurgia, sem abrir mão da democracia representativa.
Por décadas, o modelo funcionou bem, até entrar em crise, nos anos 70. Nos dois decênios finais do século 20, a palavra de ordem era abrir espaço para o mercado. Reduzir o Estado ao mínimo, retirando-o não só da atividade produtiva mas também, em muitas áreas, de seu papel regulador.
Intervenções estatais passaram a ser responsabilizadas por males sociais e econômicos de toda espécie -invertendo a lógica antiliberal que surgira com a crise da década de 30. Nenhum dos dois modelos “puro-sangue” parece mais angariar simpatias gerais e irrestritas -embora estas ainda se inclinem, no julgamento de Judt, para um excessivo antiestatismo.
De todo modo, o que no passado parecia pertencer ao domínio inexorável da história, a um processo de desenvolvimento linear, passa hoje à esfera da técnica e da política. O que as narrativas contraditórias do pós-crise nos EUA e na Europa demonstram é que a presença do Estado na economia e na prestação de serviços de segurança social está em disputa, sujeita a ajustes de grau, mas não de natureza.
Tony Judt toma partido nesse embate e constrói, em “Ill Fares the Land” [Penguin USA, 256 págs., R$ 47], um sofisticado libelo contra os excessos da desregulamentação e do desmonte do Estado, ao sair em defesa da social-democracia e dos serviços de proteção social.
Sua estratégia é apresentar cada argumento como uma síntese pragmática e moderada dos embates ideológicos do passado. “Conseguimos nos libertar da crença de meados do século 20 -nunca universal, mas certamente bastante difundida- de que o Estado é possivelmente a melhor resposta para qualquer problema. Agora precisamos nos livrar da noção oposta”, ele diz. A de que “o Estado é -sempre e por definição- a pior opção possível”.
“Se não fomos capazes de aprender nada mais com o século 20, devíamos ao menos ter entendido que quanto mais perfeita a resposta [a nossos problemas], mais terríveis e assustadoras foram as suas consequências.”
“Ill Fares the Land” pretende apresentar, a uma geração que não viveu os traumas da Grande Depressão e da Segunda Guerra, as razões que permitiram tornar quase consensual a defesa da forte presença do Estado em diversos setores da economia -bem como a criação de amplos sistemas públicos de educação, saúde e segurança social.
Para Judt, os líderes e os burocratas americanos e europeus logo compreenderam, com o fim da guerra, que era preciso a todo custo evitar os níveis inauditos de insegurança social e econômica enfrentados desde a crise de 1929 e nos anos seguintes, que os conduziram até o maior conflito militar da história.
Foi essa sensação de medo que fomentou o nazismo, lembra Judt. Os vencedores da guerra, dos dois lados do Atlântico, compreenderam o que era preciso fazer para impedir o seu ressurgimento. É nesse contexto que surge o Estado de bem-estar social, sociedades de classe média e sistemas de “seguros” públicos contra infortúnios.
O mesmo se aplica aos EUA, sempre ciosos em prestar vênias ao liberalismo econômico e à livre-iniciativa. Entre o New Deal de Roosevelt, nos anos 30, e a Presidência de Lyndon Johnson (1963-69) -que se atribuiu o objetivo de pôr fim à miséria no país mais rico do planeta-, a forte presença do Estado em setores estratégicos e as políticas promotoras de relativa igualdade social apresentaram ao mundo o “american way of life”. A típica família de classe média norte-americana dos anos 50 e 60 posa em sua casa de subúrbio para um retrato de época.
O processo não foi freado nem mesmo sob o único governo republicano (1953-1961) a interromper as quase quatro décadas de proeminência do Partido Democrata na política norte-americana.
“Foi um presidente republicano, Dwight Eisenhower, quem autorizou o gigantesco projeto das estradas interestaduais, supervisionado pelo governo federal”, argumenta o historiador, ao se referir ao pesado investimento em infraestrutura de que a iniciativa privada não teria sido capaz, sozinha, de realizar. “Apesar de toda a mesura retórica feita à competição e aos livres mercados, a economia americana naqueles anos dependia largamente de proteção contra a competição estrangeira, bem como de padronização, regulação, subsídios, ajustes de preços e garantias governamentais.”
O leitor conservador e desconfiado dos argumentos de um “socialista” britânico pode conferir a justeza da descrição em “Going Home to Glory – A Memoir of Life with Dwight D. Eisenhower, 1961-1969” [Simon & Schuster, 336 págs., R$ 63], escrito por David Eisenhower e Julie Nixon Eisenhower. Os insuspeitos autores, casados um com outro, netos dos conhecidos ex-presidentes republicanos, compõem uma memória dos anos de aposentadoria do general que liderou os Aliados contra o nazifascismo.
Entre partidas de bridge e golfe, o ex-presidente se esforça, segundo a narrativa de seus herdeiros, para impor uma linha moderada ao Partido Republicano dos anos 60. “A não ser em assuntos morais e ciências exatas, posições radicais estão sempre erradas”, defende Eisenhower.
Os amantes da política americana encontram na obra a descrição do empenho do general para fazer de seu irmão Milton o candidato republicano à sucessão de Johnson. “Seu principal problema”, no entanto, “era o comprometimento político ambíguo”, diziam os opositores mais conservadores. Milton, que trabalhara sob o comando de Roosevelt, “havia contribuído de maneira entusiasmada com o New Deal”. Por razões mais ou menos voluntárias, também o seu irmão dera continuidade àquela obra.
Como hábil advogado de sua causa, Tony Judt é capaz de reconhecer exageros na intervenção estatal. As opções estatizantes de meados do século nem sempre conduziram a bons resultados, admite ele. O crescente controle e “planificação” da vida em sociedade são seus principais exemplos: intervenções urbanísticas autoritárias, conjuntos habitacionais impessoais, intromissão ineficiente em setores da economia que seriam mais bem servidos pela iniciativa privada.
Parece hoje inacreditável que o Estado britânico tenha se encarregado, por décadas, até da venda de café e sanduíches servidos em estações ferroviárias (não seria justo, no entanto, responsabilizar a burocracia estatal pela má qualidade da comida no Reino Unido).
Mas nada se compara, segundo o historiador, às distorções promovidas desde os anos 1980 pelos governos “mercadistas”. Judt recorre a estudos estatísticos para fazer um elogio da igualdade social, alcançada sobretudo nos países com maior intervenção estatal, carga tributária e gasto público.
Quanto maior a desigualdade de renda, maior a incidência de problemas de saúde e patologias sociais. “Há uma razão para o fato de os índices de mortalidade infantil, expectativa de vida, criminalidade, população carcerária, doença mental, desemprego, obesidade, subnutrição, gravidez na adolescência, uso de drogas, insegurança econômica, acúmulo de dívidas e ansiedade serem piores nos EUA e no Reino Unido do que na Europa continental.”
Eis, de acordo com Tony Judt, os males que consomem a terra. Antes de morrer, no auge de sua produtividade, um dos principais acadêmicos do século 20 deixou como herança um manifesto sobre a necessidade de contê-los, com a ajuda do Estado, de maneira moderada e cautelosa. “Avanços incrementais a partir de circunstâncias insatisfatórias são o melhor que podemos esperar, e provavelmente tudo o que devemos procurar.”

