“Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a inclusão à sério”: Dani Rodrik.

0

O economista turco diz que as sociedades, para não caírem nas mãos dos demagogos, precisam estar atentos para superar as divisões econômicas e sociais causadas pela globalização.

Por Guilherme Evelin

Em 1997, no auge do consenso a favor dos benefícios da globalização, o economista turco radicado nos Estados Unidos Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard, publicou um pequeno livro que ia contra a corrente. Em A globalização foi longe demais? (Editora Unesp), Rodrik divergia da maior parte de seus colegas economistas, para quem a globalização, com a desregulamentação e a redução das barreiras para o livre-comércio e o livre trânsito de capitais financeiros, só tinha méritos e só traria benefícios, tanto para países ricos quanto para países pobres — os consumidores dos países ricos teriam acesso a bens e mercadorias mais baratos produzidos nos países pobres, enquanto as economias dos países pobres cresceriam com a maior demanda por suas exportações. No livro, Rodrik apontava os altos custos políticos e sociais da globalização, menosprezados por seus colegas.

A obra causou alvoroço entre os economistas. Rodrik contou mais tarde ter sido, uma vez, abordado por Paul Krugman, o economista americano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008, que o advertiu de que seu livro fornecia “munição para os bárbaros”. A crise financeira internacional de 2008, a fragilidade do euro, a votação dos britânicos a favor do Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia —, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, a ascensão política de populistas xenófobos em vários países da Europa mudaram o curso da conversa. A crítica de Rodrik passou a ser vista como presciente. No ano passado, o último livro de Rodrik, Straight talk on trade(numa tradução livre, Papo reto sobre comércio), com mais ataques à “hiperglobalização” e aos economistas que abandonaram suas dúvidas para atuar como meros ideólogos, foi escolhido como uma das melhores obras de 2017 por Martin Wolf, comentarista do jornalFinancial Times. Wolf era, ele próprio, um dos maiores entusiastas da globalização.

Num livro anterior, The globalization paradox (O paradoxo da globalização), Rodrik cunhou o “trilema da globalização”. “Não é possível ter hiperglobalização, democracia e soberania nacional ao mesmo tempo”, escreveu. Para ele, para preservar a democracia, é preciso dar alguns passos atrás na integração da economia internacional. O economista está longe de ser, porém, um defensor do nacionalismo econômico iracundo de Trump. Rodrik acha que é possível ter uma globalização mais inteligente e flexível — como a que prevaleceu nos tempos de vigência do Gatt, o acordo geral de tarifas e comércio anterior à criação da Organização Mundial de Comércio (OMC). “O objetivo do Gatt nunca foi maximizar o livre-comércio, mas alcançar o máximo de comércio compatível com diferentes nações fazendo suas próprias coisas.”

Rodrik respondeu, por e-mail, a perguntas de ÉPOCA sobre populismo, Donald Trump, a ameaça de guerra comercial no mundo e a crise brasileira. Em relação ao Brasil, ele disse que o país precisa antes de tudo resolver sua crise política interna para retomar um projeto de crescimento econômico. Em relação ao mundo, apesar de Trump, ele se mantém otimista. Num artigo deste ano para o The New York Times, ele lembrou que um surto populista anterior nos Estados Unidos, no final do século XIX, contra os efeitos perversos da globalização da época acabou resultando, na década de 1930, no New Deal de Franklin Delano Roosevelt e na correção de vários problemas do capitalismo.

A seguir, Rodrik responde às nove perguntas de ÉPOCA.

  1. Depois da imposição de tarifas pelo governo Donald Trump a produtos chineses e da retaliação da China a importações americanas, o mundo está caminhando para uma guerra comercial global?

Muito vai depender de como a Europa e a China responderão. Se eles forem contidos em sua retaliação — e eles têm bons motivos para agir desse modo —, terminaremos bem aquém de uma guerra comercial. Guerra comercial não é um desfecho inevitável. E, se ela ocorrer, a China e a Europa deverão dividir a responsabilidade com os Estados Unidos por ela.

  1. As medidas protecionistas, as tensões comerciais crescentes e a eleição de governos populistas significam que estamos entrando em uma era de “desglobalização”?

Acho que também está muito cedo para falar em “desglobalização”. Certamente, uma verdadeira guerra comercial impactaria a globalização. Mas não chegamos lá ainda.

  1. Acredita que a reação populista à globalização, representada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, pode levar a um aperfeiçoamento da globalização?

Essa certamente é minha esperança. É uma oportunidade para as forças progressistas e para a esquerda oferecerem uma resposta programática genuína — e mostrarem que as queixas que trouxeram Trump à Presidência são reais, mas que há melhores maneiras de responder a elas do que por meio do chauvinismo e do unilateralismo.

  1. O senhor vê a ascensão do populismo, o descontentamento com a globalização nas sociedades ocidentais e a crise das democracias liberais como provas de seu famoso trilema, segundo o qual não é possível compatibilizar democracia, soberania nacional e hiperglobalização?

Isso ocorreu mais na Zona do Euro do que nos EUA, porque foi na Europa que a hiperglobalização foi mais longe. Os EUA poderiam ter evitado a reação populista se tivessem melhores redes de segurança social e se os acordos comerciais assinados pelo país não fossem tão unilaterais, com vantagens tão exageradas. Mas, tanto na Europa como nos EUA, houve um erro crucial: o aumento da globalização aprofunda as divisões econômicas e sociais dentro das sociedades e, a menos que estejamos atentos à superação dessas divisões, os demagogos aproveitam-se do fracasso do centro político.

  1. O senhor é um crítico duro de seus colegas, os economistas, a quem responsabiliza por muito da confusão política e econômica do mundo. Acha que estão prontos para rever seus pontos de vista sobre a liberalização e a desregulamentação das últimas décadas?

Estou otimista com a variedade de ideias políticas que estão surgindo da profissão econômica no presente. Há uma tendência a pensar que o neoliberalismo e a economia mainstream são a mesma coisa. Na realidade, o neoliberalismo foi uma perversão da economia. Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a desigualdade, a mobilidade social e a inclusão a sério.

  1. Se houver uma escalada das medidas protecionistas e tivermos uma reversão da liberalização comercial e financeira das últimas décadas, como um país como o Brasil, que experimentou um crescimento lento desde a década de 1980 e não obteve grandes ganhos com a globalização, pode ser afetado?

Em última análise, o que acontece em casa é mais importante do que esses desenvolvimentos globais — especialmente em um país tão grande como o Brasil. É claro que, se os preços das commodities caírem e os mercados globais começarem a fechar, haverá custos para o Brasil, como em outros países. Mas a prioridade número um do Brasil deveria ser superar a crise política doméstica e ter um programa econômico sério em vigor.

  1. Em seu livro mais recente, o senhor escreveu que um dos fenômenos econômicos mais importantes de nosso tempo é “desindustrialização prematura” — em parte por causa do avanço da automação, em parte em virtude da globalização. Esse é o caso do Brasil, que se tornou principalmente um exportador de commodities nas últimas décadas?

O Brasil sofreu com isso, assim como muitos outros países de renda média. Não vejo uma maneira fácil de reverter a desindustrialização, infelizmente.

  1. Pode algum país vencer o desafio do crescimento sem indústria forte?

Sim, mas terá de ser um caminho diferente de crescimento, uma partida histórica. Parte disso é investimento em pessoas e infraestrutura física. Parte disso é uma estratégia coerente de conectar os setores e empresas mais avançados da economia com os setores e regiões mais atrasados — tanto em serviços quanto em indústria. E tudo isso tem de ser feito sem pôr em risco os equilíbrios macroeconômicos.

  1. Qual é a política inteligente a ser perseguida por qualquer país para vencer o desafio do crescimento em tempos de globalização com tantos paradoxos? A China pode ser uma inspiração ou não?

É difícil copiar diretamente a China e fazer exatamente o que esse país fez. As circunstâncias são muito diferentes. Mas a mensagem geral que o sucesso da China envia ainda é útil: para alavancar sua economia, como a China fez, você precisa de uma estratégia de crescimento interno que se concentre em investimento doméstico, aquisição de tecnologia e diversificação. Você precisa fazer sua própria lição de casa antes que a globalização possa ajudá-lo. A segunda mensagem é: não se deve ficar muito apaixonado por projetos ocidentais ou pelas chamadas “melhores práticas”; uma economia orientada para o mercado pode ser dirigida com diversos arranjos institucionais, e uma certa quantidade de experimentação e heterodoxia é inevitável.

 

Morre Zygmunt Bauman. Leia entrevista inédita em que ele defende a redenção pelo diálogo

0

O prolífico sociólogo polonês, célebre por teorizar sobre a “modernidade líquida”, faleceu nesta segunda-feira (9), aos 91 anos

GUILHERME EVELIN E RUAN DE SOUSA GABRIEL – 09/01/2017

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman morreu nesta segunda-feira (9), em Leeds, na Inglaterra, aos 91 anos. A morte de Bauman foi noticiada por jornais poloneses e confirmada por Anna Zejdler-Janiszewska, professora de filosofia da Universidade de Varsóvia e amiga pessoal do sociólogo. Bauman foi um dos pensadores mais celebrados das últimas décadas e escritor prolífico e popular de livros como Modernidade líquidaCapitalismo parasitário e Modernidade e holocausto, publicados no Brasil pela Zahar. Bauman analisou a “modernidade líquida”, característica do mundo pós-globalização, onde a fluidez da tecnologia digital também define as identidades e as relações sociais. O resultado de tanta “liquidez” é um mundo cada vez mais atormentado por ansiedades e inseguranças. Bauman não era um intelectual dos mais otimistas.

Nascido em 19 de novembro de 1925, numa modesta família judaica, Bauman buscou refúgio na União Soviética quando as tropas nazistas invadiram a Polônia. Juntou-se ao Exército Vermelho e se dedicou ao estudo do marxismo. A experiência da guerra marcou indelevelmente a vida e o pensamento do sociólogo, que escreveu sobre as ligações entre a modernidade e o Holocausto. Segundo Bauman, o nacionalismo alemão não é suficiente para explicar a barbárie nazista. As complexas burocracias e tecnologias modernas teriam contribuído para o empreendimento nazista ao criarem condições para o desaparecimento da responsabilidade individual. A preocupação com a ética e as responsabilidades morais é central na obra de Bauman.

Finda a guerra, Bauman voltou à Polônia, onde se dedicou à militância comunista e acadêmica. Com o tempo, desiludiu-se com o comunismo soviético, que descambara em totalitarismo. Ao lado de outros intelectuais da Universidade de Varsóvia – e inspirado pelas ideias do comunista italiano Antonio Gramsci – começou a desenvolver um “marxismo humanista”. “Eu descobri Gramsci, e ele me deu a oportunidade de uma libertação honrosa do marxismo. Era um modo de abandonar a ortodoxia marxista, mas eu nunca me tornei antimarxista, como a maioria. Eu aprendi muito com Karl Marx e sou muito grato”, afirmou.

No entanto, o regime comunista polonês não via com bons olhos o socialismo arejado sonhado por Bauman e seus camaradas. Em 1968, depois de um expurgo antissemita na Universidade de Varsóvia, Bauman partiu para o exílio. Depois de uma temporada em Israel, radicou-se na Inglaterra, em 1971, onde passou a lecionar sociologia na Universidade de Leeds e, posteriormente, na London School of Economics. Bauman também apreciava a literatura e era um grande leitor de Jorge Luis Borges Italo Calvino.

Bauman sempre levantou a voz em defesa dos despossuídos, dos refugiados e dos perdedores da globalização. E nunca perdeu a fé no papel do intelectual de intervir na realidade e fomentar ideias para a transformação do mundo: “Por que eu escrevo livros? Por que eu penso? Por que eu sou passional? Porque as coisas poderiam ser diferentes. Meu trabalho é alertar as pessoas dos perigos”, afirmou.

