Faltou um pouco de generosidade para o presidente Lula, diz Pedro Malan

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Ministro de FHC lança coletânea de artigos e afirma que avanços do Brasil não começaram em 2003

Flávia Lima – SÃO PAULO – 25/08/2018

Um olhar demorado sobre o governo nos últimos 15 anos de quem esteve por lá nos 15 anos anteriores. Nada escapa ao ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Avesso a entrevistas, Malan falou longamente sobre “Uma Certa Ideia de Brasil”, nome do livro que reúne artigos seus publicados no jornal O Estado de S. Paulo entre 2003 e maio de 2018.

Não se furtou a comentar certa insistência do governo Lula em tratar os avanços do país como tivessem começado em 2003. Mas falou também dos ganhos obtidos no período petista e das inúmeras vezes em que alertou, em seus artigos, sobre o perigo dos gastos excessivos.

Às vésperas das eleições, rechaça autoritarismos e salvadores da pátria e avisa: a história é um infindável diálogo entre passado e futuro. Portanto, a “memória do futuro” exige a memória do passado.

O cenário de inflação e juros baixos veio para ficar? 

O fato de termos derrotado a hiperinflação não significa que a inflação muito baixa tenha se incorporado ao DNA do Brasil. Mas a situação é muito mais favorável do que a da Argentina e da Turquia.

Temos combinação de superávits na balança comercial, déficits reduzidos em conta-corrente, reservas de US$ 380 bilhões e investimento direto que continua fluindo. O investidor chinês diz que está olhando horizonte de 25, 30 anos porque acha que o Brasil vai conseguir equacionar seus problemas. Acho que eles estão corretos. Mas há urgências.

Qual é a questão mais urgente?

Lidar com a situação fiscal, e aí há um grau razoável de busca por convergências possíveis. O Brasil é uma sociedade de massas urbana, com legítimas diferenças de opinião e conflitos de interesse.

Há duas formas de lidar com isso: uma é buscar soluções negociadas de compromissos, pois estamos em uma democracia. A outra é o regime autoritário, que, por não ter de lidar com o Congresso e o Judiciário, pode, aparentemente, ser mais eficaz no tipo de demanda que ele resolve atender. Mas não é solução sustentável ao longo do tempo. A ideia de que é possível um messianismo, um salvador da pátria, não serve para o Brasil de 2018.

Pressões por mais gastos não viriam da necessidade de inclusão de uma população gigante cuja maioria estava alijada do crescimento?

É uma legítima pressão numa sociedade democrática. Mas de 1991 a 2016, o gasto público passou de 11% para 20% do PIB, em tentativas de responder a vários tipos de demanda.
O problema é que, quando se faz isso de modo reiterado, com o gasto subindo acima do PIB, se torna insustentável. A não ser que se aumente a tributação ou o endividamento público, que é a tributação sobre gerações futuras.
A nossa sociedade tem uma visão muito cética em relação à ineficiência do governo, mas, ao mesmo tempo, continua achando que ele deve resolver todas as questões, embora não queira aumento de imposto. São escolhas difíceis.
Os países europeus que hoje têm bom padrão de vida se mataram entre as duas grandes guerras. Depois disso, conseguiram administrar esses conflitos sabendo que era do interesse de todos fazer isso por meio de negociações.

Mas nós já nos matamos. Estamos no caminho das negociações? 

Acho que não temos alternativa se não tentar. Desistir de tentar é a barbárie, na área de segurança pública, já visível. Isso tem a ver com problema de prioridades na alocação de recursos escassos.

Não temos prioridades? Achamos que tudo é prioritário. Sob algum sentido é. O Brasil que eu quero é que tenha segurança pública, saúde, educação. Mas um governo tem obrigação de dizer que recursos não são infinitos e, portanto, há escolhas difíceis. Tem uma dívida com trajetória insustentável. Vamos ter que ter uma sequência de superávits primários —a não ser que alguém queira dar um calote na dívida ou reestruturá-la—, e isso exige coisas que precisam ser iniciadas agora.

Por exemplo? A reforma da Previdência. E, no curtíssimo prazo, reduzir a alta taxa de incerteza sobre o que um futuro governo, que o povo escolherá nas urnas, fará.

O motivo da incerteza é o PT? Ele não aprendeu no governo? 

Espero que sim, mas isso tem de se expressar nos termos da campanha. Lula, sob certo sentido, está em sua oitava campanha presidencial. E continua sendo fator determinante apesar de sua situação. Uma qualidade dele: é um grande estrategista político.

Citando o escritor Ivan Lessa, o sr. diz que o Brasil se esquece a cada 15 anos dos últimos 15 anos. Lula, com quase 40% das intenções de voto, é mostra de esquecimento ou de lembrança dos últimos anos?

Pode ser as duas coisas. Tem lembranças, sim, e é óbvio que isso precisa ser reconhecido. A decisão de consolidar os programas de transferência de renda foi correta. Só faltou um pouquinho de generosidade, de reconhecimento da realidade e de não tratar como se tudo tivesse começado do zero a partir de primeiro de janeiro de 2003, o que não foi verdade. Mas o fato é que foi positivo. Mas muita pouca gente no Brasil se dá conta de quão excepcional foi o período de 2003 a 2008 para o mundo.

Mas pode variar de governo para governo o que pode ser feito com esse bônus, não? 

Parafraseando o próprio Lula numa entrevista que deu em 2009: “Nosso erro foi tentar fazer muito mais do que era possível fazer com os recursos disponíveis e, nesse processo, tivemos um enorme desperdício de recursos”.
Acho que foram desastrosas as decisões de construir ao mesmo tempo quatro refinarias no Brasil e comprar mais duas fora, de tentar construir a maior indústria naval do mundo, etc.
Enquanto os termos de troca estão subindo, é possível atuar em várias frentes, mas não é possível fazer isso para sempre. Não fui só eu, mas vários economistas diziam que a situação que vivíamos a partir de 2012 era insustentável. E, de fato, o desemprego chegou a 6% em junho de 2014 porque estava um enorme “pau na máquina”. Mas aquilo teria implicações mais à frente. O objetivo foi alcançado, mas foi uma vitória de Pirro.

No livro, o sr. cita a necessidade de sonhos e alianças. Nosso grande problema são os sonhos ou as alianças?

Lideranças que sejam capazes de fazer esforço para juntar as duas coisas. Tem um amigo que tem um livro que se chama “Você é do Tamanho dos seus Sonhos”.
Acho lindo isso, mas uma vez brinquei com ele: você deveria colocar “do tamanho de seus sonhos e do grau de esforço, gana, garra e persistência que você dedica para torná-los realidade”. Senão, parece que sonhar basta.

Parece que o sr. se ressente da falta de reconhecimento do governo Lula em relação aos avanços ocorridos antes.

Eu não me ressinto. Eu digo no livro que, para o Brasil, seria muito bom dar continuidade àquilo que estava sendo feito. A política que estava sendo feita no início [dos governos petistas] foi submetida a um crescente fogo amigo, mas foi ela que permitiu que o Brasil aproveitasse o cenário internacional favorável.
O ponto de inflexão foi lá para março, abril de 2006, quando saiu o Palocci e apareceu a história de que “gasto é vida”. Entre 2011 e 2017, enquanto o Brasil cresceu 0,5%, em média, o resto do mundo cresceu 5%.

O sr. diz que só em 1940 o PIB nominal americano voltou ao nível de 1929. E o Brasil, quando voltará ao pico de 2014? 

Não vamos recuperar o nível de renda antes de 2020 ou 2021. Não teremos súbita explosão de crescimento. Em especial porque não há um vento a favor internacional. Dependemos do investimento, do consumo, das exportações líquidas. A situação pode mudar se conseguirmos restaurar o clima dos investidores de que o Brasil caminha para resolver seus problemas.

O discurso do Temer quando assumiu foi que a volta da confiança seria rápida. Mas vieram outras coisas também. E faz diferença um presidente eleito —qualquer que seja o resultado das urnas. A escolha das pessoas é muito importante e, nessa área, o governo Temer acertou, ao compor a equipe econômica. Dizem especialistas que havia chance de aprovação da Previdência. Mas ele foi atropelado pelas gravações.

Tivemos uma geração de economistas estudando inflação. A próxima vai olhar o quê?

Implicações do desenvolvimento tecnológico sobre a demanda por trabalho e grau de qualificação de mão de obra e seus efeitos sobre distribuição de riqueza.

Se for convidado, vai voltar ao serviço público? 
Você sabe qual é minha idade? [risos].

O sr. cita o escritor Jorge Luis Borges e as memórias de futuro, algo que pode vir a ser. Qual é a sua? 

É um Brasil que tente compatibilizar a ideia de liberdades individuais, menos injustiça social e eficiência operacional do setor público e maior competitividade internacional no setor privado. Não é fácil. Muitos poucos países do mundo conseguiram isso.
RAIO-X

Pedro  Sampaio Malan, 75

Formado em engenharia pela PUC-Rio, tem doutorado em economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley; presidiu o BC e foi ministro da Fazenda entre 1993 e 2002;
preside o conselho consultivo internacional do Itaú

 

 

Era dos robôs está chegando e vai eliminar milhões de empregos

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Mercado de trabalho nunca mais será o mesmo com indústria 4.0, escreve professor de economia da USP

Paulo Feldmann – Folha de São Paulo, 29/07/2018

Professor de economia chama a atenção para os avanços tecnológicos que alteram de modo radical as perspectivas do mercado de trabalho. Empregos serão extintos em diversos setores, em um processo que afeta todas as classes.

Em breve um robô vai lhe entregar a pizza de domingo. Talvez seu condomínio não exija que você desça até a portaria para apanhá-la, pois não vão suspeitar que possa ser um assalto. Na Alemanha, esse serviço já está funcionando —e a pizzaria é uma rede que atua no Brasil.

Mas isso é pouco: logo essa pizza será resultado de um processo totalmente automatizado. Se você acha que esse cenário pertence à ficção, ou que vai demorar muitos anos até ele se tornar realidade, pesquise sobre a americana Zume Pizza. Situada no Vale do Silício, a casa entrega comida feita por robôs. E o pior é que os consumidores da Califórnia têm adorado a novidade.

Pior por quê? Porque é enorme a quantidade de empregos que será eliminada. Alguns poderão afirmar que esses postos de trabalho demandam baixa qualificação e que o importante é aumentar a produtividade ——no caso, a das pizzarias.

O argumento perde metade de sua força quando se sabe que, na mesma Califórnia da pizza robotizada, quem se envolve em problemas de trânsito não depende mais de advogados para apresentar recursos. Um dos maiores fabricantes de computadores criou um robô, baseado em inteligência artificial, capaz de elaborar petições para quem quiser recorrer de uma multa, por exemplo. O interessado não precisa dar um único telefonema, nem para o despachante, nem para o defensor.

Exemplos como esses se reproduzem em todos os setores da economia mundial. Eles ilustram um processo novo e muito importante: as empresas se automatizam cada vez mais, com softwares poderosos e inteligência artificial, de tal modo que se expandem empregando número muito menor de trabalhadores.

É o que os americanos chamam de “jobless growth”, crescimento sem empregos. Há muitos anos se previa que isso poderia acontecer —e agora a previsão virou realidade. Diante desse cenário, como a humanidade vai reagir?

Rebeliões contra a mecanização ou a automação dos processos produtivos não são inéditas. Quando o arado passou a ser utilizado na agricultura e muitos trabalhadores perderam seus empregos, foi grande a oposição ao novo instrumento. Na Inglaterra do século 19, os ludistas destruíam os teares em sua revolta contra a substituição da mão de obra humana pelas máquinas. Nos Estados Unidos do século 20, Henry Ford foi considerado um grande inimigo dos manobristas de charretes.

A tecnologia, contudo, sempre venceu. Por um lado, pois aumentava a produtividade da economia como um todo; por outro, e não se pode ignorar este fator, porque só afetava empregos de baixa qualificação.

Aí está a diferença desta vez: agora os empregos de alta qualificação também são afetados —e muito. O mesmo robô que faz as vezes de advogado consegue ler mil tomografias por hora; os médicos que avaliaram seus diagnósticos e resultados concluíram que estavam certos em 99% das ocasiões. Ou seja, uma das profissões mais valorizadas e intelectualizadas hoje em dia está sob ameaça. Em suma, a classe média está saindo do paraíso.

Wolfgang Streeck entra fundo nesse tema em seu livro “How Will Capitalism End?” (como o capitalismo vai terminar?), editado pela Verso e lançado em 2016. Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.

Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.

Assim como foi chamado de mecanização o processo de substituição da mão de obra menos qualificada por máquinas, que se desenrolou no final do século 19 e durante praticamente todo o século 20, Streeck cunhou o termo “eletronização” para denominar essa nova fase, na qual computadores e robôs passam a ser dotados de competência para criar e desenvolver tarefas cognitivas simplificadas, além de tomar algumas decisões. No século 21, a eletronização deve afetar a maior parte das atividades profissionais.

A maior parte, mas não todas. Ao que tudo indica, algumas profissões nos extremos estão a salvo.

