A Justiça do Trabalho em xeque, por Erik Chiconelli Gomes

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Após a “Reforma” Trabalhista ela tornou-se muito menos acessível. Mas, da economia de plataformas ao trabalho remoto, precisará se reinventar. A sociedade se transforma – e ela não é algo “setorial”, mas determinante na redução das desigualdades no país

Erik Chiconelli Gomes – OUTRAS PALAVRAS – 27/09/2024

A relação entre capital e trabalho sempre foi palco de intensos debates e conflitos ao longo da história. No Brasil, a Justiça do Trabalho emerge como uma instituição fundamental para mediar essas tensões, buscando equilibrar os interesses de empregadores e trabalhadores. Contudo, as recentes mudanças na legislação trabalhista, em especial a reforma de 2017, trouxeram questionamentos sobre o papel e a eficácia dessa instituição no contexto contemporâneo.

A formação da Justiça do Trabalho no Brasil está intrinsecamente ligada ao processo de industrialização e urbanização do país no início do século XX. Este período foi marcado por intensas lutas sociais e pela emergência de uma classe operária que buscava melhores condições de trabalho e reconhecimento de seus direitos. Os sindicatos desempenharam um papel crucial nesse processo, atuando como representantes coletivos dos trabalhadores e sendo fundamentais para a conquista de direitos e para a criação de um ambiente de negociação mais equilibrado entre capital e trabalho.

A promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 representou um marco na história do direito trabalhista brasileiro. Este conjunto de leis buscava não apenas regular as relações de trabalho, mas também estabelecer um patamar mínimo de direitos e garantias para os trabalhadores. Com o fim do regime militar e a promulgação da Constituição de 1988, a Justiça do Trabalho ganhou novos contornos e atribuições. A carta magna reafirmou a importância dos direitos trabalhistas e fortaleceu o papel desta justiça especializada na resolução de conflitos laborais.

O advento da globalização e as transformações no mundo do trabalho trouxeram novos desafios para a Justiça do Trabalho. As pressões por flexibilização das leis trabalhistas ganharam força, sob o argumento de que era necessário modernizar as relações de trabalho para aumentar a competitividade das empresas brasileiras. É neste contexto que surge a reforma trabalhista de 2017, apresentada como uma solução para modernizar as relações de trabalho e reduzir o número de processos na Justiça do Trabalho.

A Reforma Trabalhista e seus impactos

Contrariando as expectativas iniciais, a reforma não resultou em uma redução sustentada do número de processos trabalhistas. Conforme apontado pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Lelio Bentes Corrêa, houve uma queda inicial seguida de um aumento gradual nos anos subsequentes. Uma das mudanças mais controversas da reforma foi a introdução dos honorários de sucumbência, mesmo para beneficiários da justiça gratuita. Esta medida foi vista por muitos como um obstáculo ao acesso à justiça, especialmente para trabalhadores em situação de vulnerabilidade econômica.

A intervenção do Supremo Tribunal Federal, declarando inconstitucionais alguns aspectos da reforma, como o pagamento de honorários por beneficiários da justiça gratuita, demonstra as tensões e contradições presentes na nova legislação trabalhista. A reforma também impactou significativamente a atuação dos sindicatos, ao eliminar a obrigatoriedade da contribuição sindical. Esta mudança afetou a sustentabilidade financeira dessas organizações, potencialmente enfraquecendo sua capacidade de representação e negociação coletiva.

Os efeitos da reforma sobre os trabalhadores são múltiplos e complexos. Se por um lado houve uma flexibilização das relações de trabalho, por outro, muitos argumentam que isso resultou em uma precarização e redução de direitos historicamente conquistados. Instituições como o CESIT (IE/Unicamp), o Dieese e o Ipea têm desempenhado um papel crucial na análise desses impactos, fornecendo subsídios importantes para a compreensão das transformações no mundo do trabalho e na Justiça do Trabalho.

A questão da desigualdade

Historiadores que se dedicaram ao estudo da Justiça do Trabalho, como Ângela de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva, têm contribuído para uma compreensão mais profunda do papel histórico desta instituição e das transformações nas relações de trabalho no Brasil. Seus estudos revelam que a atuação da Justiça do Trabalho não pode ser dissociada do contexto mais amplo de desigualdade social no país. As decisões e orientações desta instituição têm impactos diretos na distribuição de renda e nas condições de vida dos trabalhadores.

O advento das novas tecnologias e formas de trabalho, como o trabalho por aplicativos, impõe novos desafios à Justiça do Trabalho. A necessidade de adaptar-se a essas novas realidades sem perder de vista a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores é um dos grandes desafios contemporâneos. Diante das transformações recentes, a Justiça do Trabalho se vê diante da necessidade de encontrar um novo equilíbrio entre a flexibilidade demandada pelo mercado e a proteção dos direitos dos trabalhadores. Este equilíbrio é fundamental para a manutenção da paz social e para o desenvolvimento econômico sustentável.

O futuro da Justiça do Trabalho

O futuro da Justiça do Trabalho no Brasil dependerá de sua capacidade de se adaptar às novas realidades do mundo do trabalho, sem abrir mão de seu papel fundamental na proteção dos direitos dos trabalhadores e na mediação dos conflitos entre capital e trabalho. A análise crítica da reforma trabalhista e seus impactos revela a complexidade e as contradições presentes nas relações de trabalho contemporâneas. É fundamental que a sociedade brasileira continue a debater e refletir sobre estas questões, buscando caminhos que promovam tanto o desenvolvimento econômico quanto a justiça social.

Os desafios que se apresentam para a Justiça do Trabalho no século XXI são múltiplos e complexos. A instituição precisa encontrar formas de lidar com as novas modalidades de trabalho, como a economia de plataforma e o trabalho remoto, que escapam muitas vezes às categorias tradicionais do direito trabalhista. Ao mesmo tempo, é necessário garantir que a busca por flexibilidade e competitividade não resulte em uma erosão dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

A experiência histórica da Justiça do Trabalho no Brasil, desde sua criação até os dias atuais, demonstra sua capacidade de adaptação e seu papel crucial na mediação dos conflitos laborais. No entanto, o cenário atual exige uma reflexão profunda sobre seu papel e suas práticas. É essencial que a instituição mantenha sua relevância como guardiã dos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que se mostra capaz de compreender e responder às mudanças no mundo do trabalho.

Em última análise, o futuro da Justiça do Trabalho no Brasil está intrinsecamente ligado ao futuro do próprio trabalho em nossa sociedade. As decisões tomadas hoje terão impactos duradouros na vida de milhões de trabalhadores e na estrutura social do país. Portanto, é imperativo que essas decisões sejam baseadas em uma compreensão profunda da história das relações de trabalho, em dados empíricos sólidos e em um compromisso inabalável com a justiça social.

A Justiça do Trabalho, ao longo de sua história, tem sido um campo de batalha onde se confrontam diferentes visões sobre o papel do trabalho na sociedade e sobre os direitos dos trabalhadores. Sua evolução reflete as mudanças sociais, econômicas e políticas do país. Agora, diante dos desafios impostos pela reforma trabalhista e pelas transformações no mundo do trabalho, ela se encontra novamente em um momento crucial. O caminho que ela seguirá terá implicações profundas não apenas para os trabalhadores e empregadores, mas para toda a sociedade brasileira.

Referências

BIAVASCHI, M. B. et al. O impacto de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas instituições públicas do trabalho em diálogo comparado. In: KREIN, J. D.; GIMENEZ, D. M.; SANTOS, A. L. (Orgs.). Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas, 2018.

CARDOSO, A. M.; LAGE, T. As normas e os fatos: desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

DIEESE. A reforma trabalhista e os impactos para as relações de trabalho no Brasil. Nota Técnica nº 178. São Paulo: DIEESE, 2017.

GOMES, A. C.; SILVA, F. T. (Orgs.). A Justiça do Trabalho e sua história: os direitos dos trabalhadores no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

IPEA. Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Brasília: IPEA, 2018.

KREIN, J. D.; OLIVEIRA, R. V.; FILGUEIRAS, V. A. (Orgs.). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas, 2019.

O TEMPO. Presidente do TST diz que reforma não cumpriu promessa de reduzir processos. O Tempo, 13 set. 2024.

FOLHA DE S.PAULO. Presidente do TST afirma que reforma trabalhista não cumpriu promessa de reduzir processos judiciais. Folha de S.Paulo, ago. 2024.