Bauman foi casado por 62 anos com a escritora polonesa Janina Lewinson-Bauman, que morreu em 2009. Ele deixa sua segunda esposa, Aleksandra Jasinska-Kania, filha do ex-presidente da Polônia comunista Bolesław Bierut, três filhas e mais de 50 livros publicados.

Leia abaixo uma entrevista inédita que Bauman concedeu a ÉPOCA em agosto do ano passado, quando foi publicada a edição brasileira de Babel – entre a incerteza e a esperança (Zahar, 154 páginas, R$ R$ 34,90).

ÉPOCA – Na edição brasileira, o nome do seu livro é Babel – entre a incerteza e a esperança. Por que o senhor acha que há um sentimento crescente, ao menos nas sociedades ocidentais, de vulnerabilidade e incerteza com relação ao futuro de nossa Babel?

Zygmunt Bauman – Um primo próximo da incerteza é o sentimento da impotência. As ferramentas que, no passado, se mostraram eficazes para lidar com os desafios da vida individual e coletiva têm sido desacreditadas, tornaram-se infrutíferas e fúteis. Individualmente ou conjuntamente, nós estamos emergindo, de sucessivos testes, desarmados, infelizes, incapazes de lidar com os desafios. Os sábios na ribalta rivalizam uns com os outros. Sugerem soluções para os nossos problemas, como a guerra ao terror, as restrições à migração, incontáveis reformas trabalhistas e educacionais com o objetivo de preparar nossas crianças de forma a atender a suas demandas caprichosas e voláteis. Todas essas aparentes soluções, uma após a outra, falham em cumprir com suas promessas. Junte à incerteza esse desencorajador e humilhante senso de inaptidão e o sentimento é semelhante a gastar a vida num campo minado que nós sabemos estar cercado de explosivos, mas sem termos nenhum indício de onde ou quando essas explosões vão acontecer.

ÉPOCA – O senhor acha que esse sentimento de vulnerabilidade é devido à globalização – o modo como o capitalismo global é organizado – ou à evolução tecnológica que está substituindo o trabalho humano? Ou a ambos?


Bauman –  
De fato, a globalização parece uma das principais culpadas. Como Ulrich Beck (sociólogo alemão, que viveu entre 1944 e 2015), uma das mentes mais brilhantes do nosso tempo, colocou: nós estamos presos em uma “situação cosmopolita”. Nós, os residentes do planeta, somos interdependentes, conscientemente ou não, queiramos ou não. Mas essa situação não está sendo acompanhada pelo desenvolvimento, pela aquisição e aplicação de uma “consciência cosmopolita”. Nós continuamos com os memos instrumentos concebidos no passado para resolver problemas impossíveis de resolver, que emergem das condições de interdependência, erosão e diluição da autonomia territorial e das soberanias nacionais.

ÉPOCA – Esse sentimento de vulnerabilidade inflamou também uma crescente raiva nas sociedades, que passou a ter consequências políticas, como podemos ver na aprovação do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia aprovada em referendo) e na emergência do fenômeno Donald Trump nos Estados Unidos. Como o senhor acha que essa raiva afetará a democracia?

Bauman – O que nós muitas vezes caracterizamos como “crise da democracia” é, na verdade, uma crise das obsoletas instituições dos Estados-nações territorialmente soberanos. Por mais que tentem, os governos desses Estados, devido a um constante déficit de poder, falham em entregar suas promessas. Mais e mais pessoas, desencantadas com essa experiência frustrante, desviam suas esperanças do sistema de partidos políticos para fora do sistema. A diminuição geral de confiança na política corrói a democracia. Muito de nós veem a alternativa sugerida pelos candidatos  autoritários – um governo pessoal e ditatorial, livre das restrições da democracia – como uma tentação difícil de resistir. Estamos todos próximos de cair numa emboscada. O que pode acontecer se a notoriamente fraca governança democrática for substituída por um “homem forte” ou uma “mulher forte” no topo, com capacidade de tirar a responsabilidade de nossos ombros para os seus ombros fortes, em troca de nossa não interferência e submissão incondicional? Lembre-se de que a grande maioria dos nossos contemporâneos nunca experimentou, de primeira mão, os duvidosos encantamentos de viver sob uma ordem autoritária, muito menos uma totalitária.

ÉPOCA – O senhor concorda que a principal divisão nas sociedades ocidentais deixou de ser entre esquerda e direita e passou a ser aquela que opõe os que favorecem as fronteiras abertas contra aqueles que querem fechá-las?

Bauman – A bicentenária divisão entre direita esquerda tem sido sistematicamente e efetivamente erodida pela política de privatização e individualização.  Essa é uma política que gradualmente, mas incessantemente, substituiu um ambiente social hospitaleiro à solidariedade humana por outro gerador de suspeição mútua e competição brutal; um ambiente no qual nós, por bem ou mal, operamos desde o nascimento até a morte.

ÉPOCA – Como conter a ascensão dos neopopulistas e dos neofascistas?

Bauman – Eu não tenho uma receita pronta, nem um atalho. Eu suspeito que nós estejamos passando de uma busca por uma utopia (uma sociedade que ainda não existe em nenhuma lugar) para um retorno a uma “retrotopia” (uma sociedade que não existiu). As presentes gerações estão crescentemente desviando suas esperanças de uma sociedade melhor do futuro para o passado (igualmente imaginário). “Progresso”, que num passado não muito longínquo era associado a uma vida melhor, agora tende a ser associado a mais catástrofes, mais privação e degradação, mais riscos e menos segurança.

ÉPOCA – Na nossa Babel, como transformar incerteza em esperança?

Bauman – Como é da natureza da Babel, a única esperança para as pessoas presas nela é o diálogo – um diálogo contínuo e de boa vontade. Engajar-se no diálogo, como o papa Francisco vive nos lembrando, é confiar nas outras pessoas, por mais diferentes e estranhas, para que sejamos dignos de atenção, de sermos ouvidos, de discutirmos. O diálogo tem de ser sobre a construção de pontes, não de muros. E deixe-me fazer uma advertência: o diálogo não é uma prescrição para soluções rápidas e instantâneas. Mas, sem diálogo, dificilmente haverá futuro para os residentes da Babel que lhes dê tempo para ponderar resoluções e colocá-las em prática. Em outras palavras: o diálogo é o instrumento para tornar o nosso planeta hospitaleiro para resolver os problemas que nós confrontamos conjuntamente e que, uma vez que permaneçam sem solução, podem dar origem a pesadelos apocalípticos.

 

Megatendências: as dez grandes transformações que estão ocorrendo na sociedade moderna

0

O livro, escrito no começo dos anos 80, pelo visionário norte-americano John Naisbitt, nos trás grandes revelações de como seria a sociedade internacional no século XXI, uma obra de relevância e de impacto que mostra a importância de se estudar os grandes movimentos da sociedade internacional e seus impactos sobre o indivíduo e para toda a sociedade.

 

Faça download do artigo

Presidenciáveis repetem erros que geraram a crise, diz economista

0

Para José Alexandre Scheinkman, crise fiscal que assola o país vem sendo ignorada na campanha

17.set.2018 – Érica Fraga

SÃO PAULO

Algumas propostas dos candidatos que lideram a corrida à Presidência da República indicam que o Brasil persiste em erros que o levaram à última recessão.

A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenciáveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisador, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.

Na época, a contribuição culminou na elaboração da chamada “Agenda Perdida”, compilação de ideias de vários especialistas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.

Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocadas está a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras.

“Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia”, diz.

Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerá-la inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representaria um formidável retrocesso para o Brasil.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.

Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme “Feitiço do tempo”, em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão? 

Sim. As propostas da campanha presidencial mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.

O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtividade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.

Por que o país não avançou?

O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtividade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.

A quais programas o sr. se refere? 

Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.

O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas? 

Acho que as assessorias econômicas de Alckmin e Marina estão mais conscientes do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.

Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentaria resistência no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdência instituindo o sistema de capitalização.

Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor? 

A reforma da Previdência não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentadoria porque há um problema demográfico.

Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferenciação. Evidentemente, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapartida disso é que vivem mais do que os homens.

E há o problema dos regimes especiais que, essencialmente, se referem a uma parte do funcionalismo público que tem uma aposentadoria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.

Por que a recuperação da economia tem sido decepcionante, apesar de algumas mudanças feitas pela gestão Temer? 

Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhista. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independência. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimento.

O teto dos gastos é um negócio interessante porque supostamente é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmente, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessárias para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimentos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.

Vai ser inevitável aumentar impostos? 

Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalente a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.

Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da “Agenda Perdida”? 

Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economistas ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.

Acho que, evidentemente, as políticas sociais do Bolsonaro representariam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamentar contradiz o seu discurso econômico atual.

Mas vou falar do exemplo da capitalização da Previdência. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuição dos empregados atuais. Se a previdência for capitalizada, essas pessoas não vão contribuir mais.

Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessários impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentação financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidentemente, isso vai completamente contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.

Quanto à capitalização da Previdência, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessárias para entender o problema.

Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso? 

O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalidade.

Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discriminatórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universidade for gratuita.

Como resolver o problema do atraso da produtividade que já era urgente há décadas e só se torna pior? 

Temos de melhorar muito a infraestrutura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuísse mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.

Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológicos entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comercializa muito pouco com o resto do mundo.

Uma grande dificuldade é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrência.

O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.

Agora, qualquer reforma vai encontrar resistência. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhadores até que ocorra uma realocação.

Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: ‘Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo’. Isso é um absurdo, né?

José Alexandre Scheinkman, 70, Doutor em economia pela Universidade de Rochester, é professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA. Atua ainda como pesquisador associado do centro de pesquisa americano Nber

 

Segurança pública: para virar o jogo

0

A leitura da obra Segurança pública: para virar o jogo, de Ilona Szabo e Melina Risso, nos auxilia na compreensão dos grandes desafios da segurança pública no Brasil, leitura leve e interessante, vale a pena se enveredar neste assunto tão fundamental para melhorar nossa convivência em comunidade.

 

Faça download do artigo

A Terra não se regenerará sozinha; essa tarefa é de todos que nela habitam

0

Por Sineya Pinto – O Consolador

O pensamento acima é de Rossandro Klinjey (foto), palestrante e escritor bastante conhecido no meio espírita. Psicólogo clínico, mestre em Saúde Coletiva e doutor em Psicanálise, é autor do livro Temas complexos: uma abordagem didática e coautor do livro Educando para a paz.

Foi professor universitário por mais de dez anos, quando passou a se dedicar à atividade de palestrante. Atualmente, atua nas áreas de recursos humanos, motivacional, liderança, perspectivas da educação, relações interpessoais, desenvolvimento emocional, gestão de pessoas, serviço público, cultura de paz, entre outros.

Quando de sua última passagem por nossa cidade, Rossandro concedeu-nos a entrevista seguinte:

Como você conheceu o Espiritismo?

