Algumas anotações relevantes de “Memórias de um suicida”

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A Literatura Espírita sempre nos brinda com obras de grande conteúdo doutrinário, filosófico e reflexivo, dentre as várias obras Espíritas, uma nos marca de forma especial, o livro “Memórias de um suicida”, do espírito Camilo Cândido Botelho e psicografia de Yvonne do Amaral Pereira é uma destas obras marcantes e especiais que todos as pessoas deveriam ler, reler, discutir e indicar.

A Doutrina Espírita surge para o mundo em meados do século XIX através de Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, nesta obra, Kardec nos traz informações sobre o mundo espiritual, o verdadeiro local da vida, local de onde viemos e para onde retornaremos no momento oportuno, somos todos espíritos que habitamos corpos materiais, nossa verdadeira vida se dá no mundo espiritual, conceitos novos surgem e se difundem para a Europa e depois para todo o mundo ocidental, a reencarnação, a obsessão, o mundo espiritual, as colônias, a morte, etc…

A obra Memórias de um suicida nos conta a história de cinco pessoas esclarecidas que vivem em Portugal no momento da codificação, mesmo sendo pessoas cultas, inteligentes e muito bem informadas, nenhum deles se interessou por saber um pouco mais sobre a nova Doutrina, mesmo conhecendo muito do conhecimento humano da época, mesmo estudando e convivendo com pessoas bem formadas e atualizadas, nenhum deles se interessou pela chamada terceira revelação, isto nos lembra uma frase de grande sabedoria: “quem sabe pode muito, quem ama sabe mais”.

Todos os personagens do livro vivem envoltos em seus mundos, alguns vivendo para as letras, outros para os negócios, outros mais para seus amores e interesses sentimentais, quanto tempo perdemos nas vivências cotidianas, nos interesses materiais e nos prazeres imediatos e, nestes mundos menores nos esquecemos da verdadeira razão da vida e os objetivos do progresso espiritual da humanidade.

Nos momentos de desesperanças, desajustes emocionais e medos, os conhecimentos do mundo material, a acuidade reflexiva e os pensamentos lógicos foram insuficientes e incapazes de confortar seus corações e impedir que, cada um de sua forma, cometesse o maior de todos os crimes, o suicídio.

Depois das andanças pelo Vale dos suicidas, todos passam a enxergar a vida de uma forma diferente, todos sabem que erraram, o remorso machuca suas mentes e massacra suas consciências, nestes momentos de dores e aflições que, cada um deles percebe, intimamente, que todo o drama vivido lhes é algo inexplicável, sem respostas a busca por Deus ou uma força superior começa a se destacar em suas mentes e, com isso, a oração e o pedido de ajuda se materializa em seus corações, a oração tem o condão de ligar os indivíduos a uma força superior, mas serve ainda como uma forma de nos conscientizarmos de nossas fragilidades e inferioridades.

O socorro existente no mundo espiritual e nas colônias é algo desconhecido por quase todos, a existência de colônias e cidades organizadas, estruturadas e bem administradas também passa distante das inteligências mais astutas do mundo material, tudo isto nos mostra como somos tão pequenos e pouco curiosos sobre os conceitos maiores da vida e da existência humana, muitas vezes nos afiliamos a seitas e grupos pseudo-religiosos, assumimos suas crenças e pouco refletimos sobre seu significado, somos todos, ou a grande maioria, verdadeiros fantoches de nossas limitações.

A chegada no Instituto Maria de Nazaré, localizada no plano espiritual, sua organização, trabalhadores, departamentos e suas tecnologias nos encantam enormemente, aparelhos que só chegariam no mundo material décadas posteriores já eram realidade nas colônias no final do século XIX, diante disso, percebemos o quanto de nossas descobertas ou criações são, na verdade, inspirações que recebemos e registramos dos cientistas e pensadores do mundo espiritual, nestas descobertas logo colocamos nossos nomes, registramos o produto e logo estamos cobrando por sua utilização, pobres seres que desconhecemos as origens e a missão que Deus nos concedeu.

Os cursos, as palestras, as missões, os estudos, as conversas e a troca de experiência, são instrumentos de engrandecimento de todos que se dedicam a descobertas íntimas e pessoais, o tempo passa e todos se sentem úteis e necessários, conhecer suas trajetórias, suas experiências e a certeza constante de que todos são espíritos em evolução, todos são deveras devedores e não existe nenhuma vítima de forças externas, se somos vítimas os algozes somos nós mesmos.

Camilo, grande escritor português, inteligência de destaque na Europa e no mundo da época nos conta os pormenores de sua trajetória nos Instituto, suas conversas com os doutores de Canalejas, suas palestras com os diretores e instrutores, suas andanças por departamentos e suas mais íntimas memórias, tudo isto para nos mostrar que, neste mundo, não podemos esconder nada de nós mesmos, o conhecer-se a si mesmo se faz necessário, é urgente e fundamental.

As conversas de Camilo com o doutor Carlos de Canalejas, onde este último destaca suas dúvidas mais íntimas, seus medos, seus amores e suas dificuldades nos levam a compreender que todos, indistintamente, trazemos em nossa alma segredos e desajustes dos mais severos possíveis, fruto de nossas andanças pelo mundo material e pelos desequilíbrios que nos caracterizam e corrói nossos mais íntimos sentimentos.

As excursões feitas ao mundo material nos mostra como estão próximos os mundos físico e espiritual, como nos interessamos pelo mundo do conhecimento, das riquezas físicas e dos prazeres imediatos e nos esquecemos de buscar a compreensão da verdadeira razão da vida e da existência dos seres humanos, o livro nos mostra, nas entrelinhas, que existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia pode imaginar.

O mergulho em suas histórias de vidas anteriores, o momento exato de relembrar suas vidas pregressas, momento em que Camilo revê seu passado e suas vidas anteriores, sua existência no momento do apedrejamento de Jesus Cristo, sua vida mesquinha, suas fofocas, suas armações, seus atos reprováveis, seu prazer inveterado na maldade e na difusão de calúnias e difamações, tudo isto se aclara na mente e na visão do grande escritor português do século XIX.

Mas, o que mais nos chama a atenção na história de Camilo Cândido Botelho é suas vivências no século XVII, quando a obra nos leva a conhecer todas as atitudes insanas para se casar com sua prima Maria Magda, nesta encarnação percebemos como a insanidade do ser humano pode lhe causar graves constrangimentos em momentos posteriores, a busca por um amor distante de seu coração o leva a crimes terríveis e a dores que o acompanharão durante muitos milênios.

Humilhações, surras, agressões, violências, torturas, calúnias, difamações e quando acreditávamos que a insanidade já tinha chegado ao fim, Camilo leva seu rival à cegueira, tudo isso leva o Marido de Maria Magda ao suicídio, ao se sentir um verdadeiro estorvo para sua esposa e para os seus filhos recorre ao autocídio, Camilo, num determinado momento de suas vidas futuras teria que responder por todos os crimes e humilhações cometidas contra Maria Magda, seu esposo Jacinto de Ornélas Ruiz e seus filhos.

O suicídio é um crime terrível contra as leis de Deus e gera dramas dos mais severos para aquele que o comete, seus impactos não se restringem apenas ao espírito suicida, os filhos e toda a família do suicida são atingidos e afetados por seus crimes, suas trajetórias se cruzam e, numa próxima vida, estes espíritos se reencontrarão para o acerto das contas, o reequilíbrio de suas energias e a compreensão das verdadeiras leis que regem a sociedade e a humanidade como um todo.

A oração é um verdadeiro bálsamo para todos os indivíduos, ela nos ajuda a compreender a nossa limitação e a grandeza de Deus, orar para os espíritos suicidas é uma forma de caridade constante, a oração os auxilia na compreensão de seus crimes e o fortalece para conseguir continuar em sua caminhada, entendendo que, mesmo tendo cometido um grave crime, que para algumas religiões são imperdoáveis, todos somos dignos de uma segunda chance e oportunidade, como nos foi dito por Jesus Cristo: “Das ovelhas que meu pai me confiou nenhuma se perderá”.