 

Subsídios do agronegócio, por Fernando Nogueira da Costa

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Fernando Nogueira da Costa

A Terra é Redonda – 23/05/2023

Nota sobre a circulação monetário-financeira entre agronegócio e serviços urbano-industriais

A publicidade contínua na TV busca convencer à desinformada opinião pública brasileira o agronegócio ser tudo na economia brasileira. Ao buscar essa hegemonia, tenta o transformar em uma totalidade merecedora dos privilégios oferecidos pelas políticas públicas – agrícola, comercial, financeira, tributária, fundiária e tecnológica – do Estado brasileiro. Afinal, agro é pop…

O agronegócio exportador recebe incentivos fiscais no imposto de renda, não paga imposto de exportação e pouco paga de Imposto Territorial Rural (ITR). Beneficia-se da moeda nacional depreciada em favor de suas exportações e goza de subsídios no crédito rural. O Tesouro Nacional, isto é, todos os contribuintes, banca a equalização da taxa de juros: um subsídio governamental dado aos produtores rurais quando o governo cobre a diferença entre a taxa de juros praticada no mercado financeiro e a taxa efetivamente paga pelo produtor devedor.

O mito para justificar tudo isso seria a suposta transformação do comércio exterior em um completo dependente de commodities agrícolas. Por um lado, abstrai as exportações de petróleo e minerais, fora a de produtos manufaturados. Por outro, não destaca a grande responsabilidade pelo salto da exportação de US$ 48 bilhões em 1999 para US$ 334 bilhões em 2022 ter sido a demanda externa, em especial, a da China.

Aliás, vale destacar: entre 2003 e 2011, a média das variações anuais da exportação brasileira foi 18,6% aa com uma única queda em 2009; entre 2012 e 2020, essa média foi negativa (-1,7% aa), com altas apenas em 2017 e 2018. Os crescimentos dos anos de 2021 e 2022 foram excepcionais, respectivamente +34,2% e +19%, por conta da recuperação do fluxo dos negócios após a pandemia mundial.

Guilherme Delgado (Diplô, maio de 2023) conceitua o agronegócio como “um pacto de Economia Política, associando complexos agroindustriais integrados com a grande propriedade fundiária e o Estado planejador do lucro da produção e da valorização patrimonial, tendo em vista gerar resultados comerciais externos superavitários como meta primordial”.

O objetivo nacional é o superávit do balanço comercial cobrir o déficit da conta de serviços e renda enviados ao exterior. Por exemplo, em 2022, o déficit do balanço de transações correntes foi US$ 55,7 bilhões, apesar do superávit do balanço comercial em US$ 44,4 bilhões, devido ao pagamento ao exterior de US$ 40 bilhões em serviços e remessa de renda primária de US$ 64 bilhões, seja em investimento direto (US$ 42 bilhões), seja em investimento em carteira (US$ 21 bilhões). Lucros e dividendos remetidos para o exterior predominam: os de filiais para matrizes e os recebidos em carteira de ações.

É uma opção reducionista definir o agronegócio como o capitalismo agrário, assim como seria definir a “financeirização” como o capitalismo financeiro – e assim por diante. Nessa ótica, o capitalismo industrial teria perdido sua hegemonia e isso, de maneira pressuposta, seria um desastre sob o ponto de vista de geração de empregos produtivos e valor adicionado.

Deve-se compreender o funcionamento integrado do conjunto de subsistemas do sistema capitalista: agrícola, pecuário, industrial, mercantil e financeiro. Eles interagem, são interdependentes e não excludentes um do outro, seja em escala nacional, seja em nível global. Corporações multinacionais tendem a controlar o complexo de sistemas com componentes agrícola, industrial, mercantil, financeiro, tecnológico e ideológico.

O agronegócio não é apenas o complexo agroindustrial. É configurado por um complexo de redes interconectadas por governos, políticos, organizações financeiras multilaterais, redes de supermercados, bancos etc. O modelo de desenvolvimento possível para a economia brasileira não é, exclusivamente, o primário-exportador, “voltado para fora”.

A Fisiocracia à outrance é anacrônica. A etimologia do grego significa “governo da natureza”. Foi uma das primeiras teorias econômicas, desenvolvida por franceses do século XVIII na Era pré-industrial. Supunham a riqueza das nações ser derivada unicamente do valor de “terras agrícolas” ou do “desenvolvimento rural”.

Predomina ainda em muitas mentes ideológicas a ênfase fisiocrata no trabalho produtivo como a única fonte de riqueza nacional. Esse pensamento era contrastante como o Mercantilismo. Este focava na riqueza do Reino, no acúmulo de reservas em ouro através de saldo superavitário do balanço comercial.

O Mercantilismo pregava a regra de ouro do comércio: o valor dos produtos da sociedade seria criado por o vendedor vender seus produtos por mais dinheiro daquele preço pago originalmente. A força ideológica da corrente fisiocrática de pensamento econômico foi ter sido a primeira a defender o trabalho ser a única fonte de valor.

No entanto, para os fisiocratas, apenas o trabalho agrícola criava valor nos produtos com o apoio da natureza, semeando mais barato e colhendo mais caro. Todos os demais trabalhos não agrícolas seriam apêndices improdutivos. Comerciantes não produziam bens, apenas distribuíam os produzidos por proprietários agrícolas.

Pior, Karl Marx e seus discípulos adotaram a proposição do trabalho produtivo como um dogma. Na verdade, segundo o esquema marxista, o capital “produtivo” não se opõe ao “improdutivo”, mas sim ao capital no processo de circulação.

O capital produtivo organiza, diretamente, o processo de criação de bens e serviços. O capital no processo de circulação organiza a compra e a venda, ou seja, a transferência do direito de propriedade sobre os produtos. O trabalho assalariado, caso seja empregado nessa circulação, não cria valor, apesar de ser explorado?!

Ao serem utilizados para a transferência do direito de propriedade privada, todos os trabalhadores empregados, entre outras “atividades terciárias”, no comércio (compra e venda), no governo (administração pública) e no sistema financeiro (pagamentos, financiamentos e gestão do dinheiro) seriam “improdutivos”? Evidentemente, este é um adjetivo inadequado, porque pode ser confundido como “inúteis”. Ora, eles possibilitam a alavancagem financeira geradores de maior escala de empregos e a realização das vendas com valor adicionado superior aos gastos intermediários.

Em todo o mundo, houve mudança da população das áreas rurais para as urbanas e consequente aumento da proporção de habitantes em cidades. Até 2050, cerca de 64% do mundo em desenvolvimento e 86% do mundo desenvolvido serão considerados urbanizados. O grau de urbanização do Brasil já alcançou este último patamar.

No ano de 1940, apenas 32% da população brasileira vivia em cidades. O censo demográfico de 1970 registrou a ultrapassagem da população urbana sobre a rural.

O processo de urbanização no Brasil se desenvolveu, principalmente, na segunda metade do século XX, a partir do processo de industrialização. Este foi fator de atração para o deslocamento da população da área rural em direção à área urbana. Houve também fatores de repulsão para essa migração campo-cidade, por exemplo, a concentração fundiária sem reforma agrária e a mecanização do campo.

Esse êxodo rural foi sintomático da mudança de um modelo agrário-exportador para um modelo urbano-industrial. O Sistema de Contas Nacionais do IBGE registrou já em 1947 os Serviços (55,7% do PIB) terem superado a Agropecuária (21,4%) e a Indústria (26%). Entre eles, os Financeiros foram contabilizados com 3,3%. Em 1989, a Agropecuária tinha caído para 9,8% e a Indústria Geral aumentado para 46,3% – seu auge aconteceu em 1985 com 48%. Os Serviços Financeiros, neste ano de regime de alta inflação, chegaram a 26,4%!

Em 2022, seu valor adicionado foi contabilizado em apenas 7,5%. Na verdade, o sistema financeiro não agrega, mas sim circula (e se apropria de) valor adicionado em outras atividades. Propicia o carregamento e a proteção da riqueza financeira acumulada por trabalhadores e capitalistas. Ao cumprir essa missão social de gestão do dinheiro viabiliza uma mobilidade social caso se cumpra o planejamento da vida financeira.

A urbanização costuma ser vista como negativa quando há deslocamento de moradores para subúrbios periféricos sem infraestrutura. O desenvolvimento da infraestrutura, com o planejamento estatal em lugar da autoconstrução sem presença do governo local, propicia a redução das despesas com transporte e aumenta as oportunidades de emprego, educacionais, habitacionais e de locomoção.

O crescimento econômico pode não ser regular se for baseado em pequeno número de grandes negócios e dependente de milhares de micro empreendimentos. A falta de acesso a serviços financeiros e de assessoria empresarial, a dificuldade de obtenção de crédito para abrir um negócio e a falta de habilidades empreendedoras são barreiras para novas gerações terem acesso a oportunidades profissionais e empreendedoras.

O investimento em capital humano (capacidade pessoal de ganho), para os jovens terem acesso a uma educação de qualidade, é fundamental. Em conjunto com infraestrutura, para o agronegócio e os serviços urbano-industriais, propicia superar as barreiras.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

 

A quarta Revolução Industrial e o futuro do trabalho, por Elisa Rosa.

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Entenda como as novas tecnologias mudam o cenário de trabalho e as competências e habilidades necessárias para o mercado.