Tenho um irmão que foi morar na Rússia, quando tinha mais ou menos 18 anos. Ele estudou russo lá em Campina Grande e foi morar em Moscou para aprimorar-se no idioma. Passou numa seleção para ir morar em Moscou, onde  era difícil a comunicação por cartas, porque o governo ainda era da União Soviética e a gente não tinha como comunicar-se com ele, pois não tínhamos telefone. Só quem tinha muito dinheiro no passado é que tinha telefone; então minha mãe, com essa dificuldade de comunicação, estava muito angustiada. Ela tinha um amigo cardiologista chamado Fernando Queiroga, que falou que ela poderia ir ao Centro Espírita para obter notícia do filho. Minha mãe, que era uma pessoa muito mística, foi, mas eu não quis ir, porque pra mim centro espírita era uma coisa do mal. Ela, porém, disse: “Vai sim, pois você não pode ficar em casa sozinho; você tem 14 anos e tem que ir comigo, mas não é obrigado a entrar”. Fomos, mas fiquei do lado de fora do centro. Era um centro tão pequenininho, não tem terraço nem nada, de modo que eu não entrei mas escutei a palestra e aí, claro, escutei os argumentos, a leveza, a suavidade do Evangelho. E chegou então a informação: – Seu filho está bem, pegou uma gripezinha na primeira nevasca e está um pouco chateado porque as pessoas que com ele dividem o quarto têm o costume de fritar peixe no quarto, mas está bem e breve se comunicará com você. Eu achei aquilo tão absurdo, com tantos detalhes assim, gente que frita peixe no quarto, algo tão sem propósito, um absurdo, uma viagem… Aí, dias depois, chega uma carta do meu irmão: – Mamãe, estou bem, apenas peguei uma gripe porque a primeira neve, sabe como é, nunca tinha visto; então fiquei descoberto, e aí estou morando com coreanos e eles têm um costume horrível de assar peixe no quarto… Você fica assim… caramba… E o engraçado é que nessa mesma época quando viajou, meu irmão estava muito revoltado com a religiosidade. Certa noite ele pediu a uma moça um livro em português: era uma paulista que também estava em Moscou. Ela lhe disse: – Só tenho um livro em português aqui; se você quiser, chama-se O Livro dos Espíritos. Ele pensou: Uau… esse negócio é do demônio! Ela respondeu: – É o único que tenho em português. Ele então levou o livro e o leu a noite toda, até as quatro da manhã. Todas as questões da vida dele, sobre que tinha dúvidas, ele viu as respostas e foi muito engraçado que, quando ele voltou para o Brasil, eu tinha me tornado espírita e ele se tornou espírita lá, e a gente estava com vergonha de dizer um pro outro que tinha se tornado espírita. A partir disso, obviamente, comecei a estudar… Eu te digo que já fui evangélico, católico, e o que eu aprendi com o Espiritismo é que Deus está em todo lugar. E há uma questão que me chamou muita atenção, porque comumente as religiões  dizem que só elas é que têm a verdade e que as outras até que têm, mas a minha é melhor. Mas no Livro dos Espíritos Kardec pergunta se seria necessário ser espírita pra ter sorte na vida  futura ou uma vida melhor, e os espíritos respondem que, se fosse assim, estariam condenados todos aqueles que não tivessem o ensejo de conhecê-lo, o que seria um absurdo. Somente o bem garante ao homem um futuro melhor e o bem é somente o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza. Então pra mim isso foi um impacto teológico profundo, porque foi a primeira vez que eu vi uma manifestação de espiritualidade dizer que Deus está em todo lugar e que importante é como você é e não o rótulo que você professa. E isso é uma coisa que eu sentia, e foi confirmado ali. Então foi assim que eu conheci a Doutrina Espírita.

O fato de ser assumidamente espírita prejudica ou ajuda a sua condição de psicólogo? Você já sofreu alguma discriminação ou preconceito por isso?

Do ponto de vista humano, às vezes prejudicava, porque muita gente não ia para o consultório porque sabiam que eu era espírita e as pessoas, sei lá, achavam que eu fazia algumas coisas: aquela visão distorcida que as pessoas têm do Espiritismo. Profissionalmente muitas vezes as pessoas disseram que eu não conseguiria fazer sucesso nas palestras profissionais a não ser que eu tirasse todos os vídeos espíritas da internet . Eu disse que jamais faria isso, porque dos muitos defeitos que eu tinha, essa era a virtude que eu tinha: ser espírita, e não ia abrir mão disso nem  negar isso pra ninguém. Mas do ponto vista interno, pra mim isso tem sido uma grande contribuição, tanto nas minhas falas profissionais como nas minhas falas como psicólogo ou como professor quando dava aula. Esse conhecimento espírita respeitoso a todos e que consegue ver o ser humano para além de um caráter material só me enriqueceu. Então, do ponto de vista mais transcendente, ser espírita só me trouxe vantagens. Aliás, perto do testemunho que nossos irmãos no passado do Cristianismo deram ou que os nossos irmãos no início do movimento espírita no Brasil enfrentaram, a gente vive hoje num mar de rosas.

Como foi o convite para sua participação no programa Encontro com Fátima Bernardes?

A verdade é que eu comecei a fazer vídeos na internet com o objetivo de levar um pouquinho daquelas mensagens que havia nas palestras de uma forma mais encapsulada em 4 minutos. Então pegava um vídeo de 4 minutos e jogava na internet, e as pessoas começaram a ter uma receptividade maior do que imaginava. Os vídeos começaram a ter milhares, depois milhões de acessos, algumas palestras foram recostadas como aquela em que contei a história do meu amigo cujos filhos estavam vindo da Disney. Vários trechos sobre a educação dos filhos  tiveram milhões de acesso, rodaram no WhatsApp do mundo todo, até no WhatsApp chinês que é diferente, com tradução em mandarim;  então o que aconteceu é que o pessoal da Globo começou a ver a movimentação nas redes sociais com meu nome e daí me chamaram. A primeira vez pra eu ir lá foi em 2017. Fátima é uma pessoa muito  humana e doce,  e toda a equipe são pessoas muito legais e nunca me pediram pra mudar de opinião, pra não dizer o que eu penso. Tenho, pois, plena liberdade pra dizer o que eu penso claro, mas é claro que estou lá como psicólogo e não como espírita, o que é obvio; é programa laico e ele não tem espaço pra religião específica. Então, depois do terceiro programa que eu fui, eles pediram pra eu ficar fixo no programa, de modo que quinzenalmente, nas sextas-feiras, eu estou lá junto com Bráulio Bessa, que é um ser humano fantástico também, um ser humano que tem uma poesia transformadora, espiritual e é espírita também. A gente tem feito esse trabalho, levando essa mensagem sobre família, valores, comportamento humano, e tem sido uma experiência muito gratificante pra mim.

Como começou sua parceria com o Haroldo Dutra?
Conheci o Haroldo na Paraíba, no congresso espírita paraibano. A gente começou a conversar e já rolou uma sintonia muito grande. Nós temos um amigo em comum chamado José Octávio, que é de Minas Gerais, mas mora em Campina Grande. A gente nasceu no mesmo ano – 1971. Ele é mais velho três meses que eu e temos uma relação muito boa. Tenho uma admiração profunda por ele, pela profundidade dos estudos que ele faz em torno do Evangelho e por suas traduções. De nossas conversas surgiu a ideia das palestras curtas, de 15 minutos, inspiradas nessa nova linguagem do TED TALKS, que vem sendo utilizada no mundo inteiro, em face principalmente do psiquismo da geração atual, que quer um conteúdo mais encapsulado, mais objetivo. Então a gente pensou: – Por que não fazer uma coisa parecida, um evento parecido, e disso surgiu a IDE – Ideias, Diálogos e Espiritualidade. Conversando com o  Haroldo  na semana passada, conversamos sobre fazer um IDE jovem, voltado para os jovens, que pode ser no mesmo dia do IDE normal, algo que certamente faremos em breve. Haroldo é um irmão querido e a gente tem tarefas que se complementam.

Rossandro, que futuro você vislumbra para o Espiritismo no Brasil e no mundo?

A doutrina espírita, como sabemos, é imorredoura e grandiosa, mas o movimento espírita, humano, com nossas sombras e falhas, vai passar naturalmente por modificações, por transformações, por aprimoramento e amadurecimento. Em alguma medida eu me coloco nesta análise que vou fazer: todos nós, de um modo geral, com algumas exceções, não estamos conseguindo dar a essa doutrina luminosa a visibilidade que ela merece. Eu acho que nós temos um tesouro gigantesco que responde a parte significativa, senão todas, das angústias humanas e a gente não está conseguindo falar pra todo mundo isso. É preciso gritar, é preciso falar isso. Como diz Emmanuel, a maior caridade que podemos fazer para essa doutrina é a sua divulgação dela, para que ela provoque nos outros  corações o que provocou  no nosso; esse  sentimento de consolação, sentimento de esperança,  de não entrar no fluxo atual do desespero do desengano  e do desencanto,  do nonsense, para a gente saber  que existe um Cristo no leme desta nau chamada Terra, um governador amoroso que espera por nós, por nossos esforços rumo à evolução e desenvolvimento e que  sabe da necessidade das dores no processo de aprimoramento. Precisamos levar esse Evangelho redivivo, essa doutrina, para que outros corações possam ser consolados; precisamos divulgar essa doutrina com a grandeza que ela tem, na dimensão que ela tem. Somos um grupamento que não lida com dinheiro e, portanto, não dispõe de grandes recursos, mas com a evolução tecnológica, graças à internet, ao YouTube e todas essas redes, a gente tem conseguido chegar ao coração das pessoas através de vídeos e palestras. Pessoas que por falta de coragem ou por preconceito não entrariam numa casa espírita escutam as palestras e terminam se desarmando e percebendo que estamos falando do mesmo Deus, pregando o mesmo Evangelho, em busca do mesmo Pai, e isso tem sido algo muito bom e muito novo. Acredito que o movimento do Espiritismo na internet é hoje mais forte que o movimento nas casas, e é uma coisa muito natural porque as pessoas estão consumindo conteúdos em casa, em face da correria que todos enfrentam na vida. Lembro que uma vez eu estava com o Décio Iandoli em Atlanta fazendo uma palestra para umas 50 pessoas e, no entanto, havia 70.000 nos acompanhando pela internet. A gente está aqui falando nesta entrevista, alguém grava e joga no YouTube e explode… Então, para o bem e para o mal, a internet pode reverberar, mas que nós possamos, com esse instrumento, reverberar para o bem essa mensagem luminosa, essa doutrina fantástica, como é feito pela revista O Consolador, que há 12 anos realiza esse trabalho maravilhoso de divulgação espírita pela internet, com esse mecanismo de busca de temas do Evangelho e tantas informações veiculadas graciosamente.

Caro amigo, suas considerações finais.

Na verdade sempre é uma alegria poder falar sobre o que estamos sentindo e experimentando em torno do Evangelho e do Espiritismo em nossas vidas. Obviamente, se você fizer esta entrevista daqui a dois dias, eu iria ter outras coisas pra dizer pelos dois dias a mais de experiência; talvez daqui a 2 anos, mais coisas, o que é muito natural. Nos processos evolutivos a gente tem que  respeitar o nosso momento, o momento dos outros, a compreensão que a gente tem agora com as compreensões que virão amanhã… Que possamos, todos os que ouvirem ou lerem esta entrevista, entender a importância do papel que cada um de nós tem na transformação do planeta. A Terra não se regenerará sozinha; essa é uma tarefa de todos nós, de cada indivíduo que nela habita. Nós temos um dever pessoal de executar transformações, especialmente no campo da ética cotidiana, para que a gente possa transformar este país e cumprir o papel que nos foi designado pelo Cristo, o de sermos o coração do mundo e a pátria do Evangelho e possamos, assim, acolher aqui as pessoas e mostrar-lhes as possibilidades da vivência desse Evangelho, inspirando outros países para a construção  de um tempo novo,  que não será pautado pela quantidade de dinheiro que se tem, pela quantidade de armas que se tem, mas pela disposição  que se tem pra amar, servir e ser fraterno.

“Terceirização vai levar ao fim do emprego da classe média no país” diz Ruy Braga.

0

O que acontecerá com o mercado de trabalho a partir da reforma trabalhista e da liberação da terceirização irrestrita? Para ajudar a entender o que virá, o Sul21conversou com Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo. Autor de diversos livros, sendo o último A Rebeldia do Precariado, lançado pela editora Boitempo em 2017, o sociólogo tem se dedicado a estudar o mercado de trabalho e a consequências da precarização que vem ocorrendo em diversos países do mundo, especialmente a partir da crise econômica de 2008.

A entrevista é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul 21, 10-09-2018.

As previsões que Braga faz não são nada favoráveis ao trabalhador. Pelo contrário, ele acredita na proliferação do subemprego, levando ao achatamento da renda das famílias, dificultando a retomada do crescimento e com poucas chances de trazer grandes modificações para o atual cenário de elevado desemprego no país. Além disso, com a generalização da terceirização, o sociólogo acredita estar próximo o desaparecimento do chamado emprego protegido.

