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Realidade Paralela

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As movimentações na sociedade internacional geradas pelo desenvolvimento da tecnologia e da integração econômica e produtiva estão gerando novas formas de comportamentos nos indivíduos, levando as organizações, em escala global, a buscarem formas de satisfazer os novos anseios dos consumidores, assim como os governos estão se organizando para melhorar os serviços públicos, as regulamentações e novas formas de inclusão dos cidadãos neste ambiente centrado na concorrência e na competição constantes. Neste cenário, percebemos o crescimento do embate entre os atores sociais e econômicos como forma de perpetuar seus ganhos indiretos, as isenções fiscais e seus benefícios tributários, moldando um grande conflito distributivo nos seios da sociedade contemporânea, cada um está buscando seus ganhos imediatos e se esquecendo da importância de pensarmos como atores integrados e interdependentes, garantindo seus recursos em detrimento de outros setores mais fragilizados, desta forma, contribuem ativamente para o incremento das desigualdades sociais que crescem na sociedade global. Nesta sociedade, percebemos o crescimento de uma realidade paralela, construída, estruturada e difundida para legitimar interesses mesquinhos, individualistas e imediatistas, onde poucos grupos sociais usufruem diretamente, mas foram construídas de forma altamente profissional, com grandes investimentos financeiros, mesmo sabendo que poucos grupos sociais ganham com estas ideias e pensamentos. Nesta situação, encontramos grupos econômicos e políticos importantes que investem somas altíssimas de recursos para desacreditar aqueles que combatem as violentas alterações climáticas, rechaçando as transformações no Meio Ambiente e se mobilizam para fragilizar as organizações que trabalham para aumentar a regulamentação governamental e impor mais responsabilidade nos investimentos que podem impactar sobre a natureza e os seres humanos. Encontramos ainda, grupos econômicos e financeiros dotados de grandes recursos monetários e influência política que usam seus recursos para fortalecer os mercados das armas, das tecnologias militares, das indústrias bélicas e todo um arsenal que fatura bilhões de dólares, empregando pessoas e são responsáveis pela destruição inteira de regiões e nações em todas as partes do mundo, vide o acontecido em nações como o Iraque, a Ucrânia, a Síria, o Líbano, a Palestina, países destruídos pela devastação militar e, ao mesmo tempo, garante o enriquecimento da indústria da morte. Neste mesmo cenário global, vivenciamos aqui, no Brasil, uma realidade paralela, encontramos nos meios de comunicação e nas universidades discussões secundárias e ultrapassadas, falamos constantemente em corrupção e nos esquecemos das raízes deste fenômeno, nos esquecemos das evasões fiscais, não discutimos nosso sistema tributário regressivo e concentrador e menos ainda, nada falamos de um Congresso turbinado por emendas pouco transparentes, foco constante de corrupção e desperdícios. Falamos das farras fiscais e nos esquecemos dos juros estratosféricos definidos pelo Banco Central que consomem bilhões de reais e aumentam a dívida pública. Criticamos os servidores públicos e degradamos as políticas públicas como ineficientes e nos esquecemos que convivemos com um judiciário caro, lento e ineficiente. Precisamos urgentemente sair desta realidade paralela, os desafios contemporâneos exigem maturidade, senso de responsabilidade, compreensão do momento atual e forte capacidade de liderança, construindo políticas públicas sólidas e consistentes, vislumbrando uma nação melhor, mais harmônica, com mais oportunidade para os cidadãos e menos parasitas, especuladores, aproveitadores e exploradores. Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