Elisa Rosa – Sebrae – 11/09/2019

O cenário atual

Exemplos atuais: engenheiros ambientais que trabalham com a análise de desmatamento no Brasil. Antes era muito comum que as análises fossem feitas manualmente por várias pessoas. Eles tinham que delimitar a área de desmatamento manualmente ponto por ponto. Trabalho custoso, manual e que demandava muito tempo. Hoje um programa automático substituiu essa tarefa.

Outro exemplo são os caixas de supermercado na Europa. Quando fazemos compras no supermercado, metade dos caixas são automáticos e metade são operados por seres humanos.

Os carros autônomos já são uma realidade. Uber, Google e Tesla estão investindo pesadamente nessa tecnologia e esses veículos estão em fase de testes. E como ficará o emprego dos motoristas quando esses carros autônomos começarem a circular? Apenas hoje, no Brasil, temos mais de 500 mil motoristas de Uber. Imagine o número total, se somarmos os motoristas de táxis, de caminhões, particulares e de empresas.

Claro que existem várias discussões éticas acerca da legalização destes carros, mas a disrupção é intransigente. Ela tem que muitas vezes quebrar as barreiras legais, para que depois as leis se adaptem a elas.

O que esperar do futuro

E o que vai acontecer, então, quando não tivermos mais que dirigir nossos carros, quando não tivermos que operar caixas, quando não tivermos que ter que recepcionar pessoas no hotel e quando não tivermos mais que diagnosticarmos nossas doenças?

No Japão existem hotéis cujos recepcionistas são robôs. Do limpador da vidraça até o cortador de grama, as tarefas que foram automatizadas. Segundo o gerente do estabelecimento, naquele hotel, até 90% dos robôs podem substituir as tarefas desempenhadas pelos humanos.

Nós não estamos em um momento que podemos nos sentar e esperar que os eventos se desenrolem. Para estarmos preparados para o futuro, precisamos entender o que está acontecendo agora.

A quarta Revolução Industrial tem uma parte controversa: ela pode acabar com cinco milhões de vagas de trabalho nos 15 países mais industrializados do mundo, de acordo o Fórum Econômico Mundial de 2017 sobre o tema “A Quarta Revolução Industrial”. Obviamente, o processo de transformação só beneficiará quem for capaz de inovar e se adaptar.

Então quem vai sobreviver? Os que mais se adaptarem a essa nova era porque “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”, disse Darwin, o pai da Teoria da Evolução.

E não são só os empregos braçais e repetitivos que estão em risco. Em Wall Street e no Vale do Silício já acontecem enormes ganhos na qualidade da análise das tomadas de decisões por meio de inteligência artificial. Então, até mesmo pessoas mais inteligentes e bem remuneradas serão afetadas pela quarta Revolução Industrial.

Oxford fez um estudo sobre as probabilidades de automação das profissões. O site é https://willrobotstakemvjob.com. O site está em inglês, e se você não entende o idioma, tente usar o recurso de tradução automática do browser e procure por profissões como caixa, motorista e contador.

É exatamente por isso (automação dos trabalho e substituição de seres humanos por robôs e inteligência artificial) que empresários como Marck Zuckeberg e Bill Gates falam sobre a necessidade de uma renda básica universal.

Em 2017, no discurso de formatura da universidade Harvard, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, não falou sobre redes sociais ou empreendedorismo digital. O tema de seu discurso foi “a criação de propósito”. Ele apresentou a ideia de que os Estados garantam uma renda mínima a seus cidadãos, independente de classe socioeconômica, para que seja possível que todos tivessem o básico, para poder desenvolver ideias.

Mas nós sabemos que não dá para esperar esse projeto partir do governo para sustentarmos nosso sistema econômico. Ou seja, vamos continuar precisando de empregos para fazer a economia girar.

Então, essa resposta terá que vir de nós mesmos. Temos que reconhecer as mudanças que estão acontecendo e caminhar lado a lado.  Precisamos pensar sobre como auxiliar como os pequenos negócios do Brasil podem começar a movimentar num ritmo diferente e desenhar novos tipos de empregos que ainda serão importantes na era da robótica.

Em cinco anos, 35% das competências que são consideradas importantes na força de trabalho atualmente terá mudado, de acordo com a Reunião Anual em Davos do Fórum Econômico Mundial. Em 2020, a quarta Revolução Industrial, vai estar ligada às tecnologias disruptivas como a inteligência artificial, machine learning, robótica, nanotecnologia, dentre outras, mudando modelos de negócios e os mercados de trabalho.

Sendo assim, quais habilidades serão necessárias no futuro?

Em 2020

  1. Solução de problemas complexos
  2. Pensamento crítico
  3. Criatividade
  4. Gestão de Pessoas
  5. Empatia com os outros
  6. Inteligência Emocional
  7. Bom Senso e Tomada de Decisão
  8. Orientação para os serviços
  9. Negociação
  10. Flexibilidade Cognitiva

Em 2015

  1. Solução de problemas complexos
  2. Relacionamento com os outros
  3. Gestão de Pessoas
  4. Pensamento Crítico
  5. Negociação
  6. Controle de Qualidade
  7. Orientação para Serviços
  8. Bom Senso e Tomada de Decisão
  9. Escuta Ativa
  10. Criatividade

Fonte:  Relatório “Future of Jobs” World Economic Forum.

Alguns trabalhos vão desaparecer, outros que nem sequer existem hoje se tornarão comuns. O que é certo é que a futura força de trabalho terá de alinhar o seu conjunto de habilidades para manter o ritmo.

E não é nem possível prever quais serão esses empregos do futuro? Como há 20 anos, imaginaríamos que haveria profissões como Especialista em Redes Sociais, Youtuber, Blogger e Influenciador Digital?

O caminho para trilhar

Ao mesmo tempo em que temos essa perspectiva não muito animadora, a quarta revolução tem o potencial de melhorar a qualidade de vida de muitas pessoas, trazendo melhores diagnóstico, prevenindo pessoas de fazerem trabalhos desagradáveis e análises que podem nos ajudar a cuidar melhor do meio ambiente, por exemplo.

Se começarmos a tomar providências agora, para mudar a natureza do trabalho, podemos não criar apenas lugares em que as pessoas amem trabalhar, mas também criar a inovação que precisamos para repor os milhões de empregos que serão substituídos pela tecnologia.

Quando vemos o relatório do Fórum Econômico Mundial e as top 10 habilidades para 2020, já podemos ter uma dica do que nos aguarda. Baseado nessas habilidades, então, o que pode existir é a criação de novos empregos menos centrados nas tarefas que uma pessoa faz e mais focados nas habilidades que ela traz para o trabalho.

Robôs são ótimos em tarefas repetitivas e restritas, mas os humanos têm uma capacidade incrível de usar a criatividade quando enfrentam na resolução de problemas complexos e inéditos.

Enfim, nenhuma exploração sobre o futuro do trabalho será sempre conclusiva. Mas a realidade mostrada é cada vez mais real. Fica, assim, a reflexão sobre como podemos atuar como protagonistas nessa revolução que já está acontecendo e não vai esperar nem um segundo por nós.

Autoria: Elisa Rosa, mestra em Comunicação e analista do Sebrae Nacional

 

Dúvidas econômicas

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A economia brasileira vem apresentando bons indicadores nos últimos meses, a inflação apresenta perspectivas de estabilidade, as exportações crescem de forma acelerada, o superávit comercial cresce e garante um incremento das reservas internacionais e, ao mesmo tempo, as receitas tributárias crescem todos os meses, o emprego é o maior dos últimos dez anos, as Bolsas apresentam valores positivos, mesmo assim, encontramos grandes desafios para a economia nacional, será que estamos vivendo momentos de bonança econômica, com boas perspectivas no campo econômico e produtivo ou estamos vivendo momentos de crescimento sem lastro e, novamente, vislumbrando novas crises, com o aumento do desemprego, de descontrole dos preços relativos e nova rodada de elevação das taxas de juros?

Vivemos momentos de grandes incertezas no cenário internacional, as potências econômicas se digladiam como forma de garantir novos espaços na lógica produtiva mundial, percebemos ainda, o crescimento de políticas protecionistas em todas as nações, medidas de estímulos econômicos para garantir a internalização de produtos estratégicos para alavancar espaços no cenário produtivo global, gerando instabilidades externas, rivalidades crescentes e confrontos geopolíticos.

Depois de mais de trinta anos de baixo crescimento econômico e produtivo, marcados por uma desindustrialização precoce, a adoção de taxas de juros elevadas, com o crescimento do desemprego estrutural e o incremento da financeirização da economia, estamos vivendo momentos marcados por grandes dúvidas econômicas, que restringem os investimentos produtivos, estimulam o rentismo e criam incertezas que prejudicam o funcionamento da economia nacional.

Neste cenário, marcado por grandes incertezas externas, precisamos construir um novo consenso nacional em prol do crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais que convivem fortemente na sociedade brasileira, precisamos de políticas públicas sólidas e consistentes que impulsionem a melhoria do ambiente econômico, estimulando os investimentos produtivos, a geração de empregos mais qualificados, melhorando as contas nacionais, reduzindo o desperdício dos gastos públicos, racionalizando os investimento públicos e atraindo conglomerados nacionais e internacionais que podem alavancar setores estratégicos da economia do século XXI, compreendendo que somos dotados de grandes recursos energéticos, além de riquezas vegetais e minerais que nos coloca em condições privilegiadas no ambiente econômico internacional.

Todas as nações que conseguiram se desenvolver economicamente com melhora de suas condições sociais, precisaram aumentar a complexidade de suas economias e de seus sistemas produtivos e, antes de mais nada, fizeram grandes investimentos em educação, priorizando o ensino, a pesquisa e construindo um verdadeiro ecossistema de inovação e empreendedorismo, garantindo oportunidades para todos os talentos nacionais e construindo empregos mais qualificados, com salários dignos e decentes, além de impulsionar o ensino superior, com professores capacitados, valorizados e conscientes de seu papel numa sociedade em constante transformação.

Os desafios são imensos para a economia nacional, para superarmos este momento de grandes dúvidas econômicas, precisamos compreender o que queremos ser no futuro imediato, se queremos continuar sendo um produtor de commodities de baixo valor agregado ou se queremos retomar nosso processo de industrialização, se não definirmos o que queremos do futuro imediato as dúvidas econômicas tendem a aumentar e as incertezas devem afugentar o crescimento, nos afastando do sonho do desenvolvimento econômico.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Gestor Financeiro, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Quem sustenta a Civilização do Plástico, por Javati Ghosn.

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Símbolo do descarte e desperdício que marcam o capitalismo, ele contamina rios, mares, solos e corpos. Redução drástico de seu uso é possível e está em debate num tratado internacional. Adivinhe quem trabalha intensamente para sabotá-lo.

Javati Ghosn é professora de Economia na Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Délhi em Délhi, Secretaria Executiva da International Devlopment Economics Associates, e membro da Comissão Independente pela Reforma Tributária de Corporações Internacionais.

OUTRAS PALAVRAS, 26/09/2024

Não há como negar que os plásticos trouxeram benefícios imensos ao longo do último século, impulsionando a inovação tecnológica, transformando os cuidados com a saúde e alimentando o crescimento econômico global. Mas, como sabemos agora, esse progresso teve um alto custo.

As consequências adversas da nossa dependência excessiva de plásticos estão bem documentadas. Desde a extração e o transporte dos combustíveis fósseis necessários para produzi-los, passando pelo processo de fabricação, até seu uso e descarte intensos, cada etapa do ciclo de vida dos plásticos implica poluição e degradação ambiental.

A poluição plástica põe em risco a vida selvagem, danifica ecossistemas e representa sérios riscos à saúde humana. Microplásticos, junto com os produtos químicos tóxicos que contêm, são encontrados no ar que respiramos, nos alimentos que ingerimos e podem ser absorvidos pela pele. À medida que os resíduos plásticos se acumulam em oceanos, rios e lagos, produtos químicos nocivos contaminam o solo, prejudicando a vida vegetal. Embora as implicações completas dos nanoplásticos para a saúde humana ainda estejam subpesquisadas, é claro que grupos vulneráveis, como crianças, mulheres, comunidades empobrecidas e trabalhadores na produção de plásticos, gestão de resíduos e reciclagem são os mais afetados por esses perigos.

O debate atual, especialmente sobre plásticos usados uma única vez, geralmente se concentra no descarte, provocando apelos por soluções de “economia circular” como a reciclagem. Mas não existem plásticos verdadeiramente “seguros”, e os rótulos de produtos que afirmam o contrário são enganosos e obscurecem os danos causados pela extração de petróleo e gás, que respondem por 99% dos plásticos do mundo. As toxinas liberadas durante a extração de combustíveis fósseis são conhecidas por prejudicar a pele, os olhos e os sistemas respiratório, nervoso e gastrointestinal, além do fígado e do cérebro.

A produção de plástico não é apenas uma ameaça direta à saúde humana, mas também um dos principais impulsionadores das mudanças climáticas, representando cerca de 3 a 8% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). No entanto, apesar dos perigos existenciais impostos pela crise climática, a produção de plástico continua a aumentar. Estimativas da OCDE sugerem que, se as tendências atuais persistirem, o uso global de plásticos, e os resíduos que eles geram, poderão quase triplicar até 2060. Espera-se que metade desses resíduos acabe em aterros sanitários, com menos de 20% sendo reciclados.

Ainda mais alarmante é a projeção de que os plásticos reciclados representem apenas 12% de todo o uso de plástico em 2060, enquanto o vazamento de plástico no meio ambiente deve dobrar, atingindo 44 milhões de toneladas anuais, com consequências devastadoras para a saúde humana e os ecossistemas naturais. Se os planos de expansão da indústria se concretizarem, a produção de plástico poderá consumir 31% do orçamento de carbono restante do planeta para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Esse aumento na fabricação está cada vez mais desalinhado com as projeções de demanda futura. Um estudo sugere que a produção global de plásticos como o polipropileno precisa diminuir em 18 milhões de toneladas anualmente até 2030, devido à redução da demanda da China e de outros países. Na verdade, as empresas petroquímicas já estão lidando com um excesso global de oferta, mais um exemplo de como as forças do mercado não conseguem gerar resultados eficientes ou sequer sensatos.

Com as corporações sob crescente pressão para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, insistir na produção de plásticos à base de combustíveis fósseis parece não apenas imprudente, mas também economicamente míope. Ainda assim, um estudo recente do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira constatou que, mesmo diante de possíveis rebaixamentos de crédito, as maiores empresas petroquímicas do mundo estão “fazendo grandes investimentos na direção errada”.

Diante das apostas envolvidas, fica claro que reduzir apenas o consumo de plástico não será suficiente para proteger a saúde humana, o meio ambiente e o planeta. À medida que o Comitê Intergovernamental de Negociação sobre a Poluição Plástica se aproxima de sua reunião final em Busan (na Coreia do Sul), ainda este ano, os esforços contínuos para concluir um tratado global para acabar com a poluição plástica devem enfrentar a necessidade urgente de conter a produção.

Infelizmente, como em muitas negociações internacionais, a resistência de interesses poderosos pode bloquear a inclusão, no acordo final, de medidas essenciais. A reunião do Comitê em abril, em Ottawa, foi um exemplo disso, revelando divisões profundas sobre estratégias fundamentais. A questão mais polêmica foi a proposta de limitar a produção global de plásticos, que enfrentou forte oposição de fabricantes, seus países de origem e produtores de petróleo e gás. Esses grupos de interesse preferiram uma abordagem mais restrita, focada na reciclagem. Alguns países petrolíferos até argumentaram que o tratado deveria cobrir apenas a gestão de resíduos.

Sem dúvida, a reciclagem é essencial. Mas ela não pode proporcionar as reduções necessárias na produção e no consumo de plástico, nem abordar os efeitos da poluição plástica na saúde humana. Mesmo no melhor cenário, sem medidas mais amplas para controlar a produção, a poluição continuará a aumentar, provocando crises graves de saúde, exacerbando a degradação ambiental e acelerando o aquecimento global.

Não surpreendentemente, os lobbies da indústria estão pressionando por um tratado internacional sobre plásticos que não seja vinculativo – ou seja, não tenha um mandato legal claro e compromissos obrigatórios. Tratados assim estão fadados a se tornarem pouco mais do que promessas vagas e a rapidamente se tornarem irrelevantes.

Reduzir o uso e a produção de plásticos é crucial para facilitar as mudanças comportamentais necessárias para que a humanidade se adapte às novas realidades ecológicas. Se os lobbies da indústria conseguirem enfraquecer o tratado sobre plásticos, excluindo limites de produção ou tornando suas disposições não vinculativas, eles sabotarão os esforços para combater as mudanças climáticas.

À medida que a crise climática se agrava, reduzir a poluição plástica nunca foi tão urgente, e é por isso que as negociações para um tratado global ganharam tanto impulso. Mas as negociações merecem muito mais atenção e engajamento público. Para garantir um futuro mais sustentável, devemos pressionar os governos a se comprometerem com um acordo internacional vinculativo que limite – e em última instância reduza – a produção e o uso de plásticos.

