Estamos vivendo numa democracia? por Oded Grajew

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Que modelo é este que produz terríveis desigualdades?; mudanças no IR são justas, mas pobres continuarão a ser penalizados

Oded Grajew, Presidente emérito do Instituto Ethos, conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis e membro do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades

Folha de São Paulo, 02/12/2024

A democracia poderia ser definida como um regime político em que o poder é exercido de forma participativa pelos cidadãos, diretamente ou por meio dos seus representantes. Sendo assim, na democracia exercida em sua plenitude, as políticas públicas deveriam beneficiar de forma equitativa o conjunto da sociedade, resultando num país com poucas desigualdades.

Vejamos o quadro no Brasil: somos o sétimo país mais desigual do mundo, apesar de sermos a oitava maior economia. De acordo com o Observatório Brasileiro das Desigualdades, idealizado pelo Pacto Nacional Pelo Combate às Desigualdades, as nossas desigualdades econômicas, sociais, ambientais, regionais, de gênero e raça são enormes. Por exemplo: 1% da população detém 63% da riqueza do Brasil; os 10% mais ricos obtêm um rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior que os 40% mais pobres; cerca de 7,6 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita mensal menor do que R$ 150; a mulher negra ganha em média 42% do que recebe o homem não negro; as pessoas negras representam 76,9% das vítimas de mortes violentas intencionais e são 83,1% das mortes decorrentes de intervenções policiais; a taxa de mortalidade infantil é 59% maior na região Norte do que na região Sul.

Todos que têm o mínimo de conhecimento de como funciona o nosso sistema político sabem da enorme influência do poder econômico nas eleições e sobre os tomadores de decisões, nas várias instâncias de poder das nossas instituições públicas. Como resultado direto temos políticas e decisões políticas que beneficiam a minoria mais rica e consequentemente sustentam e alimentam as desigualdades brasileiras.

O nosso sistema tributário é um dos mais regressivos do mundo; o Brasil é um dos poucos países que não taxam lucros e dividendos e instituímos diversos mecanismos que fazem com que, atualmente, mais de 70% da renda dos super-ricos não seja tributada. As mudanças no Imposto de Renda anunciadas na semana passada são justas, mas os pobres continuarão a pagar proporcionalmente mais tributos que os ricos porque ainda taxamos muito o consumo e pouco a renda e o patrimônio.

Tudo isso apesar de a Constituição brasileira declarar que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. O que significa que o nosso sistema tributário deveria ser considerado inconstitucional!

O nosso terrível e vergonhoso quadro de desigualdades não foi construído por acaso, é resultado de decisões políticas. Alimenta a descrença na política e na democracia e reforça os movimentos políticos extremos e autoritários (vale lembrar que os Estados Unidos são o país mais desigual entre as nações mais desenvolvidas).

Se quisermos valorizar e defender a democracia e barrar seus detratores precisamos nos empenhar para que as políticas públicas se liberem da influência excessiva do poder econômico, respondam às necessidades de toda a população e não apenas aos interesses de uma minoria —e estejam dedicadas, como manda a Constituição, à redução das desigualdades. Caso contrário, poderemos estar sempre nos perguntando: Estamos vivendo numa democracia? Que democracia é esta que produz tantas e terríveis desigualdades?

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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