A cultura dos juros altos, por Luiz Carlos Bresser Pereira

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 Luiz Carlos Bresser Pereira – A Terra é Redonda – 19/12/2024 A economia brasileira está presa em círculo vicioso da quase estagnação Um dia desses, um dos meus filhos me perguntou por que o governo Lula estava privatizando estradas de rodagem que são monopolistas e, por isso, não devem ser privatizadas. Não seria esse governo neoliberal? Ou neoliberal progressista, acrescentei parafraseando a filósofa americana Nancy Fraser. Não, o presente governo é social-progressista e desenvolvimentista: defende uma diminuição da desigualdade e a intervenção do Estado na economia para aumentar o investimento público e promover o investimento privado. Não obstante, esse governo não tem alternativa senão privatizar as rodovias que exigem investimentos para os quais não tem recursos. O Brasil está preso no círculo vicioso da quase estagnação. Entendo por quase estagnação o fato de um país não realizar o “catch-up” – o fato de seu crescimento per capita ser quase sempre inferior aos dos Estados Unidos, de forma que o padrão médio de vida dos brasileiros se afasta cada vez mais do padrão americano. Apesar de um desempenho econômico razoável neste ano e nos dois últimos anos, nada aconteceu de novo na economia brasileira que nos permita afirmar que escapamos da quase estagnação, inclusive porque a taxa de investimento continua muito baixa. A economia brasileira está quase estagnada desde 1980. Hoje, a distância em relação aos Estados Unidos é maior do que era em 1980. A causa direta dessa quase estagnação é a taxa de investimento muito baixa. Tanto o investimento privado quanto o público é sistematicamente inferior a 17% quando deveria girar em torno de 25% do PIB. Sete pontos percentuais é uma diferença muito grande. Se compararmos a presente situação com meados dos anos 1970 (a última década em que o Brasil cresceu satisfatoriamente e estava realizando o “catch-up“), veremos que o investimento privado, que naquela década estava em torno de 15% do PIB, se manteve nesse nível, embora devesse ter crescido devido às privatizações – deveria ter crescido para pelo menos 20% do PIB. Já o investimento público, que deveria ter caído um pouco devido às mesmas privatizações, caiu muito; correspondia a aproximadamente 8% do PIB, agora está em torno de 2,5%. Em consequência, o investimento total caiu de 23% para aproximadamente 16% do PIB, e a taxa de crescimento caiu correspondentemente. A primeira razão para isso é a taxa de juros exorbitante que existe no Brasil desde a abertura financeira (1992). A taxa de juros real vem sendo desde então em média cerca de 6% a 7% ao ano, quando deveria se manter em torno de 3% ao ano, ou seja, igual a taxa de juros real internacional mais um adicional que dê conta do risco dos brasileiros em investir no Brasil (não dos estrangeiros), que eu estimo ser de aproximadamente 1%. Duas vezes menor, portanto, que a taxa real que o Banco Central tem praticado e, portanto, uma taxa que desestimula o investimento. Eu falei em risco dos brasileiros, que deve ser menor que o risco Brasil, calculado pelos mercados internacionais para investidores fora do país aqui investirem, que é maior de cerca de 2,5%. A segunda razão é a tendência de apreciação da taxa de câmbio no Brasil, que tem por trás quatro motivos: (i) porque a taxa de juros é alta para poder atrair capitais; (ii) porque o Brasil incorre sistematicamente em déficits na conta corrente de aproximadamente 2% do PIB, quando deveria mantê-los em torno de zero; (iii) porque o Brasil não reconhece e não neutraliza a doença holandesa, não tendo, portanto, uma política que evite que a taxa de câmbio se torne valorizada para as empresas industriais, a qual reduz a competitividade internacional dessas empresas; e (iv) porque a taxa de poupança no Brasil é muito baixa, não sendo por isso compensada pelo recurso a financiamento interno ou externo. Os atores Para sabermos o porquê das três primeiras razões, precisamos considerar os atores que causam a baixa taxa de investimento e o círculo vicioso da quase estagnação. São eles os capitalistas rentistas e seus financistas, o agronegócio, o Norte Global ao qual os dois primeiros grupos estão associados, os empresários industriais, os eleitores e os políticos. Todos são responsáveis pela taxa de câmbio apreciada, a baixa taxa de investimento e a quase estagnação do Brasil. Os rentistas e financistas, que são dominantes, querem uma taxa de juros real (descontada a inflação) alta e uma taxa de inflação baixa (para garantir o objetivo anterior). Os dois grupos são liberais: não querem que o Estado invista ou intervenha na economia; não querem, por exemplo, que o Estado tenha uma política cambial que estabilize a taxa de câmbio e evite que ela seja apreciada. Assim, estão felizes com um déficit na conta corrente em torno de 2% do PIB e não querem saber da doença holandesa, embora esta surja quando o preço das commodities exportadas pelo Brasil sobe e torna as empresas industriais não competitivas, ainda que sejam competitivas no plano técnico. Rentistas e financistas estão satisfeitos. Eles têm poder suficiente sobre a sociedade brasileira para capturar indevidamente cerca de 3% do PIB graças à diferença entre a taxa de juros média razoável (de 3% ao ano, como vimos acima) para a taxa praticada de 6% ao ano. Esses juros altos naturalmente desestimulam o investimento, a não ser que a taxa de lucro esperada seja alta e a desigualdade econômica, acentuada. O agronegócio, embora recebendo altos subsídios do Estado, se afirma liberal e, como os dois grupos anteriores, não quer saber de uma política de neutralização da doença holandesa; quer realizar lucros extraordinários quando há um boom de commodities. A doença holandesa é uma apreciação de longo prazo e cíclica da taxa de câmbio para a indústria causada por um substancial aumento de preços das commodities exportadas pelo país, que causa uma apreciação da taxa de câmbio geral ou corrente. Enquanto, para o setor exportador de bens primários (agronegócio e exportador de minérios e petróleo), essa taxa de câmbio mais apreciada é satisfatória porque o aumento de seus preços compensa a valorização da moeda nacional, para a indústria essa apreciação é desastrosa. É papel do Estado garantir uma taxa de câmbio competitiva para a indústria. Nos países exportadores de commodities, a taxa de câmbio é cíclica porque os preços das commodities também tendem a ser cíclicos: ela se deprecia fortemente quando há uma crise financeira e depois se aprecia, chega à taxa de equilíbrio geral (que equilibra a conta corrente do país) e afinal se torna mais apreciada à medida que o déficit na conta corrente aumenta devido à política que os países adotam equivocadamente de incorrer em déficits na conta corrente (“poupança externa”). Começa então o endividamento externo que, afinal, levará o país a nova crise de balanço de pagamentos e a nova depreciação violenta da taxa de câmbio, encerrando-se assim o ciclo. O Norte Global (o conjunto dos países ricos liderados pelos Estados Unidos) não tem qualquer interesse em uma taxa de investimento alta na sua periferia. Pelo contrário, visa evitar que os países em desenvolvimento se industrializem, porque não querem concorrência no futuro. Para isso, além de nos recomendarem que tenhamos déficits na conta corrente desde que esses não levem o país a uma crise de balanço de pagamentos, buscam manter economicamente abertos os países em desenvolvimento para a exportar capitais (investimentos diretos e empréstimos) e para manter a troca desigual – a troca entre bens tecnologicamente sofisticados, que pagam bons salários e lucros, e bens pouco sofisticados que se caracterizam por baixo valor adicionado per capita. As empresas industriais, que não precisam de proteção com base no argumento da indústria infante, precisam dramaticamente de proteção contra a doença holandesa que, em boom de commodities, as tornam não competitivas. Não obstante, seus dirigentes ou empresários não sabem ou não querem saber o que é a doença holandesa, que pode ser mortal para eles. O setor interno de serviços, muito amplo e diversificado, quer que a taxa de juros seja baixa, mas seus dirigentes não têm poder político capaz de influenciar o Banco Central. Ao contrário, eles acabam sendo corresponsáveis pelos altos juros porque as associações que os representam são ocupadas por economistas neoliberais. Os eleitores, principalmente a classe trabalhadora e de empregados, criticam a taxa de juros elevada, mas estão satisfeitos com uma taxa de câmbio apreciada que aumenta o poder aquisitivo de seus salários e demais rendimentos. Os políticos, finalmente, acompanham seus eleitores e estão felizes com uma taxa de câmbio apreciada que facilita sua reeleição. Os déficits na conta corrente e os investimentos privados Os liberais afirmam que o principal problema da economia brasileira é o déficit público que causa aumento da dívida pública em relação ao PIB e causaria inflação. De fato, manter o equilíbrio fiscal é importante, mas mais importante é manter a conta corrente do país (a conta externa comercial mais os serviços) equilibrada, algo que só acontece raramente. Na verdade, rentistas, financistas, agronegócio, interesses estrangeiros, eleitores e os políticos estão todos satisfeitos com um déficit na conta corrente moderado, porque esses déficits aumentam o poder aquisitivo dos seus rendimentos e mantêm tudo como está, inclusive a quase estagnação. Ora, uma das características do populismo é procurar dar rendimentos artificiais aos eleitores que são, afinal, prejudiciais ao país. Ao aceitarem como bons os déficits na conta corrente (porque implicam acesso à poupança externa), nossos atores são todos populistas. Mas não teriam eles razão? Afinal, seria mais que natural que os países ricos em capitais transfiram seus capitais para países pobres em capitais como é o Brasil. Não, a política de crescimento com poupança externa ou de déficits na conta corrente é uma política que contém a causa do seu fracasso). Ao incorrer em déficit na conta corrente, as entradas de capitais são maiores que as saídas, a taxa de câmbio se aprecia e, além de estimular indevidamente o consumo, desencoraja o investimento. Esse caráter auto fracassante da política de crescimento com endividamento externo deixa de sê-lo se o país adota uma política cambial capaz de compensar o excesso de entradas de capitais. Tudo, portanto parece desestimular o investimento privado que, por isso, não aumentou sua participação no PIB como seria de se esperar. Finalmente, é preciso considerar que a poupança brasileira é muito baixa e, ainda que esse fato possa ser superado pelo recurso ao financiamento interno (por isso Keynes e Kalecki disseram nos anos 1930 que o investimento precede a poupança), ela precisa ser considerada. A poupança deveria ser, em princípio, quase igual aos lucros, os quais, para os empresários industriais, são necessariamente baixos, dada a taxa de juros alta e a taxa de câmbio apreciada. Eles, portanto, não têm recursos necessários para financiar os investimentos de modernização de suas fábricas e de expandir sua produção, o que leva à desindustrialização. Além disso, ao não investirem, ficam atrasados tecnologicamente e a produtividade da economia permanece estagnada. Já o agronegócio realiza lucros elevados, mas seus empresários investem na própria agricultura e pecuária e se opõem a qualquer política industrial e de neutralização da doença holandesa. Os rentistas e financistas, por sua vez, recebem juros e aluguéis elevados, mas não investem na indústria porque ela não dá o retorno que desejam. Preferem investir seu dinheiro no mercado financeiro e seus altos juros ou em imóveis que rendem bons aluguéis e se valorizam. Em síntese, a taxa de investimento na indústria em relação ao PIB não aumentou apesar das privatizações que ocorreram desde os anos 1970. Em todo o período, os investimentos foram fortemente desestimulados porque apresentaram uma taxa esperada de lucro insatisfatória, incapaz de motivar os investimentos, dada a taxa elevada de juros que desde 1992 caracteriza a economia brasileira. Foram, portanto, claramente insuficientes para que o país retome o desenvolvimento e volte a realizar o “catch-up“. A cultura dos juros altos Além de rentistas e financistas defenderem juros altos e estes serem necessários para atrair capitais que financiem um déficit na conta corrente que não deveria existir, há uma causa subjacente para os juros serem altos: a cultura de juros altos, a acomodação de todos com os juros altos, que decorre do poder estrutural do capital e de um hábito cultural existente há muitos anos. Duas indicações desse fato. Em 1964, já no quadro do regime militar, garantiu-se para as cadernetas de poupança, além da correção monetária, uma taxa de juros real de 6% ao ano. Em 1988, a nova Constituição limitou a 12% a taxa de juros real. Um limite muito alto, mas foi tanta a pressão do capital contra esse dispositivo que o STF decidiu depender de lei complementar do sistema financeiro internacional. Assim, a Constituição se tornou letra-morta nesse ponto, enquanto o Congresso não se move para discutir a lei necessária. A falta de poupança pública e o investimento público Voltando à comparação entre os anos 1970 (a última década em que o crescimento foi satisfatório no Brasil) e o presente, foram os investimentos do setor público que mais sofreram na virada dos anos 1970 para os anos 1980. A poupança pública que girava em torno de 4% do PIB caiu de repente para -2%, uma diferença de seis pontos percentuais. Dois fatores foram determinantes da queda da poupança pública e do investimento público: a crise da dívida externa e a crise fiscal do Estado, que estudei bastante naquela época. Pergunto agora: seria possível o Estado voltar a realizar uma poupança pública e recuperar pelo menos uma parte daqueles seis pontos percentuais? Isto não parece provável. O Brasil continua com uma poupança pública negativa e a possibilidade de voltar a ter uma poupança pública positiva parece impossível. Para aumentar a poupança pública, a maneira mais óbvia seria aumentar impostos para, assim, compensar o excesso de juros que são pagos aos rentistas locais e aos do Norte Global. Como vimos que esse excesso é de 3% do PIB, a carga tributária em relação ao PIB deveria aumentar na mesma proporção, mas ninguém quer pagar mais impostos. A solução dada por rentistas e financistas ou, mais amplamente pelos, neoliberais é reduzir as despesas do Estado exceto os juros. Vimos que os investimentos públicos já foram reduzidos ao mínimo. Quanto às despesas sociais, é impossível reduzi-las. Seria, sim, possível reduzir os penduricalhos que a burocracia pública logra incluir em seus salários. O atual governo vem tentando fazer alguma coisa em relação a esse problema. Seria também possível reduzir os incríveis e absurdos subsídios e isenções de impostos, como vem tentando o atual ministro da Fazenda, mas além de ter de neutralizar o lobby dos interessados nos subsídios e nas isenções, o Ministério da Fazenda tem que convencer muitos dos próprios membros do governo, que se julgam representantes dos interesses de suas áreas, e o próprio presidente da República que deve ser reeleito. Nessa área, como na dos juros, há bilhões a ser economizados, mas os interesses contrários são poderosos. Demitir funcionários? No plano federal, não há excesso de servidores públicos. Nos governos estaduais e municipais, o excesso deve ser pequeno e o problema precisa ser enfrentado, mas não fará grande diferença. Onde faria uma grande diferença seria a redução da despesa com juros, que se obteria com a baixa da taxa para um nível civilizado e perfeitamente compatível com o controle da inflação. Mas quem será capaz de dobrar os rentistas e os financistas? Assim, sem poder reduzir significativamente as despesas e sem conseguir aumentar os impostos para financiar essas despesas, o Estado não consegue realizar a poupança pública que seria necessária para financiar os investimentos públicos, que compensariam o não aumento do investimento do setor privado. Na verdade, o país não consegue zerar seu déficit público, que lhe permitiria realizar alguma poupança pública, a qual permanece negativa. Os rentistas e financistas, porém, estão satisfeitos, porque não querem que o Estado invista – o que eles denominam “estatização”. Os rentistas e financistas (o “mercado financeiro”) querem que o Estado realize o superávit primário, uma métrica que lhes agrada porque exclui (esconde) os juros e, não obstante, garante que a dívida pública em relação ao PIB não aumente. Mas mesmo esse superávit o governo tem grande dificuldade de conseguir. O círculo vicioso se fecha Em consequência de tudo isso, o Brasil está preso no círculo vicioso da quase estagnação. Um círculo que tem alguma semelhança com o fluxo secular de Joseph Schumpeter, definido em 1911. Nesse fluxo circular, que decorre da lógica da teoria econômica neoclássica ou ortodoxa e do seu ideal de concorrência perfeita, não há lucros (existe apenas o lucro normal, igual à taxa de juros), os investimentos são iguais à depreciação efetivamente ocorrida e não há crescimento. Já no caso do círculo vicioso da quase estagnação brasileira, há lucros, mas são baixos para a indústria de transformação; há investimentos e há crescimento porque setores do agronegócio, da indústria e o setor de serviços investem, mas esses são poucos, insuficientes para que o país saia da quase estagnação em que está mergulhado desde os anos 1980. Por outro lado, o Estado não tem recursos para complementar o setor privado. Nos anos 1970, investia cerca de 8% do PIB. Hoje, investe apenas cerca de 2%. Não consegue nem sequer financiar os investimentos públicos em infraestrutura que são necessários para o país crescer. A solução proposta pela ortodoxia liberal é privatizar. Os governos vêm seguindo essa trilha, mas os resultados são parcos. O apetite e as possibilidades do setor privado são restritos. Entretanto, alguns investimentos em infraestrutura, cujos lucros são certos, como nas concessões de rodovias, atraem muitos os rentistas e financistas e são relativamente necessários. O governo Lula, portanto, avança nas concessões por falta de alternativa. Já outros investimentos muito necessários em infraestrutura não atraem o setor privado, a não ser que o Estado subsidie seus investimentos (parcerias público-privadas). A potencialidade dessas parcerias, porém, é limitada porque envolve gastos do Estado, o qual é mantido no nível de subsistência. Há 20 anos, afirmo que a economia brasileira está presa na armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado. Hoje, apoiado na teoria novo-desenvolvimentista, posso acrescentar que o Brasil está preso ao círculo vicioso da quase estagnação. Um círculo que se fecha com a impotência do Estado de rompê-la. Ao apresentar o Brasil, sua economia e sua política de uma maneira nova, na qual podemos ver como os diversos atores tratam de manter a economia brasileira presa a esse círculo, sou obrigado a me mostrar pessimista quanto ao futuro do Brasil e do seu povo. *Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Autor, entre outros livros, de Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Editora FGV)   