“O que a gente vê no horizonte, se essa tendência não for revertida rapidamente, é o fim do emprego de classe média no país. Você não vai ter mais esse último bastião de contratação de classe média, via concurso público, com algum tipo de proteção, carreira ou algo do estilo. O que você vai ter é a generalização da contratação de trabalhadores terceirizados, profissionais terceirizados, PJs, ou via cooperativas ou via empresas de intermediação de mão de obra, empresas de trabalho temporário”, diz.

No lugar da proteção, ele vislumbra a generalização de práticas que são vistas no setor de transporte de passageiros por aplicativo. “Vai ter o Uber do professor, do enfermeiro, do jornalista, do arquiteto, do publicitário. Ou seja, um tipo de emprego precário mobilizado por plataforma digital. Essa é a tendência. Não se paga direito nenhum, não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, ocorre ao sabor do ciclo econômico, ou seja, das flutuações de mercado. É a devastação máxima da proteção via mercantilização do trabalho”, afirma.

Eis a entrevista.

Na última semana, acompanhamos, em Porto Alegre, a demissão de mais de 300 profissionais de um hospital, que logo em seguida foram substituídos por terceirizados. As demissões em massa com substituição por terceirizados é uma realidade que teremos a partir da liberação da terceirização irrestrita?

Sem dúvida, porque, na realidade, o contexto da crise econômica atual favorece medidas de corte de custos pelas empresas e o ajuste está sendo feito sobre o trabalho. Ou seja, muitas empresas estavam simplesmente esperando a pacificação dessa questão pelo Supremo a fim de iniciar esse ciclo de ajuste estrutural dos seus quadros. Como o Supremo eliminou a questão do último dique, a última barreira contra a terceirização – que era a súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho -, agora foi dada a largada para essa mudança estrutural do mercado de trabalho do país. Evidentemente, num contexto econômica, isso vai se dar de forma ainda mais acelerada.

Se nós tivéssemos uma situação relativamente normal da economia, com algum tipo de crescimento, a média que foi no último período de 14, 15 anos atrás, ainda assim haveria um ajuste estrutural do mercado de trabalho brasileiro tendo em vista as taxas de rotatividade históricas. Agora, com esse contexto de crise, esse ajuste vai se dar de forma ainda mais rápida, com a repetição desses exemplos pelo País afora. Ou seja, empresas mais ou menos endividadas irão optar por esse tipo de expediente, que, na realidade, o objetivo essencial é a diminuição de custos.

Eles consideram o trabalho como um custo e naturalmente, do ponto de vista da lógica econômica que guia as escolhas dessas empresas, é o que tem que prevalecer. Então, a gente vai, infelizmente, passar por um momento muito deletério do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores.

trabalho terceirizado é bastante conhecido pela literatura. Recentemente houve uma revisão de mais de 100 estudos, feito pelo pessoal do Dieese, demonstrando que o trabalho terceirizado afasta o trabalhador de direitos ou benefícios oriundos da negociação coletiva, praticamente, não há negociação coletiva, é um trabalho de jornadas mais longas, que remunera menos – em torno de 25% a menos em atividades comparáveis -, é um tipo de trabalho em que você encontra a tendência a um maior adoecimento, que se submete a taxas de rotatividade mais elevadas, é um tipo que a gente costuma chamar de trabalho precário, mesmo que o vínculo seja formalizado. Então, o que a gente espera é um ajuste estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que deve ocorrer num ritmo mais intenso, e uma difusão generalizada da precariedade das condições de trabalho, que evidentemente repercutem nas condições de vida da população.

A grande promessa da terceirização irrestrita, assim como da reforma trabalhista, é de que iria facilitar a contratação. Que impacto tais medidas podem ter na questão do desemprego?

No desemprego, nenhum. O que vai acontecer é um aumento do subemprego. É uma falácia e uma inverdade dizer que reformas da legislação trabalhista que atacam o polo protetivo do trabalho, que de alguma maneira eliminam direitos, criam empregos. Não criam empregos.

O que cria emprego, basicamente, é o investimento, público ou privado. Sem investimento – e a taxa de investimento no Brasil é declinante -, não há criação de novos empregos. O que vai acontecer é uma substituição de empregos mais ou menos protegidos por empregos precários, com uma tendência da estabilização do nível de desemprego nessa faixa que a gente conhece, que hoje está em torno de 13%. E se você somar as demais fatias da questão do subemprego ou do desalento você vai alcançar em torno de 27 milhões de pessoas ou desempregadas ou subempregadas no país. Isso tende a se cristalizar, com o aprofundamento da precarização daqueles que, de alguma maneira, ainda mantém um certo vínculo formal de emprego. Então, não há horizonte por conta de reforma trabalhista para o aumento do emprego.

Essa é uma realidade bastante conhecida, a própria OIT [Organização Internacional do Trabalho] publicou, em 2015, uma análise bastante minuciosa de 61 casos nacionais acompanhando as reformas trabalhistas, que se intensificaram no mundo a partir de 2007 e 2008. Em todos os casos, não houve criação de emprego, o que se verifica é um aumento do subemprego, da informalidade ou do trabalho precário. Com os efeito que são mais do que conhecidos: o aumento da desigualdade social, o aumento da violência. Ou seja, não há muita novidade nessa seara.

Essa precarização pode ter um efeito cascata negativo, de diminuição do poder de compra e sobre o mercado de consumo?

Os dois efeitos principais da generalização da terceirização, tendo em vista o achatamento da renda do trabalhador, são: por um lado, a diminuição do consumo, ou seja a erosão da capacidade de consumo das famílias trabalhadoras, e, por outro lado, efeitos perversos sobre a Previdência. O que a gente está assistindo, na realidade, é um desmanche do pacto distributivo que foi estabelecido com a Constituição de 1988. E essa solidariedade intergeracional tende a se fragilizar a um ponto insustentável num futuro previsível. Não há horizonte de aumento da arrecadação, mas o contrário. Com o achatamento da renda o que você vai ter é uma incapacidade, uma dificuldade muito grande de manter a Previdência num nível sustentável. Até porque, com a generalização da terceirização no setor público, que fatalmente irá acontecer num contexto de teto de gastos, você elimina um dos principais pilares da Previdência, que é a contribuição previdenciária do funcionalismo público, que é algo muito importante para as contas da Previdência.

Os defensores das reformas têm argumentado que contratar no Brasil era muito difícil, engessado, e que era necessário desregulamentar o mercado de trabalho. Uma reforma era necessária?

Em primeiro lugar, é uma falácia considerar que o mercado de trabalho é rígido, porque não é. Basta você ver as taxas de rotatividade no emprego formal. São taxas elevadíssimas para os padrões internacionais, ou pelo menos entre os países comparáveis ao Brasil. Não há propriamente inflexibilidade ou rigidez. A contratação também é muito simples, por uma razão muito evidente: o nível de salário que se paga na entrada do mercado de trabalho é baixíssimo. Se você olhar o emprego criado no ciclo de expansão, de 2003 a 2013, 94% do mercado formal pagava até 1,5 salário mínimo. Hoje em dia, você tem empregos criados, temporários ou contratos de tempo parcial, que pagam menos do que é um salário mínimo. O que se paga hoje na entrada é muito pouco. O nível salarial é o que de fato regula, em última instância, as contratações na entrada. E as demissões são absolutamente fáceis de se fazer no país. Instituiu-se, na verdade, uma prática de não pagar direitos na demissão. É por isso que você tinha até recentemente tantos processos na justiça trabalho. Então, o que se tem é um mercado de trabalho ultra flexível, altamente mercantilizado, em que a CLT, na realidade, era o mínimo do mínimo. Ou seja, algo muito tênue separando a civilização da barbárie de mercado de trabalho. Hoje, você já não tem mais isso, ou seja, vai ter a generalização da barbárie.

Sem dúvida nenhuma, precisávamos de reformas da CLT, principalmente trazendo a CLT para a realidade do tipo de trabalho, por exemplo, sob plataforma digital, que acontece no século XXI, mas no sentido de ampliar a proteção social e facilitar a contribuição previdenciária, de garantir um fortalecimento das negociações coletivas que fosse de fato algo importante, no sentido de organizar melhor o mercado de trabalho, adaptando à realidade do século XXI. O que foi feito foi o contrário: eliminar direitos, mexer em cláusulas que eram mínimas de proteção trabalhista e atacar propriamente qualquer forma de regulação do trabalho que favorecesse o trabalhador. Então, esse tipo de situação coloca o mundo do trabalho brasileiro em uma situação periclitante, em que a degradação das condições tendem a se precarizar ainda mais num futuro previsível.

Por que o presidente Temer segue dizendo que não houve retirada de direitos com as reformas?

Porque o presidente Temer mentiu à nação, é um corrupto que deveria ter sido tirado do cargo há muito tempo. Evidentemente, mentiu para a nação para aprovar essa reforma.

Voltando à questão do serviço público. Podemos ter serviços públicos terceirizados em áreas consideradas essenciais como educação, saúde, quem sabe até na área de segurança?

Na saúde e educação, a contratação OSS (Organizações Sociais sem Fins Lucrativos) para administrar hospitais e escolas já é uma realidade no país. Ainda é uma realidade minoritária em relação ao conjunto das instituições, mas agora, com a liberação da terceirização para atividade-fim, vai se transformar em majoritária.

O senhor acredita que vai haver uma generalização das OSs?

Sim, não tenha dúvida. Agora, o que você vai ter no serviço público é uma contratação via OSS, via empresas de emprego temporário, empresas de intermediação de mão de obra e cooperativas. O que é importante destacar é que, no mundo do trabalho que a gente vive hoje, são poucos os espaços de contratação de profissionais que efetivamente oferecem oportunidade para aquilo que a gente antigamente chamava de carreira. Ou seja, de você progredir funcionalmente no interior de uma instituição. São poucos esses espaços, eles vão se tornando cada vez mais seletivos no setor privado, por conta do achatamento das empresas, por conta do próprio processo de externalização de atividades, de formação de empresas em rede. Então, aquelas camadas médias das empresas vão sendo progressivamente eliminadas. Organizacionalmente e tecnologicamente falando, as funções vão sendo substituídas por sistemas de informação, por exemplo, inteligência artificial, software e assim por diante. Então, você não tem mais nas empresas aquilo que tradicionalmente se podia identificar como sendo empregos de classe média, ou seja, que associavam qualificação, proteção, carreira, progresso e avanço institucional, de renda ou coisa do estilo. Essas camadas estão sendo eliminadas. Onde você ainda tinha isso? Qual é o espaço de sobrevivência de empregos de classe média no sentido mais tradicional? Não há dúvida que o principal espaço é o serviço público, o Estado. Agora, com a liberação da terceirização para atividade-fim, por um lado, e a PEC do teto dos gatos por outro, a gente tem uma combinação explosiva para o emprego de classe média. O que vemos no horizonte, se essa tendência não for revertida rapidamente, é o fim do emprego de classe média no país. Você não vai ter mais esse último bastião de contratação de classe média, via concurso público, com algum tipo de proteção, carreira ou algo do estilo. O que você vai ter é a generalização da contratação de trabalhadores terceirizados, profissionais terceirizados, PJs, ou via cooperativas ou via empresas de intermediação de mão de obra, empresas de trabalho temporário. Vão se multiplicar e vão tomar conta do aparelho do Estado brasileiro, com a formação dos cartéis, das máfias que a gente conhece. Já existem hoje e tendem a se generalizar. Esse é o horizonte. É claro que o judiciário vai se proteger. A elite do serviço público no país, aquele mais bem remunerado, juízes, promotores, vão dar um jeito, pelo peso corporativo que têm, de se proteger. Mas o restante vai ser devastado.

Essa era a minha pergunta: tem algum setor que pode ser protegido?

Juízes e promotores. Eles vão se proteger.

Só esses?

Só, é basicamente isso.

A reforma ainda deixou uma brecha para considerar fraudes quando os empregos são considerados como vínculo empregatício, com subordinação e exigência de frequência. Mas o que pode ser considerado fraude depois da liberação da atividade-fim?