O que as narrativas contraditórias do ?pós-crise nos EUA e na Europa demonstram é que a presença do Estado na economia e na prestação de serviços ?de segurança social ?está em disputa

Como hábil advogado de sua causa, Tony Judt é capaz de reconhecer exageros na intervenção estatal. As opções estatizantes de meados do século nem sempre conduziram a bons resultados

As crises econômicas, o Suicídio e a Doutrina Espírita.

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O mundo passa por uma grave crise econômica, cujos impactos ainda são difíceis de serem mensurados, com ela percebemos o aumento no suicídio, onde executivos e banqueiros vitimados pelas perdas financeiras sucumbem ao auto-aniquilamento. O texto faz uma análise tendo como pano de fundo a visão da Doutrina Espírita sobre o suicídio e suas consequências.

Remunerações especiais

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É sabido por todos que o processo de remuneração é bastante diferente quando comparamos o mundo material com o mundo espiritual, ambos apresentam instrumentos bastante diferentes e conflitantes, que mostram como as sociedades se apresentam em graus e estágios de evolução diferentes, uns primando pelos valores do imediatismo e do material, enquanto outros se mostram mais atrelados a valores sublimes e espiritualizados, uma boa forma de identificarmos o quanto temos que evoluir é que, todos que nos encontramos no meio físico, estamos muito calcados nos valores da aparência e nas convenções sociais, deixando, de lado, sentimentos e emoções mais sublimes e espiritualizadas.

No mundo material os indivíduos recebem de acordo com sua produtividade, somos impulsionados ao cumprimento de metas cada vez mais irreais que nos obrigam a mergulharmos no trabalho remunerado, ganhamos e somos vistos nesta sociedade por tudo que temos, ou melhor, como vivemos em uma sociedade marcada pela aparência, somos visto como aparentamos ser, por isso estamos constantemente querendo mostrar que somos o que, na verdade, não somos, é o mundo da aparência, do imediatismo e dos prazeres da sensualidade e do dinheiro, que nos prendem a uma sociedade marcada pela ilusão e pela imagem do belo e do novo, mesmo que estes sejam cada vez mais transitórios.

O mundo da matéria nos obriga a estarmos em constante atualização, se não o fizermos estamos condenados ao ostracismo social, ser bem sucedido nesta sociedade é termos um emprego bem remunerado, marcado pelo status e pelo acúmulo de bens materiais, nesta sociedade deixamos de lado aqueles que se entregam aos trabalhos mais simples e pouco remunerados, vendo-os como seres humanos menores, sem glamour e sem condições de inserção neste mundo marcado pelo poder de compra, onde a acumulação do poderio financeiro se transformou no objetivo de vida de muitos indivíduos, que se entregam ao trabalho remunerado como se este fosse seu único intuito na vida, deixando de lado outros setores e atividades tão importantes quanto o trabalho material, onde podemos destacar o trabalho espiritual e dos momentos sublimes de convivência com os familiares e com os grupos de amigos, numa troca constante de experiências e valores, fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento do espírito.