Os desafios do movimento pela reforma agrária, por João Pedro Stédile

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João Pedro Stédile – Instituto Humanitas Unisinos – 06/12/2024 No MST nós temos uma prática social de resolvermos tudo de maneira coletiva e mesmo que eu tenha uma cara mais conhecida na sociedade brasileira, sempre procuro expressar a opinião do nosso coletivo. Quando o MST nasceu e foi construído coletivamente há 40 anos atrás e o nosso ideal era a luta pela reforma agrária que se baseia naquela visão zapatista da Revolução Mexicana: “tierra es para quien la trabaja”, que foi adotada em toda a América Latina pela luta dos movimentos camponeses, isso levava uma concepção campesinos da luta pela terra, ou seja se lutava de forma massiva mas a essência era resolver os problemas das famílias camponesas e agora nós estamos numa nova etapa do capitalismo internacional. Nos últimos 20 anos o capitalismo mundial sofreu grandes mudanças e hoje quem domina a produção agrícola é o capital financeiro e grandes empresas transnacionais; no Brasil e em todo mundo, o que levou o MST e os movimentos camponeses em geral, nós nos aglutinamos na Via Campesina, a adequar seu programa diante da nova realidade da luta de classes na agricultura. Hoje nós temos uma situação onde três modelos, ou três propostas de organização da agricultura se enfrentam a todo momento no campo no Brasil e na América Latina, que modéstia à parte, conheço um pouco. O primeiro modelo nós chamamos de latifúndio predador, não é nenhuma nomenclatura acadêmica, é um conceito da luta política. O latifúndio predador são aqueles grandes fazendeiros capitalistas financiados pelo capital de mercado e pelas empresas transnacionais que vão lá na natureza e se apropriam dos bens que são comuns: terras públicas, florestas, minérios, água e biodiversidade em geral; e transformam aqueles bens em mercadorias e com isso tem uma taxa de lucro fantástica. Portanto, é um modelo que enriquece, porém não é um modelo socialmente justo e é insustentável do ponto de vista ambiental. O segundo modelo é o agronegócio cantado em verso e prosa todas as noites no Jornal Nacional como se fosse moderno, como se fosse o futuro como se fosse o que carregasse o Brasil nas costas. Porém o modelo do agronegócio se fundamenta numa forma de organização baseada no monocultivo e aqui no Brasil se resume a apenas cinco produtos: soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e pecuária bovina extensiva, mas todos esses produtos são commodities agrícolas para exportação não é para resolver os problemas do povo. Por outro lado, por serem monocultivos em larga escala, eles adotam sementes transgênicas e agrotóxico e o agrotóxico mata a biodiversidade, mata a fertilidade do solo e desequilibra o meio ambiente e são mais perversos para as mudanças climáticas do que as próprias queimadas porque com as queimadas, a natureza se recupera, mas com o veneno não, ele fica lá e mata. Então, o modelo do agronegócio é insustentável também tanto do ponto de vista social porque ele não quer empregar pessoas quanto do ponto de vista ambiental porque ele destrói o meio ambiente. O terceiro modelo é o modelo da agricultura familiar, que, de novo, a imprensa burguesa chama de atrasada, que não existe mais, que não sei o que, porém, a agricultura familiar do Brasil dá emprego para 16 milhões de trabalhadores familiares sem exploração; é a agricultura familiar que produz os alimentos para o mercado interno. O único produto que vai para a mesa do trabalhador que ainda sai do agronegócio é o óleo de soja, fora esse, tudo vem da agricultura familiar e é um modelo que pratica policultura, ou seja, tu vai lá em cinco hectares e encontra diversas formas de produção, diversos vegetais, diversos animais e essa combinação é que preserva o meio ambiente, preserva as nascentes. Em São Paulo, nos últimos meses com a seca, houve os incêndios e como é que começaram os incêndios? Uma usina colocou fogo na cana para facilitar a colheita mecanizada, o vento veio e levou ao incêndio que queimou 300 mil hectares de cana em outras regiões. Foi feita a mesma prática por fazendeiros para queimar o pasto que estava seco e aí rebrotava a grama. Veio o vento e queimou 600 mil hectares de cana de pasto bom. A fumaça chegou aqui em São Paulo e, durante uma semana, os médicos denunciaram que morriam 60 pessoas por dia pela inalação da fumaça, claro, em geral idosos e crianças que são muito afetadas por doenças pulmonares. Agora, fica a pergunta: por que na região da agricultura familiar não houve incêndio, na região de Itapeva no sul do estado, no Vale do Ribeira ou lá na região de Andradina? Porque na policultura existem diversas formas de vida vegetal e animal que convivem e, portanto, não há seca e incêndio que destruam isso. Bom, então agora vou ao que interessa: lutar hoje por reforma agrária não é apenas lutar por terra para os camponeses; lutar hoje por reforma agrária é lutar pelo que nós chamamos de uma reforma agrária popular. Ou seja, precisam acontecer mudanças estruturais na propriedade da terra e na organização da produção, que tenham como centro de sua função social dois grandes objetivos: primeiro, produzir alimentos saudáveis para todo o povo, porque o povo brasileiro se alimenta muito mal. Quando a gente fala produzir alimentos para o povo, é de fato pensar em uma cesta básica que leve nutrientes, proteína animal, ovos caipiras para todo o povo. Se continuar essa agressão que o agronegócio e o latifúndio praticam contra a natureza, isso coloca em risco a vida do ser humano, que já está morrendo também por esses crimes ambientais. Então, essas novas funções de uma reforma agrária popular precisam ser daqui para frente. Por uma agricultura sustentável Para fazer com que a agricultura familiar, que tem 16 milhões de pessoas trabalhando, cumpra a missão de defender a natureza e produzir alimentos saudáveis para todos, é necessário implementar, como modo de produção tecnológica, a agroecologia. A agroecologia é uma junção de conhecimento dos saberes populares, que vêm de geração em geração do convívio dos camponeses com a natureza, mas há também um componente fundamental, que é o conhecimento científico produzido na academia, na Embrapa e nos institutos de pesquisa. É da combinação dessas duas vertentes, a sabedoria popular e o conhecimento científico, que você vai introduzir e propagar a agroecologia. Para que a agroecologia seja utilizada de forma massiva e não como agora, que infelizmente poucas famílias conseguem adotar, não porque não queiram, mas porque não sabem, é preciso difundir e utilizar a agroecologia de forma ampla em todo o Brasil e em todos os biomas. Precisamos enfrentar alguns desafios, e é esse o diálogo que o MST e a Via Campesina têm feito com os pesquisadores, nossos aliados das universidades, e agora até com a Universidade da Agricultura da China. O primeiro desafio é que precisamos controlar a produção de sementes. Quem não controla a semente será refém de alguma empresa. A empresa que controla a venda de semente de milho híbrido transgênico, vende 15 quilos por R$ 200 reais, com a taxa de lucro lá em cima. Esse mesmo milho poderia ser produzido pela própria agricultura familiar, e o agricultor poderia reservar a semente que vai utilizar. Para citar um exemplo, precisamos resolver o problema do fertilizante orgânico. As formas predatórias de agricultura vão exaurindo a fertilidade natural do solo, que contém milhares de formas e nutrientes. Em geral, as pessoas, influenciadas pela propaganda do agronegócio e dos agroquímicos, pensam que a fertilidade do solo se baseia apenas em NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), mas isso não é certo. Agora, qual é o problema que enfrentamos? Como produzir um solo fértil? Alimentando com fertilizantes orgânicos, que ativam os micro-organismos e a vida no solo. No Brasil, não há quem venda ou forneça fertilizantes orgânicos em grande escala. O agricultor tenta fazer isso em sua unidade, usando esterco de animal e compostagem, mas isso é em pequena escala. Por exemplo, nós, no Rio Grande, temos seis mil hectares de arroz orgânico que precisam ser alimentados com fertilizantes orgânicos. Alimentar seis mil hectares a cada safra exige uma produção em grande escala. Aqui entra a experiência da China. Durante nossas viagens para lá, onde temos uma brigada de militantes morando em Pequim e Xangai para interagir com a agricultura chinesa, descobrimos que eles desenvolveram a produção de fertilizantes orgânicos a partir dos resíduos das cidades, com restos da alimentação das famílias, restaurantes, podas de árvores, sobras das feiras e mercados. Eles juntam essa matéria orgânica, inserem bactérias que ativam o processo de dar nova vida a essa matéria, e em sete dias têm a produção de fertilizante orgânico. Esse processo, que chamamos de biorreator, envolve colocar toda essa matéria orgânica num cilindro grande como se fosse um silo, injetar as bactérias, e as bactérias trabalham dia e noite para produzir o fertilizante. O que estamos fazendo agora, e que reforçamos com a vinda da delegação chinesa à reunião do G20, é que queremos instalar unidades dessas fábricas aqui no Brasil para produzir os fertilizantes que a agroecologia adora. A terceira linha importante como desafio da agroecologia e do conhecimento científico são as máquinas agrícolas. Você não vai conseguir produzir alimentos para todo mundo com enxadas, e ninguém mais quer trabalhar apenas com enxadas. Nenhum jovem camponês sonha em ganhar uma enxada no Dia de Natal; ele sonha em ganhar uma moto, um computador, algo moderno e nós também acreditamos nisso. Portanto, as máquinas são a única maneira de aumentar a produtividade do trabalho, pois com menos pessoas, você produz mais, e também aumenta a produtividade da área. Assim, em uma mesma área, você poderá produzir mais arroz, mais feijão, mais produtos variados, etc. De novo, no Brasil, temos cinco fábricas de máquinas agrícolas, todas multinacionais, como FiatJohn Deere e New Holland, etc. Todas elas só fazem apenas grandes máquinas para o agronegócio, porque o objetivo delas não é resolver os problemas dos agricultores, o objetivo deles é lucro. Elas se concentram em fabricar máquinas grandes para alcançar uma escala e um lucro cada vez maiores. Então, vamos ser salvos novamente pelos chineses, porque na China, em vez de oito marcas, existem oito mil fábricas de máquinas agrícolas espalhadas por todo o território. Com a reforma agrária realizada entre 1949 e 1952, cada camponês possui apenas um hectare. Assim, a indústria de máquinas que eles implementaram nos últimos 30 anos, na reindustrialização do país, precisou desenvolver máquinas adequadas para apenas um hectare. Isso resultou em uma grande variedade de máquinas. Nós queremos trazer essas máquinas para cá. Não será através de compras ou importações, mas sim realizando parcerias com nossas cooperativas e com os governos estaduais, estabelecendo fábricas de máquinas para os camponeses. Aqui no Brasil, já temos delineados pelo menos cinco locais onde vamos colocar essas fábricas. As relações com a China O processo de parceria com a China, que já vem de muito tempo, agora, com o governo Lula, acelerou as possibilidades. Mesmo durante o governo Bolsonaro, quando havia um boicote à China, começamos as conversações através do Consórcio Nordeste, já que todos os governadores da região eram progressistas. A parceria com o governo da China indicou, como contraponto, a Universidade da Agricultura da China, que é a maior universidade do mundo em agricultura e é responsável por pesquisas e protótipos de máquinas para a agricultura familiar. A Universidade da Agricultura da China convocou fábricas para nos fornecer 33 tipos diferentes de máquinas para testarmos. Essas máquinas chegaram em fevereiro deste ano, e, como o Consórcio Nordeste apadrinhou essa primeira parceria, foi nossa obrigação testá-las inicialmente no Nordeste. As máquinas foram desembarcadas lá e usadas em algumas áreas. Depois, as levamos para o Ceará e o Maranhão para serem testadas. Nos próximos dias, antes do final do ano, a universidade fez novos incentivos às fábricas na China, e esperamos a chegada de mais 55 máquinas para testar. Estamos estabelecendo uma parceria com a Universidade Nacional de Brasília, e essas máquinas serão enviadas para Brasília para testarmos as condições específicas do Cerrado e daquela região do Centro-Oeste. Estamos todos na expectativa para ver que tipo de máquina vai chegar para nós testarmos. Estamos instalando, nesta semana, um sistema de controle das máquinas por satélite. Então, lá dentro da universidade, vai ter um grande computador com painéis, e em cada máquina vai ter, como se fosse, um chip. Por meio deste chip, serão enviadas mensagens via satélite, que chegarão aos computadores lá da universidade, permitindo que possamos controlar o gasto de combustível, quantas horas a máquina trabalha, qual é o seu desempenho e quantos dias choveu na região onde ela está. Uma joint venture para máquinas agrícolas O modelo é montar uma nova empresa aqui no Brasil, uma joint venture, onde já dissemos para os chineses que eles poderiam entrar com até 49%. O 51% seria brasileiro, para que a empresa seja nacional. Assim, o 51% brasileiro será uma mescla entre uma cooperativa nossa e uma empresa brasileira que deseja ser sócia, entendeu? E vamos buscar financiamento no BNDES e fundos que possam se interessar. Há alguns dias nos reunimos com a diretoria da empresa Tupi, que é de propriedade da Previ, dos bancários. Eles são os maiores acionistas, portanto, a Tupi virou uma empresa social. Ela é a maior produtora de motores aqui no Brasil. Os diretores da Tupi se interessaram bastante, pois poderiam entrar como sócios na fábrica e produzir os motores aqui, ao invés de importar motores da China, nós temos capacidade tecnológica de fazer os motores aqui. Outro exemplo é o projeto da fábrica de pequenos tratores em Maricá, onde a prefeitura também vai entrar como sócia, garantindo que os empregos sejam dos moradores de Maricá, o que gerará uma multiplicação de renda no município. O formato é mais ou menos esse, e estamos exatamente nessa etapa de negociar com as empresas chinesas. 