O que eventualmente pode ser considerado fraude é o trabalho de Pessoa Jurídica, mas com vínculo de trabalho subordinado. Ou então essas formas de contratação de trabalho autônomo, mas que, na realidade, é o falso trabalho independente ou trabalho autônomo. Mas não o trabalho terceirizado. Ele foi regulamentado já, pacificado pela decisão Supremo.

Mas o que configura o trabalho subordinado agora?

Se você é contratado via PJ, mas ao mesmo tempo por uma empresa de intermediação do trabalho para prestar serviço para um terceiro, isso pode ser considerado fraude, porque, na realidade, você não é PJ, é um trabalhador subordinado. Mas vão ser casos cada vez mais difíceis de caracterizar, tendo em vista essa legislação.

O que eu lhe pergunto é o seguinte: tem lojas que terceirizam o setor de venda. Essas pessoas, de alguma forma, vão receber ordens dos proprietários, mesmo terceirizadas, ou não?

Claro que sim, mas o trabalho terceirizado é uma das formas mais clássicas do trabalho subordinado. O que não podia acontecer antes era você contratar vendedores numa loja de calçados via empresa de intermediação do trabalho ou empresa de trabalho temporário. Agora, você pode. Não tem fraude, pacificou.

Mas isso não pode ser considerado relação de subordinação?

Vai ser, mas o trabalho terceirizado é subordinado. O que poderia eventualmente criar alguma dúvida é se você tivesse, por exemplo, contratando por uma empresa um PJ, a vendedora cria uma empresa PJ e passa a se subordinar a um único empregador. Então, se você é PJ, a ideia é que você tenha liberdade, escolha diferentes empregadores, porque você é uma empresa. Mas se caracterizar que você é um PJ que só tem um único empregador, um único contratante durante toda a jornada, isso eventualmente poderia ser considerado fraude. No entanto, não é isso que vai acontecer, porque as empresas de comércio e do setor de serviços vão contratar empresas de trabalho terceirizado.

Elas vão contratar o posto de trabalho.

É isso que vai acontecer, e principalmente no setor de serviços. É o setor que vai ser mais rapidamente devastado por essa decisão.

Como o senhor mesmo disse, isso vai baratear os custos paras as empresas e isso tem sido visto como benéfico pelo setor empresarial, que se diz animado, segundo as pesquisas. Mas que tipo de prejuízos a terceirização pode trazer para as empresas?

As empresas ganham numa ponta, que é a ponta do custo do trabalho, e perdem na outra, que é a ponta do consumo. Então, a gente vai ter o que já aconteceu nos países que passaram por esse processo de ajuste: um dos motores do crescimento econômico vai ficar claudicando, que é o motor do consumo das famílias. A renda vai ser devastada e você vai perder um desses motores. Não tem muito segredo, quais são os motores do crescimento econômico: exportação, investimento público, investimento privado, consumo das famílias e endividamento. O que você vai ter agora é que o consumo das famílias não tem mais.

Muito se fala que essa decisão traz segurança jurídica para a volta do investimento. As duas coisas estão ligadas?

Olha, não vejo segurança jurídica na nova CLT, nessa contrarreforma trabalhista. Existem muitas alterações que foram feitas na lei e contradizem a Constituição brasileira. Então, me parece que, por essa via, a gente vai ter problemas. Houve uma pacificação com a decisão do Supremo que é a eliminação da súmula do Tribunal Superior do Trabalho, a 331. Nesse ponto, agora, não há mais dúvidas a respeito de que tipo de atividade pode ser terceirizada. Nesse ponto, houve um reforço da segurança jurídica, mas não me parece que isso é suficiente para criar um meio-ambiente para investimento. Até porque um ambiente para investimento não é criado na oferta de trabalho, ele é criado na ponta da capacidade de produção das empresas, fundamentalmente. Uma empresa não vai, só porque tem condição ótima de contratação, investir na criação de outra fábrica se tem capacidade ociosa instalada na fábrica atual. Então, como a gente tem capacidade ociosa no Brasil hoje, não vai ser devastando o mercado de trabalho que você vai estimular as empresas a investirem.

Dá para dizer que se beneficia as empresas exportadoras e prejudica aquelas que dependem do mercado interno?

Olha, num certo sentido, sim. Mas a nossa pauta de exportação foi se tornando tão monótona, tão concentrada em produtos do setor primário — minério de ferro, soja, carne, enfim –, que são setores que já operam com um tipo de trabalho que é muito barato. Quando se fala em exportação, sim, alguns setores vão ser beneficiados porque vão pagar ainda menos para os seus trabalhadores. Mas, sinceramente, isso não é algo que chama a atenção quando se pensa no nível de devastação do mercado de trabalho que está sendo implementado no país hoje. Mesmo as empresas que exportam, elas, em alguma medida, interagem, fazem parte de grupos que têm pernas no mercado interno de trabalho. Ou seja, não sei se essa é a explicação. Eu acho que a explicação mais clara é a crise econômica e esse raciocínio que todo empresário tem de curto prazo, de pagar no próximo mês. O curto-prazismo faz com que se corte os custos e pressione os políticos que são pagos pelos empresários, notoriamente aqueles que votaram e encaminharam a contrarreforma da CLT.

Uma coisa que pouco se discute é sobre quem são as empresas terceirizadas. Ainda defende-se a terceirização como uma especialização, quando as terceirizadas não são especializadas, mas apenas contratadoras de mão de obra, correto?

Elas fazem a intermediação de postos de trabalho. Essa empresa não é um negócio, é o gato, o atravessador. Elas são desespecializadas, especializadas única e exclusivamente na contratação de força de trabalho. Elas não treinam ninguém.

O importante a destacar é que o mercado de trabalho brasileiro não é caracterizado por trabalho complexo, mas simples. Haja visto o nível de salários que se paga no país. O que se tem são empresas que se especializam no processo de intermediação de força de trabalho, o que significa basicamente que, na relação entre contratante e contratado de força de trabalho, você coloca um intermediador, um gato. É claro que quando você coloca um gato nessa relação direta de contratação, alguma das partes vai ganhar e outra vai perder, porque você não tem condições de colocar um terceiro numa relação, que vai evidentemente ganhar, se não tirar de um dos polos do contrato. Então, na realidade, essas empresas crescem e florescem sobre a devastação da proteção do trabalho. É uma forma de espoliação social. Elas crescem na medida que diminuem as formas de remuneração, os benefícios. Elas ganham porque o trabalhador deixa de receber benefícios, por exemplo, vale-alimentação, algum tipo de benefício concedido na negociação coletiva. A empresa ganha porque o trabalhador perde do ponto de vista do salário, porque vai ter uma jornada mais longa, no processo de espoliação social do trabalhador.

E acontece muito embuste nesse setor, empresas que abrem num dia, fecham no outro, reaparecem com outro CNPJ.

Não tenha dúvida, é outra face da espoliação social. Então, mesmo que a empresa seja formalizada, ela é irresponsável. Ou seja, abre, estabelece contratos, explora a força de trabalho, fecha por questões menores, é muito mais difícil de você fiscalizar, porque são muito mais pulverizadas, e deixam os trabalhadores a ver navios no momento do encerramento do vínculo empregatício. Isso é muito comum, é a regra, na realidade, no mundo das empresas terceirizadas do país. E é a generalização disso que vai acontecer num futuro próximo.

O objetivo das reformas também era a desobrigação de lidar com processos trabalhistas e com essas situações?

Sem dúvida. A despeito de você ainda manter a responsabilidade da empresa contratante, ainda assim o que vai acontecer é que os processos vão se alongar muito mais, distanciando ainda mais o trabalhador dos seus direitos. Hoje em dia, quando uma empresa que contrata diretamente deixa de cumprir com alguma obrigação trabalhista, naturalmente o trabalhador aciona a Justiça do Trabalho. Normalmente, são esses custos rescisórios são garantidos. Agora, você tem primeiro todo o processo contra a empresa terceirizada. Aí, depois que esgotar isso, você vai processar a empresa contratante. Ou seja, você alonga muito esse processo. Com essa contrarreforma trabalhista, você transfere o ônus dos custos processuais para o trabalhador. É ele que, caso perca o processo, vai ter que arcar com os honorários. Diga-se de passagem, é uma decisão contra a Constituição brasileira. Mas, de qualquer forma, quando você olha em uma perspectiva mais ampla, o que você percebe nitidamente é que está se produzindo, fortalecendo um desestímulo ao acesso à Justiça do Trabalho pelos trabalhadores. Eles não vão ter mais a Justiça do Trabalho para recorrer em termos práticos.

Também é uma forma de pressão para que o trabalhador aceite qualquer acordo?

Claro. A tendência é afastar o trabalhador cada vez mais dos seus direitos e, consequentemente, bloquear o acesso à Justiça do Trabalho. Forçar uma aceitação, uma subordinação já na ponta do encerramento do vínculo empregatício.

Como o senhor vê o futuro do mercado de trabalho. Quais são as perspectivas de curto e médio prazo? Algo pode acontecer para reverter o quadro de desemprego atual?

No curto e médio prazo, os próximos cinco anos, o que você vai ter é que, se houver uma recuperação do emprego, vai se dar na base da generalização do subemprego. Ou seja, de um tipo de emprego que remunera muito mal, com jornadas muito longas e distante da proteção trabalhista, dos benefícios da negociação coletiva de trabalho. O que me parece que deve acontecer, acompanhando outros casos internacionais, é uma estabilização do desemprego num patamar muito alto, com uma deterioração das condições de contratação no interior do mercado de trabalho. Por outro lado, isso atinge a renda, o que significa que um dos motores do crescimento econômico vai claudicar, e muito provavelmente vamos manter taxas muito baixas de crescimento econômico, o que repercute sobre a própria questão do investimento e, consequentemente, do desemprego. Finalmente, a questão previdenciária vai estar em risco. Com a deterioração das condições de consumo das famílias trabalhadoras, com a generalização do trabalho terceirizado, que deve se transformar nos próximos cinco anos na forma predominante e hegemônica de contratação no Brasil, e com esse tipo de impacto que vai ter sobre o emprego protegido, em particular no serviço público, a tendência é aprofundar as tensões em termos de financiamento da Previdência pública no país, com efeitos principalmente sobre a velhice. O aumento da pobreza na velhice.

Como o senhor vê o impacto de uma maior automação no mercado de trabalho?

O mundo está vivendo uma revolução 4.0 do ponto de vista da automação, da inteligência artificial, e isso tudo traz um elemento complicador. Os cálculos que são feitos nos países desenvolvidos apontam para uma coisa em torno de 22% dos empregos que seriam direta ou indiretamente atingidos pela revolução da automação 4.0, em particular no setor de serviços. No caso brasileiro, idem. A gente vai ter um impacto nessa direção, com a generalização do tipo de trabalho precário mobilizado por plataforma eletrônica, o que é um pouco o modelo do Uber. Você vai ter esse modelo se multiplicando. Vai ter o Uber do professor, do enfermeiro, do jornalista, do arquiteto, do publicitário. Ou seja, um tipo de emprego precário mobilizado por plataforma digital. Essa é a tendência. Não se paga direito nenhum, não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, ocorre ao sabor do ciclo econômico, ou seja, das flutuações de mercado. É a devastação máxima da proteção via mercantilização do trabalho. Essa é a tendência que a gente percebe hoje no país.

E qual deveria ser um projeto de nação para adaptar o país à realidade da indústria 4.0?

Você tem que investir, basicamente, na qualificação, em setores que ainda conseguem criar empregos de qualidade, reverter completamente, desfazer a reforma trabalhista tal como ela ocorreu. Você tem que propor um aumento da proteção do trabalho e, principalmente, a medida mais importante de todas elas, tem que diminuir a jornada de trabalho sem diminuição de salário. Ou seja, tem que repartir a massa de trabalho existente por aqueles que estão dispostos a trabalhar. Sem isso, não há a menor possibilidade de reverter essas tendências no curto e médio prazo.