Estudos mostram que pessoas em funções no topo da pirâmide, que em geral demandam criatividade e capacidade de solucionar problemas, não têm o que temer. As máquinas ainda não conseguem desempenhar tais tarefas com a mesma eficácia. Estão nessa categoria certos ramos da engenharia e das ciências, por exemplo.

Algo semelhante se passa na outra ponta. Trabalhadores manuais sem qualificação nenhuma, como faxineiros ou pedreiros, tampouco serão afetados —não porque a tecnologia não os tenha alcançado, mas por não valer a pena economicamente.

Entre os extremos, as funções mais sujeitas a serem eliminadas são as que exigem repetição. Importa pouco que seja uma atividade fabril ou de serviços, que envolva operários ou profissionais liberais. A questão é: quanto mais rotineira for uma profissão, maior a chance de ela desaparecer —mesmo que demande algum brilho cognitivo.

Um dos livros mais importantes sobre o tema é “Rise of The Robots: Technology and Threat of a Jobless Future” (ascensão dos robôs: tecnologia e a ameaça de um futuro sem emprego), de 2015. Seu autor, Martin Ford, também sustenta que há uma grande diferença entre o que aconteceu no passado e o que vai acontecer agora.

Antigamente, diz Ford, quando um setor se modernizava e com isso eliminava empregos, restava ao trabalhador se mudar para outra atividade econômica. Hoje, contudo, esse caminho não é uma opção sempre válida, pois inúmeros setores estão se modernizando ao mesmo tempo. Ou seja, trata-se agora de fugir das atividades rotineiras e repetitivas e procurar abrigo naquelas que exijam habilidades (ainda) não dominadas pelos robôs.

Questões tributárias e regulatórias podem retardar a utilização desses equipamentos no Brasil, mas nem por isso os brasileiros deveriam estar menos preocupados. Na medida em que o avanço tecnológico e os ganhos de escala tornarem a produção de robôs mais barata, multinacionais tenderão a repensar suas estratégias. Se hoje companhias dos países mais desenvolvidos instalam-se em nações menos avançadas a fim de aproveitar a mão de obra barata, talvez em breve elas considerem mais vantajoso manter uma fábrica quase 100% automatizada em território americano ou europeu.

Muita gente acha que as empresas norte-americanas que operavam na Ásia e no México estão voltando aos Estados Unidos por causa dos pedidos de Donald Trump. Ledo engano. A nova tendência corporativa, que já vem sendo adotada por muitas multinacionais, beneficia-se dos avanços tecnológicos, aqui incluído também outro equipamento revolucionário —as chamadas impressoras 3D, ou impressoras aditivas. Com elas, tornou-se possível fabricar peças e componentes nos próprios locais onde eles são necessários.

Ou seja, um dos princípios básicos da globalização —o uso de cadeias de valores espalhadas pelo mundo— pode estar em xeque. Montadores de automóveis, por exemplo, recorrem à dispersão geográfica da produção, fabricando cada parte ou peça dos veículos na região ou país que ofereça as maiores vantagens competitivas. Isso deixará de existir. Graças às impressoras 3D, esses componentes poderão ser feitos onde se situa a matriz da empresa.

Não surpreende, assim, que toda essa parafernália tecnológica venha sendo chamada por muitos de indústria 4.0, ou que a renovação que ela possibilita seja classificada como a quarta Revolução Industrial. Robôs, inteligência artificial e impressoras 3D são apenas uma parte desse fenômeno, que inclui ainda a internet das coisas (IoT), a computação na nuvem, a nanotecnologia etc.

Todos esses avanços destinam-se a aumentar a produtividade das fábricas; nenhum leva em conta a possibilidade de preservar empregos.

Economistas têm procurado calcular o tamanho do impacto da revolução em curso. Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos e ex-presidente da Universidade Harvard, chama a atenção para uma grande diferença entre a automatização de agora e aquela promovida nos anos 1960 e 1970 (ele fez uma síntese interessante num painel de 2015, “The future of work”, o futuro do trabalho).

Naquelas décadas, a intensa modernização da maioria dos setores afetou 5% dos empregos. Desta vez, segundo cálculos de Summers, as novas tecnologias sacrificarão algo entre 15% e 20% dos postos de trabalho.

São estimavas modestas se comparadas com as dos economistas Michael Osborne e Carl Frey, ambos da Universidade Oxford, no Reino Unido. Em um célebre estudo de 2013, eles afirmaram que, até 2030, cerca de 45% dos empregos americanos poderão ser eliminados (“The future of employment: How susceptible are jobs to computerisation?”, o futuro do emprego: quão suscetíveis à informatização são os empregos?).

Uma das variáveis dessa equação é o espantoso barateamento dos preços de robôs, softwares de inteligência artificial e outros equipamentos de alta tecnologia. Há dez anos, muitos desses dispositivos eram impensáveis para companhias médias ou mesmo grandes; hoje, até pequenas empresas conseguem comprá-los.

Outra variável é a frustração das expectativas quanto à substituição dos empregos. Imaginava-se que a sociedade pós-industrial geraria ocupações em novos setores, sobretudo ligados à área de serviços, para absorver os trabalhadores deslocados da indústria. Essa perspectiva foi descartada; os equipamentos de ponta são mais utilizados justamente no setor de serviços, onde mais se estão eliminando funções.

Ao mesmo tempo, as ocupações criadas como decorrência dessas tecnologias são em quantidade diminuta. Estudo de 2017 feito no Canadá mostra que, na hipótese mais otimista, os novos empregos não chegam a 4% do total de postos de trabalho existentes naquele país (“Future Shock? – The Impact of Automation on Canada’s Labour Market”, choque futuro – o impacto da automação no mercado de trabalho do Canadá, de Matthias Oschinski e Rosalie Wyonch).

Sem contar que é praticamente impossível prever hoje quais empregos vão surgir nos próximos 40 anos. Para exemplificar, Joel Mokyr, um renomado professor de história da economia na Universidade Northwestern (EUA), afirmou em entrevista à revista The Economist que há 40 anos ninguém teria adivinhado que profissões como projetista de videogame ou especialista em cybersegurança seriam importantes.

Mas uma coisa é certa: é muito pequena a probabilidade de que surjam novas atividades e profissões nas quais a presença de seres humanos seja imprescindível. Robôs e equipamentos de automação mostram-se cada vez mais sofisticados, aptos a desempenhar mais e mais funções. Ou seja, não se deve apostar que a criação de postos de trabalho não previstos poderá resolver o problema do desemprego.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem 194 milhões de pessoas desempregadas no mundo, quase um Brasil inteiro. O que poderá acontecer com as taxas de desemprego nos próximos anos? Como a tendência implicada pela automação é certa e irreversível, a geração de empregos vai cair. Não se sabe para qual patamar, mas será uma situação dramática —e a sociedade precisa agir.

A situação embute um paradoxo. Por um lado, a solução deveria envolver as grandes empresas, principalmente as que mais estão se beneficiando das novas tecnologias. Assim como questões de ética concorrencial e proteção do meio ambiente, a preservação de postos de trabalho precisa entrar na pauta da responsabilidade social corporativa. Além disso, se, por hipótese, todas as companhias dispensarem seus empregados ou a maior parte deles, não haverá mercado consumidor.

Por outro, essas companhias não podem abrir mão da automação; ganhar produtividade é crucial para quem quer se manter vivo num mercado competitivo. Como consequência, investem em robôs, inteligência artificial, drones etc., contribuindo para o desemprego.

Uma das maiores dificuldades está na própria teoria econômica, que ainda não avançou o suficiente para perceber que nem sempre o mercado resolve tudo: se deixarmos para o mercado, vamos assistir ao crescimento cada vez maior das empresas gigantes, o que significará menos emprego e menos consumidores.

Por que as empresas gigantes? Porque só vence uma competição acirradíssima quem tem capacidade de fazer investimentos em robôs cada vez mais poderosos. Com isso, as já muito grandes se tornam ainda mais produtivas e acabam adquirindo ou eliminando concorrentes menores, num processo de oligopolização em curso nos mais diversos setores, mas sobretudo onde há maior demanda por tecnologia de ponta.

O problema vem sendo pensado e discutido à exaustão em alguns países, com destaque para Alemanha, França e Itália. A recomendação mais importante é a de que haja redução na jornada de trabalho. Na França e na Itália, a jornada semanal já é de 34 horas, contra 40 no Brasil.

Embora a medida tenha sido bem-sucedida no início, ainda nas décadas de 1980 e 1990, após alguns anos se percebe que ela só será efetiva se for adotada por todos países. É que, com as facilidades da globalização —e com as novas possibilidades oferecidas pelas tecnologias de ponta—, as empresas que querem aumentar sua produtividade simplesmente evitam lugares onde a jornada de trabalhado tenha sido reduzida.

De qualquer forma, a própria OIT prioriza essa iniciativa, e a frase “trabalhar menos para que todos trabalhem” virou um lema muito utilizado na Europa.

Outra medida bastante polêmica vem sendo alardeada por sindicatos britânicos: eles defendem uma atuação conjunta de governos, empresários e organizações de trabalhadores para estabelecer um imposto sobre ganhos de produtividade decorrentes do uso de robôs ou outras tecnologias de automação.

A alíquota do tributo seria diferenciada por segmentos da economia. Assim, sobre o setor bancário, incidiria uma taxa maior do que sobre a construção civil, pois neste último os impactos da automação são menores. Esses impostos, além disso, teriam destinação específica, qual seja, a criação de empregos públicos nas áreas de educação e saúde.

Como sempre, os países mais avançados nessa discussão são os escandinavos. Por lá, predomina a ideia de introduzir um programa de renda mínima nacional. Todo cidadão receberia um valor mensal que lhe garantiria a subsistência, independentemente de ele estar ou não trabalhando. O pressuposto por traz desse tipo de ação é que o desemprego vai crescer de forma assustadora nos próximos anos e toda a sociedade precisa estar protegida.

Nesse debate, há ainda a considerar as questões filosóficas suscitadas pelas novas tecnologias. Computadores e robôs sabem ler textos e fazer cálculos há bastante tempo, mas só recentemente passaram a enxergar, ouvir e falar. Devido ao avanço da inteligência artificial, também passaram a ter… inteligência. A humanidade deveria se preocupar com esse fato, na linha do que sugerem filmes como “O Exterminador do Futuro” e “Matrix”?

Existem diversos grupos de cientistas, futurólogos e filósofos que especulam cenários apocalípticos. Vernor Vinge é um deles. Respeitado professor de matemática e computação da Universidade de San Diego na Califórnia, escreveu livros de ficção sobre a era em que os computadores e robôs serão equivalentes aos seres humanos —como “The Children of The Sky” (as crianças do céu) e “Rainbows End” (o fim do arco-íris). Para ele, isso deve começar a acontecer em menos de 15 anos e será a maior mudança no planeta após o surgimento da vida humana.

O recém-falecido cientista Stephen Hawking era um dos estudiosos da inteligência artificial que mais se preocupavam com as consequências negativas dessa tecnologia. Ele chegou a antever o fim da raça humana como decorrência do poder incontrolável que as máquinas passarão a deter.

A mesma posição vem sendo manifestada pelo visionário Elon Musk, fundador da Tesla (uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo) e da SpaceX, empresa que pretende pôr um homem em Marte nos próximos dez anos. Musk defende a criação de uma espécie de órgão regulador com a função de prevenir situações futuras em que equipamentos dotados de inteligência artificial poderiam ameaçar a sobrevivência de humanos.

Quanto a isso, assim como em relação à ameaça do crescimento sem empregos, a situação também termina em paradoxo. Uma empresa ou um país que resolver frear o desenvolvimento tecnológico para evitar uma catástrofe —tanto quanto para evitar a extinção de postos de trabalho— acabará perdendo competitividade nacional e internacional.

Como consequência, essa empresa ou esse país se verá às voltas com o desemprego (fruto da diminuição da fatia de mercado decorrente da menor competitividade) e não terá interrompido a escalada tecnológica de outras empresas ou outros países.

Apesar de todos estes aspectos assustadores, o que há de pior para um país é não discutir o assunto. E é justamente isso o que acontece no Brasil, mesmo neste ano eleitoral.

Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP,

Professor visitante da Pécs University (Hungria) e autor do livro “Robô: Ruim com ele, pior sem ele”.

Obsessão espiritual e desajustes emocionais na sociedade contemporânea

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A sociedade contemporânea nos impõe inúmeros desafios e oportunidades, dentre eles destacamos a influência de espíritos descritos popularmente como obsessores que, buscam constantemente, desviar as pessoas de sua vida normal, gerando constrangimentos variados e desestruturando sua caminhada, seus projetos, seus comportamentos, seus hábitos e costumes do cotidiano.

Todos estamos sujeitos a algum tipo de influência destes irmãos sofredores, uns os atraem com mais facilidades enquanto outros conseguem se estruturar e dificultam a chegada destes espíritos mas, no cotidiano, todos estamos em condições destes ataques feitos por irmãos que, por um ou por outro motivo, querem nos causar graves distúrbios ou constrangimentos, sendo que a influência de alguns pode levar o indivíduo a cometer crimes dos mais terríveis possível, alguns chegam ao suicídio, que se intensificam com grande rapidez na sociedade.