O livro acima descrito se caracteriza como uma das maiores obras da literatura espírita, seus ensinamentos nos ajudam a compreender um pouco mais da vida, nos descortina com todas as forças a realidade do mundo e as fraquezas dos indivíduos, todos somos devedores, todos nascemos com dívidas enormes, mas todos somos assessorados por espíritos e instrutores de alta evolução, suas inspirações são fundamentais para seguirmos nas trilhas do bem, do amor e do progresso, cabe a cada um de nós, enquanto seres humanos, nos abrirmos para sentir esta inspiração, sempre com fé, reflexão e confiança de que Deus está dentro de cada um de nós, as dificuldades existem para todos e sempre existirá, mas como nos diz um velho ditado: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”.

O livro Memórias de um suicida foi publicado pela primeira vez em 1958, Camilo Candido Botelho se suicidou em 1890, permaneceu no mundo dos espíritos mais de cinquenta anos, reencarnou no final dos anos quarenta, segundo nos foi revelado pela obra, em sua nova encarnação teria que conviver com a cegueira desde os quarenta anos, sua morte do corpo físico se daria depois dos sessenta anos, diante disso, percebemos que Camilo deveria conviver com a cegueira durante mais de vinte anos, se na vida anterior sua cegueira ocorreu depois de seus sessenta anos e seu tempo de vida com esta doença se restringiria a apenas poucos anos, nesta nova vivência no corpo físico sua doença se faria presente por mais de duas décadas, ou seja, suas dores seriam aumentadas para poder compreender que as leis de Deus são imutáveis e todos nós devemos respeitá-las, mesmo nos momentos de maior desequilíbrio e desesperança, devemos confiar que o auxílio sempre chega, exercer a paciência é sinal de sabedoria e humildade.

 

 

Avanços e retrocessos da sociedade brasileira no século XXI

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Depois de um período de forte recessão, redução dos investimentos, aumento do desemprego, queda na renda agregada e grandes dificuldades nos setores produtivos, a economia brasileira apresenta grandes dificuldades para trilhar uma taxa de crescimento econômico mais sólido e consistente, com isso, as perspectivas para o próximo ano ainda são bastante instáveis, incertezas e preocupações reinam em todos os setores.

O século XXI trouxe inúmeras novidades para a economia brasileira, depois de uma estabilização monetária marcada por graves problemas cambiais, o país inicia o século com novas perspectivas, em 2003 assume a presidência o torneiro mecânico Luís Inácio Lula da Silva, o programa defendido nas eleições do ano anterior pregava, inicialmente, o rompimento de políticas do governo anterior mas, quando as perspectivas de vitória cresceram, inúmeras medidas foram tomadas para agradar ao mercado e os setores produtivos, culminando na eleição de um partido político com um discurso de esquerda, intervencionista e fortemente centrado no forte papel do Estado na economia.

O primeiro mandato foi marcado por arrocho econômico, queda do investimento produtivo e uma política restritiva, o objetivo declarado na época era criar as condições para um salto mais sólido no crescimento econômico, isto se fazia necessário porque o governo anterior foi responsável pelo desmonte da economia e aumentado o passivo do governo, exigindo uma política de reequilíbrio dos setores econômicos, a isso o novo governo chamou de herança maldita, ganhando assim na narrativa e colocando os adeptos do governo anterior na defensiva.

Para angariar o apoio das classes economicamente mais elevadas, o governo petista implementou as políticas que vinham sendo adotadas pelo governo FHC, o chamado tripé macroeconômico: cambio flutuante, superávit primário e metas de inflação, é importante destacar que os petistas eram ferrenhos críticos destas políticas quando se encontravam na oposição, usando argumentos fortes e eleitoreiros para inviabilizá-las.

As metas de inflação eram descritas como um instrumento que dava ao Banco Central uma autonomia para levar os índices inflacionários a valores previamente acertados pelas autoridades monetárias, com isso, o governo passava a impressão ao mercado e para toda a sociedade que possuía instrumentos sólidos para controlar a inflação e orientar a sociedade.

O superávit primário foi elevado para 4,2%, levando o governo a promover um forte arrocho nos gastos com o intuito de mostrar para o mercado que suas políticas eram sustentáveis e que o país não mergulharia no caos econômico, como muitos setores do empresariado e da academia, tanto nacional como estrangeira acreditavam e divulgavam abertamente.

O câmbio flutuante seria a manutenção de uma política que já vinha sendo adotada desde 1999 e que trouxe benefícios para o setor produtivo, por esta política as variações cambiais eram aceitas enquanto as mudanças não fossem muito severas e gerasse desequilíbrios macroeconômicos, esta política é adotado desde o final do século anterior e sobreviveu a quatro governos diferentes e ideologias diversas.

Com as denúncias referentes ao chamado mensalão, o governo se vê em uma trajetória defensiva, as discussões relevantes são deixadas de lado e o país se concentra em discussões secundárias, levando a economia a andar em marcha lenta, com as eleições e posterior vitória eleitoral, o segundo governo Lula se volta para a adoção das políticas mais afeitas ao Partido dos Trabalhadores, os gastos públicos são incrementados e o Estado despeja inúmeros recursos em políticas centradas nos gastos governamentais.

Com a Crise de 2008, a chamada Crise Imobiliária ou Crise do Sub-prime, o governo implementa novas políticas públicas, desonerações de variados setores, linha branca e automobilístico, lideram as políticas de incentivo, todas objetivando o incremento dos indicadores e evitando que o país sentisse os impactos da crise originária dos Estados Unidos que afetava toda a economia mundial. Para dinamizar tais medidas, o governo Lula destaca as instituições financeiras ligadas ao governo federal para aumentar os empréstimos e financiamentos, todos com o intuito de evitar que o país entrasse em recessão.

Estas políticas intervencionistas geraram crescimento econômico e elevaram o capital político do governo, os índices de popularidade aumentavam e o país vivia um dos seus melhores momentos, crescimento da renda, inflação sob controle, empregos em alta, inclusão de grupos sociais até então marginalizados e perspectivas políticas e econômicas bastante favoráveis, todo este cenário fez com que a revista inglesa The Economist, um dos maiores berços do conservadorismo ocidentais, retratasse em sua capa uma imagem que gerou grandes aplausos para a sociedade brasileira, uma imagem do Cristo Redentor decolando, o mundo se curvava ao carisma do presidente Lula.

No ambiente político, o cenário era bastante confuso para os oposicionistas, o ambiente favorável fez com que os petistas conseguissem eleger novos nomes para cargos públicos e se fortalecerem politicamente mas, ao mesmo tempo, consolidavam uma forte dependência do presidente Lula, criando uma situação sui generis, onde o Lulismo era maior e mais consistente que o próprio petismo.

Na eleição de 2010, o petismo consegue eleger Dilma Rousseff, um nome pouco conhecido pelo público em geral, ex-ministra da Casa Civil e das Minas e Energias, seu nome bancado pelo presidente Lula derrota um dos políticos mais tradicionais destes últimos 30 anos, o tucano José Serra, que deixa o governo paulista para se candidatar e perde para a candidata do presidente, para muitos críticos, mais um poste do presidente Lula.

O novo governo herda uma economia em franco crescimento econômico, inflação sob controle, renda em ascensão, desemprego em queda, o país alcançou 7,5% de crescimento do produto interno bruto em 2010, uma marca que o país não alcançava desde os anos de crescimento do Milagre Econômico, no período 1968-1972, todos estes números eram motivos de comemoração mas, ao mesmo tempo, geravam grandes expectativas sobre a sustentabilidade deste momento de expectativas positivas.

O governo Dilma se caracterizou por políticas de desoneração fiscal, controle dos preços dos combustíveis e intervenção constante nos mercados, dentre eles destacamos as políticas adotadas no setor de energia, criando expectativas bastante negativas para o sistema econômico e produtivo, em uma delas o governo força uma queda nas taxas de juros para estimular o crescimento dos investimentos produtivos, esta política vista na época como uma forma de estimular os gastos e a geração de novos empregos, teve como consequências, graves impactos fiscais que culminaram, posteriormente, em um grave rombo fiscal para a economia brasileira, cujos impactos sentimos até os dias atuais.

Novas políticas públicas foram implementadas para aumentar os investimentos do Estado, desde o incremento nas obras até as políticas do setor educacional, que visavam uma maior capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico, dentre elas destacamos o Pronatec, o Fies e o Ciências sem Fronteiras, todas políticas que tiveram muita receptividade na sociedade, destacamos ainda os aumentos nos gastos do setor educacional, onde o governo mantém as políticas iniciadas no governo anterior de expansão das universidades federais e o incremento dos Institutos Federais, cujos impactos foram bastante positivos mas os custos fiscais aumentaram imensamente, calcula-se que, apenas em pessoal o MEC aumentou de 189.637 funcionários para 299.244, um incremento de quase 110 mil postos de trabalho.

Apesar dos fortes investimentos na área, não percebemos mudanças substanciais na educação brasileira, isto se deve a um erro estrutural dos gastos do Estado na educação, cuja grande maioria se concentra no ensino superior em detrimento dos investimentos na educação básica, apenas para ilustrar, em 2017, o gasto primário da União com educação superior somou R$ 75,4 bilhões enquanto com a educação básica, R$ 34,6 bilhões.

O governo Dilma Rousseff se caracterizou pelas falhas constantes na interlocução com o Congresso Nacional, as dificuldades da presidente de negociar com o Legislativo abriu espaço para que muitos grupos descontentes com o governo se transformasse em adversários críticos e atuantes, dentre eles destacamos aqueles liderados pelo Presidente da Câmara, o deputado carioca Eduardo Cunha que deu início ao impeachment da presidente, iniciando um período de fortes nebulosidades para o país, onde vivenciamos uma verdadeira escuridão, as discussões eram todas enviesadas, as políticas públicas ficaram, em sua maioria, paradas ou tocadas em ritmo lento, os investimentos estatais minguaram e a economia entrou em um ritmo lento, as expectativas econômicas eram negativas e os investimentos minguaram.

Os grupos se digladiavam nas ruas, de um lado os defensores da presidente Dilma, defendiam seu legado acusando os outros de golpistas, do lado contrário, víamos um crescimento nos grupos conservadores que surgiam e cresciam , ganhavam musculatura, faziam barulho e ganhavam adeptos, a reflexão crítica inexistia em ambos os grupos, o debate respeitoso não existia, os conflitos eram constantes e o reacionarismo levava a desagregação, amigos que anteriormente se respeitavam agora se antagonizam abertamente, o Brasil virou palco de fortes conflitos que, felizmente, não se transformaram em guerra civil.

Para piorar todo o cenário, o debate sobre a corrupção crescia e ganhava força, a operação Lava Jato descobria grandes conchavos entre os grupos empresariais mais poderosos e políticos inescrupulosos, as investigações perpassavam todos os partidos e grupos políticos, todos se defendiam dizendo que as sobras eram recursos não contabilizados de campanhas e não poderia ser caracterizados como corrupção, neste momento estávamos descobrindo características nossas, enquanto sociedade, que até então poucos imaginavam existir, para os otimistas um momento maravilhoso, onde a depuração levaria ao nascimento de um país melhor e de uma sociedade mais consciente agora, para os pessimistas, mais um capítulo da história suja de corrupção e degradação dos valores morais e republicanos da sociedade brasileira, depois dos anões do orçamento o mensalão, o petrolão e quanto mais viriam até o Brasil se libertar desta pilhagem?

O Impeachment leva Michel Temer ao poder, o Brasil tem outro presidente, a formação do ministério deixa claro os interesses que passam a governar a sociedade da época, Romero Jucá, Gilberto Kassab, Moreira Franco, Eliseu Padilha…. nomes próximos ao presidente assumem os ministérios e trazem para o poder suas fichas corridas, inquéritos e investigações policiais os envolvem diretamente e faz do “novo” governo um exemplo de degradação moral das mais severas, para os que se empenharam na retirada de Dilma Rousseff, a ascensão de Michel Temer representou mais do mesmo, corrupção, patrimonialismo, ineficiência e degradação da coisa pública.

Depois de dois anos do governo Michel Temer os resultados são ínfimos, de um começo bastante contraditório no campo político, algumas medidas econômicas geraram expectativas positivas, dentre elas destacamos a aprovação do Teto dos Gastos, política que definia que os gastos públicos não poderiam crescer além do crescimento do produto interno bruto do ano anterior, esta medida foi muito comemorada pelo mercado e trouxe bons dividendos para o governo, destacamos ainda as políticas criadas para reverter as desonerações do governo anterior, as discussões sobre a Reforma de Previdência, as concessões públicas e as medidas criadas para a privatização das empresas estatais, todas muito comemoradas pelos grupos empresariais que viam na ausência das privatizações como um dos grandes equívocos do governo anterior.

As medidas defendidas pelo governo Temer geraram grandes expectativas nos setores financeiro e produtivo, que viam novas oportunidades de negócio e aumento nas taxas de lucros, as privatizações deveriam ser estimuladas, o Estado não administrava da melhor forma seus ativos, o déficit público crescia e exigia medidas urgentes e emergenciais, obrigando o governo a alienação de ativos públicos para cumprir com seus compromissos, evitando calotes e renegociações de dívidas, medidas estas vistas como um forma de descumprimento dos acordos com os agentes econômicos e produtivos.

A Reforma da Previdência era vista como uma medida central e necessária, o crescimento da longevidade da população e as novas formas de trabalho que surgiam com a quarta revolução industrial, elevavam os gastos previdenciários e colocava todo o sistema em xeque, a falência do modelo anterior de distribuição era evidente e a adoção de novas políticas era uma das mais urgentes medidas de política econômica, para angariar apoio para estas medidas o governo precisava de uma forte base parlamentar, eram necessários 308 votos, uma maioria que poucos governos conseguiriam construir, ainda mais um governo que ascendeu ao poder de uma forma tão controversa, não advogo a tese de que o governo Michel Temer não seja legítimo, embora acredite que este governo carece de uma maior sustentação política e eleitoral para propor e levar a cabo estas medidas, isto porque são medidas que impactam sobre a vida de todos os trabalhadores e, por isso, carecem de uma maior discussão social e política, exigindo um governo legitimado pelas urnas e não um governo que apresenta números tão ruins de avaliação popular.

A Reforma da Previdência é um instrumento fundamental de governabilidade para o próximo presidente, somente com uma reforma equilibrada que o país conseguira reverter esta crise fiscal que tantos constrangimentos causam a sociedade brasileira agora, não teremos nenhuma mudança no campo fiscal se, nesta reforma, não forem contempladas alterações substanciais nas aposentadorias de altos servidores federais, enquanto a média de aposentados do INSS está na casa dos R$ 1,6 mil, os servidores federais apresentam valores mais de dez vezes maiores, o que inviabiliza uma sociedade cujos trabalhadores estão vivendo mais, o que é bastante positivo, e os modelos de contribuição estão sendo colocados em xeque, isto porque a solidariedade intergeracional se reduz de forma acentuada com o passar dos anos e com as transformações na estrutura do emprego, do trabalho e da empregabilidade.

Para muitos setores da sociedade, o combate a corrupção deve ser o mais urgente dos instrumentos de políticas públicas na atualidade, segundo estes setores, o país chegou a tanto desajustes nesta área que, toda e qualquer política pública séria deveria priorizar este combate, somente assim conseguiríamos melhorar a eficiência do Estado e abrir espaço para novos investimentos sociais que auxiliaram na melhoria dos indicadores sociais.

A corrupção é, dentre os problemas brasileiros, um dos mais significativos, seu combate é fundamental e deve ser uma exigência de todos os grupos sociais e até uma das formas mais importantes para que a classe política reconquiste seu espaço perante o eleitor e, principalmente, se consolide diante de uma sociedade que vê a classe política como um dos setores mais retrógrados e ineficientes do país, contribuindo para demonizar a política, o que preocupa completamente pois a política é um instrumento central dentro da sociedade democrática, embora tenhamos variados distúrbios não podemos esquecer que a não política interessa apenas aqueles que se locupletem com a demonização das práticas políticas reinantes.

Neste ambiente de letargia, a economia brasileira pouco cresce, depois de mais de 9% de queda no produto interno bruto, no período 2015/2017, a recuperação é lenta e insuficiente, os grupos mais necessitados aumentam de forma exponencial, com isso, percebemos uma piora na distribuição da renda, aumento no desemprego, degradação nas formas de trabalho, queda considerável no investimento e um crescimento da pobreza e da desigualdade social, com isso, todas as conquistas dos últimos vinte anos se perdem e passam a comprometer a sustentabilidade social do país, que vê um crescimento na violência, incremento na mortes e assassinatos e piora considerável nos indicadores relacionados à segurança pública.

Ao mesmo tempo, percebemos que alguns setores da sociedade permanecem acumulando benefícios e vantagens consideráveis, o lucro do setor bancário cresce de forma exponencial, os benefícios da classe política continuam crescendo e a riqueza gerada no sistema se concentra, cada vez mais, nas mãos dos mesmos grupos de privilegiados, com tudo isso, percebemos que o discurso de austeridade continua e deve continuar por mais algum tempo, o interessante disso tudo é que a austeridade exigida pelo sistema afeta apenas os cidadãos do andar de baixo, os de cima se locupletam com as benesses de um Estado falido e de uma sociedade marcada e dominada por corporativismos.

O governo petista foi exitoso nas políticas sociais, as condições da sociedade melhoraram e o governo se utilizou desta melhora para alavancar investimentos sociais que contribuíram para inserir os grupos e setores, historicamente, excluídos da sociedade na sociedade de consumo, esta política se esgotou, o Estado perdeu a condição de sinalizar as melhores políticas para a sociedade, a crise fiscal e os conflitos políticos fragilizaram os agentes públicos e, com isso, faz-se necessário novos elementos para a construção de um novo ciclo de desenvolvimento econômico, enquanto os recursos eram vastos e abundantes, o governo conciliava os interesses dos vários grupos econômicos e sociais, os setores financeiramente mais sólidos ganhavam e os menos dotados financeiramente também conseguiam acumular recursos, com os desajustes fiscais o governo se viu numa encruzilhada, evitando fazer escolhas mais consistentes preferiu trilhar um caminho perigos, aumentou o endividamento público e, com isso, acabou aumentando o déficit público e gerando temores de calote na dívida pública.

O governo Michel Temer herdou uma situação fiscal insustentável, como o governo anterior se esquivava de um ajuste fiscal mais sólido para evitar críticas de seus apoiadores mais ferrenhos, o impeachment serviu claramente como uma nova bandeira da esquerda para continuar sua defesa incondicional do papel central do Estado na sociedade, com isso, o ajuste se faz necessário e central, os custos deste ajuste são severos e serão sentidos por todos os grupos sociais, principalmente os setores de baixa renda, com a redução dos gastos públicos os mais pobres verão sua situação piora de forma sensível e inevitável.

O Brasil vem passando por grandes ajustes nos anos recentes, de um período de forte crescimento econômico para os padrões nacionais até uma das maiores recessões, cujos impactos afetaram a todos os grupos sociais, o país se encontra em um momento crucial, uma verdadeira encruzilhada, os desafios são imensos e exigem medidas cruciais, austeridade de um lado e investimentos em outros, é chegada a hora de uma escolha que a classe política posterga a muitas décadas, a construção de um projeto para o país e a resposta para uma pergunta que muito nos incomoda: qual o país que queremos?

Todos queremos um país desenvolvido, com serviços públicos decentes, mão de obra qualificada e novas oportunidades de progresso e ascensão social, na primeira década do século XXI passamos a acreditar que um futuro melhor estava próximo, o crescimento econômico nos trazia grandes esperanças, um futuro melhor estava sendo construído, depois da forte recessão posterior a 2014, onde a economia regrediu mais  de 9% e a população se viu mais pobre e desesperançada,  as preocupações quanto ao futuro retornam de forma cada vez mais intensa, os resultados vindouros devem ser definidos agora, reflitamos sobre nossos problemas para que possamos compreender nossas dificuldades e construir um futuro melhor, mais sólido e consistente para todos e não apenas para uma pequena parcela da população.

 

 

Memórias de um suicida

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Uma das mais importantes obras da literatura espírita, o livro Memórias de um Suicida psicografado por Yvonne do Amaral Pereira e ditado pelo espírito do grande escritor português Camilo Castelo Branco, se destaca como um dos mais importantes do século XX, uma leitura fundamental.

 

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O fim de Eddy

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Um depoimento chocante sobre as dificuldades de um jovem homossexual de uma pequena cidade francesa, vítima de bullying, humilhado e maltratado na escola e perante sua própria família, uma leitura fundamental para compreendermos um pouco das dificuldades que as minorias passam numa sociedade doente e patologicamente comprometida.

 

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Curso de Ciências Econômicas – Unirp

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Novo curso da Unirp, Ciências Econômicas, sejam todos bem vindos!!

Pós Graduação Senac

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Excelente turma do Senac de pós graduação em Controladoria e Finanças.

Jessé Souza: É preciso explicar o Brasil desde o ano zero

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Entrevista para Amanda Massuela – Revista CULT – 19 de outubro de 2017.

O sociólogo Jessé Souza, autor de ‘A elite do atraso’, lançado pela editora Leya (Divulgação)

Em A elite do atraso – Da escravidão à Lava Jato, Jessé Souza quer fazer o que, em sua opinião, nenhum intelectual da esquerda jamais fez: explicar o Brasil desde o ano zero. Isso porque se ideias antigas nos legaram o tema da corrupção como grande problema nacional – conforme defende no livro -, só mesmo novas concepções sobre o país e seu povo poderiam explicar, de uma vez por todas, que as raízes da desigualdade brasileira não estão na herança de um Estado corrupto, mas na escravidão.

Para tanto, o sociólogo confronta uma das principais obras do pensamento social brasileiro, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda – responsável por utilizar pela primeira vez a ideia de patrimonialismo para definir a política nacional. Jessé compreende que o conceito – segundo o qual o Estado brasileiro seria uma extensão do “homem cordial” que não vê distinções entre público e privado – serve para legitimar interesses econômicos de uma elite que manda no mercado, este sim a real fonte de corrupção e poder.

Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor da UFABC, Jessé Souza é autor de 27 livros, incluindo A ralé brasileira: quem é e como vive(2009), A tolice da inteligência brasileira (2015) e A radiografia do golpe (2016). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2015 e 2016, coordenou pesquisas de amplitude nacional sobre classes e desigualdade social. Em entrevista à CULT, o sociólogo critica a existência de uma interpretação dominante sobre o Brasil e aponta os motivos pelos quais a sociedade brasileira em 2017 não passa de uma continuidade da sociedade escravocrata de 500 anos atrás.

No livro você afirma que Sérgio Buarque de Holanda inaugurou uma forma de pensar o brasileiro como negatividade que se estende ao Estado, visão que teria influenciado de Raymundo Faoro a Sergio Moro. Por que essa chave de leitura tem tanta força?

Essa ideia foi montada para defender interesses econômicos. Às vezes me espanto como não se percebeu isso antes. Quando a elite paulistana perde o poder político para Vargas em 1930 – e perde para um movimento de classe média, que estava se formando no país naquela época -, ela começa a organizar um poder ideológico para condicionar o poder político a atuar conforme as suas regras. Isso foi dito, articulado, pensado. Esse pessoal já tinha fazendas de café, as grandes indústrias em São Paulo, já tinha controle sobre a produção material e aí constroem as bases para o poder simbólico – e a sociedade moderna vive desse poder simbólico. Essa elite cria a Universidade de São Paulo, que vai formar professores de outras universidades e que vai produzir conceitos importantes para que essa elite, tirando onda de que está fazendo o bem, faça efetivamente todo mundo de imbecil para que seus interesses materiais e políticos sejam preservados.

Que conceitos são esses?

São duas ideias que nos fazem de imbecis. Uma delas é a do patrimonialismo, em que há uma distorção da fonte do poder social real,  como se o Estado fosse montado para roubar, vampirizar e fazer o mal – e como se nada acontecesse no mercado. Embora seja uma instância de poder importante, no capitalismo quem comanda o poder é o mercado. Há uma tradição inteira, 99 de 100 intelectuais até hoje professam esse tipo de coisa. Sérgio Buarque inaugura [esse pensamento no Brasil], depois Raymundo Faoro dá uma profundidade histórica e Fernando Henrique Cardoso transforma isso em teoria; o programa político do PSDB é todo retirado de Raízes do Brasil. Mas também influenciou a esquerda. Sérgio Buarque foi um dos fundadores do PT, fez todo mundo de imbecil, da direita à esquerda. E como a esquerda não tem uma concepção autônoma de como a sociedade funciona, de como o Estado funciona, ela chega ao poder com um plano econômico alternativo, mais inclusivo, e acha que as pessoas por alguma mágica vão perceber que aquilo é bom pra elas. A esquerda nunca fez o que a direita e a elite fizeram.