90% delas são estatais, e estamos avaliando quais delas se interessam. E, em dois anos, poderemos, então, estabelecer uma joint venture com eles para fabricar os equipamentos aqui no Brasil. Especificamente, estamos falando do biorreator, que é como uma grande panela de pressão onde você coloca os resíduos orgânicos e as bactérias para funcionar. As famílias assentadas Infelizmente, a reforma agrária está parada. Nos 40 anos de luta, conquistamos terra para 450 mil famílias, o que representa em torno de 8 a 9 milhões de hectares, dando uma média de 20 hectares por família. É importante ressaltar que, nessas áreas, na totalidade de 8 milhões de hectares, existem os 30% de reserva legal, o que significa que nem tudo pode ser cultivado. Na sociedade brasileira, ainda há cerca de 3 milhões de famílias sem-terra, que trabalham como assalariados rurais, como meeiros e arrendatários, e que desejariam ter seu próprio espaço. O que falta é a capacidade do MST, dos sindicatos e da Cpt de ajudar a organizar esses 3 milhões de pessoas para que ocupem a terra. Se não ocuparem, nenhum governo do mundo se mexe. No período de Jair Bolsonaro, que ficou para trás, e nos últimos seis anos, incluindo o período de Michel Temer, acumulamos um passivo de famílias que estavam acampadas, e os governos não resolveram essa situação. Esta semana, o INCRA finalizou o cadastro de todos os acampamentos, e atualmente há cerca de 90 mil famílias acampadas no Brasil. Uma parte delas está vinculada ao MST, mas também há muitas famílias ligadas a outros movimentos menores, à CONTAG e aos sindicatos de trabalhadores rurais. No Mato Grosso do Sul, inclusive, existe um movimento ligado à CUT Rural, que se autodenomina assim, e está acampado na região. Então, temos um passivo, e essa é a nossa luta com o Ministério do Desenvolvimento Agrário agora. Não se pode falar de reforma agrária sem resolver a situação dessas famílias que, somando 2 anos de Temer e 4 anos de Bolsonaro, totalizam 6 anos, e agora já se vão mais 2 de Lula. Isso significa 8 anos acampados esperando. A maioria dessas famílias está lutando para sobreviver. Algumas conseguem plantar na área ocupada, ainda que de forma ilegal. Outras estão acampadas à beira da estrada, onde conseguem arranjar trabalhos aqui e acolá. Além disso, alguns assentados cedem áreas para que eles trabalhem, mas essa é uma situação completamente insustentável. Não adianta qualquer ação se não resolver os problemas dos acampados, e já dissemos isso ao Lula. Como diria o saudoso José Gomes da Silva, o maior especialista em reforma agrária, que completaria 100 anos este ano, e deu uma entrevista histórica para a revista Teoria e Debate, aqueles que tiverem curiosidade, leiam na Teoria e Debate. Ele era um homem fantástico, um agrônomo de primeira, tinha uma área aqui em Pirassununga que acho que era de 700 hectares, cultivada de maneira exemplar, e era um defensor da reforma agrária como forma de superação da pobreza. Ele tinha uma expressão sobre a reforma agrária que é genial, quase como uma veia no estilo de Carlito Maia. Ele dizia o seguinte: a reforma agrária é igual à feijoada. Você pode ter toucinho, orelha de porco, o que quiser colocar na panela. Mas, se não tiver feijão, nunca será feijoada. Na reforma agrária é a mesma coisa; você pode ter um monte de medidas complementares, mas se não tiver terra, não será reforma agrária. Então, essa é a lição: leia a entrevista do José Gomes da Silva que você vai aprender um pouco sobre o que é reforma agrária. Sem desapropriação e sem resolver o problema dos acampados, não se pode falar a respeito da reforma agrária. Os golpistas Dessas mentes insanas dos golpistas eu não duvido de nada. Lembremos que ele foi expulso do exército em função do seu comportamento insano. Tenho a biografia auto-entrevistada, pasmem, do general Ernesto Geisel, que foi dada a um historiador da Fundação Getúlio Vargas com uma condição: só publique o livro depois que eu morrer. Assim como tenho a autobiografia daquele outro general que se comportou muito mal durante o governo Lula e depois apoiou Jair Bolsonaro, que nem vou citar, mas ele está lá numa cadeira de rodas. Quando o general Ernesto Geisel foi perguntado sobre sua opinião a respeito do deputado capitão Jair Bolsonaro, ele disse: “Eu não vou dar pitaco, porque essa pessoa é um desequilibrado mentalmente.” E foi por isso que ele foi expulso do nosso glorioso exército. São pessoas insanas que adotaram como ideologia, cujo responsável é Olavo de Carvalho, o fascismo. O fascismo ao qual me refiro não é um movimento de massas como ocorreu no Japão e na Europa. Aqui, o fascismo se manifesta na ideologia. O fascismo, como ideologia, prega o ódio e a violência na prática política para se chegar ao poder. Assim, esses senhores, do ponto de vista ideológico, são fascistas. Por quê? Porque adotam o ódio e a violência para obter e exercer o poder. A violência pode ser tentar destruir o seu inimigo. Nós, o povo de esquerda, moralmente, fomos alvo do que eles fizeram com a prisão de Lula. Sérgio Moro e a turma da Lava Jato são fascistas, porque usaram a violência para destruir um inimigo. A violência moral. Ah, ele é ladrão, então tem que ir preso. Mas nem era ladrão, nem devia ser preso. Essa é a natureza da violência, que não se limita a atirar. A violência também é desmoralizar publicamente, como fazem com as fake news e as redes sociais. Esse setor tem apoio de outros setores fascistas do mundo. Refiro-me ao governo de Israel, que sempre apoiou com seus instrumentos. Agora, isso está comprovado, inclusive com a venda de equipamentos para a ABIN, daquele programa Pegasus, e cedendo computadores. Na primeira eleição, os computadores estavam em Taiwan. Na última eleição, circularam informações de que os computadores que apoiaram Jair Bolsonaro estavam em vários países, entre eles a Moldávia, porque a Moldávia não está no Tribunal Penal Internacional. Assim, escolheram um país que estaria à revelia do sistema judicial mundial. Portanto, está comprovado que os computadores que ajudaram a criar as fake news e que dispararam 80 milhões de mentiras durante a campanha estavam instalados na Moldávia, que, nem sabemos exatamente onde fica, precisamos procurar no mapa para descobrir que parte do mundo é essa. Com uma ideologia fascista que prega o ódio, ou seja, a tensão social permanente, e promove a tensão política como método, pode-se esperar de tudo. Quem está disposto a matar o presidente da república, qualquer um abaixo dele pode ser alvo. Mas, como eles não adotam a luta de classes nem a correlação de forças como método, é evidente que eles não se consideravam, e nem se consideram, como sujeitos a reações e reações de massa. Nós, do MST, se houvesse um golpe, iríamos reagir. E, certamente, outros setores da esquerda, do PT, do movimento popular e do movimento sindical também reagiram. Ou seja, nós não somos sapos para morrer quietos debaixo da pata do boi, como dizíamos em Lagoa Vermelha, minha terra no Rio Grande do Sul. As redes sociais A atuação do MST e a causa da reforma agrária nas redes sociais são geridas pelo nosso setor de comunicação social. Foram eles que receberam o convite para ir ao Flow. Eu nem sabia que existia, porque sou meio alienado nessas coisas, mas eles insistiram: “João Pedro, vá lá, o rapaz não é fascista e se compromete a se comportar republicanamente.” Assim, como decidiu o nosso setor, eu disciplinadamente me submeti e fui lá, claro, acompanhado pelos nossos jornalistas. Tive uma grande surpresa, pois as perguntas foram todas muito sensatas, fui tratado muito bem e, depois, ainda estava aquele clima pré-eleitoral. Soube que, no total, já chegaram a 5,7 milhões de visualizações. Fiquei até muito grato, porque nenhum outro espaço, exceto no Jornal Nacional, poderia proporcionar tanto alcance. Talvez, quando fui à CPI, a TV Câmara também tenha acompanhado o tempo todo, e parece que isso também resultou em muitas visualizações. Agora, de maneira geral, é assim que me comporto: eu não tenho uma política pessoal, a política é do MST, mas me somo às teses de que a esquerda precisa difundir suas ideias naquilo que, tradicionalmente, chamávamos de agitação e propaganda. Agitação e propaganda envolvem duas vontades políticas: agitar é denunciar o capitalismo, expor as mazelas e os problemas que o povo enfrenta. Já a propaganda é anunciar qual é a solução para esses problemas, ou seja, defender nosso programa, que no caso do MST é defender a reforma agrária popular, entre outras mudanças. Agora, como é que você faz agitação e propaganda? A nossa teoria e prática é que não podemos nos limitar a um único veículo; devemos atuar em todas as frentes possíveis. Porém, a primeira delas, que consideramos a forma mais eficaz, é que a melhor maneira de fazer agitação e propaganda é através dos meios culturais, porque é preciso chegar ao coração das pessoas. Não se ganha as pessoas pela lógica racional de um argumento; conquista-se as pessoas pelo coração, pelo sentimento. E como você chega ao sentimento das pessoas? Você chega pela poesia, pela música, pelo teatro, por uma palavra de ordem, algo em que Carlito Maia era especialista. A realidade das esquerdas Nas últimas três décadas, estamos vivendo tempos de crise mundial. Há uma crise do capitalismo, que por sorte gera muitas contradições, entre elas a decadência do império estadunidense, a decadência do dólar e a emergência dos BRICS, que é muito importante. Assim, há uma crise do capitalismo e suas consequências. Há também uma crise das esquerdas em geral, porque no fundo, os movimentos de esquerda são originários do período do capitalismo industrial, que tinha a fábrica, o sindicato e o partido operário. Esse mundo do capitalismo industrial ruiu. Agora, emergiu, e é hegemônico, o capital financeiro, rentista, as grandes multinacionais e o agronegócio. Isso exige uma renovação das esquerdas, pois há uma nova base social que precisa ser construída e que exige novos métodos. Entre esses novos métodos, defendemos sempre a criação de novas articulações internacionais. As articulações que existiam no período anterior, onde partidos só falam com partidos e sindicatos só falam com sindicatos, estão superadas. Precisamos criar grandes articulações internacionais da classe trabalhadora sob a égide de uma unidade, o anti-imperialismo. O imperialismo está levando a um risco de verdade, inclusive o risco de uma guerra atômica. O imperialismo está provocando genocídio em Gaza, genocídio na Síria, genocídio no Sudão, e não podemos ficar calados. Então nossa unidade mundial deve ser a derrota do império estadunidense. Refiro-me a isso porque nós, do MST e da Via Campesina, fomos contundentes na defesa do governo Maduro e da Venezuela. Por quê? Porque quem é hoje anti-imperialista na América Latina? Poucos governos e poucos países, entre eles, claro, Cuba, que é anti-imperialista há 60 anos, e a Venezuela. Portanto, todos que forem anti-imperialistas, devemos nos somar a eles. Queremos novos espaços de articulação internacional sob a bandeira do anti-imperialismo estadunidense.  

Sucessão

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Estamos nas portas do ano de 2025, neste ano que termina, percebemos grandes desafios e inúmeras oportunidades, uma economia que cresce mais de 3% ao anos, trazendo boas perspectivas para o próximo ano, mas acredito que alguns setores não estão satisfeitos com a condução da política econômica, afinal, nos últimos meses o câmbio desvalorizou de forma acelerada, com impactos sobre os preços internos e levou o Banco Central a aumentar as taxas de juros em 1% percentual, saindo de 11,25% para 12, 25%. Lendo a mídia comercial, percebemos em uníssono, uma fala recorrente de que estamos em crise econômica, com graves desequilíbrios fiscais e as perspectivas no próximo ano devem ser de redução do crescimento da economia e, para melhorar o cenário, seria necessário um forte ajuste fiscal. No discurso dos representantes do mercado, percebemos que a economia passa por uma grave crise econômica, mas qual crise se estamos crescendo quase 4% ao ano, com desemprego em queda, redução da pobreza, aumento do investimento e capacidade industrial em ascensão ….?? Sabemos que o governo federal vem passando por grandes dificuldades, um governo de coalizão, onde o poder legislativo está cobrando mais atenção e mais recursos para seus grupos políticos e seus interesses econômicos, algo natural neste modelo de democracia construída internamente. Embora faça parte da democracia, o poder legislativo ganhou muito poder no governo anterior, com empenhos elevados, emendas PIX e grandes somas de recursos, gerando distorções e dificultando na construção das políticas públicas. Todos os especialistas e economistas ortodoxos falam da necessidade de cortarmos gastos públicos para evitar uma bancarrota fiscal, mas precisamos destacar: onde será cortado os recursos do governo nacional? No governo anterior os recursos eram retirados do andar de baixo, contingenciando as políticas públicas, diminuindo os repasses de programas públicos e garantindo como mantra recursos para os financistas, para as isenções fiscais e monetárias e para os empréstimos subsidiados, que contribuíram para aumentar os benefícios do andar de cima. Neste ambiente, embora o ambiente esteja turbulento, destacamos um problema que começa a crescer de forma acelerada, um Presidente da República com 79 anos e com histórico de várias intervenções cirúrgicas, podendo criar ruídos e gerar graves constrangimentos nos próximos anos, principalmente em 2026, momento de uma nova eleição presidencial. Esta semana, percebemos inúmeras postagens de setores da oposição se alegrando com as cirurgias do Presidente Lula, aguardando a vacância do cargo presidencial, um verdadeiro absurdo! Os grupos de direita ou de extrema-direita tem vários nomes para representar seus grupos políticos, governadores, senadores e um ex-presidente, mas na contemporaneidade nenhum deles tem envergadura para ganhar a eleição nas próximas eleições presidenciais, mas como as mudanças mudam todos os momentos, quem sabe novos atores apareçam nos horizontes. A esquerda, ou algo parecido com a esquerda, precisa repensar as estratégias nas próximas eleições e sua forte dependência da imagem do atual presidente, afinal, o que vai acontecer se os chamados progressistas tiveram que encarar estas escolhas em 2026, quem será o candidato da sucessão do presidente Lula, vale a reflexão. Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia.        

Lendo, estudando e indagando

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A sociedade mundial vem passando por severas transformações, todas as bases da sociedade global vêm passando por grandes modificações, gerando graves constrangimentos emocionais e afetivos, alterando comportamentos, impulsionando confrontos variados, medos e ressentimentos. A sociedade contemporânea, descrita por muitos especialistas, como um mundo centrado no conhecimento e nas informações, onde os dados e as imagens estão transformando a sociedade, anteriormente as informações demoravam dias para chegar nas nossas residências e na contemporaneidade, estas informações chegam instantaneamente, criando novos modelos de negócios, setores tradicionais estão sendo transformados no cotidiano e novos negócios estão surgindo, crescendo e se consolidando, exigindo dos seres humanos uma maior atualização, uma busca crescente por qualificações e novas formas de conhecimento. A Doutrina dos Espíritos, desde os primórdios do século XIX, nasce centrada no estudo sistemático, na busca crescente do conhecimento e na capacidade de compreender as lições do nosso Mestre Jesus, seus ensinamentos, suas reflexões e suas vivências como forma de compreender as leis que regem a sociedade mundial, lembrando-nos, que Jesus é o grande governador do planeta, espírito altamente desenvolvido e dotado de poderes, para todos nós, inimagináveis na atualidade. O Espírita precisa se pronunciar e se posicionar sobre os grandes desafios da sociedade global, compreendendo os caminhos pelas quais a comunidade está sendo pavimentada, mostrando a importância da educação libertadora da ignorância que perpassa a sociedade global, levando informações referente as questões políticas que influenciam a todos os indivíduos na vivência e convivência sociais e mostrando a importância da preservação da natureza e dos recursos naturais, participando ativamente das discussões contemporâneas, afinal, precisamos relembrar que o mundo, o planeta Terra é palco da nossa encarnação e, posteriormente, estaremos novamente encarnado no planeta, o conhecimento da reencarnação é imprescindível para que os seres humanos compreendam a relevância de preservarmos a natureza, o meio ambiente, os rios, os mares e toda a riqueza concedida por Deus para o nosso progresso espiritual. Neste momento de grandes descobertas, somos impulsionados ao estudo e a reflexão crítica, para compreendermos os caminhos que estamos trilhando nesta caminhada no mundo material, uma sociedade altamente tecnológica, dotada de grande desenvolvimento das técnicas, das pesquisas científicas, das ciências materiais e, ao mesmo tempo, distante dos valores morais mais sólidos e consistentes, onde os valores do capitalismo contemporâneo estão presentes nos corações dos indivíduos, nos valores da acumulação, no individualismo e no imediatismo, onde colhemos, enquanto sociedade, os frutos dos valores que cultivamos e reproduzimos no cotidiano. Nesta sociedade, percebemos que a vida passa com grande rapidez, com alterações constantes sobre tempo e espaço, as mudanças tecnológicas nos aproximam e, ao mesmo tempo, nos afastam, nos distanciam e nos tornamos mais frios e imediatistas, deixando de lado, planejamentos e estratégias de vivência e de sobrevivência, sempre fundamentais para compreendermos os desafios dos indivíduos e da comunidade. A Doutrina Espírita tem um papel imprescindível nesta nova sociedade, nos traz elementos para a compreensão dos grandes ideários da vida, os desafios como seres humanos e, principalmente, para compreendermos que todos somos seres imortais, entendermos que a morte não existe, embora saibamos que esse ensinamento nos parece difícil e altamente complexo para grande parte da comunidade. A compreensão da imortalidade, fundamental na Doutrina Espírita, nos colocam no centro das escolhas cotidianas e nos auxilia para compreendermos que não mais podemos terceirizar as nossas escolhas sociais, econômicas e políticas. Lembremos ainda, que a Doutrina Espírita, há tempos nos alerta sobre a existência da transição planetária, um momento único que denota as grandes transformações do planeta Terra, onde o mundo vem passando por grandes transformações vibracionais, espírito renitentes na maldade não mais retornariam na Terra, espíritos despreparados para essa transição não mais reencarnariam na Terra, sendo degradados para outras comunidades planetárias e a Terra caminharia para ser um planeta de regeneração. As vivências na casa espírita nos trazem elementos para compreendermos a imortalidade da vida, que somos seres humanos imortais, nossa realidade cotidiana está diretamente ligada às milhares de vidas que vivemos no mundo material, nossas trajetórias de vidas pregressas, experiências variadas e comportamentos diferenciados nas inúmeras vivências como espírito imortal. A Doutrina Espírita nos traz elementos para compreendermos as leis que regem a vida, a reencarnação, os esquecimentos cotidianos, a importância do amor, da fé, da caridade e da solidariedade como instrumentos que dão ao ser humano, uma bagagem mais consistente para seu progresso espiritual. Nestas experiências, o espiritismo nos traz instrumentos para compreendermos que não existem vítimas e algozes, na verdade somos todos, ao mesmo tempo, vítimas e algozes de nossas escolhas e de nossas atitudes, nas variadas existências terrestres cometemos inúmeros erros e equívocos, mas ao mesmo tempo, tivemos acertos e crescimentos variados. Quantas vezes nos deparamos com situações degradantes nas sessões de desobsessão, quando recebemos irmãos desencarnados, muito sofredores e que se comprazem com o mal e a degradação de seus “algozes”, se colocando como vítimas desta situação. Espíritos que se alegram com a devastação da vida de seus desafetos e, não percebem ou não querem perceber, que esse prazer imediato passa rapidamente, ainda mais, quando os espíritos superiores nos mostram as raízes desta situação, acreditando serem “vítimas” na atualidade, mas anteriormente, eram grandes “algozes”, que se esqueceram de sua trajetória de desequilíbrios, de insensatez e de degradações que os levaram aos infortúnios dos dias atuais. Nestas situações, a Doutrina dos Espíritos nos mostra que somos todos responsáveis pelas nossas desditas, todos somos responsáveis pelas nossas escolhas, pelos caminhos e pelos comportamentos cotidianos, nos esquecendo de nossas trajetórias e de nossas vivências em vidas anteriores. Muitas pessoas no dizem que não lembramos de nossas escolhas e não sabemos perfeitamente de nossas trajetórias, neste momento, a doutrina dos espíritos nos mostra, claramente, que tudo está inscrito em nosso interior, no nosso íntimo e nas nossas intimidades, mas não queremos adentrar nossos sentimentos e nossas inclinações, para muitos indivíduos nos colocariam no centro dos nossos problemas e não mais terceirizar seus desequilíbrios mais íntimos. O Espiritismo nos traz elementos interessantíssimos para a compreensão das realidades da vida, muitos começam estudar a doutrina dos espíritos e querem buscar explicações, mas não conseguem se deparar com as descobertas e buscam outras denominações religiosas ou abandonam a caminhada, mas não querem encarar, posteriormente, que é imprescindível retomar a caminhada abortada. Recentemente, tivemos a oportunidade de assistir uma palestra espírita deveras interessante de um escritor de renome, Adeilson Salles, autor de mais de 100 livros, muitos deles para crianças e adolescentes. Nesta palestra, o autor destaca que, na sociedade contemporânea, encontramos mais ou menos 5% das pessoas que estudam, refletem e buscam conhecimento, uns 10% acham que sabem e uns 85% vivem alienados, não buscam conhecimento e vivem por viver, terceirizando seus problemas e se esquecendo que todos somos responsáveis pelas nossas escolhas cotidianas. A Doutrina Espírita nos traz elementos para compreender conceitos que perpassam várias ciências, filosofia, sociologia, economia, antropologia, educação, pedagogia, psicologia, psicanálise, física, biologia, história….entre outras, desta forma, os espíritas precisam estudar, perguntar, indagar e refletirmos todos os momentos. A doutrina espírita nos traz instrumentos para fazermos escolhas mais sólidas e consistentes, nos trazendo uma bagagem ética e moral para compreender as dificuldades dos seres humanos e os desafios da comunidade. A literatura espírita nos traz inúmeros instrumentos para a reflexão das nossas dificuldades, são livros e artigos, além das palestras com temática da doutrina, que nos auxiliam na compreensão dos problemas que nos envolvem, afinal, todos temos dificuldades, estamos encarnados num mundo marcado por provas e expiações, onde as dores acometem a todos os seres humanos, neste momento, precisamos compreender as raízes de nossas dificuldades e de nossos equívocos, para rever comportamentos e alterar atitudes. Aos espíritas, precisamos ter efetivamente, a companhia efetiva dos livros, como nos disse Monteiro Lobato “Um país se faz de homens e livros”. Ao acompanhar os livros, precisamos nos aproximarmos dos conhecimentos que eles podem nos dar, indagar e refletir sobre as situações que vivenciamos no cotidiano, usar os conhecimentos da doutrina codificada por Allan Kardec para aproveitar a atual encarnação. Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre e Doutor em Sociologia e Professor Universitário.              

Reduzir a pobreza no Brasil não afeta a desigualdade, por Laura Muller Machado

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Para afetar a desigualdade, é necessário mudar a alta concentração de riqueza entre poucos Laura Muller Machado, Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo Folha de São Paulo – 14/12/2024 O dicionário diz que pobreza é falta, em especial, falta daquilo  é necessário à subsistência. Pobreza significa pouco, carência. Desigual, também segundo o dicionário, significa um estado de coisas que não são iguais entre si, é uma comparação. Muitas são as memórias de fatias de bolos divididas desigualmente entre irmãos na infância. Enquanto pobreza é uma forma de se referir à escassez de algo, a desigualdade é uma forma de se referir à comparação de algo entre pessoas. Pobre é quem tem um pedaço pequeno do bolo, desigualdade é a comparação dos tamanhos dos pedaços entre as pessoas. Internacionalmente falando, o bolo brasileiro está muito mal distribuído. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é um dos países de renda mais desigual do mundo: ocupa o 14º lugar e divide a posição com o Congo. No entanto, quando se trata de países mais pobres, o Brasil não está listado pelo Banco Mundial entre as situações mais graves e que serão foco dos fundos internacionais de pobreza nos próximos anos. Não somos destaque internacional em pobreza, somos em desigualdade. Essa realidade novamente apareceu na Síntese de Indicadores Sociais de 2023 do IBGE: a pobreza foi a menor já registrada na nossa história e a desigualdade ficou estagnada. Qual é a característica do Brasil que nos coloca nesta situação? De acordo com o World Development Indicators, os 20% mais pobres do Brasil detêm 4% da renda total do país, enquanto os 20% mais ricos detém 57%. A anatomia da desigualdade do país é de alta concentração de renda entre os mais ricos. Portanto, mudanças na alocação de renda entre os mais pobres não reverberam facilmente na desigualdade brasileira por conta da altíssima concentração nos super-ricos. Isso quer dizer que a redução de pobreza irá afetar pouco ou nada a desigualdade, como ficou claro nos dados do IBGE de 2023. Para afetar a desigualdade, é necessário mudar a alta concentração de riqueza entre poucos. Quais são as implicações para a política pública? Primeiro, as estratégias de combate à pobreza e à desigualdade para o Brasil precisam ser absolutamente diferentes. Todo o esforço de combate à fome e pobreza de renda terão impacto pequeno sobre a desigualdade pois ela decorre da grande concentração nos mais ricos. Apesar de frustrante, é importante lembrar que existe uma vantagem. Considerando que os ricos geram arrecadação e não demandam política pública e os mais vulneráveis precisam de política social, ter ricos é bom. No cenário de ausência de ricos que geram arrecadação, a situação ficaria ainda mais complicada. Segundo, considerando que o governo brasileiro arrecadou de fato, com mais ou menos justiça tributária, R$ 11 trilhões em 2023, um enorme bolo, nos falta gastar com qualidade em prol dos mais vulneráveis o que já temos. Há recurso suficiente não para reduzir como em 2023, mas para zerar a pobreza. Não nos falta volume, nos falta gastar bem, nos falta qualidade do gasto. Por fim, apesar de ser uma vantagem, não existe combate à desigualdade sem repensar a tributação dos mais ricos no Brasil. No entanto, seria justo ter imediatamente uma qualidade de gasto mais adequada, arrecadar mais para gastar de maneira ineficiente não é o que queremos.  

Por que o Senado quer baratear armas? por Thiago Amparo

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Thiago Amparo, Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação. Folha de São Paulo -14/12/2024 Resultado serão mais pobres mortos, mais mulheres violentadas e mais criminosos com acesso facilitado Para o Senado, a prioridade absoluta no país nesta semana foi fazer com que armas e munições fiquem mais baratos para quem as compras e, consequentemente, para os criminosos para quem são desviadas. Excluídas do Imposto Seletivo na reforma tributária, passarão a usufruir de uma carga tributária reduzida. Não é porque o governo Bolsonaro tenha acabado que o lobby armamentista terminou, pelo contrário: parlamentares pró-armas continuam acumulando vitórias, diante da apatia da gestão Lula. A pressão pró-armas é uma pauta sectária: 72% da população discorda que a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas, segundo Datafolha de 2022; e pesquisa de 2023 revelou que expressivos 48% discordam total ou parcialmente com o direito a ter armas. A proposta do Senado revela parte da classe política mais preocupada em baratear armas que custam vários salários-mínimos do que pensar se os brasileiros vão comer todos os dias. A Câmara, nesta mesma semana, votou por anistiar armas ilegais. Por que, afinal, o Congresso Nacional quer baratear e facilitar o acesso a armas? Ao baratear armas, o Senado quer que mais mulheres sejam executadas por seus parceiros (43% dos autores de feminicídio cometidos com armas de fogo em 2022 no Brasil eram próximos às vítimas). Ao baratear armas, o Senado quer ajudar criminosos a ter acesso mais fácil a armas e munições (o crime se abastece, em sua maioria, de artefatos comprados legalmente, mostram os dados de armas apreendidas). Ao baratear armas, o Senado quer que mais crianças sejam mortas de forma violenta (arma de fogo foi usada em 3 de cada 10 das mortes de crianças no país entre 2021 e 2023). Ao baratear armas, o Senado quer que mais pessoas negras sejam mortas (8 a cada 10 homens mortos por arma são negros no país). Fora da realidade paralela do WhatsApp bolsonarista financiado por interesses privados armamentistas, o resultado do barateamento de armas no mundo real é: mais pobres mortos, mais mulheres violentadas e mais criminosos com acesso a armas.  