 

Arauto do atraso, por Lauro Mattei

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Lauro Mattei – A Terra é Redonda – 17/09/2024

As profecias enganosas do grupo Globo sobre a reforma trabalhista e o mercado de trabalho no Brasil

O jornal O Globo de 15 de setembro de 2024 em seu editorial profetizou: “Efeito da reforma trabalhista de 2017 é positivo”. Com base em um estudo da FGV Projetos e de autoria de Bruno Ottoni afirma-se que a lei atendeu demandas específicas e “permitiu o Brasil alcançar o maior número de empregos e atingir a menor taxa de desemprego desde 2012”. Além disso, destaca-se que o rendimento médio da população economicamente ativa subiu 4,8% no segundo trimestre de 2024 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

A expansão atual do emprego está sendo creditada ao fato de que a reforma trabalhista de 2017 “aumentou a confiança das empresas pela contratação de mão de obra com carteira assinada desestimulando a indústria de litígio trabalhista, uma vez que o número de processos trabalhistas aventureiros caiu”. Segundo o editorial, esse é o principal legado da reforma trabalhista.

Dentre outros’ benefícios, segundo o editorial, consta a introdução de novas modalidades contratuais: o trabalho em tempo parcial e o trabalho intermitente. No primeiro caso, menciona-se que apesar de ser prática comum entre diversas áreas profissionais, a lei permitiu que tal modalidade tivesse melhor enquadramento legal e rapidez nas contratações.

No segundo caso, informa-se que tal modalidade é mais afeita ao setor de serviços, especialmente nos ramos de bares, restaurantes e hotéis. Assim, informa-se que no período entre janeiro de 2020 e julho de 2024 de cada 10 contratações intermitentes, sete delas foram efetivadas nos ramos anteriormente mencionados.

O referido editorial é concluído com destaque para uma lição da reforma: “deve-se analisar propostas sem preconceitos e depois analisar resultados com base em evidências. A reforma trabalhista de Michel Temer é a prova de que no Brasil é possível haver mudança para melhor”.

Seguindo essa lição que o jornal O Globo quer nos ensinar, vamos apresentar outras evidências que percorrem caminhos opostos. Mas antes é importante destacar o aspecto mais relevante desse editorial: toda a argumentação foi construída com base em um estudo que não representa 6% do que é efetivamente o mercado de trabalho no Brasil. Ou seja, as novas modalidades de contratação (parcial e intermitente), não representam a dinâmica do mercado de trabalho atual, uma vez que este segue com sua lógica tradicional.

Para tanto, vamos apresentar diversas evidências empíricas relativas ao período integral da reforma trabalhista (2017-2024-2º semestre) para mostrar seus verdadeiros efeitos. Analisando o comportamento das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência por posição na ocupação e categorias do emprego principal no período integral (2017-2024) observamos que: (a) houve um crescimento maior dos empregados do setor privado sem carteira em relação aos mesmos, porém com carteira assinada. Em montantes, os sem carteiras passaram de 10.775 milhões (2º semestre de 2017 para 13.797 milhões no 2º semestre de 2024.

(b) Que o trabalho doméstico caiu expressivamente durante a pandemia e não atingiu mais a marca dos 5.928 milhões de postos de trabalho existentes em 2017, quando apenas 30% era formalizado; c) que no segundo semestre de 2024 apenas 25% dessa categoria tinha carteira assinada.

Estas informações – e diversas outras – revelam que os problemas do mercado de trabalho se expandiram após a tal da reforma, levando a um grau ainda maior da precarização das relações trabalhistas e, por consequência, das condições de vida da classe trabalhadora brasileira.

Outra evidência nesta direção diz respeito ao percentual de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais de idade observado na semana de referência entre homens e mulheres no mesmo período (2017-2024). No caso dos homens, nota-se que esse percentual era de 49,3% em 2017, caindo para 45,8%, no segundo trimestre de 2024.

Já as mulheres partiram de um patamar de 50,7% no início da série para atingir 54,2% no 2º trimestre de 2024. Destaca-se que esse percentual se acentuou durante a pandemia e não se reduziu mais até o presente momento. Tais informações revelam a grande disparidade de gênero que ainda persiste no mercado de trabalho do país.

Esse indicador também permite analisar o comportamento da taxa de desocupação de gênero que prevalece no país. Em 2017 essa taxa era de 11,5% para os homens e de 15,2% para as mulheres, destacando-se que no auge da pandemia (2021) a taxa de desocupação das mulheres atingiu seu ápice (cerca de 18%), enquanto a dos homens foi praticamente idêntica àquela verificada em 2017. Nos dois últimos anos essas taxas caíram para 5,6% (homens) e 8,6% (mulheres).

Há, ainda, um conjunto de indicadores que poderiam ser mencionados como elementos relevantes que apontam no sentido oposto ao mencionado pelo editorial de O Globo. Por um lado, observou-se um aumento expressivo do número dos trabalhadores por conta própria no período considerado. Além disso, vemos que a informalidade do mercado de trabalho no Brasil continua elevada, ou seja, dos 39,7% registrados em 2017 chega-se aos 38,6% atuais.

Todas as informações anteriormente mencionadas fazem parte daquilo que estudiosos do mercado de trabalho classificam como “precarização”, assunto que a tal da reforma trabalhista praticamente em nada alterou, ao contrário, em alguns casos acabou incentivando e estimulando tal processo.

É inegável que a reforma de 2017 contribuiu para a precarização das relações de trabalho no país, ao mesmo tempo em que suprimiu direitos trabalhistas historicamente conquistados. Todavia, o que chama atenção é que somente no momento em que o mercado de trabalho está apresentando melhorias expressivas, busca-se creditá-las à reforma trabalhista.

Esses arautos do atraso se esquecem de mencionar que são as políticas de valorização dos salários e de estímulo ao emprego, concatenadas com as políticas macroeconômicas adotadas recentemente pelo governo atual, que estão impulsionando o crescimento econômico do país, ampliando as oportunidades de trabalho e melhorando o nível de renda de parcelas expressivas da população.

*Lauro Mattei é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do programa de pós-graduação em Administração, ambos na UFSC.

 

A miséria da Economia, entre mitos e preguiça, por Jayathi Ghosh.

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Em meio a uma crise civilizatória aguda, uma disciplina crucial para buscar saídas rende-se a velhas fórmulas, à consagração de “saberes” fossilizados, aos encantos do poder e à arrogância diante de novas teorias. Haverá meios de salvá-la?

Por Jayathi Ghosh | Tradução: Antonio Martins

OUTRAS PALAVRAS – 26/03/2024

A necessidade de mudança drástica na disciplina econômica nunca foi tão urgente. A humanidade enfrenta crises existenciais, com a saúde planetária e os desafios ambientais se tornando grandes preocupações. A economia global já estava mancando e frágil antes da pandemia. A recuperação subsequente expôs as desigualdades profundas e agravadas, não apenas em renda e riqueza, mas também no acesso às necessidades humanas básicas. As tensões sociopolíticas resultantes e conflitos geopolíticos estão criando sociedades que em breve podem ser disfuncionais a ponto de não serem mais vivíveis. Tudo isso requer estratégias econômicas transformadoras. No entanto, a corrente principal da disciplina persiste em fazer negócios, como de costume, como se mexer nas margens, com pequenas mudanças, pudesse ter algum impacto significativo.

Há um problema de longa data. Muito do que é apresentado como sabedoria econômica sobre como as economias funcionam e as implicações das políticas é, na melhor das hipóteses, enganoso e, na pior hipótese, simplesmente errado. Por décadas, um lobby poderoso dentro da disciplina vendeu meias-verdades e até falsidades em muitas questões críticas. Por exemplo, como os mercados financeiros funcionam e se eles podem ser “eficientes” sem regulamentação; as implicações macroeconômicas e distributivas das políticas fiscais; o impacto do mercado de trabalho e a desregulamentação salarial no emprego e no desemprego; como os padrões de comércio e investimento internacionais afetam os meios de subsistência e a possibilidade de diversificação econômica; como o investimento privado responde a incentivos políticos, incentivos e subsídios fiscais e déficits fiscais; como o investimento multinacional e as cadeias de valor globais afetam produtores e consumidores; os danos ecológicos decorrentes de padrões de produção e consumo; se os direitos de propriedade intelectual mais rígidos são realmente necessários para promover a invenção e a inovação; e assim por diante.

Por que isso acontece? O pecado original pode ser a exclusão do conceito de poder do discurso – o que efetivamente reforça as estruturas e desequilíbrios de poder existentes. As condições subjacentes são varridas ou encobertas. Entre elas, estão o maior poder de capital em comparação com os trabalhadores; a exploração insustentável da natureza; o tratamento diferencial dos trabalhadores por meio da segmentação do mercado de trabalho social; o abuso privado de poder de mercado e da busca de rendas; o uso do poder político para impulsionar os interesses econômicos privados no interior das nações e entre elas; e os impactos distributivos das políticas fiscais e monetárias. As preocupações profundas e contínuas com a insuficiência do PIB como uma medida de progresso são ignoradas. Mesmo com todas as suas muitas falhas conceituais e metodológicas, continua sendo usado como o indicador básico, apenas porque está lá.