Por que a esquerda nunca articulou uma narrativa contrária a essa?

Porque foi incapaz. Porque não foi inteligente, porque se deixou imbecilizar. Porque o tema do patrimonialismo é tratado como crítica social: “Olha, estamos descobrindo quais são as mazelas brasileiras, um gene da corrupção de 800 anos que nos toma a todos”. Isso significa que o Estado [teoricamente] vampiriza e não deixa as forças “emancipadoras” do mercado agirem – como se o mercado, em algum lugar do mundo tivesse sido emancipador por si próprio. Os países campeões do liberalismo como Inglaterra e Estados Unidos têm uma estrutura de Estado extremamente forte, foram protecionistas – e depois dizem a outros países serem o que eles mesmos nunca foram. Isso deu esse charme – o “charminho crítico”, como eu chamo – a esse tipo de ideia como o patrimonialismo, que muitas vezes a esquerda comprou.

O segundo conceito chave, também inventado na Usp, foi o populismo, que torna suspeito e criminaliza tudo aquilo que vem das classes populares – inclusive qualquer liderança associada a elas, que são também estigmatizadas e suspeitas de estarem manipulando a tolice “inata” dessas classes. Eu estudei por décadas os muito pobres e eles são muito mais inteligentes do que a classe média. Eles veem a política como o jogo dos ricos em que todo mundo rouba enquanto a classe média se deixa engambelar por esse tipo de coisa. A classe média foi montada para ser idiotizada, é uma espécie de capataz da elite entre nós.

Na história do pensamento social brasileiro nenhum intelectual chegou perto de romper com essas duas ideias, na sua opinião?

Florestan Fernandes saiu um pouco disso porque estudou dilemas e conflitos de classe; Celso Furtado foi outro genial que percebeu coisas importantes que não têm nada a ver com esses esquemas. Mas esses caras não reconstruíram a história do Brasil como um todo. Foi essa a ambição que eu tive nesse livro porque eu percebi que, para atacar esse negócio e dar nele um nocaute, é preciso fazer o que eles [a elite] fizeram: explicar o Brasil desde o ano zero. O que foi, como foi, por que somos hoje o que somos e o que isso implica para o nosso futuro. Eu tentei fazer o que esses caras não fizeram, apesar de termos tido críticos que discutiram aspectos parciais de modo extremamente importante. Mas se não reconstruirmos o todo, as lacunas do que construímos apenas parcialmente serão invadidas pela teoria dominante, daí Florestan usar o patrimonialismo e essa bobagem toda.

Esse pessoal diz que nosso berço é Portugal e que de lá vem a nossa corrupção – uma coisa que me dá raiva de tão frágil, já que corrupção é um conceito moderno que implica a noção de soberania popular que é coisa de 200 anos. O nosso berço é a escravidão, que não existia em Portugal a não ser para os muito ricos. Não era fundante, era marginal, nunca foi mais de 5%, enquanto nós fomos montados nela. Essa teoria sobre o Brasil, que se põe como científica, no fundo não vale um centavo furado. É montada a partir de ilusões do senso comum, como se a tradição cultural fosse transmitida pelo sangue. São instituições concretas que nos moldam, é a forma da família, da escola que faz com que sejamos o que somos.

No livro você comenta que um dos principais problemas do Brasil é que aqui não houve nenhum tipo de reflexão acerca da escravidão. Quais são os efeitos práticos disso na sociedade brasileira, hoje?  

Literalmente tudo. Primeiro há a naturalização da miséria e do sofrimento alheio. Todas as sociedades já foram um dia escravocratas, apenas a Europa, no Ocidente, quebrou com a herança escravista do mundo antigo. Isso significa que embora a pessoa seja socialmente inferior a você, ela não será tratada como uma coisa, mas como um ser humano. E com as lutas sociais por igualdade, são produzidos processos coletivos de aprendizado na qual a dor e o sofrimento do outro podem ser revividos em cada um. Nós, por outro lado, mantivemos essa subhumanidade. Nós não nos importamos com a dor e com o sofrimento dos pobres, as evidências empíricas são claríssimas como a luz do sol, inegáveis para qualquer pessoa de boa vontade. A polícia mata pobres indiscriminadamente – e faz isso porque a classe média e a elite aplaudem. Houve recentemente essa coisa completamente absurda e bárbara das matanças nos presídios, e a classe média aplaudiu. São provas de que temos, como sociedade, ódio aos pobres. Isso veio da escravidão, em que havia uma distinção muito clara entre quem é gente e quem não é. Por isso, não nos importamos com o tipo de escola e de hospital que essa classe vai ter, por exemplo, o que é uma enorme burrice porque estamos criando inimigos, ressentimento. A Alemanha fez um esforço extraordinário para incorporar os 17 milhões que viviam na Alemanha Oriental, tornando seu mercado mais forte, mas aqui a gente simplesmente joga no lixo esse tipo de coisa porque nunca criticamos a nossa herança escravocrata, porque acreditamos nessa baboseira de herança portuguesa da corrupção. Raymundo Faoro tratava a existência de senhores de escravos como algo banal, quando na verdade o senhor de escravo deve estar no centro [da análise], já que todas as outras instituições vão se montar a partir daí. É uma continuidade absurda de 500 anos e nós somos cegos a isso.

Como essa continuidade aparece?

A família dos muito pobres repete há 500 anos a família dos escravos e eles ainda fazem o mesmo tipo de serviço que faziam antes, são escravos domésticos. Fazem parte de famílias desestruturadas, uma vez que na escravidão não se estimulava que o escravo tivesse família porque era preciso humilhá-lo, abatê-lo. Exatamente como acontece hoje. A escravidão só prospera com o ódio ao escravo e o Brasil de hoje é marcado por uma coisa central que só um cego não vê, o ódio ao pobre. A humilhação do pobre. O PT caiu não por causa da corrupção – que pode ter existido, é bom ver as provas -, mas porque tocou no grande pecado de ter diminuído um pouquinho a distância entre as classes. A distância desses 20% para os 80% é a pedra de toque para esse acordo de classes absurdo no Brasil.

O único país que se assemelha a nós no planeta é a África do Sul. Vivemos um apartheid aqui. Governos de esquerda caem, acontecem golpes de Estado toda vez que tentam diminuir essa distância entre as classes. Com isso você constrói dois planetas dentro de um mesmo país, é isso o que temos hoje. Como a classe média não pode transformar esse seu ódio ao pobre em mensagem política – porque isso seria canalhice e temos essa influência cristã -, ela utiliza o pretexto da corrupção já dado pelos nossos intelectuais no tema do patrimonialismo. Todas as elites estudaram em todas as universidades essa mesma bobagem, todo jornal repetiu e repete em pílulas essa mesma imbecilidade, fazendo com que as pessoas internalizem isso como uma verdade absoluta.

Você afirma no livro que a crise atual do Brasil é “também e principalmente uma crise de ideias”. Partindo disso, quanto dessa crise a gente pode colocar na conta da própria esquerda, já que ela nunca se mobilizou para produzir outra interpretação do Brasil?

Ela nunca se mobilizou, isso é uma fraqueza e eu acho que temos que mudar isso. Eu decidi transformar a minha vida nisso, por exemplo. Tem que começar em algum momento. Eu tive sorte porque morei muito tempo fora do Brasil e de algum modo peguei um olhar externo. Tem um grande filósofo que diz que o que propicia o conhecimento é o fato de você conhecer aquele lugar, mas estranhá-lo, ou todas as coisas viram naturais. E se tudo é natural você não interroga, não há dúvida.

Um estudo recente do Instituto Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha mostra que, numa escala de 0 a 10, a sociedade brasileira chega num índice de 8,1 na predileção por posições autoritárias, principalmente entre jovens de 16 a 24 anos. Como interpreta esse dado?