Mais trabalho e menos direitos, por Caique Oliveira de Carvalho

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 Caique Oliveira de Carvalho – A Terra é Redonda – 13/12/2024 O caminho que a direita brasileira pavimentou nos últimos anos foi o de um debate moralizador de pautas das minorias sociais vocalizadas pela esquerda Quantas vezes já vimos, na altura dos trinta minutos do segundo tempo, aquelas estatísticas aterrorizantes afirmando 60, 70% de posse para aquele time moroso de toques horizontais? Em um jogo de poucas emoções e riscos, é ele quem parece ter o domínio do campo. Contudo, quando menos se espera… gol. Gol daquele que soube o caminho certo e arriscou na hora correta. Pelo menos no futebol, sabemos disso: posse de bola não ganha jogo. Contudo, a tática política é distinta, e ao menos nela, ter a bola é fator de extrema relevância. Deixarei de lado a metáfora futebolística, à qual voltarei um pouco à frente, para desmembrar alguns elementos do atual estado de coisas que vivemos para cá dos trópicos. O caminho que a direita brasileira pavimentou nos últimos anos foi o de um debate moralizador de pautas das minorias sociais vocalizadas pela esquerda. Ao absorvê-las, rearticulou-as de forma negativa, centralizando no outro – negro, indígena, gay, mulher etc. – os problemas nacionais. Já foi suficientemente discutido como esse modus operandi não se limita apenas ao Brasil, na medida em que é um movimento internacional cuja estratégia é o deslocamento de problemas estruturais de âmbito econômico, político e cultural para a esfera da moral. Os problemas passam, então, a ser discutidos através de pautas animadas pelo racismo, machismo e lgbtfobia: o desemprego é um problema do migrante ou do Bolsa Família; a corrupção, uma degeneração midiaticamente centralizada nos partidos de esquerda; a diversidade, uma imposição de normas comportamentais às crianças e jovens. Quando Donald Trump brada uma América great again, sabemos perfeitamente do que se trata: é uma imaginação que estimula o desejo de reavivamento econômico e garantia de emprego, amalgamada a um país racialmente homogêneo e hierarquicamente estruturado em desigualdades de níveis diversos. Já o “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, que se repetiu como farsa na nossa história, promove um mesmo movimento. O Brasil nunca foi grande como os Estados Unidos, mas “sempre foi brasileiro e cristão”, ao menos é isto que pensam os ideólogos da direita brasileira. Embora não tenhamos, neste país, um dilema migratório como as nações do centro do capitalismo, temos fricções históricas que rasuram a bandeira verde e amarela e parodiam o hino nacional, tornando-o peça cômica de um país inexistente. Falo de quilombolas e ribeirinhos, yanomamis e pataxós, negros e candomblecistas, dentre tantas outras formas de existência presentes à margem da nossa sociedade. Já o “Deus acima de todos”, não é preciso se alongar, dada a nitidez de sua falsidade. Nesse panorama, as últimas eleições demonstram que há uma gradativa mobilidade da população – esmagada na atual estrutura social capitalista que exige mais trabalho e impõe menos direitos – às pautas e discursos neoliberais. Uma sociedade tensionada como essa precisa imaginar saídas, que têm sido dadas pela direita: o empreendedorismo articulado à moralização da política. Não à toa, Pablo Marçal repetia diversas vezes a “prosperidade” – termo vinculado às versões do neopentecostalismo – como finalidade da prática empreendedora. Contudo, as rotas da direita não levam a classe trabalhadora a lugar algum, senão a uma rua sem saída, e eles sabem disso. A estratégia, no entanto, é bem tramada. O capitalismo neoliberal propõe a dinamitação da sociedade – lembremos da icônica fala de Margaret Thatcher, para quem havia apenas indivíduos e famílias – e, uma vez fragilizados os laços coletivos, ataca-se os direitos sociais conquistados. O Estado neoliberal – distinto das bravatas ideológicas que o fantasiam com a máscara do mítico Estado mínimo – é grande, e sua atuação é mobilizada pela classe dominante para garantir a ordem social (intensificação das práticas de segurança e coerção) e a exploração do trabalho – reformas administrativas, da previdência, trabalhistas etc. – ao mesmo tempo em que funciona como impulsionador dos lucros da classe dominante, a partir da manutenção de taxas de juros exorbitantes e incentivos fiscais. Uma vez alçada ao estresse com o aumento do desemprego e da violência, articula-se como saída milagrosa as pautas imediatistas já disseminadas no senso comum – principalmente pela grande mídia –, vocalizadas pelos políticos de direita: desemprego? Empreendedorismo. Violência? Pena de morte, prisão. O fato é que essas políticas tendem a gerar um ciclo de tensividade social, no qual os problemas que elas prometem resolver são, na verdade, intensificados. Assim, cada volta do ciclo abre caminho para propostas mobilizadas pela direita, cada vez mais exorbitantes quanto ineficazes (Pablo Marçal falava, por exemplo, de mudanças de mentalidades para enfrentar problemas como a miséria e a fome). Nesse cenário, a esquerda é acuada, tendo que se defender das pautas neoliberais agressivas à população e das fake news, numa posição reativa próxima do time que tenta sair da linha alta de marcação do adversário. A ruptura de uma noção cíclica, portanto, progressiva e regressivamente evolutiva, só pode se dar pela mobilização social. Somos nós os atores da nossa história já dizia Marx, e se eximir dela significa deixar-se levar por quem nela atua. É esse o sentido da provocação feita por Vladimir Safatle acerca da morte da esquerda. A pauta da escala 6×1, antes de contestar a tese, a confirma. A posição a que ficamos nos últimos anos, de responder às pautas da direita – seja às de destituição dos direitos sociais ou aquelas moralizadas –, fez retroagir não apenas a esquerda, mas a própria sociedade, que migrou cada vez mais para o campo da direita. A proposta do fim da escala 6×1 e da redução da carga horária semanal de trabalho irrompe, portanto, no cenário, como um momento de reencontro da esquerda com o povo. Após as últimas eleições municipais, muito se falou da necessidade de a esquerda falar com os públicos hostis a ela, como a comunidade evangélica. Essa proposta inclui não apenas uma desmistificação das fake news perpetradas nos últimos anos (kit gay e fechamento de igrejas pelos governos Haddad e Lula), como uma aproximação no âmbito do discurso. A discussão da 6×1 demonstra, contudo, que a estratégia a se seguir para solucionar o problema do diálogo não é a de uma performance evangelizadora por parte da esquerda, que passaria a incluir nos seus discursos termos como “prosperidade” e “bênção”. O fato é que, através dessa estratégia, continuaremos sendo sempre mais à esquerda, aos olhos do eleitorado, do que a direita, que há muito conjecturou à sua identidade política o neopentecostalismo. Pior: as igrejas continuarão monopolizadas pelos grupos religiosos-empresariais que a comandam, transformando o púlpito eclesiástico em balcão de negócios e seus fiéis em potenciais consumidores. E mesmo que, em circunstâncias específicas – por exemplo, uma eleição acirrada e polarizada –, possa parecer eficiente a migração do discurso e da política à direita, isto só pode funcionar (e não é uma jogada segura) a curto prazo. No médio e longo prazo, significa, na verdade, um processo de intensificação da direita pela esquerda, que passa a reiterar seu glossário e política. A pauta atual é unificadora porque, através do debate do trabalho, atinge a maior parte da população, significando ganhos reais que gays, negros, mulheres, mas também evangélicos e homens, se beneficiam. Aqui é o ponto em que retornamos à posse da bola; o momento é ímpar e instrutivo. A proposta protocolada pela deputada federal Erika Hilton obrigou a direita a jogar recuada, no seu campo, tendo que lidar com a pressão social. O ponto nodal é que sabemos o quanto seus interesses classistas – ocultados nas pautas moralizadas que aprenderam a flamular aos quatro ventos – entram em conflito com o público que o elegeu. A pressão sobre o Nikolas Ferreira explicita, justamente, as incoerências da política de direita quando observada pelos de baixo. Tais inconsistências só podem ser abordadas se a esquerda atuar na promoção de pautas radicalizadas, pois tais propostas, ao mesmo tempo que significam a melhoria efetiva da vida da população, levam a direita a conflitar com seus eleitores, esmagadoramente pobres. É isso que estamos presenciando: deputados de partidos como PT, PSOL, PCdoB, REDE e PV apoiam integralmente a proposta, seguidos do PSB e PDT, com índices positivos, respectivamente, de 92,8% e 83,3%. Algo que contrasta com o pífio apoio de partidos como União Brasil, MDB, PP e PL, com os respectivos apoios: 54,2%, 36,3%, 31,8% e 5,3%.[ii] Se verificarmos as bancadas temáticas, que são predominantemente de direita, como a evangélica, temos os seguintes dados: do total de 219 membros, 65 assinaram, perfazendo apenas 29,6% da bancada. Os números ficam ainda mais dramáticos se observarmos a frente parlamentar do agronegócio, em que, de 251, apenas 38 membros (15,1%) apoiaram a proposta até o momento. Nesse cenário, a direita busca retomar a posse da bola, e, para isso, surgem no seu horizonte dois principais movimentos. O primeiro, para aqueles partidos e grupos que não assinaram o projeto, é a disseminação de mentiras e fake news. Por exemplo, parte das inverdades difundidas buscou apresentar a PEC como irresponsável e “não técnica”, como o corte de um vídeo da deputada Erika Hilton em entrevista à Globonews, dando a indicar que a proposta foi feita sem levar em conta estudos científicos. Para além das mentiras acerca da PEC, há também as futurologias apocalípticas, cuja finalidade é espalhar medo e impedir que a população reconheça no projeto avanços sociais e trabalhistas dos quais precisa. Daí disseminam-se ideias como a de que, uma vez aprovada, aumentará a informalidade no mundo do trabalho e destruiria empregos. Um segundo movimento é o sequestro da pauta, que pode acontecer através dos apoiadores e dos seus detratores. Dentre os detratores, há os que afirmam ser contra o fim da escala 6×1, como o deputado Kim Kataguiri, mas se negam a assinar e, portanto, a negociar os termos ou reescrever o projeto na votação da Câmara. O que o líder do MBL busca, na verdade, é cooptar a indignação popular para reforçar projetos contrários à classe trabalhadora, como, por exemplo, sua defesa pela implantação de um modelo de trabalho próximo ao dos Estados Unidos, buscando convencer sua base eleitoral de que o trabalhador teria escolhas e possibilidade de negociar com o patrão. Já entre os deputados que assinaram e apoiaram o projeto, o sequestro pode vir a partir do seu rebaixamento, aceitando o fim da jornada 6×1, porém tensionando para manter a carga horária exploratória em vigência. Para resguardar a posse da bola, a esquerda deve continuar pressionando e reafirmando a necessidade do fim da escala e da diminuição da carga horária de trabalho, como proposto na PEC, além de radicalizar em novas propostas que mobilizem e garantam direitos à sociedade, o que levará, cada vez mais, a direita ao atrito com parte dos seus eleitores expondo seus interesses classistas. *Caique Oliveira de Carvalho é doutorando em ciências sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA).  