O bônus-hora nos foi revelado por André Luiz, quando da publicação da obra Nosso Lar, um dos mais importantes livros publicados pela lavra de Francisco Cândido Xavier, por este instrumento passamos a compreender como se remunera os trabalhos na colônia espiritual, onde cada pessoa recebe de acordo com os trabalhos desempenhados, uns acumulam com as visitas assistenciais, outros se destacam na limpeza, alguns espíritos são responsáveis por questões burocráticas, escolas, hospitais, etc. O trabalho como lei universal existe para todos os indivíduos, querendo trabalhar todos encontram trabalho, recebendo recursos, os chamados bônus-hora, que podemos descrever como um determinado crédito que cada indivíduo tem depois de desempenhar atividades edificantes no plano espiritual, que podem ser utilizados para adquirir uma casa, mas cada pessoa só pode adquirir uma única residência, neste local não é possível comprar mais de uma residência como se faz aqui, quando encontramos pessoas que adquirem várias casas e utilizam-na como instrumento de especulação e acumulação de recursos financeiros e monetários.

Se analisarmos com calma e refletirmos intensamente sobre os dois mundos percebemos que nós, hoje vivendo no mundo material, estamos muito longe dos ensinamentos do mestre Jesus, o dinheiro é utilizado muito mais para satisfazer nossos desejos imediatos, utilizando-o para nossos gozos tresloucados e interesses vis do que para melhorar as condições de vida da população mundial, atualmente encontramos metade da população do globo vivendo com uma renda diária de até US$ 2,00, um mundo onde, segundo a revista Forbes, as quatrocentas famílias mais ricas do mundo possuem um patrimônio de US$ 1,8 trilhão, um número estarrecedor quando visto em perspectiva histórica, ha trinta anos quando a mesma revista começou a mensurar as riquezas das famílias a situação era outra, bem diferente, as mesmas quatrocentas famílias detinham uma renda de US$ 90 bilhões.

O dinheiro tem um papel central na sociedade, nasceu para circular, dinheiro parado causa constrangimentos para todos os setores sociais, em tempos de degradação do meio ambiente, onde o mundo se encontra bastante maltratado por desmandos constantes dos setores mais aquinhoados financeiramente, é impossível dar a cada cidadão mundial uma renda igual a dos Estados Unidos, US$ 50 mil, para que isso acontecesse teríamos que ter outro planeta Terra, agora, é neste momento que precisamos encontrar uma fórmula ética e moralmente aceitável para que todos os cidadãos do mundo tenham uma renda média de US$ 10 mil, atendendo, com isso, suas necessidades básicas de alimentação, educação, saúde, vestuário e acesso aos bens culturais, tão importantes para o desenvolvimento intelectivo dos seres humanos e que, durante tantos séculos, foram omitidos de grande parte da sociedade mundial, deixando-os marginalizados e presos a um universo materializado e centrado nos interesses financeiros mesquinhos.

A relação do ser humano com o dinheiro é sempre algo perturbador e constrangedor, causa de vícios e quedas de muitos espíritos, uma parcela considerável dos espíritos que ora encontramos no orbe terrestre teve sua queda atrelada a questões financeiras ou a sedução da sensualidade, quedas que deixaram rastros terríveis para o ser humano, desastres morais que perturbam suas mentes e sentimentos, tudo isso, obrigando as pessoas a buscarem uma relação nova e diferente com o dinheiro, evitando, com isso, novos desequilíbrios no campo da moral.

A colônia Nosso Lar nos mostra novas formas de remuneração pelo trabalho, este paradigma do mundo dos espíritos pode nos ser muito útil como forma de transformar a relação capital trabalho reinante no mundo material, servindo como um grande desafio para todos os homens e mulheres de bem que buscam o aperfeiçoamento coletivo de nosso planeta, o trabalho é árduo e cheio de entraves, são muitos os indivíduos e instituições que se comprazem com o modelo atual, que ganham com esta forma de remuneração, estes grupos, muito bem organizados e estruturados, vão se utilizar de seus poderes para impedir toda e qualquer mudança que venha, pensam eles, os prejudicar, mas sabemos todos, que quando chega a hora e o momento exato, quando as transformações precisam acontecer, as forças da mudanças passam a ser guiadas por uma mão invisível, que a conduzem para a renovação e para o surgimento de um novo mundo, marcado por uma solidariedade maior e um progresso centrado nos ideais e sentimentos sublimes do Cristo, distante, pode ser, mas o começo desta mudança já teve início, e tomara que nós nos organizemos para fazermos parte desta mudança sob pena de vivermos anos de expurgos, medos e desesperanças.