É de fácil explicação. A partir de 1980 há um partido que nasce de baixo para cima. Nunca havia existido isso entre nós, um partido que congrega trabalhadores rurais e urbanos – eu tenho muitas críticas ao PT, mas é inegável que ele foi uma inflexão importante nessa história da escravidão. E ele passa a representar uma demanda por igualdade nessa sociedade perversamente desigual. Quando você afirma que esse partido é uma organização criminosa – usando no fundo aquela ideia do populismo, de que tudo o que vem das classes populares é estigmatizado – você está afirmando que a igualdade não é um fim, mas um mero meio, uma estratégia de assalto ao Estado. Ora, para onde vai a raiva justa dos 80% dos excluídos se ela não pode ser expressa de modo político e racional? Vai ser expressa de modo pré-político, ou seja, violência pura. A Globo e a Lava Jato criaram Jair Bolsonaro, só o cego ou o mal intencionado não vê. Esse namoro com o autoritarismo tem a ver com o ataque midiático, esse conluio entre Rede Globo e Lava Jato, e eu espero que esse pessoal pague por isso um dia.

No limite, essa chave de leitura inaugurada por Sérgio Buarque serve para justificar golpes de Estado e a Lava Jato, por exemplo?

Sim, a Lava Jato não tem nada a ver com acabar com a roubalheira. Até porque a roubalheira aumentou, isso é visível agora que temos no governo uma turma da pesada. É claro que a corrupção dos políticos existe, mas é uma gota no oceano. Esses caras são meros lacaios do mercado, os office-boy, é o que o nosso presidente é. Se você disser que o sistema inteiro é corrupto e que ele foi montado assim para que o mercado pudesse comprá-lo, aí você estaria esclarecendo alguma coisa, mas quando se diz que apenas um partido, aquele das classes populares, rouba, isso é uma mentira e um crime.

Vê saídas para essa tendência autoritária observada na sociedade brasileira?

Não tem nenhum outro modo, os seres humanos precisam ter ideias, sem ideias não dá para ir a lugar algum. É claro que isso tudo pode ficar ainda pior, a gente pode chegar a formas fascistas, mas o que a elite quer é dinheiro, se for por uma ditadura militar, se for matando gente, não tem nenhuma importância. Fato é que nesse instante de crise estamos com as vísceras à mostra e isso é uma oportunidade de vermos a podridão desse esquema que foi montado por essa elite usando e imbecilizando não só a classe média, e retirando a possibilidade de levarmos a vida de modo reflexivo. O que esse pessoal nos tirou foi a possibilidade de aprendizado da sociedade brasileira baseado na reflexão. E isso é impagável.

 

“É preciso ampliar e demonstrar, de forma clara, a relevância do tema Educação Financeira.”

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MARCELO BARBOSA, PRESIDENTE DA CVM por Ronnie Nogueira – RI

O advogado Marcelo Santos Barbosa foi nomeado em 25/08/2017, por decreto do presidente Michel Temer, para cumprir mandato de 5 anos à frente da presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tendo tomado posse em 06/09/2017, seu mandato vai até 14 de julho de 2022.

Marcelo Barbosa é bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Direito (LL.M) pela Universidade Columbia, em Nova Iorque, EUA. Sócio-fundador do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados, possui experiência relevante em operações societárias e de mercado de capitais, assessorando, desde a década de 1990, clientes em operações de private equity e fusões e aquisições.

Foi professor de Direito Comercial – Sociedades Anônimas da UERJ (2000-2001), e de Direito Societário no Programa de Educação Continuada da FGV-Rio (2007-2015). Desde 2016, também atua como professor de Casos Concretos de Direito Societário e Mercado de Capitais da FGV-Rio.

Barbosa foi presidente do Conselho Curador da Fundação Estudar e membro do Conselho Consultivo do Columbia Global Centers Latin America (Rio de Janeiro) e do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), bem como conselheiro Fiscal da Fundação Lemann. Também é autor de artigos sobre temas de Direito Societário e de Mercado de Capitais e palestrante em conferências no Brasil e no exterior.

Para realizar esta entrevista exclusiva com o “xerife” do mercado, solicitamos à destacados players do mercado – membros do Conselho Editorial da Revista RI e do Conselho do CODEMEC – Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais – que formulassem perguntas, sobre suas áreas de atuação, dirigidas ao presidente da CVM. Acompanhe a entrevista.

RONNIE NOGUEIRA: Como está evoluindo a execução do Plano Estratégico da CVM – apresentado em 2013 por seu antecessor Leonardo Pereira – que listava 15 objetivos a serem perseguidos pela autarquia até 2023? Quais desses objetivos, como as simplificações de procedimentos, estímulos aos investimentos e medidas de proteção aos aplicadores já foram colocados em prática? E, quais as iniciativas que deverão sair do papel no horizonte próximo?

Marcelo Barbosa: O Plano tem sido de grande valia para a condução das atividades da CVM, na medida em que fornece uma identificação de objetivos institucionais e permite estabelecer linhas a serem seguidas pela casa. No momento, temos seis projetos estratégicos em execução e que estão relacionados a algumas temáticas importantes: desde uma revisão do próprio Planejamento Estratégico, passando por questões como atividade sancionadora, tecnologia, capacitação, arrecadação e, mais recentemente, custo de observância no âmbito do perímetro regulatório da CVM. Além disso, 12 projetos estratégicos foram executados e concluídos e já geram resultados visíveis, tais como o aperfeiçoamento da capacidade da CVM de identificar indícios de crime de uso de informação privilegiada, a criação do Centro Educacional CVM/OCDE, o aprimoramento do regime sancionador da Autarquia, a reformulação do portal institucional como ferramenta de comunicação com a sociedade, entre outros. Projetos voltados ao público interno, como o desenvolvimento de programa de capacitação e meritocracia e reavaliações das estruturas física e organizacional também foram desenvolvidos.

Thomas Tosta de Sá: Quais são suas prioridades para o desenvolvimento do mercado de capitais – um dos mandatos da CVM – aproveitando a conjuntura de redução da inflação e da taxa de juros e a escassez de recursos do BNDES para continuar emprestando com juros subsidiados?

Marcelo Barbosa: Com taxas de juros menores, melhoram as condições para a expansão do ritmo do desenvolvimento do mercado de capitais. Temos trabalhado em frentes importantes para a consecução desse objetivo, como, por exemplo, a redução dos custos de observância e a inclusão financeira. O acesso das empresas ao mercado também precisa ser constante foco de nossa atenção, não apenas por meio do aumento do número de empresas listadas, mas, igualmente, pela expansão do mercado de dívida.

Geraldo Soares: Como a CVM pode contribuir para trazer uma gama maior de empresas ao mercado bursátil? Menor regulamentação, simplificação de processos, redução de custos, etc – que hoje representam fatores inibidores do desenvolvimento do mercado?

Marcelo Barbosa: Esta é uma pauta importante que vem sendo tratada em conjunto com vários segmentos de mercado. A discussão sobre flexibilidade nas regras pode sempre ser mantida, mas sem perder de vista os limites que são colocados pela necessidade de transparência e segurança dos diversos participantes envolvidos. Projetos de criação de mercados de acesso apresentam desafios importantes que precisam ser avaliados com cautela para que possam ser efetivos.

Mário Bandeira: Ouve-se muito falar que o quadro de funcionários da CVM está muito abaixo do que seria o ideal. Isto poderá causar transtornos no futuro? Qual a razão, e o que deve ser feito para resolver essa situação?

Marcelo Barbosa: Qualquer organização sofre com a escassez de pessoal. A Autarquia realiza um acompanhamento cuidadoso dessa questão, e temos mantido um diálogo construtivo com os Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Para termos condições de lidar com nossas diversas atribuições da forma mais eficiente possível, mantemos permanente esforço de priorização de tarefas, como em toda organização.

Roberto Teixeira da Costa: Num mundo em transformação com tecnologias disruptivas, cada vez mais percebida no que convencionamos chamar de IV Revolução Industrial, como as Comissões de Valores estão se estruturando, e particularmente a CVM?

Marcelo Barbosa: A evolução tecnológica e a crescente utilização de tecnologia em benefício do mercado de capitais são acompanhadas pela CVM, inclusive por meio de grupos de trabalho internos. Nossa atuação no estímulo à adoção de novas tecnologias capazes de aperfeiçoar o mercado é conhecida. Temos em andamento o projeto estratégico CVMTech que possui, dentre seus objetivos, avaliar e, sempre que entender relevante, sugerir iniciativas que permitam reverter, para a CVM, os benefícios das novas tecnologias financeiras. Este projeto tem sido exitoso e nos propiciou um conhecimento bastante aprofundado das possibilidades do emprego da tecnologia no desempenho de nossas funções. Participamos de foros locais e internacionais e reconhecemos que a atividade de regulação não pode ser feita de forma a desconsiderar os avanços, sob pena de perder espaço para mercados mais adaptáveis. Tudo isso, obviamente, sem comprometer o princípio fundamental da segurança do investidor.