Muitas são as causas destes desequilíbrios em uma sociedade em forte transformação, a competição crescente em todas as regiões do mundo, a busca por emprego e colocação profissional além de capacitações e qualificações constantes acabam gerando, nas pessoas, vários eixos de desajustes emocionais, além disso, podemos citar as decepções amorosas e os relacionamentos frustrados que destroem sentimentos e levam pessoas as depressões e crises emocionais, com graves constrangimentos na vida material e no mundo espiritual.

Gostaria de destacar, que temos três tipos de obsessão segundo a lógica espírita: as de encarnados para encarnados, as de desencarnados para desencarnados e as de encarnados para desencarnados, todas elas geram graves constrangimentos aos atores envolvidos neste processo, acumulando traumas, dores e desequilíbrios generalizados, neste artigo vamos enfatizar a última, a de encarnados para desencarnados ou vice versa.

Outro ponto que devemos destacar é que, segundo a Doutrina dos Espíritos, no Livro dos Médiuns (capítulo XXIII) podemos dividir os processos obsessivos em: obsessão simples, fascinação, subjugação e possessão. Na obsessão simples, o obsediado tem consciência da interferência de um espírito enganador, e este, por sua vez, não se disfarça, não esconde suas intenções e desejos. Na fascinação, as consequências são mais graves, é uma influência, sutil e pertinaz, traiçoeira e quase imperceptível, que Espíritos vingativos exercem sobre os indivíduos.  A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, controlando a vontade e o levando a tomar decisões absurdas e comprometedoras.  A última delas é a possessão, nela acontece a imantação do espírito a determinada pessoa, dominando-a física ou moralmente.

Vivemos em uma sociedade doente, todas as estruturas estão degradadas e em fortes transformações, as pessoas vivem correndo atrás de trabalhos e ocupações no cotidiano, se matam para ganhar mais dinheiro e melhorar sua posição social, nesta luta constante do cotidiano acabam destruindo sua saúde física e precisam gastar tudo que conquistaram para reencontrar com a saúde, além disso, esta correria acaba gerando fortes desequilíbrios emocionais, segundo estudiosos temos hoje, na sociedade contemporânea, mais de 350 milhões de pessoas sofrendo com as dores da depressão, o número pode ser maior e mais perigoso, destacamos ainda o incremento assustador dos suicídios, morrem hoje no mundo uma pessoa a cada 40 segundos vitimadas pelo suicídio, gerando desajustes, preocupações e desesperanças generalizadas, o mundo sofre de problemas patológicos terríveis, são as contradições do capitalismo contemporâneo, de um lado as riquezas crescem de forma acelerada e de outra, a pobreza, a miséria e a indigência aumentam de uma forma jamais vista na sociedade.

Uma das marcas da Doutrina Espírita é o estudo sistemático da obsessão, que pode ser descrita como um processo em que uma pessoa influencia outra, muitas vezes levando-o a fazer coisas que, muitas vezes, não faria se estivesse em condições normais. O estudo nos leva a compreender muitos dos motivos que levam pessoas a tentar prejudicar outros indivíduos via obsessão, neste terreno encontramos espíritos que se refugiam na imaterialidade para prejudicar seus inimigos ou adversários, usando métodos reprováveis para causar constrangimentos aos encarnados, atrapalhando, gerando discórdia, violência e  desagregação.

Destacamos ainda, espíritos que, no mundo espiritual, são destacados para obsediar pessoas que nunca viram, são espíritos infelizes que “ganham a vida” destruindo outros que nem conhecem, fazem isto em troca de ganhos imateriais e para desfrutar de prazeres sensoriais, gerando uma leva de pessoas que se prestam a este tipo de serviço em troca de benesses e prazeres imaginários.

A Doutrina Espírita nos mostra que estes irmãos que se comprazem com a obsessão devem ser descritos como irmãos necessitados, precisam de auxílio, de esclarecimento, gastam seu tempo com atividades desnecessárias e sentem prazer com gestos ou atitudes depreciativas, para auxiliá-los fazem-se necessário um misto de oração, conversa e conscientização.

Nas reuniões mediúnicas temos a oportunidade de conversar com estes irmãos, descobrir os motivos que os levam a tomar esta atitude insana, entender sua história, seus sentimentos e desejos, nesta conversa conseguimos mostrar a estes irmãos como a vingança, o ódio e o ressentimento desgastam os relacionamentos e geram vínculos cada vez maiores entre obsessor e obsidiado.

Muitas das conversas são marcadas por palavras rudes e agressivas, estes irmãos percebem suas dificuldades e limitações e passam a atacar verbalmente, blasfemar e ameaçar, criando sérios constrangimentos para todos os integrantes da conversação, tentam mostrar que são poderosos, mas se esquecem que o poder emana de Deus, somente ele pode nos proteger e nos dar o auxílio, todos que trabalham para Jesus e se comportam a contento recebem a proteção dos trabalhadores da seara do bem.

Encontramos nestas reuniões irmãos sofredores que, muitas vezes, querem deixar este mundo de vinganças e ressentimentos, são espíritos infelizes que querem largar os trabalhos de obsessão mas não sabem como devem se comportar, tem medo de seus algozes, sentem-se inseguros e, com isso, continuam a obsediar e aumentam sua dependência, criando uma dependência daqueles que os pagam para fazer o trabalho sujo, mal sabem eles que num determinado momento serão obrigados a responder por isso pois as leis são inexoráveis e implacáveis.

A Doutrina Espírita nos mostra que, durante muitos anos, uma grande quantidade de pessoas sofreram traumas e sofrimentos generalizados, muitos foram internados em manicômio, foram torturados, sofreram até sessões de choques elétricos que acabaram gerando os mais intensos constrangimentos físicos e espirituais, o conhecimento das questões espirituais nos descortina um novo mundo e uma nova sociedade, abrindo espaços para novos estudos, desafios e oportunidades.

Os trabalhos mediúnicos são instrumentos centrais e fundamentais para diminuir os desajustes criados pelos irmãos obsessores, este encontro nos ajuda a conversar com estes irmãos que são trazidos para as reuniões pelos amigos espirituais, que se desdobram para nos auxiliar e nos proteger dos ataques e embates com os irmãos obsessores, a diminuição deste espaço gera graves constrangimentos para a comunidade, pois os obsessores conseguem gerar desequilíbrios constantes em várias famílias, levando pessoas variadas ao suicídio ou ao manicômio, passando por humilhações imensas além de serem “tratados” como loucos e desequilibrados.

Outro ponto a se destacar é que, em séculos passados, muitos eram os relatos de pessoas que viviam em sítios e fazendas no meio rural, que viam imagens esquisitas, vultos e espíritos, além de ouvirem vozes e chamamentos estranhos, gerando medos e intensas preocupações, eram espíritos querendo se comunicar, muitos deles assustados com os fenômenos que sentiam e buscavam explicações de encarnados, o surgimento dos Centros Espíritas contribuiu para que estes irmãos desencarnados buscassem o apoio necessário nas reuniões mediúnicas, sendo esclarecidos e conscientizados de sua condição no mundo espiritual.

Os irmãos obsessores são mestres nos trabalhos de perseguição, atuam com tanta competência que se aproximam das pessoas que querem obsediar, estudam os comportamentos, os hábitos e os costumes destas pessoas, tudo com o intuito de descobrir os pontos de desequilíbrios e fragilidades, tanto os morais como os emocionais, diante disso, atuam para desequilibrar e muitos deles até se esforçam para levá-los à morte, depois disso, os tornam escravos, humilhando-os, maltratando-os e os agredindo constantemente.

Todos temos momentos de desequilíbrios no cotidiano, histórias de vida com complicações, mágoas e rancores em relacionamentos anteriores, traumas e complexos variados, medos e ressentimentos, diante disso, faz-se fundamental um reequilíbrio constante de atitudes e comportamentos, o estudo crítico e reflexivo de nossos desequilíbrios emocionais e espirituais, e uma busca intensa por melhorias significativas nos ajudam a criar uma proteção contra os ataques de espíritos infelizes, ou melhor, de espíritos que no momento se comprazem com a maldade, com o desajuste e com os prazeres materiais do cotidiano, mas que num futuro se conscientizaram de suas atitudes e vão se estruturar para angariar melhorias espirituais significativas.

É importante destacar ainda, que os obsessores só atuam porque conseguem espaço para atuação, se as pessoas conseguissem compreender suas dificuldades e suas dores mais íntimas e lutassem intensamente para reverter tais dificuldades, não abririam campo de atuação para os obsessores, somos totalmente ativos no momento da obsessão, não existem vítimas nesta história, somos todos culpados pelas dificuldades que vivenciamos no dia a dia, nossas atitudes geram a atração ou a repulsa destes irmãos obsessores, vigilância constante e transformação interior são os instrumentos mais efetivos de defesa e proteção contra a atuação destes irmãos.

As casas espíritas na maioria das vezes pouco se dedicam aos trabalhos mediúnicos, a maioria das casas se dedicam aos estudos, aos passes e as palestras públicas, os médiuns de incorporação, muitas vezes, relutam em trabalhar em sessões mediúnicas, alegando que muitos espíritos causam severos constrangimentos no momento da comunicação, escolhem o púlpito e as palestras, os estudos e os passes e se esquecem de atuar mais diretamente na mediunidade ostensiva, nas comunicações diretas e nas conversações do cotidiano com estes irmãos sofredores.

Outro ponto a se destacar é que o Espiritismo é reencarnacionista, estamos em constantes mudanças de planos espirituais, um momento estamos encarnados e no outro estamos vinculados ao mundo espiritual, desta forma podemos compreender que o auxílio é fundamental, hoje estamos auxiliando nossos irmãos desencarnados e depois seremos atendidos e auxiliados por outros irmãos em condições melhores, o intercâmbio é fundamental, a troca de experiência é rica e enriquece a vida de todos, a reencarnação nos mostra que todos estamos em constante evolução, o auxílio mútuo é uma lei verdadeira e universal.

Quando a Doutrina Espírita nos informa que devemos manter uma vida de responsabilidade e respeito para com todas as pessoas e semelhantes, enfatizando que devemos evitar mágoas, rancores e constrangimentos no cotidiano, e que o melhor a fazer é nos confraternizar com todos, indistintamente, não acumular mágoas, não criar constrangimentos e perseguições futuras, pois sabemos que o mundo não termina neste mundo físico, e que nos reencontraremos muito brevemente.

A obsessão é um fenômeno complexo e extremamente atual, todos somos vítimas potenciais deste flagelo que destrói os indivíduos, as famílias e geram desequilíbrios intensos e generalizados, a grande maioria das pessoas desconhece a existência da vida após a morte, muitos acreditam que a morte nos levará a uma condição de sono eterno aguardando o juízo final, desconhecem a existência do mundo espiritual e das verdadeiras leis que embalam o mundo, estas leis são perfeitas e estamos todos vinculados a elas,  fugir delas é impossível, estudá-las e compreendê-las é tarefa fundamental para cada pessoa que, quando desencarnar, não gostaria de ter nenhuma surpresa assustadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As várias encruzilhadas de uma sociedade em constantes transformações

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Nossos últimos anos foram de grande apreensão, medos e escândalos políticos, com seus impactos econômicos gerando uma sociedade apática, assustada e, cada vez mais descontentes, com os rumos que o país está tomando e as perspectivas para os próximos anos, enquanto a sociedade mundial se prepara para mais uma crise econômica e financeira com resultados preocupantes e assustadores para os países da periferia, o Brasil ainda se encontra num turbilhão de mediocridade que nos gera uma desesperança intensa e contagiante.

Neste momento de campanha eleitorais, encontramos candidatos cheios de “boas intenções” fazendo discursos acalorados e sendo cortejados por variados setores da sociedade, desde industriais passando por sindicatos, encontramos inúmeros militares querendo comandar os rumos políticos do país, ambientalistas temerosos de uma crise ecológica, empresários descritos como esclarecidos, sindicalistas assustados com as mudanças no mundo do trabalho, intelectuais gastando seus recursos para tentar compreender para onde o país está se dirigindo e quais as perspectivas para os próximos anos.

O país vive um momento de grandes medos, as eleições se aproximam e todos sabemos da importância do voto embora, uma parcela relevante da população preferisse abrir mão de votar, pois acredita que seu voto não vai alterar nada nas condições de um país que vive mergulhado em uma situação econômica letárgica, onde as classes mais favorecidas lucram valores absurdos com a exploração da dívida pública e os mais pobres vegetam na indigência, na mendicância e na obscuridade, uma situação próxima do caos generalizado.