Verdades inconvenientes

Existe uma tendência relacionada a subestimar o significado crucial das suposições na construção dos resultados analíticos e na apresentação desses resultados em discussões de políticas. A maioria dos economistas teóricos convencionais argumentará que se afastaram das suposições neoclássicas iniciais, como concorrência perfeita, retornos constantes à escala e emprego pleno, que não têm relação com o funcionamento econômico real em qualquer lugar. Mas essas suposições ainda persistem nos modelos que sustentam explícita ou implicitamente muitas prescrições de políticas (inclusive sobre políticas comerciais e industriais ou estratégias de “redução da pobreza”), particularmente para o mundo em desenvolvimento.

As estruturas de poder dentro da profissão reforçam o mainstream de diferentes maneiras, inclusive através da tirania das chamadas “publicações principais” e do emprego acadêmico e profissional. Tais pressões e incentivos desviam muitas das mentes mais brilhantes, que deixam de se dedicar a um estudo genuíno da economia (para tentar entender seu funcionamento e as implicações para as pessoas) e dedicam-se ao que só pode ser chamado de “atividades triviais”. Muitas publicações acadêmicas destacadas publicam contribuições esotéricas que agregam valor apenas flexibilizando uma pequena suposição em um modelo, ou usando um teste econométrico ligeiramente diferente. Os elementos que são mais difíceis de modelar, ou que podem gerar verdades inconvenientes, são simplesmente excluídos, mesmo que contribuam para uma melhor compreensão da realidade econômica. Restrições ou resultados fundamentais são apresentados como “externalidades”, e não como condições a serem abordadas. Economistas que conversam principalmente um com o outro, depois simplesmente proselitizam suas descobertas aos formuladores de políticas, raramente são forçados a questionar essa abordagem.

Como resultado as forças econômicas (que são necessariamente complexas – devido ao impacto de muitas variáveis diferentes – e refletem os efeitos da história, da sociedade e da política) não são estudadas à luz dessa complexidade. Em vez disso, são espremidas em modelos matematicamente tratáveis, mesmo que isso remova qualquer semelhança com a realidade econômica. Para ser justa, alguns economistas convencionais muito bem sucedidos criticaram essa tendência – mas com pouco efeito até agora nos guardiões da ortodoxia da profissão.

Hierarquia e discriminação

A aplicação de hierarquias estritas de poder dentro da disciplina suprimiu o surgimento e a disseminação de teorias, explicações e análises alternativas. Isso se combina com as outras formas de discriminação (por gênero, raça/etnia, localização) para excluir ou marginalizar perspectivas alternativas. O impacto da localização é enorme: a disciplina convencional é completamente dominada pelo Atlântico Norte – especificamente os EUA e a Europa – em termos de prestígio, influência e capacidade de determinar o conteúdo e a direção da disciplina. O enorme conhecimento, os insights e contribuições para a análise econômica feitos por economistas localizados nos países onde vive a maior parte da população do planeta são amplamente ignorados, devido à suposição implícita de que o conhecimento “real” se origina no Norte e é disseminado para fora.

A arrogância em relação a outras disciplinas é uma grande desvantagem, expressa, por exemplo, pela falta de um forte senso de história, que deve permear todas as análises sociais e econômicas atuais. Recentemente, tornou -se elegante para os economistas se envolverem em psicologia, com o surgimento da economia comportamental e “cutucadas” para induzir certos comportamentos. Mas isso também é frequentemente apresentado sem reconhecer contextos sociais e políticos variados. Por exemplo, os testes randomizados de visão focada [worm’s eye tests], que se tornaram tão populares na economia do desenvolvimento estão associados a uma mudança que abandonou o estudo de processos evolutivos e tendências macroeconômicas, para se concentrar nas tendências microeconômicas que efetivamente apagam os contextos que moldam o comportamento e as respostas econômicas. A base subjacente e profundamente problemática do individualismo metodológico persiste, principalmente porque poucos economistas contemporâneos ousam fazer uma avaliação filosófica de sua própria abordagem e trabalho.

Essas falhas empobreceram muito a economia e, sem surpresa, reduziram sua credibilidade e legitimidade entre o público em geral. A disciplina convencional precisa muito de maior humildade, um melhor senso de história e reconhecimento do poder desigual e incentivo ativo à diversidade. Claramente, muito precisa mudar para que a economia seja realmente relevante e útil o suficiente para enfrentar os principais desafios de nossos tempos.

 

Economistas que não se curvam aos dogmas, por Ladislau Dowbor

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De Jayati Ghosh a Thomas Piketty. De Mariana Mazzucato a Wolfgang Streeck. Surgem, em todo o mundo, vozes dispostas a mudar os rumos da Economia e aproximá-la de ideias como a igualdade e a defesa do planeta. Vale conhecê-las

Ladislau Dowbor – OUTRAS PALAVRAS -16/09/2024

Acredite ou não, Adam Smith ainda está aqui. Não seus escritos sobre sentimentos morais, é claro, mas a história do padeiro: preocupando-se apenas com seu próprio lucro, ele fará muito pão, com qualidade e a um preço razoável, ou não venderá, e outra padaria abrirá na vizinhança. Assim, cada um trabalhando para maximizar seu próprio lucro, o resultado será o conforto econômico e social. Bem, isso certamente não funciona para as indústrias Nestlé, o megafundo BlackRock, a visa Visa ou os irmãos Koch. Com o alcance global, a conectividade, o dinheiro virtual, os paraísos fiscais e o marketing comportamental, estamos em outra era. Até mesmo a baguete francesa é amplamente recebida crua nas boulangeries de Paris, mas pré-fabricada em grandes quantidades nos arredores da cidade, pronta para o forno de micro-ondas local. Muitos restaurantes seguiram a tendência.

A livre concorrência de mercado deveria trazer ordem em um ambiente liberal, cada empresa tentando trazer melhores serviços. Nenhuma regulamentação pública, por favor, a mão invisível garantirá que o ambiente de livre-arbítrio funcione melhor. Preocupações éticas? “O negócio dos negócios é o negócio”, afirmou Milton Friedman, explicando no documentário The Corporation que uma empresa tem muros, não ética. Muros têm ética? Wall Street amava seu lema “ganância é bom”, “greed is good”. O problema não é Milton Friedman, a economia da justificação sempre esteve por aí, mas com que facilidade a mensagem permeou mentes, jornais, universidades e até igrejas, em nome da liberdade. Libertas… Liberdade no contexto da desigualdade é uma farsa. Experimente a livre concorrência no ambiente da Big Pharma ou com corporações de seguro saúde.

Embora muitas pessoas conscientes estejam convencidas da catástrofe em câmera lenta que estamos construindo neste planeta, muito poucas estão cientes do ritmo acelerado da transformação. Quantas pessoas terão de se afogar em enchentes ou fugir de incêndios até que uma grande maioria se convença de que a mudança é necessária e que é necessário gerar força política suficiente para promover a mudança estrutural? As gigantescas corporações em escala mundial, as plataformas de comunicação e as empresas de gestão de ativos, livres de responsabilidade moral e social e com o poder das novas tecnologias, estão nos levando pelo ralo. Proprietários ausentes, prioridades dos acionistas, dinheiro virtual e sistemas de regulamentação pré-históricos que remontam a Bretton Woods criaram um ambiente de vale-tudo, enquanto a nova geração de tecnologias deu às corporações poder em escala mundial.

Larry Fink, na BlackRock, administra 10 trilhões de dólares, o orçamento de Biden é de 6 trilhões. Isso não é apenas globalização, é uma bagunça global. A maximização dos dividendos dos acionistas é a regra, independentemente das consequências. E economistas tradicionais e severos discutem se a taxa básica de juros deve ser mantida ou aumentada em meio por cento. Isso visto na TV passa uma impressão de seriedade e de conhecimento técnico. Não se preocupe. Michael Hudson tem toda a razão ao chamar isso de economia lixo [junk economics].

Uma questão importante é que os interesses privados são muito eficientes para atingir suas metas delimitadas, enquanto os interesses sociais e ambientais gerais são difusos e, portanto, difíceis de defender. As empresas têm plena consciência disso, e todas elas afirmam sua adesão aos ESGs, mas os interesses pontuais são muito mais imediatos e poderosos, e elas se aproveitam disso. Enfrentamos isso, por exemplo, no Brasil, onde a grande maioria da população quer preservar a Amazônia, mas a gigantesca indústria da soja, do gado e da madeira, com seus interesses concentrados, simplesmente se infiltra. É um sistema que funciona, apesar do impacto devastador. Qualquer tentativa de regulamentação leva a gritos de liberdade ameaçada. Há uma ruptura profunda entre a forma como o sistema deveria funcionar e o que ele consegue alcançar. Basta dar uma olhada na estagnação das metas dos SDGs.