José Luiz Osório: Um fator importante para o desenvolvimento do mercado de capitais é a presença de gestoras de investimento independentes que além de competirem com as instituições financeiras atraindo poupança pública a taxas mais competitivas, são normalmente especializadas em classes de ativos ou com filosofia de investimento diferenciada o que as faz atrair um volume maior de capital estrangeiro e tendem a ser mais ativistas auxiliando a CVM no seu trabalho de controle e regulação do mercado. Neste sentido, quais medidas a CVM está tomando para reduzir os custos de constituição e manutenção de fundos, e de conformidade das gestoras independentes?

Marcelo Barbosa: Vejo que a CVM avançou quando, em 2015, editou a Instrução 558 (que regula o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários), alteradora da Instrução 306. As regras foram atualizadas, inclusive em pontos que impactavam custos. A criação de duas categorias de registro para os administradores de carteira de valores mobiliários (“administrador fiduciário” e “gestor de recursos”) permitiu maior clareza sobre os deveres de cada participante e maior proporcionalidade entre os custos de cumprimento da norma e os efetivos benefícios aos investidores. Em linha com o que abordei em respostas anteriores, a cultura de avaliação de custos de observância regulatória, que estamos internalizando na CVM, também pode gerar benefícios a este segmento. É possível prever avanços nesse campo graças às interações que temos tido com o mercado no âmbito do projeto de redução de custos de observância, o qual tem contado com ampla participação de agentes de mercado.

Caio Mesquita: Quais as medidas que a CVM estuda para, dentro do seu mandato, desenvolver o mercado de capitais no Brasil, popularizar e democratizar os investimentos para as pessoas físicas, hoje ainda tão concentradas na poupança e produtos bancários?

Marcelo Barbosa: É preciso ampliar e demonstrar, de forma clara, a relevância do tema Educação Financeira. Em nosso país, temos cerca de 660 mil investidores em renda variável. E o Brasil tem 28 milhões de CPFs. Há pessoas que poderiam investir diretamente em Bolsa, que poderiam investir por meio de fundos de investimento. E que não investem, talvez, por falta de um pouco mais de educação financeira. Em um cenário de redução de taxas de juros, estarão dadas as condições para a migração de mais investidores para a renda variável. Mas também é interessante entender o fenômeno. Esses números modestos de participação da população no mercado de capitais no Brasil possuem raízes em questões culturais, mais que econômicas. Historicamente, o brasileiro é educado a poupar, e não a investir. Ou seja, essa dimensão seria mais bem abordada por políticas públicas de orientação e de informação. Essa é uma pauta que entendo ser relevante desenvolvermos constantemente. E, bem sucedida, tende a gerar ganhos para todos os lados. A educação do investidor começa com informação, com esclarecimento. Esclarecido, o investidor entenderá melhor os riscos e poderá tomar decisões de forma consciente.

RONNIE NOGUEIRA: Considerando que hoje no Brasil, apenas um número irrisório de pessoas físicas investem na Bolsa, como o senhor avalia a necessidade e a importância de um amplo e permanente programa de educação voltado à criação de uma verdadeira Cultura de Investimento em Ações entre investidores individuais, e como a CVM vem contribuindo para isso?

Marcelo Barbosa: Reiterando a resposta anterior, especificamente com relação ao trabalho da CVM, a Autarquia possui uma série de programas diretamente voltados à educação financeira. São ações que abarcam a temática desde a infância, como palestras direcionadas a pais e filhos, eventos e concursos que buscam fomentar a participação de adolescentes, cursos para adultos nos mais variados segmentos (servidores públicos, mulheres, idosos, etc). Além disso, a CVM preside o Comitê de Investidores de Varejo (C8) da IOSCO. O C8 tem a finalidade de conduzir o trabalho da organização em educação financeira e de investidores, assessorando o Conselho da IOSCO em temas emergentes relacionados à proteção dos investidores de varejo, além de executar projetos nessa área.

RONNIE NOGUEIRA: Como a CVM tem agido para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados? Participantes do mercado têm afirmado que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários consistem em forte empecilho ao desenvolvimento do nosso mercado de capitais…

Marcelo Barbosa: É relevante deixar claro que essa discussão não deveria se dar em torno da proteção de um tipo de investidor ou de outro, mas, sim, do equilíbrio nas relações entre os vários atores. Adicionalmente, é fundamental a CVM manter o mercado esclarecido sobre os limites das condutas permitidas. Não é à toa que se costuma dizer que a informação tempestiva, correta e completa é o melhor instrumento de proteção. Mas, além disso, é importante que haja uma percepção generalizada de que condutas irregulares serão prontamente identificadas, e que a sanção virá em prazo curto e servirá de desincentivo forte o suficiente. Temos trabalhado para, cada vez mais, refletirmos, na prática, esse objetivo.

Luiz Guilherme Dias: A CVM é percebida por muitos agentes como “xerife do mercado”. Penso que onde há “xerife” há “bandido”. Em nosso mercado existem “bandidos”, mas são poucos, em geral, apanhados quando cometem seus crimes. Não seria o caso da CVM reforçar o propósito de desenvolver o mercado, melhorando a sua comunicação aos agentes e à sociedade?

Marcelo Barbosa: A proteção do mercado de capitais se dá com regulação e supervisão eficazes e com um processo sancionador estruturado para evitar que as irregularidades passem impunes. Nosso trabalho diário é o constante desenvolvimento do segmento. E comunicar, de forma clara e transparente, é fundamental, principalmente no atual momento, em que estamos lidando com situações novas. Nos últimos anos, a CVM desenvolveu ações pontuais com o intuito de ampliar sua comunicação. A reformulação do site institucional, tornando-o mais intuitivo para o usuário, é um exemplo. Outra ação, relativamente simples, e que gerou resultado positivo, foi a disponibilização, até o dia seguinte da reunião do Colegiado da Autarquia, de um resumo das decisões tomadas. Trata-se do Informativo do Colegiado. Com isso, de maneira rápida e acessível, uma síntese das decisões fica disponível ao público, atendendo à demanda do mercado por uma comunicação ainda mais ágil. Adicionalmente, tanto os membros do Colegiado quanto representantes de áreas técnicas compreendem a relevância da representatividade e o fato de estarem próximos ao regulado e à sociedade como um todo, seja por meio de audiências públicas ou a particulares, debates, encontros com investidores, eventos e congressos do setor.

Paulo Ângelo Carvalho de Souza: A sociedade brasileira e investidores do mundo inteiro ficaram atônitos com os diversos escândalos nos últimos anos que tangenciaram o mercado de capitais brasileiro, especialmente com empresas listadas na B3, como observado, em especial, com as repercussões da Lava-Jato e da derrocada das “Empresas X”. Embora o judiciário tenha reagido, ainda com poucas decisões definitivas, muitos consideram que a CVM não agiu com o devido rigor e presteza para punir os envolvidos, principalmente face as graves omissões observadas nos Conselhos de Administração e Conselhos Fiscais. Neste sentido, porque a CVM assistiu de forma tímida a todo o desenrolar destes casos sem uma manifestação ou posicionamento a respeito? Não dispõe a CVM de legislação adequada para garantir sua atuação nesses casos de notória gravidade, sem decoro e sem respeito à seriedade e segurança dos acionistas e investidores? Não seria o caso de avaliar uma atualização na legislação para garantir a independência da CVM? Apenas citando um caso emblemático, seguirá impune a atuação nociva dos membros do Conselho de Administração da Petrobras?

Marcelo Barbosa: Não me cabe comentar casos específicos, nem muito menos fazer avaliações sobre o desempenho de qualquer área ou integrante da CVM neste ou naquele caso. O que posso afirmar é que nossa atividade sancionadora é desempenhada com bastante cuidado e atenção, desde o início de cada processo com potencial sancionador. Os relatórios de atividade sancionadora que começamos a divulgar no final do ano passado nos permitem uma visão mais completa do volume de trabalho envolvido nessa atividade. É compreensível a demanda por respostas rápidas a casos de repercussão. Mas é preciso entender que não se constrói um mercado sólido sem que esteja claro aos seus participantes que o órgão regulador e fiscalizador observa, fielmente, o devido processo em sua atividade sancionadora.