Os grupos empresariais, cansados de financiar a classe politica optam por uma nova estratégia e se embrenham de cara na eleição como candidatos a cargos públicos, os setores mais tradicionais da classe política se voltam para conseguir sua reeleição, continuando como representantes dos grupos sociais que sempre  representaram e ampliando suas bases de poder em suas comunidades, enquanto isso, as camadas mais pobres se voltam para seus problemas cotidianos, tais com: trabalho, contas, estudos, violências, instabilidades, medos e religião.

Vivemos uma fase de apreensão com a modernidade contemporânea, os modelos de família tradicional estão sendo destruídos e os indivíduos se assustam com a nova configuração nascente, em vez do modelo anterior encontramos variadas formas de família, com seus desafios, oportunidades e novas configurações, as mulheres ganhando mais importância e se empoderando e os homens diminuindo sua importância, perdendo status quo e centralidade, as famílias patriarcais perdem espaço para um novo modelo, mais democrático, dinâmico e condizente com a situação atual do mundo.

Diante destes desafios, esperamos a construção de uma sociedade mais aberta e dinâmica, onde os desajustes se reduzam e as oportunidades entre os indivíduos aumentem, abrindo novas chances para todos aqueles que almejarem novas carreiras e são dotados de grandes talentos como atores, dançarinos, escritores e atletas, além de novas oportunidades para todos aqueles que sonham com as carreiras tradicionais, como médicos, professores, advogados, economistas, engenheiros, agrônomos e administradores.

A educação deve acompanhar esta mudança, o mundo da tecnologia prescinde de pessoas que entendam de máquinas, equipamentos e novas tecnologias mas precisam ainda de homens e mulheres que saibam dominar os conhecimentos mais íntimos que trazemos dentro de nossa intimidade, se nos dedicarmos apenas ao mundo digital vamos, cada vez mais, nos tornarmos seres frios, calculistas, dotados de grandes conhecimentos em algoritmos, de cálculos e finanças e vamos nos perder nos sentimentos, na ansiedade, nos medos, na obesidade, na depressão e na desesperança generalizada.

A sociedade moderna precisa construir indivíduos mais equilibrados, mas para isso, precisamos falar de valores para nossas crianças, estamos deixando a televisão educar nossas filhos e estamos nos esquecendo de nossos deveres enquanto pais, sabemos que este desafio, na sociedade contemporânea, é bastante complexo e desafiador, mas só vamos conseguir construir uma nova sociedade se nos debruçarmos na construção de um homem novo, mais sensível, mais equilibrado, mais decente e honesto com relação a seus sentimentos e consciente de suas responsabilidades imediatas.

No Brasil atual estamos mergulhados em um imediatismo assustador, nossos projetos estão sempre sendo reduzidos ao agora, a educação se baseia em ideais utilitaristas, as profissões exigem dos profissionais formação complexa e integral, se recusando ao treinamento e a maturação do tempo, querem um profissional pronto e disponível durante as 24 horas por dia para o trabalho e o pior, querem que estes aceitam uma baixa remuneração e com poucas perspectivas de ascensão dentro da empresa ou organização.

As empresas brasileiras reclamam do governo, reclamam da classe política, se acreditam ética e moralmente responsáveis, sonegam impostos, fazem pagamentos suspeitos, corrompem fornecedores e, mesmo assim, acreditam ter uma forma de sucesso para tirar o país da crise, julgam necessário um pulso maior dos governantes, alguns defendem o retorno dos militares ao poder, como muitos fizeram nos anos sessenta e depois se assustaram com o monstro que criaram, o país se perde em pensamentos imediatistas e sonhos ridículos, um curso intensivo de história do país poderia auxiliar muitas pessoas a entenderem melhor nossa nação, nossos desafios, nossas heranças e as nossas perspectivas, somos um país novo, marcado por privilégios de poucos grupos sociais, adoramos louvar o que vem de foram e nos esquecemos de compreender a riqueza que temos em nosso interior, somos uma sociedade bastante paradoxal, somos ricos, complexos e bastante interessantes, mesmo tendo graves problemas e contradições fundamentais.

Somos descritos, por muitos, como um povo pacato e ordeiro, um país de veia empreendedora, os executivos e os jornalistas internacionais quando aqui residem se encantam com as facetas inovadoras da sociedade e dos trabalhadores, somos um povo criativo e com espírito empreendedor, embora tenhamos alguns traços obscuros que não queremos demonstrar em público, somos agressivos e nos odiamos em muitos momentos, em períodos de fúria nos matamos e lutamos defendendo ideias, teses e pensamentos conservadores, pouco respeitamos as minorias e adoramos retratá-los de forma depreciativa, somos um país paradoxal, nada temos de santinhos e muitos temos de diabinhos, somos na verdade seres humanos longe da perfeição que um dia almejamos ser.

Neste momento de indefinição, muitos acreditam que um salvador está a caminho, como filhos de portugueses estamos eternamente esperando Dom Sebastião, embora nosso futuro líder tenha se ausentado no final do século XVI, acreditamos que muito brevemente ele deve retornar para salvar o país da destruição em curso, se acreditamos em salvadores da pátria devemos esperar sentados, porque se ficarmos em pé vamos ter problemas físicos generalizados.

Nossas escolhas em outubro tendem a definir quais os rumos que queremos para nosso país, se estamos querendo abrir mão da liberdade acreditando que precisamos mesmo de segurança e pulso firme devemos pegar um caminho que se desnuda muito claramente, a grande indagação é saber, se estes que prometem uma sociedade mais segura tem mesmo a condição necessária de nos entregar o que nos propõem nas eleições, esta é uma pergunta que deve ser feita por todos nós antes de votarmos nas próximas eleições.

Outros propõem medidas mais suaves e reformas mais tranquilas, acreditam ou dizem acreditar, que precisamos de reforma na estrutura da sociedade, as chamadas reformas estruturais, e estas serão feitas ao seu tempo, nada de forma radical e no afogadilho, onde todos os grupos serão chamados a dar suas contribuições, uns mais do que outros, mas todos serão abordados e terão a oportunidade de colaborar, a grande pergunta que fica é: porque que, quando este grupo estava no poder não fizeram estas mudanças e, ao contrário, porque estando no poder se venderam aos grandes grupos econômicos do país em troca de uma governabilidade que levou a economia do país a ruína, com graves reflexos sobre as condições sociais da população.

Temos outros que se dizem modernos e trazem para a campanha os vermes mais antigos e traiçoeiros da política tradicional, pessoas acostumadas ao poder que fazem da política uma atividade profissional, se locupletando dos recursos e do poder do Estado, será que estes grupos terão condições de fazer as reformas que pregam se estão aliados e trazem a tiracolo o que há de mais atrasado, corrupto e mesquinho da política tradicional?

Neste ambiente encontramos mais dúvidas e preocupações, nossas capacidades de escolhas são limitadas, os candidatos que se colocam não representam os anseios da sociedade, as mudanças propaladas pela globalização e pelas novas configurações de poder da sociedade atual, está distante de chegar a política local, pouco renovamos da classe política e pagamos um alto preço por esta incapacidade de atrair pessoas capacitadas e honestas para este ambiente, a renovação tanto pedida nos parece distante e acreditamos que todo o sistema foi construído para não ter esta renovação, muito pelo contrário, este modelo foi construído para ter a perpetuação dos mesmos grupos dominantes, todos os novos que teimam em entrar são dissuadidos a abandonar ou são atraídos para este ambiente de pobreza moral e interesses mesquinhos, onde poucos dominam os rumos da sociedade, que aceitam sem reclamar e pouco compreendem sua força e importância estratégicas.

Os debates são momentos interessantes e oportunos para escolher seus candidatos para cargos do executivo, embora saibamos que muitas coisas são feitas para alavancar algumas candidaturas, o melhor dos instrumentos em momentos de eleição e propagandas políticas é o estudo sistemático da vida, das obras, das votações, das falas e dos pensamentos de seu escolhido, somente assim podemos nos desiludir menos no momento atual, sempre tendo a convicção de que o salvador da pátria não existe, nosso voto não vai mudar o país individualmente mas vai nos levar a conhecer um pouco mais os meandros da política, suas falhas e omissões mas, acima de tudo entender que, apesar dos equívocos da política, ela é uma das formas mais claras e clássicas de fazermos o bem e auxiliarmos os grupos menos favorecidos e os setores que vivem privações primárias.

Depois de uma eleição presidencial marcada por achaques, estelionatos e mentiras generalizadas, onde a ganhadora deixou de lado seu programa econômico e passou a adotar o discurso de seu maior rival, onde a presidente e candidata a reeleição faz um discurso de que a situação do país era favorável, enquanto todos os comentaristas econômicos destacavam um ambiente bastante diferente que a leva, ao se reeleger, a adotar de uma política fortemente restritiva, marcada por um ajuste fiscal rigoroso que conta com a nomeação de um economista liberal para o Ministério da Fazenda, tudo isto leva a política brasileira a perder sua credibilidade, onde as classes sociais, principalmente as mais frágeis financeiramente, são as mais afetadas e sentem na pele os custos do ajuste, aumentando o desemprego e reduzindo a renda, depauperando os grupos que anteriormente tinha acumulado ganhos econômicos consistentes.

São vários os desafios em curso na sociedade brasileira, alguns antigos que como não foram equacionados, se tornam cada vez mais prementes e exigem uma política consertada entre os grupos econômicos e políticos dominantes e outros desafios, mais modernos e que exigem uma nova consciência da sociedade e das classes políticas, estes nos parecem maiores, isto porque os grupos que dominam o Estado sabem que, ao encarar estes desafios estará abrindo espaços para o surgimentos de novos grupos sociais que, muitas vezes vão disputar a hegemonia social nos próximos anos, o Brasil tem, diante de si, obstáculos e desafios que podem definir os rumos de sua sociedade no século XXI, desafios imensos e fortemente complexos para uma sociedade que ainda não conseguiu se transformar, efetivamente, em uma sociedade sofisticada e emancipadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“A doença do Brasil é o ódio de classe”

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Jessé Souza, Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e professor da UFABC, Jessé Souza, 58 anos, é um dos mais polêmicos intelectuais brasileiros da atualidade.

Seu último livro, “A Elite do Atraso — da escravidão à Lava Jato” (Editora Leya), tem se mantido no topo das listas dos mais vendidos há oito meses. Nele, o autor defende que o problema principal do Brasil não é a corrupção no Estado, mas a desigualdade, herança direta da escravidão.

O livro é também uma resposta crítica ao clássico “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, e ao conceito de homem cordial — o brasileiro patrimonialista que não vê distinção entre o público e o privado.

Para Souza, o patrimonialismo é um problema secundário. “Mais de 50% dos brasileiros exercem atividades semi-qualificadas. E essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram”, disse Souza nesta entrevista à ISTOÉ.

Depois de relançar “Subcidadania Brasileira: para entender o País além do jeitinho brasileiro”, de 2003, o autor agora se debruça sobre os conflitos e privilégios da classe média, tema de seu próximo livro, “O espelho da classe média brasileira” (Editora Sextante), previsto para outubro.

Por Vicente Vilardaga – 17/08/2018

O Brasil vive hoje uma crise profunda. Ela tem uma causa específica?

A característica dessa crise tem a ver com o fato de o Brasil até hoje não ter conseguido incluir a maior parte da sua população nas benesses do mundo moderno. O problema é a desigualdade. Obviamente esse é o grande ponto. E tem uma mentira aí: a que diz que a grande questão que impede que o Brasil seja uma nação desenvolvida e rica, como as nações europeias ou a norte-americana, é a corrupção do Estado. Essa é a principal mentira. Isso foi construído por ideias, por intelectuais, aqui em São Paulo, desde a década de 1930, quando a elite local ficou sem o poder político. Essa elite já era a mais forte, era proprietária das indústrias, das fazendas de café — a semente do que hoje seria o agronegócio. Sem poder político, essa elite precisava criminalizar e estigmatizar o Estado, sobre o qual havia perdido o controle.

Mas o brasileiro não é, de um modo geral, patrimonialista, sempre misturando o público e o privado?

É claro que essa história de patrimonialismo tem um grão de verdade. O grão de verdade é que se rouba no Estado também, ainda que este roubo seja a gorjeta dos donos do mercado. Mas todo o resto é mentira e essas abstrações jurídicas do privado e do público não explicam coisa alguma. A gente está montando uma concepção vira-lata sobre o nosso próprio povo, agindo contra nós mesmos. Olha como nossos políticos são corruptos, então vamos logo entregar a Petrobras de mão beijada para as petroleiras europeias e americanas porque os estrangeiros são honestos. Basicamente a coisa funciona assim.

Então a corrupção não é nosso problema principal?

A corrupção no Estado nunca foi o nosso problema principal. É claro que existe, é claro que se rouba no Estado. Mas se você compara a merreca que a Lava-Jato diz ter recuperado para os cofres públicos com o que realmente se rouba no mercado, é ridículo. Cinco anos passando um scanner na corrupção da Petrobras e você recupera menos do que a empresa pagou de multa para os americanos. As isenções fiscais para latifundiários somam dezenas de bilhões todos os anos. Para os bancos ainda mais. Sem contar a dívida pública, Selic etc. A corrupção feita pela elite de proprietários, pelo agronegócio e pelos bancos e grandes empresas é mil vezes maior, é um milhão de vezes maior do que o roubo do aviãozinho do tráfico, que é como eu chamo o roubo do político.

