Com pandemia, impacto nas economias foi sincronizado, mas retomada expõe diferenças
The Economist, O Estado de S. Paulo
11 de outubro de 2020 | 05h00
Em fevereiro, a pandemia do coronavírus atingiu a economia global com o pior choque desde a segunda guerra mundial. Quarentenas e uma queda no gasto do consumidor levaram a uma implosão do mercado de trabalho na qual o equivalente a quase 500 milhões de vagas desapareceram quase da noite para o dia. O comércio global tremeu com as fábricas fechadas e os países fechando suas fronteiras. Uma catástrofe econômica ainda maior só foi evitada graças a intervenções sem precedentes nos mercados financeiros por parte dos bancos centrais, ao auxílio dos governos aos trabalhadores e às empresas falidas, e à expansão dos déficits orçamentários a patamares comparáveis aos de momentos de guerra.
O impacto foi sincronizado. Mas, conforme a recuperação se encaminha, estão se abrindo imensas lacunas no desempenho dos diferentes países, que podem ainda redefinir a ordem econômica mundial. De acordo com previsões da OCDE, já no fim do próximo ano a economia dos Estados Unidos terá o mesmo tamanho que teve em 2019, mas a da China será 10% maior. A Europa seguirá agonizando abaixo de sua produtividade pré-pandemia, situação que pode durar vários anos, um destino que também pode ser o do Japão, que passa por um aperto demográfico.
Não se trata apenas do fato de os maiores blocos econômicos crescerem a velocidades diferentes. De acordo com o banco UBS, no segundo trimestre do ano a distribuição dos ritmos de crescimento em 50 economias foi a mais discrepante em pelo menos 40 anos.
A variação é resultado das diferenças entre os países. O fator mais importante é a disseminação da doença. A China praticamente a conteve, enquanto a Europa (e talvez em breve os EUA) enfrenta uma cara segunda onda. Ao longo da semana retrasada, Paris fechou seus bares e Madri iniciou uma quarentena parcial.
Enquanto isso, na China, pode-se pedir uma bebida em uma boate. Outra diferença é a estrutura preexistente das economias. É muito mais fácil operar fábricas observando o distanciamento social do que administrar empresas do setor de serviços que dependem do contato cara a cara. Na China, a manufatura representa uma fatia maior da economia do que em qualquer outro país de grandes dimensões. Um terceiro fator é a política de resposta. Em parte, essa é uma questão de tamanho: os EUA injetaram mais estímulo do que a Europa, incluindo gastos equivalentes a 12% do PIB e um corte de 1,5 ponto porcentual nos juros de curto prazo. Mas as políticas de resposta também incluem a reação dos governos às mudanças estruturais e à destruição criativa geradas pela pandemia.
Esses ajustes serão imensos. A pandemia deixará as economias menos globalizadas, mais digitalizadas e mais desiguais. Com os trabalhadores de escritório fazendo ao menos parte da jornada semanal em seus quartos e cozinhas, aqueles de salário mais baixo que antes eram garçons, faxineiros e assistentes de vendas terão de encontrar novos empregos nos subúrbios.
Conforme um número cada vez maior de atividades são transferidas para a internet, os negócios passarão a ser dominados pelas empresas donas da propriedade intelectual mais avançada e os maiores repositórios de dados. O boom nas ações de empresas de tecnologia observado este ano é uma amostra do que virá, assim como a grande migração digital da indústria bancária. E, agora, os juros baixos manterão os preços dos ativos em alta, mesmo se as economias continuarem enfraquecidas. Isso vai ampliar o abismo entre o setor financeiro e a economia real.
Isso não é uma preocupação para a China, que por enquanto parece estar emergindo da pandemia mais forte, ao menos no curto prazo. Mas o vírus expôs problemas de prazo mais longo no aparato econômico chinês. No longo prazo, seu sistema de vigilância e controle estatal, que tornou possível a aplicação de quarentenas brutais, deve impedir a livre circulação difusa de decisões, pessoas e ideias que resultam no fomento à inovação e melhoram o padrão de vida.
A Europa é a retardatária. Sua resposta à pandemia corre o risco de estagnar as economias de seus países, em vez de permitir que se ajustem. Em suas cinco maiores economias, 5% da força de trabalho continua envolvida em esquemas de licença nos quais o governo lhes paga para aguardarem o retorno dos empregos ou dos turnos, coisa que pode nunca ocorrer. Na Grã-Bretanha a proporção é duas vezes maior. Em todo o continente, a suspensão das recuperações judiciais, a tácita paciência dos bancos e uma enxurrada de auxílio estatal direcionado correm o risco de prolongar a vida de empresas zumbis que deveriam falir.
A dúvida paira sobre os EUA. Durante a maior parte do ano, foi oferecida uma rede de segurança mais generosa para os desempregados e um estímulo maior do que seria de se esperar no lar do capitalismo. Sabiamente, o país também permitiu o ajuste do mercado de trabalho, e se mostrou menos inclinado que a Europa a resgatar empresas que correm o risco de se tornarem obsoletas. Em parte como resultado disso, os EUA já observam a criação de muitos novos empregos, diferentemente da Europa.
A fraqueza dos EUA está na sua política, tóxica e dividida. Na semana passada, o presidente Donald Trump parecia desistir de negociar uma renovação do estímulo. Enquanto duas tribos rivais considerarem as concessões mútuas um sinal de fraqueza, será quase impossível aprovar reformas essenciais, como uma nova rede de segurança, ou uma economia mais voltada para a tecnologia, ou um rumo mais sustentável para os déficits. A covid-19 está impondo uma nova realidade econômica.
odos os países terão de se adaptar a ela, mas os EUA enfrentam uma tarefa desafiadora. Se o país quiser liderar o mundo que vai emergir da pandemia, será necessário um recomeço para a sua política. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL