Proteção excessiva de herdeiros limita desenvolvimento
Michael França, Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford.
Folha de São Paulo, 07/01/2025
Em minha última coluna, intitulada “Qual é o legado dos ricos”, argumentei que, com a baixa taxa de fecundidade e o progressivo abandono do ideal de ter filhos, especialmente nas gerações mais jovens, a árvore genealógica de muitas famílias está destinada a morrer em um futuro próximo.
Isso levanta uma relevante questão sobre o que realmente significa deixar um legado, visto que, para muitos, ainda predomina o antiquado modelo de transmitir fortunas herdadas de gerações passadas e acumuladas ao longo da vida para seus descendentes.
Não podemos negar que deixar a herança exclusivamente para os filhos tem um forte apelo emocional. Afinal, queremos proteger o futuro de nossos entes queridos. Apesar disso, é importante questionar se tal proteção realmente beneficiará os filhos, pois grandes heranças podem, na verdade, prejudicar mais do que ajudar.
Tal fato tende a ser negligenciado por muitos pais que procuram fazer de tudo por seus filhos. Porém, ao eliminar a necessidade de esforço e resiliência, fortunas herdadas tendem a desestimular o desenvolvimento pessoal e profissional, criando uma geração de herdeiros não só dependentes, mas também, em muitos casos, incompetentes.
Em vez de aprenderem a conquistar o que possuem, muitos crescem com a sensação de que tudo está garantido. Isso acaba levando-os a ter de tudo, mas, ainda assim, possuírem um sentimento de vazio e falta de propósito.
A ausência de necessidade de lutar pela segurança financeira faz com que muitos herdeiros apresentem dificuldades em construir uma identidade independente. Em diversos casos, isso se reflete em uma vida marcada pela falta de realização pessoal.
Para além do indivíduo, a transmissão de heranças tem um impacto coletivo negativo, pois intensifica a concentração da riqueza. A herança garante que aqueles que nascem em famílias mais ricas comecem a vida muito à frente dos demais, cristalizando ainda mais suas vantagens. Os ricos não herdam apenas bens, mas também toda uma rede de oportunidades derivadas de uma educação melhor, contatos e retornos dos mais variados ativos.
Como resultado, nossas elites deixam de se renovar. Quando grandes fortunas são passadas de uma geração para outra, o poder econômico e político fica concentrado em poucas famílias, reduzindo as possibilidades de transformações significativas em espaços de decisão.
Dessa forma, tal contexto nos desafia a refletir sobre qual impacto podemos gerar com nossos recursos e habilidades para além de nossos filhos e familiares. Para os filhos, optar por investir a riqueza em algo que promova um bem coletivo não significa abandono, mas uma oportunidade de trilhar seus próprios caminhos, com toda a sorte de já terem nascido em um ambiente altamente privilegiado.
Em vez de herdar fortunas, eles podem receber uma educação de excelência e a liberdade de construir sua própria trajetória com maior legitimidade, ou seja, sem o fardo de serem apontados como herdeiros. Pais que optam por não deixar a herança para os filhos não estão negando apoio, mas oferecendo uma chance para que eles desenvolvam sua independência, caráter e senso de propósito.