“A elite do atraso” afirma que a Lava Jato é um embuste. Por quê?

Embuste total. Porque ela serve exatamente para esse tipo de coisa, para denunciar esse roubo da política para tornar invisível o grande assalto do mercado e dos bancos. Por exemplo, quando o Palocci quis falar dos crimes do mercado financeiro, isso não interessa, não interessa ao mercado.Mas os crimes do mercado financeiro são os mais importantes. Isso explica que os bancos tenham os maiores lucros de sua história, com um juro de 6,5% ao ano e o país na maior miséria.

Existe a ideia de que o país sairá melhor da Lava Jato, com uma diminuição da corrupção sistêmica.

Eu não vejo nenhum aspecto positivo na Lava Jato. Inclusive, a maior parte das pessoas, mesmo de esquerda, via de modo ambivalente a Lava Jato, achava que aquilo poderia ter algum aspecto positivo, até porque a esquerda também é dominada por essa coisa do patrimonialismo. Eu não concordo. A corrupção sistêmica está no mercado financeiro.

A esquerda perdeu o atributo da honestidade?

Eu vejo de outro modo. Eu acho que o monopólio da honestidade ninguém tem. É um negócio absurdo achar que porque é de esquerda você tem o monopólio da virtude. Esse é um negócio idiota. O problema é que o tema da corrupção entre nós e agora na América Latina vira uma histeria. A Alemanha ou os Estados Unidos combatem a corrupção de modo cotidiano, sóbrio, é um crime como outro qualquer.

A escravidão persiste no Brasil?

Ela persiste de novas formas. Ela persiste no sentido de que você tem aqui uma multidão, mais de 50% da população brasileira, exercendo atividade semiqualificada. É trabalho manual, é trabalho sem grande incorporação de conhecimento, exatamente como o trabalho escravo. Essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram. Você pode matar um pobre no Brasil, que não acontece nada. A polícia mata com requintes de crueldade e ninguém se comove porque os pobres são percebidos de modo desumanizado, como os escravos eram. A escravidão perpassa o núcleo da sociedade brasileira. E boa parte da classe média tem preconceitos de senhor de escravo e da elite com relação a esse povo. O que eu tento mostrar é como essa escravidão se torna a base e o centro de tudo que a gente está vivendo hoje. Nós somos filhos da escravidão, isso nunca foi percebido. É como se fosse uma coisa que aconteceu há muito tempo e não tenha mais nada a ver hoje. É o contrário. A escravidão continua. Para mim, essa desigualdade doente de hoje vem da escravidão.

A desigualdade é que cria o subcidadão brasileiro?

O Brasil é um país doente, patologicamente doente pelo ódio de classe. Isso é o mais característico do Brasil: o ódio patológico ao pobre. É a doença que nós temos. A gente nunca assumiu a autocrítica de que somos filhos da escravidão, com todas as doenças que a escravidão traz: a desigualdade, a humilhação, o prazer sádico na humilhação diante dos mais frágeis, o esquecimento e o abandono da maior parte da população. Esse é o grande problema brasileiro. O resto é bobagem.

O complexo de vira-lata é uma dessas bobagens?

Essa história de vira-lata está ligada ao tema da corrupção como sendo a questão mais importante, obviamente. Quem é o vira-lata? É o brasileiro que supostamente herda de Portugal o “vírus cultural” da corrupção, como se fosse uma singularidade nossa e que se imagina, portanto, como inferior em relação aos europeus e americanos tidos como “honestos”. Esse é o “vira-latismo” brasileiro montado pela elite e pelos intelectuais cooptados por ela. Foi dito aos brasileiros que eles são marcados desde o berço pela corrupção. Imagina uma loucura dessas. Claro que você ouviu isso desde os cinco anos na escola, o seu pai contou isso e aí você acredita nessa bobagem. Isso tem a ver com o tema da corrupção só no Estado, claro. Para você montar esse tema da corrupção e aí criminalizar o Estado e a política, quando interessar ao mercado e seus donos. Esse é o ponto. É para isso que a história de vira-lata serve.

E qual é a posição da classe média nessa história?

A classe média é a classe do privilégio. Qual é o privilégio da classe média? O capitalismo tem dois grandes capitais. O dinheiro, obviamente, o capital econômico. E o conhecimento. Não tem nada no capitalismo que se faça sem conhecimento, tão importante como o dinheiro. A produtividade do capitalismo depende do conhecimento, da ciência, da tecnologia. Para exercer qualquer função no Estado ou no mercado você precisa ter conhecimento incorporado. O que explicita a gênese da desigualdade é a reprodução de privilégios, desde a família. A reprodução de privilégios que é feita na classe alta, ou seja, na elite de proprietários, é a reprodução da sua propriedade por amizades, casamentos e relações pessoais. Na classe média você reproduz outro privilégio, que é o conhecimento valorizado, mais invisível que o dinheiro, o qual exige disciplina, capacidade de concentração e pensamento abstrato, que são pré-condições recebidas pelo indivíduo da classe média. É o que as classes populares não têm. Para ter o conhecimento valorizado você precisa também que seu pai tenha algum dinheiro para pagar um colégio bom e para você não precisar trabalhar. Entre nós, as classes populares começam a trabalhar com 12 ou 13 anos.

O brasileiro se coloca numa posição de inferioridade?

Existe um racismo e o racismo não é só a cor da pele. O que é o racismo? É você separar a humanidade em humanos e sub-humanos. É essa operação que faz o racismo. A gente só vê a questão da cor da pele porque é a mais visível. Mas você tem as culturas que são tidas como superiores, como humanas, e as das classes populares, vistas como sub-humanas.

“A elite do atraso” foi tema do enredo da escola de samba Paraíso do Tuiuti. O que você achou da utilização de seu livro para a realização de um desfile de Carnaval?

Fiquei muito contente. Foi uma das minhas maiores alegrias como pesquisador. É claro que outros autores também eram a base do desfile, mas eram autores que só tocavam no período da escravidão. O desfile teve dois passos, duas épocas, a escravidão como um fato histórico e depois como a escravidão vem persistindo até hoje. E como fato histórico ele cita vários autores. Mas o único livro que trata de como a escravidão vem até hoje era o meu. E obviamente isso me deixou muito contente, muito orgulhoso, porque isso é um sonho de todo intelectual engajado como eu.

Você parece fazer uma espécie de sociologia da fúria. Concorda com essa ideia?

Eu concordo, claro. A raiva é a minha energia, mas o que eu fiz foi transformar essa raiva em indignação. Não é uma raiva de você sair por aí batendo nas pessoas, mas é a indignação de um discurso e de uma intelectualidade que sempre serviu aos interesses dos poderosos. Não se trata de usar o seu conhecimento como o rico usa o dinheiro, como enfeite. O interesse é muito maior do que isso. Conhecimento é uma arma extremamente importante. O conhecimento, para mim, é uma arma política. Ele permite chacoalhar, dizer certas coisas para que as pessoas possam se proteger melhor e não ficarem tão indefesas.

 

 

Violência, criminalidade e desgoverno no Brasil contemporâneo

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O Brasil novamente se encontro nas proximidades de mais uma eleição presidencial, desde a campanha de 2014, marcada por inúmeros contratempos e reviravoltas, o país está novamente no momento da escolha de seu novo presidente para o período 2019-2022, uma escolha difícil e marcada por inúmeras possibilidades assustadoras e perigosas, o grande problema desta eleição é que estamos mergulhados em uma das maiores crises políticas dos últimos anos e as perspectivas de melhoras passam pela eleição de um novo governo comprometido com a resolução dos problemas nacionais e com a construção de um novo modelo de sociedade.

Desde 2015 a economia brasileira vem desidratando de uma forma jamais vista, foram dois anos de quedas contínuas no Produto Interno Bruto, redução nos investimentos, queda no emprego, diminuição nos salários e na renda dos trabalhadores, com isso, os indicadores sociais pioraram de forma pouco vista, com quase 13 milhões de desempregados e milhões de trabalhadores subempregados ou na economia informal, a situação econômica do país está em franca deterioração, com impactos generalizados para todas as classes sociais mas degradando com mais intensidade os grupos mais vulneráveis que sem emprego perdem as perspectivas de sobrevivência digna e honrada.

Os dados recentes sobre violência, divulgados pelo IBGE,  são assustadores, somente no ano passado foram assassinados no Brasil mais de 63 mil pessoas, algo em torno de sete assassinatos por hora, estes números são mais agressivos do que os números de países em guerras ou em confrontos separatistas, são números que mostram todas as facetas de uma sociedade onde o contrato social não mais consegue estruturar e equilibrar todos os anseios da sociedade, com isso, os grupos corporativistas se fortalecem para defender seus interesses imediatos em detrimento dos interesses da sociedade de uma forma geral.

Na semana passada os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se concederam um aumento salarial de 16% que será repassado a todas as categorias do judiciário, com isso, os grupos que mais faturam vão incrementar seus contra cheques e o Poder Judiciário vai, novamente, estourar o teto dos gastos dos poderes da República, onerando as contas públicas e aumentando os problemas fiscais do país, mas isso pouco importa, o que vale mesmo são mais recursos para meu bolso e mais privilégios para a minha carreira.

Neste país que se degrada de forma acelerada, vemos o crescimento do crime organizado, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se espalha para outros estados da federação e se estrutura para se disseminar por outros países, levando um modelo moderno de gestão e de recrutamento de membros, um verdadeiro case de sucesso para o empresário e o  empreendedor brasileiro, cada membro do grupo paga uma mensalidade de quase um salário mínimo em troca de segurança, proteção e novas oportunidades dentro da organização, um plano de carreira de fazer inveja a muitas instituições nacionais consideradas de sucesso.

                Com a recessão, o aumento da violência e da criminalidade, o recrutamento dos membros do PCC se torna mais rápido e fácil, inúmeros jovens e presidiários são atraídos para o grupo todos os dias, os batismos são marcados por juras e promessas de fidelidade que, ao não ser efetivadas, os infiéis são condenados a morte e ao desaparecimento num tribunal do crime implacável e agressivo, a Lei é inexorável, pecou a pena é a morte e não se tem mais como interpor novos recursos.

O mercado de trabalho no país se encontra devastado, a crise econômica, herança de uma política econômica voluntarista, detonou as perspectivas positivas criadas pelo governo Lula e condenou o país a uma situação de indigência econômica e degradação política, o país convive com uma classe política que pouco representa a população, a sociedade civil pulsa por mudanças, novos grupos surgem para debater ideias e conceitos até então deixados ao relento, o país vive um momento de grandes transformações e da desesperança podemos construir uma nova organização social, onde os grupos mais aquinhoados possam compreender que seus benesses econômicos e suas vantagens políticas não mais se sustentam em um país quebrado e uma sociedade marcada por grandes desigualdades que, numa situação extrema, comprometem a sobrevivência da sociedade e de todos os grupos sociais e políticos.

A corrupção se espalhou pela sociedade como o fogo se espalha com o estímulo da pólvora, esta corrupção que não é obra de nenhum partido político em especial, abrange todos os grupos políticos, como caixa dois de campanha ou como verbas não contabilizadas, os desvios aumentam e crescem enormemente, quando as construtoras estavam no centro do Brasil Grande, os corruptores eram os empreiteiros, quando estes perderam força com a diminuição das obras públicas nos anos 90, os empresários das comunicações ou das telecomunicações ganharam espaço e substituíram as grandes empresas da construção civil da atualidade, com o incremento das obras públicas, os empreiteiros voltam a tona para aumentar seus benesses em detrimento dos outros setores da sociedade.

Em pesquisa recente para a construção de um livro sobre corrupção intitulado “Dinheiro, Eleições e Poder”, o economista Bruno Carazza, destaca que, em seus estudos sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento, no começo dos anos 90, inúmeros nomes de políticos listados e investigados no esquema de corrupção, foram também investigados nas investigação em curso da Lava Jato, ou seja, um esquema recorrente que pouco pune, desacredita a Justiça e os tribunais superiores e contribuem para a perpetuação da impunidade.

A violência em curso na sociedade brasileira destrói as perspectivas para os próximos anos, as mortes de adolescentes batem recordes constantemente, nas favelas e morros cariocas aqueles que conseguem sobreviver devem ser vistos, efetivamente, como sobreviventes de uma guerra não declarada oficialmente mas intensa e cotidiana, famílias choram a morte de seus filhos todos os dias, os casos se repetem de forma avassaladora, dentre os que tombam nesta guerra sangrenta e desigual, os negros e pobres são as maiores vítimas deste genocídio cometido pelo Estado diretamente ou pelos grupos de destruição criados e mantidos por ex-policiais, as chamadas milícias, e pelos traficantes que se engalfinham no morro, atirando e destruindo vidas como se fossem coisas normais e corriqueiras da paisagem urbana das grandes cidades.