 

Lehman Brothers e o desastre do capitalismo financeiro mundial

0

Há exatamente dez anos o capitalismo entrou em uma grande crise terminal, com graves desdobramentos em toda a economia internacional, gerando uma quebradeira generalizada, falência de bancos e corretoras, além de levar inúmeras empresas a bancarrota, com desemprego em ascensão, renda em queda e incremento da degradação social, instabilidades políticas e esgotamentos de modelos econômicos e produtivos.

O centro de toda esta degradação econômica e financeira foi os Estados Unidos da América, depois de um forte crescimento no começo do século XXI, os negócios entraram em um ciclo recessivo que se espalhou por todo o mundo, o epicentro do terremoto financeiro foi a crise do mercado imobiliário que culminou em hipotecas não pagas, bancos em crise e população em pânico, obrigando o governo a adotar uma política de socorro generalizado, sob pena de destruição do capitalismo norte-americano, com graves impactos sobre a economia internacional, o resgate foi orquestrado pelo Federal Reserve (FED) e contou com o apoio de outros Bancos Centrais que, para evitar a degradação total foram obrigados a injetar trilhões e trilhões de dólares no sistema financeiro internacional, aumentando a liquidez e socorrendo o setor privado.

O crescimento do mercado imobiliário norte-americano foi bastante acelerado no começo do século XXI, depois de um forte boom na economia somados a um grande desenvolvimento tecnológico, inúmeras famílias refinanciaram suas residências e, com o dinheiro em mãos, foram para as compras, dinamizando a economia do país e garantindo novos ganhos econômicos, o emprego e a renda dos trabalhadores cresceram, os ganhos tributários do governo aumentaram consideravelmente, criando um clima de prosperidade e de euforia, ninguém em sã consciência imaginaria que a economia mundial estava a beira da crise e da bancarrota.

Este boom econômico levou os bancos a aumentarem os empréstimos imobiliários, como o mercado estava bastante aquecidos e a liquidez elevada, as famílias contraíram novas dívidas e adquiriram suas residências, neste ambiente visualizávamos dois grupos de tomadores de recursos juntos ao setor bancário: de um lado encontrávamos os chamados clientes Prime, correntistas com renda e patrimônio condizentes com os empréstimos adquiridos e de outro os clientes subprime, que possuíam renda mas não patrimônio, eram correntistas com histórico de inadimplência e atrasos anteriores mas que, naquele instante, apresentavam condições de tomar recursos para a aquisição da casa própria.

Os clientes subprime são aqueles que contraíram dívidas acima de sua capacidade de pagamento, com as dificuldades do momento passam a atrasar hipotecas e aumentaram a instabilidade do sistema bancário, com medo os bancos contraem os empréstimos e reduziram o financiamento dos imóveis, aumentando a instabilidade e comprometendo todo o setor financeiro. Como as casas foram dadas como garantia para os empréstimos, os bancos começaram a retomar os imóveis, com a crise se alastrando o valor das casas se reduz imensamente, levando os bancos a acumularem graves prejuízos que se espalham para todo sistema econômico e produtivo.

No Brasil, a crise chegou de uma forma mais branda, o país vivia um momento de crescimento econômico e relevância política, era o segundo governo Lula e o país apresentava grande potencial de desenvolvimento econômico, segundo o governo o Brasil foi o último a sentir os efeitos da crise e o primeiro país a sair dela. Os movimentos do governo para debelar a crise foram o velho intervencionismo econômico, redução do IPI dos produtos de linha branca e automobilístico e novos investimentos nos setores produtivos com aumento no emprego e na renda, soma se a isso um forte incremento nos empréstimos que tiveram no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Nordeste e no BNDES seus grandes atores, tudo isso contribuiu para uma melhoria no cenário econômico e uma euforia generalizada.

Os resultados internos foram bastante auspiciosos, a economia continuou seu ciclo de crescimento, o emprego e a renda cresceram e os ganhos políticos do governo foram positivos, culminando em taxas de crescimento econômico em 2010 de mais de 7,5%, garantindo a eleição da representante do governo petista e a continuidade no poder do mesmo grupo político. A economia brasileira vivia um momento de grande euforia, depois de muitos anos de instabilidades e baixo crescimento, o país dava mostras de que tinha alcançado a maturidade necessária para assumir uma posição de destaque na sociedade internacional, para coroar todo o sacrifício a revista britânica The Economist retratou o Brasil favoravelmente e destacou seu forte crescimento econômico, o país do futuro se tornará o país do presente, o Cristo Redentor finalmente decolava.

O governo norte-americano comandado pelo republicano George W. Bush, foi fortemente pressionado pelo setor privado para evitar a quebradeira que se aproximava, as alternativas eram poucas, de um lado o governo deveria escolher entre intervir e evitar a bancarrota de empresas e setores inteiros da economia ou deixar que as empresas pedissem falência, cujo resultado seria uma forte recessão comparável ao acontecido na crise de 1929. Para evitar a quebradeira o governo colocou trilhões de dólares na economia, a seguradora AIG recebeu mais de US$ 100 bilhões e a montadora Chrysler mais de US$ 50 bilhões, um verdadeiro capitalismo de Estado na pátria do Liberalismo econômico.

A crise de 2008 afetou fortemente a imagem do neoliberalismo no mundo, depois de um crescimento avassalador na economia internacional desde o Consenso de Washington, de 1988, as ideias neoliberais perderam força e foram fortemente criticadas pelos teóricos da esquerda, sendo vista como uma fórmula clara e eficiente para levar os países em desenvolvimento para o caos generalizado, com degradação da renda e do emprego e uma forte pitada de desindustrialização, marcas de uma concorrência descrita como desleal com empresas e setores industriais mais fortes e consolidados de países desenvolvidos e industrializados.

A crise levou as duas grandes empresas do setor imobiliário a sofrerem a intervenção do governo norte-americano, as gigantes Fannie Mae e Freddie Mac passaram a ser controladas pelo governo por tempo indeterminado, com substituição de seus principais executivos e com investimentos na casa dos US$ 200 bilhões para evitar que ambas entrassem em insolvência e gerassem um desajuste ainda maior na economia dos Estados Unidos da América, era o Estado socorrendo o setor imobiliário para evitar que os desvarios do setor privado destruíssem o capitalismo norte-americano.

A falência do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, uma instituição antiga, tradicional e consolidada, foi o estopim para a crise de confiança se espalhar como pólvora na sociedade global, se um banco com esta tradição e imagem foi a bancarrota, o que seria de outras instituições menores e com menor tradição? É importante destacar, que os bancos transformam estes empréstimos, ou melhor, estas hipotecas, em papeis e vendem-nas para outras instituições, fazendo com que as perdas se espalhem além da economia norte-americana, levando outros países a sentirem os efeitos desta crise do setor imobiliário de forma mais intensa, como a Espanha, a Itália, a Irlanda e a Grécia.

Alguns dos maiores bancos do mundo, como o Citigroup e o Merril Lynch, perderam mais de US$ 10 bilhões apenas no quarto semestre de 2007, como os Estados Unidos se caracterizam como sendo um dos maiores consumidores do mundo, toda crise que gera desequilíbrios na estrutura da renda, do emprego e do consumo no país, o impacto sobre a economia internacional é imediato, levando a uma retração na demanda agregada de produtos do resto do mundo.

Os efeitos da crise se espalharam para todas as regiões e países da economia internacional, o comércio global se reduziu e os fluxos financeiros também perderam força, a recessão se disseminou para inúmeros países e os obrigaram a adotar políticas fortemente intervencionistas, aumentando a liquidez na economia internacional e reduzindo os juros, com tantos recursos disponíveis, países como o Brasil, passaram a sentir um incremento na entrada de recursos na economia, muitos destes recursos se destinavam a usufruir de nossa alta taxa de juros quando comparada as do mercado internacional, esta atração valorizava o câmbio e contribuía para o controla da inflação mas, ao mesmo tempo, incrementava a desindustrialização do país, fenômeno este que vem acompanhando a economia brasileira desde o começo dos anos 90.

Países como a China perceberam nesta crise um momento de reflexão e reestruturação de seu modelo econômico, não seria mais possível se basear em um modelo fortemente centrado no setor externo, depois de muitas décadas exportando produtos chineses para a sociedade internacional, o país se vê na necessidade de alterá-lo, iniciando a construção de um novo paradigma, baseado no incremento do mercado interno como agente dinamizador do crescimento econômico, desta forma o crescimento seria mais estável e menos dependente dos humores da economia internacional.

O Brasil, inicialmente, sentiu pouco a crise de 2008, as medidas adotadas pelo governo foram certeiras, o crescimento voltou e a economia passou a criar empregos e aumentar a renda, politicamente os ganhos foram consistentes, garantindo a continuidade no poder do mesmo grupo político, é importante destacar ainda que, os crescentes gastos do governo e as políticas desastradas no âmbito fiscal, levaram o país a uma crise generalizada em 2015, com uma recessão bastante sólida que degradou muitas das conquistas sociais que o país se orgulha de ter conseguido acumular e obrigando o país a novos reajustes nas finanças públicas sob pena de levar o Estado brasileiro a uma situação de insolvência.

Com a crise surgiram, nos Estados Unidos, novas leis e instituições para coibir os excessos do sistema financeiro, bancos foram vendidos ou fundidos em um único grupo, empresas foram alienadas e grupos novos surgiram mais fortes e consistentes, aumentando a produtividade do capitalismo norte-americano, tornando o país mais atuante e competitivo no mercado internacional, mesmo assim, percebemos que estas mudanças institucionais foram insuficientes para garantir riscos menores e as possiblidades de uma nova crise estão vivas na mente de todos os gestores responsáveis da sociedade mundial.

Destacamos ainda, os impactos na democracia norte-americana, de um lado percebemos uma fragilização do sistema político, as empresas se utilizaram de seu poderio econômico e político para garantir recursos suficientes para evitar que entrassem em crise, em contrapartida, milhões de cidadãos foram a bancarrota e não receberam um único centavo para se reerguerem mostrando, com isso, como o sistema corporativo dos Estados Unidos são dotados de poder e possuem grupos sofisticados e lobbies poderosos quando querem extrair algo que os beneficie do governo, a chantagem e a pilhagem são instrumentos de políticas adotadas para garantir eternos benefícios para uma elite imediatista e influente nos rumos adotados pela classe política.

A crise jogou na degradação milhões de famílias norte-americanas, empregos foram destruídos e esperanças foram enterradas, a crise abriu espaços para novos grupos políticos, como o Tea Party, nascido dentro do Partido Republicano e com um perfil mais conservador e muitas vezes mais intolerantes com as diversidades existentes na sociedade, tudo isto contribuiu para a ascensão de Donald Trump nas eleições de 2016, num momento que beira a insanidade e a loucura, e faz com que a democracia esteja num momento de grande inquietação, incerteza e instabilidade, o mundo nos últimos anos ficou mais perigoso e mais intolerante.

Os dramas da crise financeira não terminaram depois de passados dez anos, após uma política de forte intervenção do Estado na economia, os governos dos países desenvolvidos buscam uma forma suave de reduzir as perdas acumuladas no período, as ações se valorizaram e os títulos públicos recuperaram seus rendimentos mas, mesmo assim, as perdas acumuladas foram consideráveis, o setor privado se recuperou e estimulou o crescimento da economia norte-americana mas um fantasma ronda as economias, uma nova crise pode gerar uma forte destruição da economia internacional com graves consequências para toda a humanidade, o epicentro desta nova crise ainda é bastante incerto mas todos os especialistas acreditam que as origens desta nova crise, sem dúvida, será a Ásia, com fortes chances de ser uma crise originária na China, o que poderá comprometer as bases da economia internacional e reviver o sonho marxista de superação do sistema capitalista mundial, quem viver verá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘Populismo se nutre da falsa ideia de que mundo vai mal, mas ele vai bem’, diz Steven Pinker

0

Psicólogo defende que humanidade está em seu melhor momento, mas pessimismo nos confunde

Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO

Enquanto o noticiário nos apavora com milhões de refugiados, guerras sangrentas e crianças famélicas, o psicólogo e linguista canadense-americano Steven Pinker persiste na cruzada para nos convencer de que o mundo nunca esteve tão bem.

Divulgar o progresso da humanidade, segundo ele, não é só um meio de corrigir uma visão distorcida que as pessoas têm do mundo. É uma urgência neste momento de ascensão do populismo autoritário.

Em seu livro mais recente, “O Novo Iluminismo – Em defesa da razão, da ciência e do humanismo”, que será lançado quinta (6) no Brasil pela Companhia das Letras, Pinker, 63, retoma o projeto de mostrar com dados e fatos que as coisas estão melhorando.

Para o psicólogo cognitivo, é preciso redobrar o foco na razão, na ciência, no humanismo e no progresso para que as coisas continuem a melhorar e para evitar que as pessoas sejam seduzidas pelo discurso catastrofista nostálgico do populismo em expansão.

Quando vemos o noticiário, parece que o mundo está cada vez pior. Mas o sr. argumenta, com dados, que nunca estivemos tão bem. Por que há esse descolamento entre a nossa percepção e a realidade?

Isso decorre da natureza do noticiário e da mente humana. A mente humana avalia risco e perigo por meio de exemplos vívidos, imagens, narrativas.

Não somos intuitivamente estatísticos. Se lemos uma reportagem marcante sobre alguém sendo mordido por um tubarão, um terrorista jogando seu carro no meio das pessoas na calçada, ou um ataque numa guerra, isso nos faz pensar que esse tipo de incidente é extremamente comum.

Nós conseguimos nos lembrar facilmente do que está mais disponível na nossa memória, algo que os psicólogos chamam isso de heurística da disponibilidade. Quanto mais alguma coisa está à mão na nossa memória, mais pensamos que é algo com grande probabilidade de acontecer.

Já o noticiário tem como objetivo apresentar ao público eventos e incidentes. Se qualquer coisa ruim acontece em qualquer lugar do mundo, é garantido que estará no noticiário.

Já os acontecimentos positivos muitas vezes não rendem imagens vívidas, e na maioria das vezes não são coisas que acontecem de repente, portanto eles sistematicamente não estão no noticiário.

Não se noticia o fato de que, nos últimos 40 anos, não houve nenhuma guerra no sudeste da Ásia, uma região onde frequentemente havia conflitos, como o da Coreia, Camboja, Vietnã. Uma região onde não há guerra não é uma manchete, esses são acontecimentos que só podem ser vistos por meio de dados.

Só quando você compila dados, como eu fiz, é que consegue compreender as enormes mudanças benéficas que ocorreram no mundo.

Por exemplo, mortes em guerras: o número de mortes aumentou um pouco nos últimos cinco anos, por causa da guerra da Síria, mas, mesmo assim, está muito abaixo dos níveis dos anos 50, 60 e 70, e mais ainda dos níveis da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Da mesma maneira, os jornais raramente falam que a porcentagem da população vivendo em pobreza extrema caiu de 30% há 30 anos para 10%; e alfabetização aumentou para 90% das pessoas com menos de 25 anos.

Na maioria dos países, a criminalidade caiu. Até no Brasil, um dos mais violentos, houve queda no número de mortes decorrentes de crimes em algumas cidades, como o Rio.

Melhoras que podem ser detectadas nos números, nos dados, quase nunca aparecem no noticiário, por isso as pessoas não sabem que houve progresso.

As pessoas reagem com ceticismo quando o senhor tenta convencê-las de que o mundo está melhorando? 

Sempre. Quando elas veem dados, elas ficam surpresas e mais receptivas —por isso eu conto a história do meu livro por meio de 75 gráficos, e, no livro anterior (“Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, Companhia das Letras, 2017), eu usei 100 gráficos, porque sabia que, se as pessoas não vissem os números, não acreditariam.

O sr. mostra no livro que, além da mídia, as pessoas têm a tendência de focar o lado negativo das coisas...

Há estudos bem conhecidos mostrando que o ruim é mais forte que o bom; do ponto de vista psicológico, estamos mais preocupados com o que pode dar errado do que com o que pode dar certo.

Temos a tendência de nos lembrar melhor de acontecimentos negativos do que positivos, quando são recentes. Mas é diferente quando se trata de coisas que aconteceram há muito tempo. Nós lembramos das coisas boas e ruins, mas tendemos a esquecer quão ruins foram os acontecimentos negativos.

De certa maneira, as pessoas nascem nostálgicas, daí porque temos livros com títulos como “os bons tempos eram péssimos” e “a melhor explicação para os bons tempos é a falta de memória”.

Mas, em geral, acontecimentos negativos deixam um impacto psicológico maior. E isso tem mais uma consequência: normalmente, levamos muito mais a sério as pessoas que nos alertam para o que pode dar errado do que as pessoas que identificam o que está dando certo.

É aquele ditado: sempre parece que os pessimistas querem nos ajudar, enquanto os otimistas querem nos vender alguma coisa.

No livro, o sr. fala da maneira pessimista com que encaramos o futuro e a nossa atual situação. Por exemplo, quando se pergunta a alguém quantas coisas boas poderiam acontecer hoje, a pessoa pensa em algumas; mas se perguntam quantas coisas ruins poderiam acontecer, ela pensa em um milhão…

Bom, isso não é apenas um efeito psicológico, é a realidade. Há realmente um número muito maior de coisas que podem dar errado do que podem dar certo, essa é a natureza do universo.

Aliás, acho que é por isso que somos tão despreparados para dar valor ao nosso progresso, porque durante a maior parte da história não houve progresso nenhum ou foi muito lento. Foi só a partir da revolução científica que o progresso se tornou uma realidade.

De que maneira os valores do iluminismo contribuem para a melhora de nossas vidas? 

Quando falo em valores do iluminismo me refiro a razão, ciência, humanismo e progresso. Razão no sentido de não confiarmos em dogmas ou autoridade, devemos sempre ser céticos e tentar descobrir as coisas usando a lógica e as provas.

Ciência é a aplicação da razão ao mundo natural. Humanismo é o princípio de que é o bem estar dos seres vivos que é o maior valor moral, e não a glória de uma tribo, nação, ou lei religiosa. E progresso é usarmos razão e ciência para alcançarmos o bem estar dos seres vivo.

Isso não significa que teremos um mundo perfeito, isso é impossível, mas pode, sim, haver uma melhora gradual.

O sr. afirma que o populismo autoritário é um dos movimentos de reação contra o iluminismo. A ascensão desse populismo é preocupante? 

Muito preocupante, porque o progresso não é automático, nem inevitável, ele depende dos ideais do iluminismo. Portanto, se um movimento contra o iluminismo se torna dominante, isso pode desacelerar o progresso ou levar a retrocesso.

Já houve várias fases de retrocesso na história, por exemplo, durante a ascensão do fascismo nos anos 30 e 40, que levou o mundo a se voltar contra a democracia liberal.

No livro, eu discuto como os movimentos atuais contra o iluminismo são uma continuação de movimentos do século 19 que glorificavam nação, raça ou religião, em vez de focar os indivíduos, e que olhavam para o passado como uma era de ouro em vez de tentar resolver problemas e fazer um futuro melhor que o presente.

Ao dizer sempre que as coisas nunca estiveram tão boas não estamos adotando uma visão de elite? Sim, tudo está ficando melhor para você, mas não para o pessoal passando fome em favelas, na guerra da Síria, etc...

Na realidade, os dados que eu uso se referem ao mundo inteiro. Claro que as pessoas que mais sofrem ainda estão em uma situação péssima, mas o fato de a guerra ter sido debelada ou evitada em outros lugares aumenta nossa confiança de que podemos trazer paz para partes do mundo que estão sofrendo.

O oposto, pensar que sempre houve guerras, é da natureza humana, e não há nada que possamos fazer, nos torna insensíveis.

Se você pensa que todo mundo no Oriente Médio sempre está se matando, você será fatalista e cínico. Se você pensa que o Sudeste Asiático teve guerras sangrentas por 70 anos e agora tem a paz, podemos pensar que isso pode acontecer no Oriente Médio também.

O sr. afirma que as políticas identitárias também são inimigas dos valores iluministas. Por quê? 

Política identitária é uma teoria de que a humanidade é dividida em grupos baseados em raça, gênero, e orientação sexual, que sempre estão brigando por poder.

É a teoria de que precisamos lutar para que um grupo tenha menos poder, para que o outro possa ter mais. Isso é contrário à ideia de que todos os humanos têm a possibilidade de prosperar e sofrer, e que podemos ser engenhosos descobrindo soluções que vão melhorar a vida de todo mundo, não só de determinados grupos.

Da mesma maneira que é errado discriminar alguém por causa de raça ou gênero, é errado tentar virar a mesa e fazer outra raça ou gênero superior. Igualdade significa que todos têm direitos iguais, independentemente de raça, gênero ou orientação sexual.

Mas e quanto a corrigir injustiças ou desequilíbrios históricos? 

É possível que existam legados históricos de discriminação, e é legítimo ajudar pessoas que foram discriminadas, é o princípio da justiça. Mas isso não se aplica a todas as pessoas de uma determinada raça.

Então usar políticas raciais acabaria discriminando contra alguns indivíduos, e isso geraria ressentimento e reação —que é o que estamos vivendo nos EUA hoje.

O aumento na desigualdade de renda é visto como um sinal de que o progresso é limitado, e a vida não melhorou para todos da mesma forma. Mas o sr. diz que igualdade econômica não é um componente fundamental do bem estar. 

A pobreza é um componente fundamental do bem estar, igualdade econômica não é.

Em qualquer economia onde haja livre mercado é inevitável que surja desigualdade econômica. Como aconteceu com a revolução industrial do século 19, e agora com a revolução eletrônica, é inevitável que algumas pessoas aproveitem melhor que outras as novas oportunidades econômicas.

Sou a favor de políticas que tentam ajudar os mais pobres, como tributação progressiva, mas apenas quando o objetivo é melhorar a vida dessas pessoas, e não igualar a vida de todo mundo.

No seu dia a dia, o sr. reclama bastante da vida? 

(Risos) Acho que sim. Mas tento me lembrar sempre de quão sortudo eu sou por viver em uma democracia liberal —por enquanto, pelo menos, ainda é uma democracia liberal.

Tento por minhas queixas cotidianas em perspectiva, eu sou muito sortudo por ser um professor e escritor.

É muito útil pensar em como as coisas eram piores para os meus pais e meus avós, apreciar o progresso que tivemos, não para sermos complacentes, pelo contrário, para nos estimular a buscar mais progresso.

Por que seu livro precisava ser escrito neste momento? 

O mundo precisa de uma narrativa que se contraponha ao populismo autoritário.

As pessoas não valorizam as conquistas da democracia liberal, não há muita gente disposta a defendê-las.

Há pessoas carismáticas e apaixonadas defendendo o populismo autoritário e a religião, mas o projeto iluminista carece de defensores. Não sou um líder carismático, mas espero dar munição e argumentos para pessoas que possam ser.

Vivemos em uma era em que é possível acessar dados que costumavam ser obscuros e difíceis de encontrar, então podemos documentar o progresso e isso muda nossa compreensão das coisas.

As pessoas parecem estar imunes a dados e fatos ultimamente. 

As pessoas sempre foram imunes a dados e fatos, é assim que a mente humana funciona.

Algumas pessoas estão dispostas a aprender, duvidar de suas intuições e essas pessoas podem usar esses dados para repensar suas crenças. Isso pode motivar pessoas que são comunicadores eficientes a usar fatos positivos para se contrapor à narrativa populista.

Não deveríamos combater a propaganda com propaganda, mas propaganda amparada em fatos vale a pena espalhar.

 

Brasil precisa sair da tormenta sem eleger um autoritário, diz professor de Harvard

0

Autor do livro ‘Como as Democracias Morrem’, Steven Levitsky afirma que cenário brasileiro inspira preocupação – Marco Rodrigo Almeida – Folha de São Paulo – Agosto de 2018.

 

SÃO PAULO

Nada de tanques nas ruas, conspirações militares, palácios em chamas. Nas últimas décadas, dizem os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblat, a maior parte dos políticos autoritários chegou ao poder pelo voto dos eleitores.

Nesse cenário, a democracia é corroída aos poucos, muitas vezes de maneira quase imperceptível. Os cidadãos continuam a votar, Constituições e instituições permanecem vigentes, mas os líderes encontram brechas para aumentar seus poderes, alongar mandados, enfraquecer órgãos de controle, intimidar oponentes e cercear a imprensa.

É o que ocorreu, com diferentes graus de retrocesso, em países como Venezuela, Peru, Rússia, Hungria e Nicarágua.

No livro “Como as Democracias Morrem”, Levitsky e Ziblat, ambos professores da Universidade Harvard, estudam esses casos e dão um passo além: sistemas constitucionais mais tradicionais também estão sujeitos a riscos.

Há razões para alarme nos Estados Unidos, argumentam, uma vez que a polarização partidária extrema entre os partidos Democrata e Republicano desgastou as normas democráticas, processo que teria se acelerado com a eleição de Donald Trump em 2016.

“Nenhum outro candidato presidencial decisivo na história moderna dos Estados Unidos demonstrou um compromisso público tão frágil com direitos constitucionais e normas democráticas”, afirmam os acadêmicos.

Na semana passada, Levitsky veio ao Brasil para divulgar o livro, cujo lançamento será em setembro pela editora Zahar. Em entrevista à Folha, diz que a democracia brasileira também inspira preocupação: a convergência de recessão e escândalos de corrupção favorece a ascensão de políticos demagogos e potencialmente autoritários. Para o autor, este seria o caso de Jair Bolsonaro (PSL).

O senhor diz no livro que o sistema político dos EUA já sobreviveu à Guerra Civil, à Grande Depressão, à Guerra Fria e a Watergate, mas que não tem tanta certeza de que sobreviverá a Trump. Ele é o maior perigo que o país já enfrentou?

Eu diria que é a primeira vez que elegemos alguém tão pouco compromissado com as normas constitucionais e democráticas. A combinação de um presidente demagogo e um quadro de polarização extrema, como o dos EUA, causa grande preocupação.

Muitas propostas de Trump foram barradas por outros Poderes. Isso não prova que a democracia está funcionando? 

Depende de que parte. Há instituições que funcionam bem e outras que funcionam menos bem. Eu diria que o Poder Judicial até agora está funcionando bem. O Congresso, como o tempo, tornou-se menos ativo, está controlado pelo partido de Trump, o Republicano.

Cada republicano que enfrentou Trump nos últimos dois anos foi destruído politicamente. Então, com o tempo, o Partido Republicano se converteu em um instrumento de Trump. O Congresso controlado por um partido que se tornou trumpista já não é um Poder independente.

Instituições fortes e tradicionais, como a dos EUA, não são suficientes para controlar líderes autoritários?

Eu diria que instituições bem desenhadas não necessariamente são suficientes. Precisam ser complementadas por normas democráticas informais, não escritas. Focamos duas no livro. A tolerância mútua, o entendimento de que as partes se aceitem umas às outras como rivais legítimos, e a reserva institucional, a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prorrogativas institucionais.
Isso é o que torna forte uma instituição. O problema é que essas normas vêm perdendo força com a polarização.

Houve uma mudança no sistema de seleção de candidatos. Historicamente os líderes partidários selecionavam os candidatos. Era um processo pouco transparente, pouco democrático, no qual os líderes mais importantes negociavam as candidaturas. Isso durou do princípio do século 19 até 1968.

A partir da eleição de 1972, introduzimos um sistema totalmente distinto de primárias, que é muito mais democrático, mais transparente, mais participativo, mas que limita o poder dos líderes partidários e dá muito poder aos votantes de cada partido.

O velho sistema tinha um monte de defeitos, mas funcionava muito bem como filtro para prevenir a chegada de figuras extremistas ou autoritárias. O novo sistema é mais democrático, mas sempre há o risco de que alguém famoso ou rico, como Trump, seduza o eleitorado.

É perigoso dar muitos poderes aos eleitores?

Precisamos distinguir a democracia dentro dos partidos e fora dos partidos. Obviamente a democracia não existe se as eleições não estão nas mãos dos eleitores. Temos que confiar nos eleitores. No entanto, a respeito da decisão de quem será o candidato há um debate. Em muitas democracias no mundo, sobretudo na Europa ocidental, não ocorrem primárias, não há democracia dentro dos partidos. Os candidatos são escolhidos pelos caciques. Há aspectos muito positivos na democracia interna, mas também riscos.

O livro aponta um paradoxo. A estabilidade política dos EUA, do fim da Guerra de Secessão aos anos 1980, foi alcançada às custas da exclusão racial. A luta dos direitos civis nos anos 1960 expandiu a democracia, mas provocou uma polarização social que hoje desafia o sistema. A democratização tornou-se uma ameaça à democracia? 

Sim, esse é um paradoxo trágico. Nos EUA não houve o que chamamos de plena democracia até os anos 1960, quando os negros obtiveram o direito de votar em todo o país. Essa democratização é que iniciou a lenta polarização que há hoje entre os partidos Democrata e Republicano

Quais são os caminhos para diminuir a polarização?

O Partido Republicano tem um grande paradoxo também. Nasceu no século 19 sendo um partido antiescravidão, pró-direitos civis. Um século mais tarde, termina sendo um partido que basicamente representa brancos que temem a perda de sua maioria. É um partido branco, cristão e reacionário. Continuando assim, teremos um ambiente ainda mais dividido.

É necessário que o Partido Republicano decida ser mais diverso, decida atrair pessoas que não são brancas nem cristãs. Precisa falar com o país inteiro, e não apenas com uma parte dele.

O bipartidarismo do modelo político dos EUA favorece essa polarização? O número não necessariamente afeta a polarização. O Brasil se polarizou, apesar de ter 35 partidos. Uma certa fragmentação de poder político certamente é salutar para a democracia. No entanto, vemos que geralmente em países com muitos partidos quase todos são frágeis. Assim um líder populista acumula muito poder.

A vantagem dos EUA é que o Partido Democrata é uma oposição forte, tem cerca de 40% dos votos em todas as eleições, tem ativistas em todos os estados, tem verba. Uma das razões de tantos autoritários se consolidares no poder é a existência de uma oposição muito fraca.

O senhor cita no livro alguns critérios que permitem identificar um político autoritário.  Algum dos candidatos à Presidência no Brasil se enquadra nessa categoria? 

Não sou especialista em política brasileira, mas fizemos uma investigação e constatamos que sim, que Jair Bolsonaro (PSL) se revela como potencialmente  autoritário.
Ele já se manifestou a favor da ditadura militar, já pediu o fechamento do Congresso, disse que pretende governar com as Forças Armadas, questionou a legitimidade do sistema eleitoral. Para mim, são evidências de que não está comprometido com as regras democráticas.

O que explica o apelo popular de tantos líderes autoritários?

O Brasil é um bom exemplo. Vocês enfrentam ao mesmo tempo uma tremenda crise econômica e a pior crise de corrupção que já se viu numa democracia. É uma tempestade perfeita.
Em momentos assim é muito comum a aparição de populistas que prometem limpar o sistema, combater a classe política. Resulta atrativo para a população. O desafio do Brasil é sobreviver à tormenta sem eleger um autoritário.

Aqui também criou-se grande polarização com o impeachment de Dilma Rousseff. Que avaliação faz desse episódio? 

Não diria que foi um golpe de Estado, não compartilho da posição do PT. Foi um processo legal, constitucional. Mas diria que foi algo politizado. Parece-me que o governo violou a lei, mas utilizaram isso como desculpa para justificar um ato essencialmente político. Embora seja legal, constitucional, o ato pode ser danoso à democracia.

Agora vocês têm um partido importante, o PT, que pensa que o outro lado está jogando sujo. Isso foi reforçado, claro, pela prisão de Lula. Então o PT, corretamente ou não, avalia que foi ilegitimamente removido do poder em 2016 e que agora seus rivais utilizam medidas antidemocráticas para evitar que voltem ao poder, destruindo seu candidato mais popular.

Não digo que o PT tenha razão. Entretanto, quando um dos principais partidos do país tem a percepção de que seus rivais estão jogando sujo, e parcela significativa da população pensa o mesmo, temos um problema de legitimidade bastante forte.

O que fazer nesse cenário?

Não há uma só receita. A recuperação da saúde em uma democracia é inevitavelmente um processo lento. Alguns passos já podem ser tomados: os grandes partidos, PSDB e PT, têm que voltar a um lugar em que estavam entre 1994 e 2010, onde competiam, aceitavam-se mutualmente como rivais legítimos, podiam sentar, falar e negociar.

Não há saídas rápidas na democracia. Todos os processo são lentos, de construção de alianças. Tudo requer muito trabalho político.

Isso gera impaciência , pessimismo e certa nostalgia do autoritarismo. A democracia é sempre lenta, imperfeita, é um processo de negociação. Num país tão grande e heterogêneo como o Brasil, tudo inevitavelmente é super lento.

O problema é que alguns grupos ficam impacientes e tentam uma saída autoritária.

O senhor está otimista em relação aos EUA?

Acreditamos que nossas instituições democráticas são fortes. Não somos Rússia, Turquia ou Venezuela.
A nossa democracia é muito mais dura de matar. Mas há razões para nos preocuparmos. Não somos pessimistas, mas sim preocupados.

E em relação ao Brasil?

Sou mais otimista que muitos brasileiros [risos]. Creio que o regime democrático brasileiro na época pós-Collor, de 1994 a 2013, representou uma ampliação de direitos como poucas vezes se viu na América Latina.
É fato que hoje tudo parece estar na merda [risos], mas isso não significa que todas as conquistas anteriores estejam perdidas. Como nós nos EUA, aqui também vocês precisam ser bastante vigilantes.

Steven Levitsky
Professor de ciência política da Universidade Harvard, tem 50 anos. Desenvolve pesquisas sobre América Latina, sistemas políticos, democracias e ditaduras. Escreveu, com Daniel Ziblat, o livro “Como as Democracias Morrem”, que sai em setembro no Brasil.

4 SINAIS PARA RECONHECER UM AUTORITÁRIO
Segundo Levitsky, devemos nos preocupar quando políticos:

1) Rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo

2)Negam a legitimidade dos oponentes

3)Toleram e encorajam a violência

4) Dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia

AUTORITÁRIOS QUE CHEGARAM AO PODER ELEITOS PELA POPULAÇÃO

Casos citados no livro de Steven Levitsky

Hugo Chávez 

Após comandar tentativa de golpe frustrada em 1992, elegeu-se presidente da Venezuela em 1998. Nos anos seguintes, alterou a composição e aparelhou a Suprema Corte, fechou emissora de TV, prendou ou exilou oposicionistas e eliminou barreiras que limitavam a ampliação de seus mandatos

Alberto Fujimori

Venceu nas urnas o escritor Mario Vargas Llosa em 1990, em meio ao colapso da economia peruana, prometendo renovação e combate à corrupção. Inábil para a negociação política, atacava publicamente políticos da oposição e juízes. Em abril de 1992 dissolveu o Congresso.

Recep Tayyip Erdoğan

Depois de tentativa de golpe contra seu governo, o presidente turco declarou estado de emergência e lançou mão de onda maciça de repressão, com o expurgo de cerca de 100 mil funcionários e funcionários públicos, o fechamento de jornais e mais de 50 mil prisões.

Donald Trump

Tentou punir ou expurgar agências que atuavam com independência e reescrever regras eleitorais de identificação de eleitores para favorecer seu partido