Embora os economistas tenham discutido por muito tempo em um ambiente técnico fechado, isso está mudando, entre outros motivos, porque à medida que os dramas se aprofundam, mais não-economistas querem entender as razões de nossa incapacidade de promover a mudança necessária. O enorme sucesso de Thomas Piketty com seu O Capital no século XXI baseia-se em sua poderosa demonstração de que o processo de acumulação de capital, o coração do sistema, mudou. A financeirização assumiu o controle, pagando cerca de 7% a 9% ao ano, enquanto a produção efetiva de bens e serviços, o PIB, cresce 2,5% no longo prazo. Quando as atividades financeiras, por meio de dividendos para proprietários ausentes e altas taxas de juros, ganham muito mais do que investir na produção, o capitalismo extrativista assume o controle. Nasce a financeirização. Nesse capitalismo, não é preciso gerar produtos e empregos para ficar rico. A população de bilionários está explodindo.

A Oxfam é outra fonte de economia realista, organizando e divulgando fatos básicos: “Desde 2020, os cinco homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas. Durante o mesmo período, quase cinco bilhões de pessoas em todo o mundo ficaram mais pobres. A miséria e a fome são uma realidade diária para muitas pessoas em todo o mundo. Nas taxas atuais, serão necessários 230 anos para acabar com a pobreza, mas poderemos ter nosso primeiro trilionário em 10 anos.” Mariana Mazzucato chama isso de capitalismo extrativista, pois é basicamente um dreno. Com O Estado Empreendedor, ela mostra que as políticas públicas são fundamentais se quisermos que a economia resgate sua função social. A Economia da Missão traz uma nova abordagem, construindo uma convergência de capacidade empresarial, coordenação pública e centros de pesquisa tecnológica em torno das principais questões sociais: desigualdade, meio ambiente, situações humanas críticas e afins. Não se trata de livre mercado, mas de construir o que precisamos: trata-se de uma sinergia construída de forma racional. Esperar pela mão invisível é, na melhor das hipóteses, ignorância infantil ou apenas raciocínio interessado.

A contribuição de Joseph Stiglitz tem sido fundamental para esses “novos ventos” na economia, denunciando o sistema atual como tal: “O experimento neoliberal – impostos mais baixos para os ricos, desregulamentação dos mercados de trabalho e de produtos, financeirização e globalização – foi um fracasso espetacular. O crescimento é menor do que o registrado no quarto de século após a Segunda Guerra Mundial, e a maior parte dele foi acumulada no topo da escala de renda. Após décadas de renda estagnada ou até mesmo em queda para os que estão abaixo deles, o neoliberalismo deve ser declarado morto e enterrado.” Ao comentar sobre o desastre da Covid-19, ele traz uma ideia óbvia, mas essencial: os líderes políticos dos países desenvolvidos devem reconhecer “que ninguém está seguro até que todos estejam seguros e que uma economia mundial saudável não é possível sem a recuperação de suas partes mais pobres”. Aqui também, e em especial em seu estudo Rewriting the Rules of the American Economy (2015), encontramos uma abordagem sistêmica e a necessidade de os economistas apresentarem diagnósticos e propostas eficazes.

Uma abordagem semelhante pode ser encontrada na contribuição de Felicia Wong, do Roosevelt Institute: “O ideal neoliberal – de que os mercados criariam liberdade econômica e política e que nossa economia e política deveriam, portanto, privilegiar a escolha privada individual e as empresas do setor privado voltadas para o lucro acima de tudo – dominou nosso pensamento nos EUA e em todo o mundo por décadas. No entanto, os resultados empíricos são claros: O neoliberalismo fracassou, dizimando o crescimento econômico e a estabilidade, promovendo a desigualdade racial e de gênero e esvaziando a própria democracia.”

Andrew Osvald e Nicholas Stern trazem os desafios da mudança climática para os economistas. Comentando sobre Por que os economistas estão decepcionando o mundo em relação às mudanças climáticas, eles consideram que “os investimentos das próximas duas décadas são decisivos para o planeta e para o futuro de nossos filhos e dos filhos deles. Esses investimentos serão estabelecidos por decisões tomadas nos próximos anos. A boa economia pode e deve desempenhar um papel fundamental na orientação da estrutura política que influenciará essas decisões. É por isso que é tão importante que nossa profissão acelere seu trabalho agora.”

Jayati Ghosh trouxe contribuições importantes e escreve sobre Como e por que a economia deve mudar (2024): “A economia precisa de mais humildade, um melhor senso de história e mais diversidade. A necessidade de mudanças drásticas na disciplina de economia nunca foi tão urgente. A humanidade enfrenta crises existenciais, com a saúde planetária e os desafios ambientais se tornando grandes preocupações. As tensões sociopolíticas e os conflitos geopolíticos resultantes estão criando sociedades que, em breve, poderão ser disfuncionais a ponto de se tornarem inviáveis. Tudo isso exige estratégias econômicas transformadoras. No entanto, a corrente dominante da disciplina persiste em fazer negócios como de costume, como se mexer nas margens com pequenas mudanças pudesse ter algum impacto significativo. Há um problema de longa data. Muito do que é apresentado como sabedoria econômica recebida sobre como as economias funcionam e as implicações das políticas é, na melhor das hipóteses, enganoso e, na pior, simplesmente errado.” 8

Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, em How to Tax Our Way Back to Justice, consideram que “não há nada inerente à tecnologia moderna ou à globalização que destrua nossa capacidade de instituir um sistema tributário altamente progressivo. A escolha é nossa. Podemos tolerar um setor em expansão que ajuda os ricos a se esquivarem dos impostos ou podemos optar por regulamentá-lo. Podemos deixar que as multinacionais escolham o que querem. Podemos deixar que as multinacionais escolham o país em que declaram seus lucros, ou podemos escolher por elas. Podemos tolerar a opacidade financeira e as inúmeras possibilidades de evasão fiscal que vêm com ela, ou podemos optar por medir, registrar e tributar a riqueza.” O livro deles, The Triumph of Injustice (Norton, 2019), é um poderoso apelo à ação.

Estou apresentando apenas alguns autores aqui, mas o fato é que uma nova geração está nos trazendo à realidade e apresentando os verdadeiros desafios. Trata-se de uma mudança global na economia, com muitas alternativas claras. Thomas Piketty apresenta um conjunto de medidas na linha do “socialismo participativo”, Joseph Stiglitz sugere “capitalismo progressivo”; Wolfgang Streeck, “capitalismo democrático”; Mariana Mazzucato, “economia de missão”; como vimos, Gerald Epstein sugere acabar com o Clube dos Banqueiros [Busting the Bankers Club], enquanto Robert Reich denuncia o “capitalismo corporativo”; Joel Kotkin, o “neofeudalismo”; Zygmunt Bauman, o “capitalismo parasitário”; Shoshana Zuboff, “capitalismo de vigilância”; Grzegorz Konat, “realny kapitalizm”; Raymond Baker, “nosso sistema quebrado”; Brett Christophers, “capitalismo rentista”; Marjorie Kelly, “supremacia da riqueza”; Nicholas Shaxson, “a maldição das finanças”. Bernie Sanders pergunta: “Para onde vamos a partir daqui?”; Noam Chomsky, “quem governa o mundo?”; o relatório da Oxfam em Davos-2024, intitulado Inequality-Inc, nos traz os números básicos chocantes.

Na verdade, ocorreram muitas mudanças estruturais, muitas nuvens sombrias estão se formando, para que possamos continuar como sempre, esperando que as coisas se resolvam sozinhas. Uma nova abordagem sistêmica está ganhando peso. Os economistas têm um papel importante a desempenhar, e é hora de nossas universidades atualizarem seus currículos. Ainda estamos ensinando o conto de fadas da mão invisível.

O que estamos enfrentando? De acordo com David Boyd, relator especial da ONU, estamos enfrentando “um sistema que é absolutamente baseado na exploração das pessoas e da natureza. E, a menos que mudemos esse sistema fundamental, estaremos apenas remexendo as cadeiras do convés do Titanic… Nos últimos seis anos, fiquei enlouquecido com o fato de os governos simplesmente não se darem conta da história. Sabemos que o setor de tabaco mentiu com todos os dentes durante décadas. O setor de chumbo fez o mesmo. O setor de amianto fez o mesmo. O setor de plásticos fez o mesmo. O setor de pesticidas também fez o mesmo… Não consigo fazer com que as pessoas pisquem os olhos. É como se houvesse algo errado com nossos cérebros, pois não conseguimos entender a gravidade da situação.” Precisaremos de muito mais do que economistas conscientes.

 

Brasil deve reinventar suas cidades para o clima do século 21, por Muggan e Lemos

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Nova mentalidade exigirá reformulação radical no desenho, planejamento e gestão de núcleos urbanos

Robert Muggan, Cofundador do Instituto Igarapé e da Bioverse, especialista da SuperNature Labs, membro do Global Future Council on Cities do Fórum Econômico Mundial e autor do livro “Terra Incógnita” (Random House)

Davi Lemos, Sócio-diretor da Supernature Labs, membro fundador do Laboratório de Organizações Regenerativas (ReLab) e tradutor do livro “Sociedade da Escuta” (ed. Afluente)

Folha de São Paulo, 23/09/2024.