Segundo pesquisas a composição do Congresso Nacional brasileira é a mais conservadora desde o golpe de 1964, dentre os grupos conservadores mais fortes destacamos as bancadas religiosas, as bancadas dos ruralistas e dos militares, a chamada bancada da bala, estes parlamentares estão divididos em uma estrutura eleitoral que abriga 35 partidos políticos, uns partidos de aluguel, criados e mantidos para angariar o fundo partidário que, neste ano, vai distribuir mais de 1,7 bilhão de reais, dinheiro este que seria suficiente para melhorar os péssimos indicadores da educação fundamental do país que, ano após ano, perde espaço na prova internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o exame de PISA.

A violência está tão crescente na sociedade brasileira, que os crimes contra as mulheres dispararam, a intolerância, os medos e os desequilíbrios estão levando os homens a crimes degradantes com requinte de violência, matam da forma mais vil e violenta possível, destroem suas vidas em decorrência do empoderamento das mulheres e da dificuldade de lidar com a separação e as frustrações do término de um relacionamento, cometem crimes e degradam toda as relações familiares e sociais num claro exemplos de como estão os relacionamentos na sociedade líquida, descrita com maestria pelo grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

O Brasil precisa, na atualidade, de inúmeras mudanças estruturais, desde as tão faladas reformas na previdência, tributária e fiscal mas também uma grande reforma política que elimine estes desperdícios crescentes que vivemos e convivemos em nosso cotidiano, precisamos reformar nossas prisões transformando os detentos em trabalhadores que pagam para o Estado, um exemplo interessante existe no país no estado de Santa Catarina e deve ser seguido por outros estados da federação, precisamos melhorar nossas escolas e transformar o conhecimento em algo encantador, chega de levarmos a pecha de país do futuro e nos mantermos na ignorância e na indigência. É importante destacar ainda que, pela primeira vez, o país coloca na cadeia pessoas que ocuparam cargos de responsabilidade na hierarquia do Estado, desde um ex-presidente da república, um ex-presidente da Câmara dos Deputados, além de senadores, deputados federais e estaduais, além de ministros e empresários, falta ainda, avançar sobre as cúpulas do Judiciário e do setor financeiro, estes setores são de suma importância para a sociedade e dificilmente estarão imunes a degradação que toma conta da sociedade brasileira.

Os grupos sociais mais aquinhoados pagam fortunas para deixar seus filhos e descendentes em escolas caríssimas, gastam verdadeiras fortunas para educar seus rebentos, mal sabem que os modelos educacionais trabalhados nestas escolas foram criados e adaptados por pesquisadores e pedagogos considerados progressistas no campo educacional, desde Paulo Freire passando por Jean Piaget e Maria Montessori, ou seja, a elite paga fortuna para que seus filhos estudem em colégios caros para desenvolver a liderança, o espírito empreendedor, criatividade, autonomia, etc.   enquanto propõem ao Estado que concentre a educação pública em modelos militarizados, rígidos e hierarquizados, onde as regras de condutas são duras e, muitas vezes, violentas, com isso, criam trabalhadores que serão sempre cordeirinhos empregados de uma elite cada vez mais imediatista e interesseira, cujos interesses superam os interesses nacionais.

O lado bom deste momento de caos e desequilíbrio é que, pela primeira vez, a sociedade está começando a se olhar no espelho, começando a encarar seus medos e preocupações, a classe média sempre tão centrada em seus próprios interesses, agora para e começa a refletir sobre esta crise de humanidade que se abate sobre o país e como fazer para reconstruir a nossa nação, este exercício de reflexão pode trazer frutos positivos e abrir novos espaços de crescimento e melhoramento social, desde que entendamos que a educação que queremos para nossos filhos deve ser a mesma que desejamos para todos os outros meninos e meninas, as perspectivas positivas devem ser para todos, só assim conseguiremos consolidar uma sociedade que está se esvaindo na degradação e encontrar novos caminhos para o progresso humano e material.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder

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Uma obra interessante, escrita pela jornalista Andrea Dip, que investiga o projeto de poder da Bancada Evangélica no Brasil, o que afinal pensa este grupo ao tentar influenciar os rumos e os debates políticos brasileiros? Uma leitura relevante e bastante atual, vale a pena a leitura.

 

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O desafio de Lula

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A obra escrita em forma de perguntas e respostas entre os jornalistas da Revista Carta Capital, Mino e Gianni Carta, retrata suas visões sobre o Brasil contemporâneo e sobre os desafios que envolvem a figura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, vale a pena dar uma lida, leitura rápida, agradável e polêmica.

 

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Digitalização do trabalho e a escravidão no século 21

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ENTREVISTA | RICARDO ANTUNES

Por Marcelo Menna Barreto – EXTRACLASSE.ORG.BR

Ricardo Antunes é considerado um dos principais sociólogos do trabalho no Brasil e há dez anos leciona em um curso sobre trabalho e imigração na Universidade Ca’Foscari de Veneza, onde tem acompanhado de perto os fluxos migratórios na Itália. Titular da cátedra de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de livros publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Itália, Argentina, Venezuela, Colômbia e Espanha, Antunes fala nesta entrevista sobre o seu novo livro O Privilégio da Servidão – O novo proletariado de serviços na era digital, publicado pela Boitempo. De forma entusiasmada, por vezes indignada, o autor aborda as transformações das relações de trabalho no Brasil do período da redemocratização ao impeachment de Dilma Rousseff e os dois anos de Temer, que identifica como contrarrevolucionário e terceirizado. E enumera os problemas da Indústria 4.0, a era do trabalho digitalizado, que considera a nova forma de escravidão do século 21. “Na escravidão o senhor de terras comprava o escravo de um traficante. No mundo moderno, a empresa aluga de outra empresa o trabalho de homens e mulheres”, compara.

 

Extra Classe – Em uma passagem do seu livro o senhor diz que vivemos um período excepcional da nossa história. Como é a realidade desse laboratório social que o senhor descreve?

Ricardo Antunes – Estamos em um período, digamos, inusitado na história desde o século 19. Estivemos, entre 2009, 2010 e 2011, numa era de rebeliões em todo o Oriente Médio, a partir da Tunísia e Egito, e nos principais países do Ocidente, avançado pela Inglaterra, França, Portugal, Espanha, e Estados Unidos com o Occupy Wall Street. Foram muitas manifestações que mostravam que o cenário social vinha mudando. Aquele cenário anterior de representações partidárias e sindicais, dando conta da totalidade das forças sociais sinalizava uma crise profunda e até mesmo esgotamento. Mas é tão espetacular esse período que a era de rebeliões não se converteu em uma era de revoluções.

 

EC- Como assim?

Antunes – Uma era de rebeliões que não se converteu em uma era de revoluções anticapitalistas. Houve revoluções democráticas em vários países do Oriente Médio, mas o mais surpreendente e mesmo trágico deste cenário é que esta espetacular era das rebeliões se metamorfoseou numa era de contrarrevoluções. Estamos vivendo hoje um cenário abertamente contrarrevolucionário.

 

EC – Quais são as evidências?

Antunes – O sociólogo Florestan Fernandes usou o conceito da contrarrevolução preventiva, mesmo quando não há o risco das revoluções. Ele pensava na América Latina. Nós estamos vivendo um cenário mundial de contrarrevoluções preventivas mesmo quando não há o risco das revoluções socialistas ou anticapitalistas. Então, por exemplo, um sinal desse cenário, Donald Trump, nos Estados Unidos. Trump mudou todo o tabuleiro internacional, um nacionalismo de uma era financeira que fere de certo modo o interesse do grande capital e das grandes corporações que caminhavam em direção a uma Europa unificada, o Nafta, Ásia-Pacífico. Então, de repente você tem um movimento de extrema direita muito forte com base popular que quebra, que começa a mexer nesse tabuleiro. Theresa May, na Inglaterra, tem um processo similar ao Brexit. De repente se rompe com todo o esquema montado para uma Europa unificada. E você tem no cenário mais abertamente político um Emmanuel Macron, na França. E se não fosse Macron, seria Marine Le Pen! Mauricio Macri, na Argentina. Enfim, um cenário contrarrevolucionário, para não ficar só nos países da Europa, com o nazismo se expandindo significativamente na Áustria, Polônia, na Hungria. Enfim, nós estamos em um momento em que a história vive um cenário tenebroso.

 

EC – É o laboratório social ao qual o senhor se refere?

Antunes – Quando eu falava em laboratório me referia a que todas as janelas estão abertas. Da era das rebeliões à era das revoluções, assim como para a era das rebeliões à era das contrarrevoluções que nós estamos vivendo hoje. É nesse cenário, comandado pela hegemonia financeira profundamente destrutiva, que é marcada uma agressividade neoliberal ainda maior, como se a gente tivesse numa terceira fase ainda mais agressiva do neoliberalismo e onde a revolução, a reestruturação permanente do capital, ou a reestruturação produtiva do capital, se tornou permanente. Estamos na Europa hoje com o debate da Indústria 4.0. Tudo isso levou os capitais a exigirem uma devastação do trabalho em escala global. Não é por acaso que as reformas trabalhistas no Brasil – da contrarrevolução de Temer; na Argentina, de Macri; e na França, de Macron, são muito assemelhadas e tenham ocorrido quase simultaneamente, para não citar outros exemplos. É esse cenário que eu dizia que configura, no momento que eu finalizei esse meu livro, um cenário de contrarrevolução permanente, de amplitude global.

 

EC – O que vem a ser a Indústria 4.0?

Antunes – Houve a revolução industrial, depois houve a expansão do século 20 para o Taylorismo, a indústria automotiva; depois houve a produção dos anos 1970, 1980, 1990 pra cá, e agora é o momento da quarta revolução industrial, a digitalização das coisas. É a internet das coisas. É digitalizar o espaço fabril, no sentido amplo – pode ser uma fábrica de automóveis, pode ser uma fábrica hospitalar, pode haver uma fábrica da educação. Digitalizando tudo o que você pode digitalizar você vai criando uma massa limitada de empregos mais qualificados e vai criar uma massa imensa de desempregados que não têm condições de suprir esses empregos qualificados que são reduzidos. Qual é o segredo da digitalização, que os capitais não dizem, que a CNI não diz, que as Febrabans não dizem? A indústria 4.0 vai dispensar a força de trabalho e com isso tornar mais lucrativa a produção.

 

EC – Em seu livro, o senhor aborda as principais mudanças trabalhistas que ocorreram no Brasil desde a redemocratização até o impeachment. Por que a década de 1980 foi o período mais importante dessas transformações?

Antunes – Veja bem, esse período brasileiro é bastante interessante porque ele é muito complexo. Quando nós começamos a redemocratização, depois do fim da ditadura militar, tivemos um período que foi espetacular no Brasil. A década de 1980 foi a mais importante década deste último período. Talvez uma das mais importantes décadas do Brasil ao longo do século 20. Os capitais costumam dizer que a década de 1980 foi uma década perdida. Para eles, talvez tenha sido, mas no caso brasileiro, no ano de 1980 nós tivemos a criação do PT, que na sua proposta inicial era um partido independente e de classe; a criação da CUT, que era uma reivindicação histórica da classe trabalhadora brasileira, que tinha tentado inúmeras vezes formar uma central sindical e via essa proposta ser tolhida; e a criação do MST, organizando os trabalhadores do campo. Só para pegar três exemplos. Foi um período espetacular. O Brasil teve praticamente as mais importantes greves do mundo. Fizemos quatro greves gerais e chegamos à Constituição de 1988, conseguindo criar uma Constituição que, de certo modo, estabelecia um sistema de organização da relação capital e trabalho com alguns traços de civilidade.

 

EC – Por que setores da esquerda não aceitaram muito bem a Constituição de 1988 à época da promulgação?

Antunes – Aqui eu faço um parêntese. Nós que militávamos, estudávamos e vivíamos na década de 1980 já no sentido social e político achávamos a Constituição de 1988 insuficiente, porque houve um momento em que o Centrão fez um pântano que, digamos assim, comanda até hoje o parlamento brasileiro e impediu algumas medidas mais profundas. Por exemplo, aprovamos o direito de greve, que é uma grande conquista para a classe trabalhadora, mas a regulamentação da greve seria feita posteriormente. Ou seja, caiu no pântano. Mas ainda assim, em 1988 se desenhou um Estado com alguns valores públicos, coletivos e sociais que contraditavam a tendência neoliberal. Isto vigorou até 1989/1990.

 

EC – Até a era Collor?

Antunes – Sim! Em 1989 houve a eleição que dividiu o país ao meio e a partir dessa divisão, a vitória do Collor, que iniciou o que eu chamei de desertificação neoliberal no Brasil. Collor era uma aberração, como agora estamos perto de novas aberrações. As classes dominantes, quando não têm alternativas sólidas, apelam para aberrações. Nossa classe dominante tem faces fascistas em muito dos seus setores. Veja só: dirigentes da Confederação Nacional da Indústria disseram recentemente que dialogam muito bem e vêem com simpatia a candidatura do Bolsonaro. Basta isso como exemplo.

 

EC – Como o senhor avalia o período FHC?