Wilson Nigri: Podemos esperar alguma ação da CVM em defesa dos acionistas da Petrobrás no Brasil, para que haja isonomia com os reparos obtidos pelos portadores de ADRs da companhia nos Estados Unidos?

Marcelo Barbosa: A Autarquia não possui mandato legal para, por exemplo, determinar a indenização, compensação ou qualquer tipo de ressarcimento às pessoas lesadas por práticas irregulares no mercado de capitais. Eventuais pedidos de indenização devem ser perquiridos junto ao Judiciário, que é o Poder competente para esse tipo de demanda. Logicamente, a CVM pode manifestar a sua opinião em juízo sob a forma de amicus curiae, o que é feito por meio de sua Procuradoria Federal Especializada – PFE oferecendo provas ou juntando pareceres que auxiliem na decisão da Justiça. De qualquer forma, tendo em vista nosso objetivo de fomentar o desenvolvimento do mercado, participamos ativamente de discussões com o propósito de rever o arcabouço legal existente de forma a avaliar possíveis aperfeiçoamentos que podem fortalecer o aparato de proteção dos investidores em valores mobiliários negociados no Brasil.

Walter Mendes: Da experiência acumulada no cargo, você entende que o escopo de atuação da CVM é adequado? Ou precisamos de novas agências para regular nichos específicos de mercado, a exemplo do que acontece no exterior. Para ilustrar, devemos ter o mesmo órgão regulando mercados abertos e fechados, visto que os desafios são tão diferentes?

Marcelo Barbosa: Diversas são as soluções encontradas em cada país para estruturar a tutela de seus mercados. Acredito que a proposta adotada no Brasil é adequada e não demandaria maiores ajustes estruturais. Evidentemente, devemos estar atentos para aperfeiçoamentos que se tornem interessantes. No entanto, acredito que hoje podemos oferecer a tutela adequada com o desenho que temos.

Carlos Augusto Junqueira: Recentemente ouviu-se dizer que a CVM quer de alguma forma abrir mão da competência para regular CEPACs, incluído aí a fiscalização e acompanhamento da Operação Consorciada da Região do Porto do Rio, isso é verdade, existe alguma decisão nesse sentido?

Marcelo Barbosa: Em linha com o que foi decidido pelo Colegiado da CVM em 2003, quando ofertados publicamente, os CEPAC são caracterizados valores mobiliários e, portanto, sujeitos à regulamentação e fiscalização da autarquia.

Eduarda La Rocque: O senhor pretende regulamentar instrumentos inovadores como Endowment Funds, Fundos Socioambientais ou títulos de impacto social?

Marcelo Barbosa: Instrumentos inovadores, desde que estejam na esfera de competência da CVM, e, claro, possam auxiliar no desenvolvimento do mercado de capitais, são bem-vindos. Os endowments, ao menos da forma como têm sido adotados em boa parte das jurisdições, são estruturados fora do mercado, embora possam atuar como investidores como quaisquer outros.

Mauro Rodrigues da Cunha: Tendo em vista casos recentes e antigos, o senhor acredita que seja necessária uma regulamentação da atividade de avaliação de empresas para efeito de OPAs e reestrutruações societárias?

Marcelo Barbosa: Não apenas com relação a avaliações de empresas para efeito de OPAs e reestruturações societárias, a prática acaba trazendo experiências que põem à prova o arcabouço existente. Idealmente, quando possível, a melhor resposta é a interpretação da regra existente. Quando essa regra começa a mostrar repetidos sinais de insuficiência, cabe a reflexão sobre a necessidade de revisão. Estamos abertos para discutir com o mercado sugestões de melhoria da regulação a respeito dos temas relevantes, mas sempre tendo em vista o princípio que expliquei.

Geraldo Soares: O presidente da SEC afirmou que governança corporativa não se faz por indexação, bem como relevantes fundos de investimentos internacionais. Qual sua avaliação da discussão atual de exclusão das empresas que tenham classes de ações com direitos desiguais?

Marcelo Barbosa: A meu ver, essa discussão tem várias componentes que precisam ser exploradas. Uma delas é o potencial desequilíbrio e a necessidade de proteção de todos os acionistas. Outra é a possibilidade de se desenhar direitos de acionistas de formas atraentes para diferentes projetos empresariais. A primeira componente deve servir como limite razoável para a segunda, mas com plena ciência de que muitas vezes a melhor proteção é a informação, o esclarecimento.

Helio Garcia Jr.: Investimento em criptomoedas é assunto constante em rodas de economistas aqui e lá fora. Importantes órgãos internacionais têm reconhecido a sua importância: a SEC já deixou claro que as mesmas leis que regulam valores mobiliários se aplicam à estas moedas e as bolsas que as negociam; Adena Friedman, CEO da Nasdaq, reconheceu ser este mercado legítimo; grandes fundos internacionais têm conseguido autorização para negociar criptomoedas; e aqui, a própria intenção da CVM de preparar um parecer de orientação aos fundos de investimento, mostra um reconhecimento institucional para as moedas virtuais. Frente a este cenário o senhor poderia antecipar, pelo menos de forma geral, o que o mercado pode esperar deste parecer? Podemos esperar controles rígidos sobre os fundos?

Marcelo Barbosa: Essa é uma temática que tem afetado os mercados em todo o mundo e a CVM não apenas tem acompanhado de perto, como já tomou medidas concretas. Nós emitimos dois avisos em 2017 e um em março desse ano descrevendo os riscos associados a investimentos em moedas virtuais e aconselhando o público a considerar, cuidadosamente, esses riscos. Tal alerta também indicou que, embora nenhuma regulamentação específica tenha sido emitida, certas atividades que envolvem tais ativos podem cair dentro do nosso escopo de supervisão e execução. Além disso, no início de 2018, por meio de Ofício Circular, emitimos orientações específicas para administradores de fundos de investimento. Essa orientação, como já foi informado, se encontra em vias de ser atualizada. O assunto continua no nosso radar e novas comunicações serão feitas sempre que necessário.

RONNIE NOGUEIRA: Para finalizar, a Lei no. 4.728/65, promulgada em 14 de julho de 1965, marcou o início da disciplina no nosso mercado de capitais. O primeiro objetivo dessa Lei foi o de facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos e valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem. Outro intuito relevante foi o de proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos e valores mobiliários. Como o senhor avalia a evolução do nosso mercado ao longo desses pouco mais de 50 anos?

Marcelo Barbosa: É inegável que o Brasil de hoje é bem diferente de 50 anos atrás. E é nítido que o mercado está se preparando e se adequando à necessidade do investidor, face à atual realidade. Estamos falando de um país que vem se reconstruindo após uma crise que gerou impactou fortes na economia. Por outro lado, os atuais juros baixos, aliados ao fato de uma expectativa de vida mais longa da população – que tende a consumir mais – geram oportunidades reais de investimento. Por isso, é preciso que tanto as oportunidades quanto os produtos do mercado se apresentem de forma clara para estes investidores. Não menos importante, no decorrer desses anos, a CVM se consolidou como regulador de conduta. Temos hoje, a nosso favor e a favor dos investidores, uma área de regulação reconhecida internacionalmente, um processo sancionador que vem se apresentando cada vez mais célere e um contato bem próximo com os mais variados agentes. Há espaço para mais ações? Sempre há. E vamos continuar trabalhando para isso…

 

A pátria educadora em colapso

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O livro relata os seis meses que o filósofo, Renato Janine Ribeiro, esteve a frente do Ministério da Educação, no segundo governo Dilma Rousseff, um momento difícil marcado por instabilidades e incertezas crescentes, um depoimento importante de um intelectual de peso no Brasil contemporâneo, uma leitura central para todos que pensam os desafios da educação brasileira.

O delator

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Depois do livro Cocaína: A Rota Caipira, Allan de Abreu, acompanhado do jornalista Carlos Petrocilo, faz uma incursão na vida de J. Hawilla, o todo poderoso dona da Trafic Marketing Esportivo, em O Delator os autores trazem grandes revelações sobre o submundo do futebol brasileiro e mundial, destacando fatos da vida e da delação de um dos maiores empresários da região de São José do Rio Preto/SP, uma leitura imprescindível.

 

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