A desordem do mundo, por Gilberto Lopes

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Gilberto Lopes – A Terra é Redonda – 06/12/2024 Com o aumento das tensões em praticamente todo o mundo, as despesas da OTAN atingiram no ano passado 1,34 trilhão de dólares, dos quais os Estados Unidos foram responsáveis por mais de dois terços Guerras e dívidas Com a dívida mundial aproximando-se dos 100 trilhões de dólares, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda aos governos que reduzam os déficits e constituam novas reservas para enfrentar a crise que se avizinha, provavelmente mais cedo do que pensamos, advertiu sua diretora, Kristalina Georgieva, no mês passado. Os números deram o que pensar. David Dodwell, diretor executivo do Hong Kong-APEC Trade Policy Study Group, observou que em Washington se preocupam com o fato de que, pela primeira vez, o serviço da dívida ultrapassará o orçamento militar: 870 bilhões de dólares contra 822 bilhões. Com uma dívida de mais de 36 trilhões de dólares, os Estados Unidos pagam cerca de três bilhões de dólares por dia só em juros. As consequências econômicas da guerra israelense em Gaza também são impressionantes: os danos em infraestrutura são estimados por instituições financeiras internacionais em 18,5 bilhões de dólares. A remoção de 37 milhões de toneladas de escombros pode levar 14 anos (ou mais), enquanto a restauração da economia levará sete décadas. Em meio à tragédia humana, com mais de 40.000 mortos, a maioria de mulheres e crianças, a economia de Gaza se afundará 14% este ano em comparação com o ano passado. Nos territórios palestinos ocupados, a economia cairá 35%. A outra guerra, na Ucrânia, fez com que as despesas militares do país aumentassem para 37% do Produto Interno Bruto (PIB) e 58% dos gastos governamentais. Na Rússia, essas despesas representam quase 6% e 16%, respectivamente. Com o aumento das tensões em praticamente todo o mundo, as despesas da OTAN atingiram no ano passado 1,34 trilhão de dólares, dos quais os Estados Unidos foram responsáveis por mais de dois terços. De acordo com o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), elas representaram 55% dos gastos militares mundiais. A desordem do mundo Para ilustrar este mundo, talvez seja útil a ideia de Richard Haass, ex-presidente do Council on Foreign Relations – um prestigiado think tank norte-americano sobre política internacional – exposta em seu livro A world in disarray, publicado em 2017, que pode ser traduzido como “Um mundo desordenado”. Richard Haass – que, entre outros cargos, foi diretor da equipe de planejamento político do secretário de estado Colin Powell, durante a primeira administração de George W. Bush – analisa a deterioração das relações entre os Estados Unidos e a então União Soviética, no final da Guerra Fria. As coisas complicaram-se desde o início, afirma ele. Com os russos derrotados no Afeganistão – suas tropas abandonaram o país em fevereiro de 1989 –, os Estados Unidos contribuíram para “aumentar os problemas e humilhar” o país, diz Richard Haass. Mais importante ainda, acrescenta, foi a decisão de expandir a OTAN nos anos 90, durante a administração Clinton. Uma política que acabou sendo “uma das mais consistentes e controversas do período pós-Guerra Fria”. As consequências de tal decisão têm sido analisadas de diferentes perspectivas. Se a OTAN deve continuar sendo um pacto militar e os Estados Unidos continuarem sendo um membro ativo, disse o notável diplomata norte-americano George Kennan, falecido em 2005, “espero que consigamos encontrar uma forma de não lhe dar a aparência de uma aliança orientada contra um país específico, mas sim como expressão de um interesse mais duradouro na segurança e prosperidade de todos os países europeus do que é atualmente”. Não tem sido assim. A OTAN expandiu-se para leste em várias ondas, com um caráter cada vez mais ofensivo, dirigidas contra a Rússia, até que esse avanço ameaçou atingir suas fronteiras com a Ucrânia. Um mundo unipolar O presidente russo Vladimir Putin expressou repetidamente suas opiniões sobre as consequências desta decisão, que agora são bem conhecidas. Seu discurso na Conferência de Segurança de Munique, em 2007, é frequentemente citado. Naquele tempo, o presidente russo era convidado para a conferência. Hoje não é mais. Mas o retorno a esse discurso deve ajudar-nos a encontrar uma saída para o labirinto em que nos encontramos. “O que está acontecendo hoje”, disse Vladimir Putin na altura, “é uma tentativa de introduzir o conceito de um mundo unipolar. Com que resultados? Com o abuso da força militar nas relações internacionais, com o desrespeito aos princípios básicos do direito internacional, com um Estado – os Estados Unidos – ultrapassando suas fronteiras nacionais, tentando impor um modelo econômico, político e cultural. Isto é extremamente perigoso. O resultado é que ninguém se sente seguro, avisou Vladimir Putin. A expansão da OTAN para o leste não considerou a sugestão de Kennan, que foi embaixador na Rússia em 1952 (onde foi declarado “persona non grata” por Stalin). Os líderes políticos ocidentais em Washington ou na Europa também não deram ouvidos às advertências russas sobre os limites desses avanços, nem consideraram suas preocupações de segurança. Com o fim da Guerra Fria, não foi Moscou que avançou para oeste, mas o Ocidente que levou suas tropas para as fronteiras da Rússia. Com que objetivo? Olga Khvostunova, do Programa Eurásia do Foreign Policy Research Institute, por exemplo, referiu-se às “linhas vermelhas” estabelecidas pelo Kremlin, cuja violação implicaria uma retaliação massiva, incluindo um ataque nuclear. Analisou-as em termos menores. Olga Khvostunova estimou – num artigo publicado em setembro passado na Foreign Policy – que, à medida que a guerra avançava, várias “linhas vermelhas” foram ultrapassadas “sem repercussões significativas”. Na perspectiva dela, parece que nem a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 nem a utilização do novo míssil balístico hipersônico contra um complexo industrial na cidade de Dnepropetrovsk, na sequência da utilização pela Ucrânia de mísseis ocidentais para atacar o território russo, devem ser vistas como uma resposta aos novos avanços ocidentais no cenário da guerra. Os analistas do Institute for the Study of War (ISW) – uma instituição alinhada com os interesses ocidentais – acreditam que Vladimir Putin está tentando inflar artificialmente as expectativas sobre suas capacidades militares, destacando as caraterísticas de seu novo míssil. Eles acreditam que a arma é apenas uma adaptação do míssil Kedr, que a Rússia vinha desenvolvendo desde 2018-2019, e não representa um novo recurso militar. A balcanização da Europa Esta não é a opinião de líderes como o primeiro-ministro polonês Donald Tusk, uma das vozes antirrussas mais agressivas da Europa, para quem “a ameaça de um conflito global é realmente séria e real”. Ou a chanceler alemã, que fala de uma “escalada terrível”. Um artigo do diário espanhol El País de 22 de novembro – “A OTAN convoca uma reunião urgente com as autoridades de Kiev após o lançamento de um míssil russo de nova geração” –, explica os acontecimentos como uma escalada russa. Os russos têm uma visão diferente. Afirmam que os mísseis estadunidenses, ingleses e franceses, que a Ucrânia começou a utilizar para atacar seu território, não podem ser utilizados sem a participação de militares ocidentais. “Os próprios ucranianos não podem fazer isso”, disse o porta-voz oficial do Kremlin, Dmitry Peskov. A utilização do novo míssil de alcance intermediário “não é uma escalada, mas uma resposta à escalada provocada pelo Ocidente”, afirmou. Em 1 de dezembro, a Europa voltou-se um pouco mais para a direita, na opinião da jornalista Ella Joyner, da agência alemã DW. Nesse dia, assumiu uma nova Comissão Europeia, mais uma vez chefiada pela democrata-cristã alemã Ursula von der Leyen, com a ex-primeira-ministra da Estônia Kaja Kallas responsável pela política externa e o ex-primeiro-ministro da Lituânia Andrius Kubilius responsável pela defesa, ambos particularmente agressivos contra a Rússia. Em sua apresentação diante do Parlamento Europeu – que também se inclinou mais para a direita nas últimas eleições –, Kaja Kallas reiterou a importância da vitória da Ucrânia e apelou para sanções contra a China – que considera um “rival sistêmico” – por seu apoio à Rússia. “A China deve pagar por suas relações com a Rússia”, afirmou. Com pouco menos de 1,4 milhão de habitantes, cerca de 20% da população da Estônia está em risco de pobreza, de acordo com as estatísticas oficiais. O Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma queda de 3% no ano passado. O país entrou em recessão em 2024 e as previsões são de um crescimento fraco nos próximos anos, devido a uma série de fatores, incluindo a perda contínua de insumos baratos da Rússia. Em outra pasta fundamental da nova Comissão Europeia, a da Defesa, criada especificamente para esta ocasião, o lituano Andrius Kubilius também caracteriza-se por sua posição particularmente agressiva em relação à Rússia, que descreve como um Estado patrocinador do terrorismo. É a favor da apreensão das centenas de bilhões de dólares russos congelados na Europa, uma medida controversa, que os outros países europeus encaram com mais cautela. Num sinal do clima antirrusso que prevalece nos países bálticos, a estatal Rádio e Televisão da Lituânia (LRT) demitiu o jornalista Aigis Ramanauskas em meados de novembro. Aigis Ramanauskas tinha sugerido matar os que assistissem a filmes russos ou ouvissem música russa no país. Na opinião dele, era essencial manter as crianças afastadas dessas pessoas. Em resposta às reações, explicou: “É isto o que eu quero dizer aos nossos falantes de russo: Não, caros concidadãos, eu não incitei a morte de vocês. Não se tratava de vocês, embora seja evidente que odeio sinceramente o que conhecemos como ‘mundo russo’”. Com a política externa europeia nas mãos de representantes do leste europeu; com a Inglaterra em franca decadência, fora da União Europeia; com a França e a Alemanha submersas em crise política e econômica, e uma inevitável terceiro-mundialização da Europa, com uma extrema direita controlando o Parlamento e a Comissão, com uma visão cada vez mais provinciana da política externa, a Europa é, mais uma vez, uma ameaça renovada para o mundo. *Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor, entre outros livros, de Crisis política del mundo moderno (Uruk).  

Mundo Incerto, quente e violento

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Vivemos numa sociedade marcada por grandes transformações estruturais que geram preocupações crescentes, medos e ressentimentos generalizados, levando os seres humanos a acumularem rancores e sentimentos preocupantes, impulsionando mágoas e violências crescentes, aversão aos estrangeiros e aos imigrantes, com estímulos para o incremento de protecionismos econômicos e polarizações políticas. O crescimento do mundo digital, o desenvolvimento das tecnologias, as transformações no mundo das comunicações e o domínio das redes sociais criaram novos espaços de violências crescentes e degradações, as pessoas perderam seus sentimentos de empatia e de solidariedade, os indivíduos perseguem as curtidas nas redes sociais com publicações cada vez mais bizarras e deprimentes, deixando claro que a sociedade global vive dominada por patologias destrutivas e deprimentes, espalhando violências, conflitos militares, disseminando mentiras e destruindo reputações e estimulando preconceitos, racismos e intolerâncias. Neste ambiente, percebemos uma degradação crescente do meio ambiente, transformações climáticas em todas as áreas e regiões do globo, com impactos generalizados para todos os setores econômicos e produtivos, impactando sobre empregos, investimentos e a produtividade da economia, neste cenário assustador, percebemos indivíduos e setores inteiros rechaçando relatórios de pesquisadores sérios que mostram as transformações perversas em curso  na natureza e no meio ambiente, defendendo visões negacionistas, investindo em pesquisas falsas e enganosas, defendendo setores produtivos altamente poluentes, que degradam a natureza e destroem uma riqueza comum da humanidade. Vivemos num ambiente marcado por fortes protecionismos econômicos e comerciais, nações que anteriormente defendiam a liberalização comercial e propagandeavam as vantagens da abertura econômica e da concorrência, onde os mais fortes e empreendedores dominariam a sociedade global, perpetuando seus valores, suas crenças e sua capacidade de inovação. Essas crenças ocidentais vêm perdendo espaço na comunidade internacional, os países mais ricos perderam força no comércio internacional e passaram a defender políticas protecionistas mais escancaradas, sobretaxando produtos estrangeiros, limitando a entrada de imigrantes, aumentando as barreiras comerciais, impondo a venda do controle acionário de empresas estrangeiras inovadoras como forma de proteger seus setores econômicos e produtivos. Neste cenário, percebemos o incremento de conflitos militares em variadas regiões do mundo, levando as nações a aumentarem seus investimentos em defesa, transferindo recursos preciosos que deveriam ser utilizados para melhorar as condições de vida de suas populações para a compra de armas, aquisição de aviões e caças militares, tecnologias bélicas, radares, drones, treinamentos e novas estratégias de guerra. Neste ambiente de grandes transformações, percebemos uma sociedade cada vez mais violenta, com alterações e agitações climáticas, um ambiente mais quente, chuvas cada vez mais destrutivas e degradantes, uma comunidade marcada por instabilidades econômicas e produtivas, gerando medos, preocupações e desesperanças, angústias crescentes e medo do desemprego, renda em declínio, famílias desorganizadas e empresas assustadas pelo crescimento da competição econômica, que anteriormente era local e agora a concorrência é mundial, aumentando as incertezas, os estresses, as ansiedades e as depressões. Neste cenário de instabilidades econômicas, de violências crescentes e clima descontrolado, será que não está na hora de refletirmos sobre as causas estruturais destes infortúnios globais que levam pessoas diferentes, com culturas variadas e comportamentos diferentes a viverem ou sobreviverem com privações parecidas? Será que não está na hora de refletirmos sobre o modelo econômico dominante…. Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor universitário.