Antunes – Se com Collor veio a primeira devastação neoliberal, que foi travada com a sua deposição, a vitória do Fernando Henrique Cardoso trouxe um quadro mais complexo. Com FHC iniciava-se uma fase neoliberal dotada de racionalidade burguesa. Se a fase do Collor foi um neoliberalismo devastador, eivado de irracionalidade da sua conduta, da sua personalidade, FHC foi claro no discurso de posse: eu vou implantar a política do Collor sem as maluquices que ele tentou, sem base nenhuma, e uma personalidade completamente fora dos padrões. A partir daí nós tivemos, de fato, o início da efetiva desertificação neoliberal. Só que para o FHC quebrar a CLT não era fácil. A CLT é uma espécie de Constituição para a classe trabalhadora. Os trabalhadores não sabem bem como é a sua Constituição, mas eles sabem que a CLT traz direitos, décimo-terceiro, descanso semanal, férias, etc, etc, que permitem um salário mínimo, que permitem esses direitos longamente conquistados. FHC não conseguiu quebrar a CLT, a espinha dorsal da legislação protetora do trabalho no Brasil, porque o movimento sindical resistia.

 

EC – E a era Lula?

Antunes – É curioso. Fernando Henrique faz um primeiro governo e sai bombando. No seu segundo governo, saiu pela porta dos fundos como um vira-latas que leva um pé na bunda, com níveis baixíssimos de popularidade. Não podia fazer aparições públicas, porque era vaiado. O inverso do Lula que fez um primeiro governo em que quase perdeu a reeleição, mas saiu, no segundo mandato, com uma aprovação altíssima. Só não perdeu a reeleição porque é quase impossível alguém perder para o Alckmin (risos).

 

EC – O que explica a popularidade de Lula naquele momento?

Antunes – O que se deu, em uma palavra, no governo Lula, que eu trato basicamente na parte três do livro é que o Lula tentou e fez uma espetacular política de conciliação de classes. O Lula é um gênio da conciliação de classes, como o Getúlio (Vargas). Pra quem gosta de conciliação de classes, ele é um mito; pra quem, como eu que não gosta, ele não é mito nenhum. Mas ele é um gênio, eu tenho que reconhecer. Ele bota deus e o diabo na terra do sol e faz virar samba. Isto é uma condição que só Getúlio tinha no passado. Não é fácil essa capacidade, mas enquanto o seu governo teve uma expansão econômica, criou 20 milhões de empregos, teve uma política de assistência social muito pífia.

 

EC – Quais são as suas críticas aos governos Lula?

Antunes – Eu vou dizer como eleitor, não como um analista: votei no Lula não pra dar um pouco a farofa aos pobres. Muitos de nós que votamos no Lula queríamos reforma agrária, controle do grande capital, controle da remessa dos lucros. A gente sabia que não era fácil, mas é muito importante lembrar que o Lula se elegeu com mais de 50 milhões de votos. Ele tinha muito capital político pra dizer: agora vai ser um governo reformista pra valer. É disso que estou falando, nada além disso. E não foi. Foi um governo de conciliação, que trabalhou com a ideia de que o capital ganha muito dinheiro, mas tem que sobrar alguma coisa aqui para os debaixo. Isso funcionou, o Lula tinha uma ideia desde os anos 1970, eu o conheço há muitos anos, que era assim: incrementando o mercado interno brasileiro você aumenta o salário da classe trabalhadora, ela consome e a economia vai se desenvolver. Foi isso que fez com que a expansão econômica do mercado interno brasileiro compensasse a retração do mercado externo.

 

EC – Onde Lula errou?

Antunes – O Lula transnacionalizou e enriqueceu uma parte importante da burguesia brasileira que agora o pôs e o quer na cadeia. Porque a política de conciliação acabou! Ele faz a sucessora, que ganha a eleição no tranco, prometendo que não ia tomar nenhuma medida destrutiva, mas a sua primeira medida foi nomear o Joaquim Levy para ministro da Fazenda. Atenção! O primeiro convidado não era o Levy, era o (Luiz Carlos) Trabuco. Imagina se a Dilma nomeia o Trabuco, o número um do Bradesco?

 

EC – O senhor é bastante crítico em relação a Dilma. Por quê?

Antunes – Eu digo no meu livro, a Dilma foi o maior erro que o Lula cometeu. E não foi por acaso. O Lula escolheu a Dilma, obviamente no meu entendimento, como candidata porque ele não poderia ter como seu sucessor uma sombra poderosa e autônoma, por exemplo, um Tarso Genro, que tem luz própria, está num espectro do lulismo, mas é um indivíduo que sabe pra onde ir e como ir. Ele não seria um nome que teria o respaldo do Lula pra ser seu sucessor, como tantos outros não teriam. Por outro lado, a Dilma tinha méritos enormes. Ela é uma executiva poderosa, uma mulher que faz a máquina funcionar.

 

EC – Mas foi golpeada…

Antunes – Foi um erro gravíssimo entregar o comando político do país a alguém sem nenhuma experiência política prévia. Quando o céu é de brigadeiro, tudo vai bem. Mas quando começam as tempestades, aí… E, claro que a Dilma – eu estou tratando aqui só no plano das subjetividades dos dois, não estou falando nos interesses em volta que isso eu deixo para o leitor buscar no livro – num dado momento diz: agora a presidente sou eu, agora quem vai dar o tom sou eu. E nesse momento, politicamente, começou o acerto neoliberal que ficou com a cara de impostura eleitoral em um momento de crise, com o PT mergulhado em processos de corrupção que marcam toda a história brasileira. O PT não foi o primeiro nem será o último nesse quadro, longe disto.

 

EC – E o impeachment?

Antunes – Uma aberração! O impeachment foi uma aberração jurídica, um golpe parlamentar. Se a gente supõe que a pessoa sofre um impeachment é porque a pessoa cometeu crime, então automaticamente seria inelegível. Na verdade, ela foi deposta porque perdeu as condições de governabilidade, como se ela fosse um primeiro-ministro. Agora, porque esse quadro complicou? Porque em 2013 a crise chega pesada aqui e também começa a era da devastação sobre o PT.

 

EC – Como o senhor avalia Temer?

Antunes – É um governo contrarrevolucionário, um governo terceirizado, que teria umas funções básicas: a PEC do fim do mundo, congelar a educação, a saúde, a Previdência; privatizar tudo o que ainda não tinha sido privatizado e devastar a legislação social protetora do trabalho. Daí aprovar a Lei da terceirização total e, por fim, arrasar de vez com a Previdência, o que foi praticamente a única coisa que não conseguiu avançar. Então nós tivemos nesses últimos dois anos a derrogação de 80%, 90% do que foi criado ao longo de lutas operárias desde a década de 1910, consubstanciado depois na CLT. A CLT, aliás, é muito ardilosa. No direito à proteção do trabalho, ela é um avanço. No que diz respeito à estrutura sindical, ela é estatizante e controladora. Carregou essa ambiguidade até hoje.

 

EC – Qual o saldo disso tudo?

Antunes – O resultado é que desde a redemocratização, quando visualizávamos um estado social e político capaz de ser reflexo das lutas dos anos 1980, chegamos em 2018 com o Brasil se aproximando muito, mas muito celeremente à tragédia social que é a Índia, um país com milhões – não milhares – de miseráveis perambulando pelas ruas, sendo tratados como animais e cuja miséria passa a ser assimilada pelas classes médias, pelos ricos, como natural. ‘Eu quero os miseráveis longe do meu portão’. Então, nós estamos nos convertendo em um país de miseráveis, com uma população cada vez mais empobrecida, com um desemprego estrutural profundo e o trabalho intermitente que é uma farsa. Esta é a “conquista” do Temer e é um tema forte no meu livro, por isso o título O privilégio da servidão. Quem tem trabalho, trabalha e ganha; quem não tem trabalho, não ganha. E como é que vai viver? Ah, é problema seu, não tem mais nem a sopa das 18h pra distribuir para os pobres. Agora é assim: quer a sopa, vai buscar no esgoto. Como eu vi na Índia.

 

EC – Nessa sua nova obra, o senhor coloca uma luz sobre o trabalho digital, on-line e intermitente. Nessa época de relativização de vários conceitos, o senhor faz questão ainda de denominar esses trabalhadores como o novo proletariado de serviços. Por quê?

Antunes – Porque esse é o elemento novo desses últimos 40 anos. Houve nos anos 1970 e 1980 a tese de que o trabalho estava acabando, que a classe trabalhadora ia desaparecer. Um completo engano. Eu conheço a China, eu conheço a Índia, nós conhecemos a América Latina e o que nós estamos vendo é uma mutação profunda no mundo do trabalho. O setor industrial sofreu retração, o setor agrícola sofreu retração e o mundo dos serviços sofreu uma monumental expansão. Só que não são mais os serviços que nós tínhamos nas décadas 50, 60, 70 do século passado. Hoje, por exemplo, praticamente todos os espaços do trabalho sofreram a invasão do mundo digital. O celular faz com que eu possa ser contratado pra trabalhar, por exemplo, na Inglaterra, onde existe um sistema que hoje já é mundial, o contrato de zero hora. Médicos, advogados, enfermeiros, cuidadoras, zeladores, limpadores, enfim, quase todas as profissões de serviços estão disponíveis por celular. Como o contrato é de zero hora, você não tem a obrigação de atender, nem o aplicativo que ganha uma porcentagem do seu trabalho de te chamar, mas em geral, as pessoas atendem ao chamado. Se não fosse o celular esse trabalho não existiria.

 

EC – Para surpresa do capital, o trabalho não acabou…

Antunes – O trabalho é visto pelo capital financeiro como um apêndice, infelizmente imprescindível. Se o capital pudesse eliminar o trabalho, teria feito isso há décadas. O problema, o pavor do capital, nesse cenário que nós temos hoje é que o trabalho não desapareceu. Ele é trabalho ultraqualificado, semiqualificado, manual, escravo, semiescravo, análogo à escravidão, infantil. Isso quem nos ensinou foi um velho filósofo, o Marx.

 

EC – Quais são os problemas das novas formas de contratação pelo ambiente digital?

Antunes – O resultado é um mundo digitalizado, informalizado, em que as plantas produtivas flexíveis exigem um mundo sob o comando financeiro. E a lógica do capital financeiro é gerar mais dinheiro e não importa como. É explorando a classe trabalhadora em todas as suas dimensões, em todos os seus momentos, em todos os seus segundos. Para isso, eu não posso ter legislação social protetora do trabalho. Então, posso ter o trabalho terceirizado – eu fui praticamente o primeiro a dizer no Brasil, que a terceirização é uma forma de escravidão. Eu fazia a seguinte metáfora: na escravidão o senhor de terras, de engenho, comprava de um outro comerciante, o traficante, um escravo ou uma escrava. No mundo moderno, a empresa aluga de outra empresa o trabalho de homens e mulheres. Na escravidão, eu compro, na terceirização, eu alugo. É claro que é uma metáfora, mas mostra a dependência. Diziam que a lei da terceirização era para legalizar a terceirização. A lei da terceirização é a burla da farsa. Querem dizer que agora é legal burlar porque a burla deixou de ser burla e passou a ser legal.

 

EC – E as questões do trabalho intermitente?

Antunes – As grandes corporações deram pulos no dia em que a reforma trabalhista passou, porque esses grandes grupos podem contratar no dia de pico, nos dias de maior movimento, sábado, domingo, à noite, e contratam os trabalhadores que ficam esperando. Tem trabalho, são chamados. Se ele vai para um almoço das 11h às 15h e depois sabe que tem que voltar das 18h às 22h ele fica direto na empresa, recebendo por trabalho intermitente. O que significa esse trabalho intermitente, esse trabalho flexível, esse trabalho, digamos, terceirizado? Ele só é possível não mais na planta rígida Taylorista e Fordista do passado, mas na planta flexível que inicia a era da acumulação flexível e aquilo que nós chamamos de Toyotismo que se ocidentalizou e ganhou novos componentes, adquirido a partir do Vale do Silício, da Califórnia. Ora, há fotografias hoje de trabalhadores do Vale do Silício que moram nas ruas ou nos carros pra trabalhar porque não têm condições de pagar um apartamento, um quarto, uma pensão nessa área que é caríssima. E em compensação ele não quer perder esse emprego. Então ele coloca o carro lá, monta um banheiro e uma cozinha improvisados. Não é possível isso, não é possível…

 

EC – Muito se fala de que os trabalhadores têm que se adaptar às novas ondas tecnológicas que cada vez mais impactam o mundo do trabalho. Parte da mão de obra que perde seu emprego por causa das novas tecnologias acaba sendo absorvida em outros campos da economia. E os que não conseguem se adaptar?


Antunes – Miséria, fome, condição abjeta e desumana. É a Índia. Seguindo a lógica do mundo financeiro e nessa reestruturação permanente do capital nós vamos ter bolsões de miseráveis; os fluxos migratórios vão aumentar, norte-sul, sul-norte, leste-oeste, oeste-leste. As massas vão ficar desesperadas e vai ter que ter estados fascistas se fechando, fechando o trabalho.

 

Transnacionais, concorrência e cadeias globais de produção: novas realidades da sociedade internacional

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A globalização da economia mundial se intensificou com o final da segunda guerra mundial, neste momento os Estados Unidos da América se utilizam de seu poder econômico, político e militar, para construir uma nova sociedade, centrada no dólar, na democracia liberal e no aumento do comércio e da integração econômica entre as economias e as regiões do globo, este modelo de sociedade vem, nos últimos anos, perdendo espaço na economia internacional, o novo modelo ainda está centrado em definições, ansiedades e incertezas crescentes.

No pós segunda guerra, os Estados Unidos são os únicos em condição de assumir o controle da economia global, a Europa estava destruída pelo conflito, os países da Ásia também se viam envoltos em destruições, principalmente o Japão, que tinha sido vitimado por duas bombas nucleares e se encontrava em destruição avançada, fruto de uma guerra que teve vários impactos sobre a sociedade do país e a União Soviética, central na destruição dos nazistas, estava fortemente devastada pelo conflito, com mais de vinte milhões de mortos e imensa devastação de sua infraestrutura.

A reconstrução destes países é orquestrada com o Acordo de Breton Woods, onde surgiram três políticas centrais, a criação de instituições multilaterais – Banco Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI), Acordo Sobre Tarifas e Comércio e Organização das Nações Unidas (ONU), além do padrão Dólar Ouro e das taxas de câmbio fixas, todas estas políticas foram impostas aos países destruídos pelo conflito, deixando claro para a sociedade mundial que o poder e a hegemonia agora estavam nas mãos dos norte-americanas.

Destacamos ainda, que foi neste período que as empresas norte-americanas se expandiram para todas as regiões do mundo, a chamada internacionalização produtiva se inicia com o apoio do governo dos Estados Unidos, que patrocina investimentos internacionais em países parceiros e auxilia na expansão da estrutura produtiva baseada no modelo fordista de produção, tudo isso para consolidar o poderia econômico e político da potência americana.

O modelo fordista se baseava na forte especialização da produção, na produção em série, em grandes unidades produtivas, altos salários, grandes levas de funcionários, na queda dos custos individuais de produção e na expansão do modo norte-americano de viver, baseado no consumo, no lazer e na produtividade crescentes, gerando grandes e sólidas empresas, as chamadas empresas multinacionais (EMN), os Estados Unidos eram os donos do mundo, sua hegemonia era inconteste.

No anos 50 as maiores multinacionais eram as norte-americanas, com a reconstrução dos países europeus surgem as multinacionais europeias, depois as japonesas, posteriormente as coreanas, agora estamos assistindo as empresas chinesas e as indianas, mais uma vez percebemos, neste processo de expansão de empresas internacionais, a ausência das empresas brasileiras, que ainda carecem de forte penetração nos mercados internacionais, possuímos grandes e sólidas empresas mas estas apresentam baixa penetração nos mercados globais.

Pelo modelo que reinava na época a produção era local, as empresas se instalavam em um país, atraindo para a mesma região outras empresas fornecedoras de produtos e matérias primas, com isso, os investimentos eram imensos, a geração de empregos era bastante substancial e o incremento da renda da comunidade estimulava novos investimentos e novos empregos, dinamizando todos os setores produtivos da comunidade, neste período o sistema capitalista apresentou as maiores taxas de crescimento de sua história, período este que ficou conhecido entre os estudiosos como a Era Dourada do Capitalismo internacional, os lucros da empresas cresceram fortemente, os salários dos trabalhadores aumentaram e os governos arrecadaram uma grande quantidade de recursos, aumentando seus gastos e incrementando novas políticas sociais.

Este modelo, baseado no fordismo, foi dominante até o final dos anos setenta, quando a crise internacional do petróleo contraiu os ganhos dos setores empresariais, obrigando-os a novos investimentos em tecnologias, máquinas e equipamentos como forma de diminuir os custos de produção e, com isso, reduzir a dependência crescente dos trabalhadores e sindicatos, além de se fortalecerem diante das pressões dos Estados Nacionais.

Este modelo produtivo trouxe grandes benefícios para os trabalhadores, foi um período de ganhos crescentes para a classe operária, sua renda cresceu e sua condição de vida melhorou enormemente, seu consumo aumentou e contribuiu para novas oportunidades de empregos e políticas de empreendedorismo, que trouxeram investimentos em setores dinâmicos da sociedade, dinamizando a economia e gerando desenvolvimento econômico.

Para evitar as quedas nos lucros, os setores empresariais se mobilizaram para a redução dos custos, os investimentos crescentes em tecnologia abriram espaço para novos setores econômicos e produtivos, a informática e as telecomunicações cresceram e ganharam força dentro das economias, gerando novos investimentos, mobilizando recursos e incrementando os mercados, surgia assim a chamada Terceira Revolução Industrial, um momento de mudanças em inúmeros setores, entre eles destacamos um crescimento central dos setores de serviços, que passaram a ganhar espaço dos setores industriais, atraindo novos trabalhadores e ganhando relevância dentre de todas as economias.

Esta nova Revolução Industrial apresentava características diferentes das anteriores, o emprego passa a exigir dos trabalhadores uma formação mais generalista, a qualificação, antes pouco exigida, passa a se tornar uma exigência constante, o novo modelo prescinde de um trabalhador que execute várias atividades dentro de uma organização, os salários crescem de acordo com as qualificações dos trabalhadores, a produção não mais se concentra em um único local, mas se divide entre vários países onde, cada país se especializa em uma das etapas da produção, com isso, o novo modelo não mais se torna dependente de um único Estado e de seus trabalhadores, são vários países integrados na produção, dando as empresas um poder maior e uma influência central na escolha dos melhores mercados disponíveis.

Este modelo recebeu a denominação de cadeias globais de produção, as grandes empresas multinacionais ou transnacionais, que operavam nestes mercados, eram dotadas de grandes recursos, possuíam grande influência na economia global, possuíam ainda uma grande gama de empresas associadas, desde bancos, seguradores, financeiras, autopeças, universidades, centros de pesquisas, laboratórios, etc, formando grandes conglomerados internacionais.

As cadeias globais de produção se concentravam em vinte ou trinta países, se muito, sua produção era bastante flexível e dinâmica, as burocracias estatais eram evitadas e os países marcados por instabilidades ou conflitos de outras naturezas eram substituídos por outros, a exclusão destas cadeias geravam grandes prejuízos para os países e para sua estrutura tecnológica, com isso, os grupos inseridos se curvavam aos interesses dos donos do dinheiro.

Foi justamente a expansão deste modelo para outras regiões que abriu espaço para a disseminação do modelo produtivo para os países asiáticos, inicialmente, Coréia, Indonésia, Malásia, Cingapura e China, entre outros. Com esta expansão, estes países passaram por enormes transformações econômicas, políticas e sociais, impulsionando o capitalismo para toda a região, estes países possuíam ampla mão de obra barata e aceitavam ganhos menores para se integrarem ao modelo produtivo dominante.

Com o aumento dos custos produtivos nos países ocidentais, onde o custo da mão de obra aumentou enormemente, a opção pelos países asiáticos se mostrou um grande negócio, nestes países a população era muito carente, os indicadores de pobreza eram altos e a busca por sobrevivência levava estes trabalhadores a aceitar empregos com baixa remuneração, com isso, as empresas multinacionais aumentaram seus investimentos na região e reduziram sua expansão em seus países de origem, gerando fortes tensões internas e grandes investimentos nos mercados asiáticos com fortes lucros e grandes expectativas de negócios.

Uma das características imediatas nos países desenvolvidos do ocidente foi a migração de empresas para os países asiáticos, gerando um incremento no desemprego nos setores industriais, obrigando os setores de classe média a busca de novos empregos, muitos deles com remuneração mais baixa e com condições mais desfavoráveis, o resultado deste fenômeno foi uma degradação das condições de vida desta classe média.

Este fenômeno contribuiu para o aumento da desindustrialização dos países capitalistas avançados, suas empresas migraram para regiões onde a mão de obra era mais barata, Ásia e América Latina e, posteriormente, a Europa do Leste, o interessante desta equação é que a produção industrial produzida na Ásia era exportada para os países de origem destas empresas, contribuindo para o incremento dos déficits externos e, com isso, aumentando suas dívidas públicas internas e com a redução da renda agregada destes trabalhadores, piorando os indicadores sociais dos países avançados.

O incremento de investimentos em novas tecnologias no começo do século XXI se apresentou como uma grande necessidade destas empresas, uma questão clara de sobrevivência, afinal, com o capitalismo globalizado, os investimentos em tecnologia e capital humano eram as formas mais seguras de se manter nos mercados internacionais. Surgem novos setores e empresas, tais como Facebook, Google, Amazon, Airbnb, Uber, entre outras, com novas exigências, demandas, necessidades e oportunidades, exigindo de todos os trabalhadores e empresas uma constante reinvenção, flexibilidade e agilidade.

De uma época para outra surgem novas empresas e setores com grande potencial de crescimento, empresas como o WhatsApp, responsável por pouquíssimos empregos diretos são negociadas por valores astronômicos, US$ 24 bilhões, valores estes muito maiores que empresas tradicionais que geram milhares de empregos e estão alicerçadas na economia e na sociedade destes países a muitos e muitos anos, uma verdadeira revolução.

Um outro exemplo impactante, a Netflix, empresa provedora de uma plataforma de streaming, possui atualmente mais de 125 milhões de assinantes no mundo todo e apresenta valores de mercado de mais de US$ 170 bilhões, valores estes superiores a empresas tradicionais como a Petrobrás ou a Vale que, juntas, geram milhares de empregos na estrutura econômica.

De um modelo baseado na especialização passamos para um modelo mais generalista, de um trabalho mais conservador e inflexível passando para um modelo mais dinâmico e flexível, de uma economia mais manual e analógica passamos para uma economia digital e robotizada, nestes novos modelos encontramos muitas incertezas, instabilidades e apreensões que culminaram em novas doenças e desajustes emocionais, espirituais e psicológicos com incremento no estresse, nas patologias e, nos casos mais graves, suicídios.

Estas empresas transnacionais concentram grande poder nas economias e mercados do mundo contemporâneo, sua capacidade financeira e seu poder tecnológico garantem uma grande força nas negociações com governos locais e blocos regionais, em acordos de investimentos estas empresas ganham subvenções fiscais e isenções tributárias crescentes além de infraestrutura material, cabendo a elas apenas o recrutamento dos trabalhadores e a efetivação dos investimentos, seus oligopólios globais enfraquecem a concorrência internacional e garante a elas forte capacidade de influência nos mercados.

Recentemente percebemos novos movimentos nestes mercados, as novas tecnologias baseadas na inteligência artificial, na internet das coisas, nas biotecnologias,  na internet das nuvens, na computação quântica, na impressão 3D, entre outras, estão gerando novas transformações neste modelo econômico produtivo, obrigando os países e as empresas a se adaptar ou correm o risco de serem expurgadas do mercado, com prejuízos devastadores.

Neste novo modelo nascente, percebemos a possibilidade de empresas saírem de países periféricos e retornarem a seus países de origem, este movimento pode se viabilizar porque estas empresas transnacionais globais geram poucos empregos e com estas novas tecnologias estão gerando menos empregos ainda, seu retorno aos países centrais pode ser estimulados pelas redução de impostos em curso, medida iniciada pelo atual presidente norte-americano Donald Trump, além de serem seduzidas pelos sentimentos nacionalistas e protecionistas que crescem e ganham força e relevância na economia internacional.

O novo modelo em curso na sociedade global é fortemente centrado em automação e tecnologias digitais, os avanços na produtividades são visíveis, os custos de produção estão se reduzindo, os desafios deste modelo são inúmeros, alguns internos e outros externos, que dependem de uma nova macroestrutura internacional, tais como a degradação do Meio Ambiente, os avanços das imigrações, o crescimento da concentração de renda, dentre outros.

O modelo que está sendo construído na economia contemporâneo é baseado e intensivo em tecnologia, em máquinas e equipamentos fortemente robotizados, a inteligência artificial que antes era apenas uma distante possibilidade, na atualidade já está se materializando em todas as regiões e países, seus impactos são bastante interessantes, geram um incremento da produtividade global, aumentam a produção e incrementa os ganhos das grandes empresas e conglomerados mas, ao mesmo tempo, tem um forte impacto concentrador de renda, aumentando as desigualdades e a concentração de renda da sociedade mundial, os dados revelados recentemente nos mostram que, em 2017, 82% de toda a riqueza internacional criada ficou concentrada nas mãos de apenas 1% da população global, com isso, percebemos que apenas 18% desta riqueza ficou com 99% da população de todo o globo terrestre, estes dados nos mostram quão caótico esta o mundo contemporâneo, criamos riqueza e as concentramos nas mãos de poucos em detrimento de uma grande maioria que vive, ou melhor, sobrevive, na indigência, pobreza e indignidade, um verdadeiro caos generalizado.