No próximo mês, um número histórico de brasileiros irá às urnas em 5.570 municípios. Mas, neste ano, diversos municípios já quebraram outros recordesbem diferentes. Em março de 2024, o Rio de Janeiro bateu o recorde de mais alta sensação térmica já registrada no Brasil, com escaldantes 62,3® C. Dois meses depois, as enchentes em Porto Alegre e em outras áreas do Rio Grande do Sul desalojaram 600 mil residentes urbanos, o maior desastre do tipo na história do Brasil. Neste mês, São Paulo registrou a pior qualidade do ar no mundo. As cidades, onde vivem 85% dos brasileiros, podem ser tanto a causa quanto a solução para o colapso ecológico.

Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança Climática, órgão ligado à ONU), as cidades são responsáveis por cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) ao redor do mundo. Os principais culpados são o concreto de nossos edifícios, os sistemas de aquecimento e resfriamento e os meios de transporte. Grande parte do problema se dá por conta de urbanistas, arquitetos e incorporadoras imobiliárias continuarem a usar modelos ultrapassados de planejamento, construção e gestão das nossas cidades, que estão nos afastando da natureza e de uns dos outros. Um novo paradigma é essencial.

O momento de aceleração das mudanças climáticas coincide historicamente com o ápice da expansão urbana desenfreada. Estima-se que, apenas nos próximos 35 anos, as cidades cresçam, em termos de área ocupada, mais do que cresceram ao longo de todo o século 20. Esse processo de transformação de áreas naturais em áreas construídas tem sido responsável não só por enormes quantidades de emissão de GEEs, mas também pela perda significativa de biodiversidade ao redor do planeta.

Nas últimas décadas, as cidades enfrentam um cenário sério de fragilidade, com o aumento das ilhas de calor, a escassez de água, o agravamento das desigualdades e a deterioração da saúde mental. A verdade inconveniente dos dias de hoje parece ser que nossas cidades não foram construídas e não estão preparadas para o clima do século 21. A Confederação Nacional dos Municípios relatou que apenas 1 em cada 5 dos 5.570 municípios do país está preparado para enfrentar as mudanças climáticas.

Algumas cidades estão tomando medidas, mesmo que graduais. Fortaleza, por exemplo, está investindo na transformação verde de áreas públicas visando a redução da poluição urbana e o risco de enchentes. Já Curitiba está investindo em um parque planejado que terá capacidade de estocar 43 bilhões de litros de água para períodos de seca. E, em nível nacional, o Ministério das Cidades começou a acelerar o planejamento de mitigação e adaptação, mas ainda há muito a ser feito.

Há um consenso crescente de que são necessárias não apenas novas políticas climáticas, mas também uma reformulação radical no desenho, planejamento e gestão das cidades. Esse é o objetivo do biourbanismo, movimento nascente que visa mobilizar atores públicos e privados na implementação de pilotos de urbanismo ecológico e regenerativo em cidades brasileiras a partir de 2025. No coração dessas novas abordagens ecológicas ao urbanismo está a aplicação das formas e processos da natureza ao design urbano e aos métodos e materiais construtivos. Entende-se que na intersecção da biomimética com o planejamento e construção de bairros e infraestrutura verde esteja uma grande oportunidade de impulsionar a descarbonização e preparar os nossos núcleos urbanos para as mudanças climáticas.

As cidades bem-sucedidas de amanhã não serão apenas lugares para viver, mas também ecossistemas vivos e que respiram. Não serão geradores de GEEs, mas sim sumidouros urbanos de carbono e centros de inovação e experimentação. Isso requer uma mudança de mentalidade entre os governos municipais, investidores e construtores privados e residentes urbanos. Requer a construção de visões inclusivas, estratégias participativas, métricas alcançáveis e vitórias tangíveis para impulsionar a adoção. Exige uma abordagem de risco, financiamento inovador de fontes públicas e privadas e uma vontade de experimentar e testar novas soluções.

Fogo na mata é pedra cantada, por Manuel Domingos Neto

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Manuel Domingos Neto,

A Terra é Redonda, 19/09/2024

O Brasil precisa de um tipo de desenvolvimento que sepulte a mentalidade colonial prevalecente, inclusive em importantes parcelas da esquerda

Três ramos industriais muito rentáveis estiveram na aurora da modernidade: o metalúrgico, o naval e o açucareiro. Rivalizavam em sofisticação tecnológica e importância estratégica. A indústria açucareira nasceu globalizada e o teor energético do açúcar mudaria a condição alimentar da humanidade.

Para produzir açúcar além-mar o colonizador assassinou nativos, trouxe escravizados da África e tocou fogo na mata.

O engenho precisava de gado vacum como fonte proteica, força de tração e meio de transporte. O couro servia para mil aplicações. A cultura do tabaco e a extração do ouro também precisaram do boi.

Os sertões foram tomados pelos rebanhos. O colonizador dizimou povos originários e tocou fogo em bioma especialíssimo, favorável à reprodução humana. Na caatinga, o fogo era aceso antes das chuvas para o rápido florescimento de ramagem que engordasse o boi.

Centenas de espécies que ajudavam a nutrir a população sumiram para sempre. A drenagem natural das chuvas foi destroçada. Antigos bebedouros e nascentes desapareceram. No Ceará, já no final do século XVIII, o colonizador criara o maior rico seco do mundo, o Jaguaribe.

Na Europa, a indústria têxtil avançara no século XIX. Mais fogo na mata para produzir algodão.
Os ricos e civilizados aprenderam a beber café e, para produzi-lo, os colonizados continuaram tocando fogo na mata.

No Brasil, as cidades cresciam e demandavam proteína animal. Para a criação de bovinos, seja extensiva (em terras abertas) ou em espaços demarcados, tocava-se fogo na mata.

A reprodução dos rebanhos passou a depender de chapadas montanhosas e, sobretudo, do Vale do Parnaíba. Todos cantavam “o meu boi morreu, o que será de mim, vou mandar buscar outro, maninha, lá do Piauí”. Essa foi a primeira canção entoada de norte a sul do Brasil.

A agressão aos biomas mostraria suas consequências em 1877, quando eclodiu a maior crise humanitária da história do Brasil: meio milhão de pessoas morreram de fome, sede e peste. A população brasileira girava em torno de dez milhões.

Não fosse o refrigério do Vale do Parnaíba, onde havia água, peixe, carne, mel e frutas nativas, a mortandade seria maior. Meio século se passara desde que dois cientistas austríacos descreveram o Piauí como a Suíça brasileira.

Os países industrializados precisaram de cera de carnaúba, óleos vegetais e borracha natural. A exploração avançou nos biomas do Meio Norte e na Amazônia. As divisas resultantes beneficiariam a industrialização concentrada no Sudeste, observou Celso Furtado.

A Ditadura Militar empenhou-se em garantir a venda das riquezas naturais. Abriu estradas na floresta e ofertou grandes glebas ao estrangeiro.

Os governos democráticos persistiram com igual orientação, agora entregando a mata aos monocultores e mineradores. As velhas práticas de dizimação dos povos originários persistiram. Além de fogo, o mato foi atingido por produtos químicos.

A defesa ambiental entrou em pauta há décadas sem que houvesse revisão do modelo agrícola basicamente definido na colonização. O Estado apoiou os agroexportadores.

Essa de “celeiro do mundo” é roubada. O lucro não fica aqui. Vai para o estrangeiro que controla as finanças e o comércio internacional. Beneficia quem produz máquinas e insumos agrícolas.

A agricultura moderna não gera empregos no campo: gera demandas à indústria. No caso brasileiro, não beneficia nem o campo nem a cidade.

Monocultura para exportação é desgraça. Incendeia a mata, empobrece o ambiente e prepara calamidades. Enriquece poucos e deixa o povo sem arrimo. O Piauí, que forneceu proteína para boa parte dos brasileiros, hoje bebe leite de São Paulo.

Desastre ambiental não é emergência, é rotina histórica, velha como a colonização; é traço permanente da economia agrícola prioritariamente voltada para a demanda externa.

Há quem diga que os incêndios de hoje são criminosos, provocados para atingir Lula. Assim, encobre-se perversidade secular. Que os bandidos sejam presos, mas não vale esquecer que o crime maior é o tipo de agricultura incentivado pelo Estado.

Não há plano de combate ao fogo que dê jeito. Nem programa de defesa ambiental que atenue a perda da biodiversidade ou programa assistencial que tire da penúria milhões de famintos de hoje e de amanhã.

O que precisamos é de uma agricultura que produza comida farta, barata, diversificada, saudável e que não nos jogue fumaça nos olhos.

Onde se viu governo progressista bater palmas para o MATOPIBA?

O Brasil precisa de um tipo de desenvolvimento que sepulte a mentalidade colonial prevalecente, inclusive em importantes parcelas da esquerda.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar — Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura)