Espanha: pressão para mudar previdência pública.

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Autor: Jorge Félix

Apesar de a crise econômica internacional ter sido provocada por uma desregulamentação financeira que dura quase três décadas – precisamente desde a ascensão de Margareth Thatcher em 1979 – seu desdobramento, cada vez mais, vai apontando para uma conseqüência que nada tem a ver com sua origem. Ao mesmo tempo em que os países ricos encontram resistências para impor algum controle sobre o mercado financeiro, cresce em todo o planeta a tendência de culpabilizar os sistemas de previdência pública pelos déficits públicos – ampliados, agora, pela necessidade de socorrer as instituições financeiras, as industrias e intensificar os investimentos público para fazer frente a debilidade do setor privado.

A Espanha é um dos melhores exemplos desta distorção.
O presidente do governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) está sendo pressionado a promover uma reforma da Seguridade Social sob a alegação de que em 2009, devido à recessão crônica, o sistema registrará um déficit. O motivo do rombo seria a alta taxa de desemprego – quase 18% da população economicamente ativa no segundo trimestre.

A falta de vagas, sobretudo para os jovens (entre estes a desocupação bate 35%), resiste até mesmo ao pacote de investimentos de 11 bilhões de euros lançado pelo governo para gerar 300 mil postos de trabalho. Outros 14 bilhões foram destinados ao crédito. Sem sucesso. Sem emprego, o trabalhador deixa de contribuir para a previdência e reduz a receita.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) fez as suas contas. Mesmo com a reforma promovida em 2001, acreditam os economistas da OCDE, a Espanha sofreria um desequilíbrio nas contas previdenciárias a longo prazo. De acordo com esses cálculos, o pagamento de benefícios pularia dos atuais 10% do PIB para 18% em 2050 em decorrência do envelhecimento populacional, mesmo que o país reverta o desemprego e possa contar com imigrantes.

A Fundación Empresa y Sociedad estima que o país irá necesitar de 2 milhões de imigrantes jovens até 2020 para fazer frente ao envelhecimento da população.

Diante desta realidade, que coloca o país na pior situação econômica entre os vizinhos da União Européia, Zapatero começa a enfrentar pressões dentro do próprio governo por revisão das regras do sistema público de aposentadorias. O primeiro a levantar a voz pela reforma foi Miguel Angel Fernández Ordóñez, presidente do Banco de Espanha (ou banco central do país), com o apoio do Círculo de Empresários.

“Podemos alargar progressivamente a idade mínima para a aposentadoria”, afirmou Ordóñez, provocando uma polêmica no primeiro escalão do governo do PSOE, legenda tradicionalmente defensora do sistema de bem-estar social do país – lembre-se, um dos mais fracos da Europa ocidental. A reação mais forte partiu do ministro do Trabalho, Celestino Corbacho.

“Não se pode criar insegurança sobre algo que funciona, nem jogar com a intranqüilidade de mais de 8 milhões de aposentados”, declarou Corbacho, recomendando a Ordóñez que fosse tratar de combater a crise financeira. Segundo o ministro, o sistema de previdência deve registrar um superávit tímido este ano, de 0,4%, mas fechará as contas no azul.

A vice-presidente María Teresa Fernández de la Veja entrou no embate com o presidente do Banco de Espanha e garantiu que o governo tem um fundo de reserva de 57 milhões de euros para honrar os compromissos previdenciários em caso de redução da receita em conseqüência do desemprego.

No entanto, em meio ao bate-boca público, Ordóñez conseguiu abrir a discussão sobre uma elevação da idade mínima de aposentadoria de 65 para 67 anos e, por tabela, aqueceu o debate em favor da desregulamentação do mercado de trabalho. A legislação trabalhista da Espanha é vista como um entrave ao aumento do emprego. Em maio, os trabalhadores, graças a lei, obtiveram ganho real de salário de 3,5%, apesar da recessão. O PIB, este ano, deve encolher 4% e mais 0,8% em 2010, de acordo com previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo a revista The Economist, isso pode fazer com que os trabalhadores concluam que a crise é benéfica. Porém, cresce o número de trabalhadores espanhóis ilegais ou em contratos de curto prazo (um terço da PEA). “O problema não é a regulação trabalhista”, reagiu o Toni Ferrer, negociador chefe do Sindicato Geral de Trabalhadores, lembrando que os salários têm aumentado, em média, apenas 0,5% ao ano desde 2005. “O que precisa mudar é o modelo econômico”, recomendou em entrevista à publicação britânica.

Por convicção política ou de olho em sua difícil situação eleitoral, Zapatero, por enquanto, ignora as pressões por reformas. Seu maior argumento é que o sistema de seguridade social espanhol é um dos menos generosos da Europa. Os gastos sociais do governo, per capita, param em pouco mais de 5 mil euros contra 7 mil da França e 8 mil da Alemanha. Por outro lado, os defensores da reforma afirmam que é alto o valor médio dos benefícios, de 854,96 euros. A dúvida é se Zapatero conseguirá sustentar o sistema nos próximos anos de recessão e déficit.

O sistema espanhol é baseado em dois pilares: o estatal, obrigatório e majoritário, e o privado, opcional e de ainda pouca relevância. O setor estatal é confiável e funciona com cobertura médica e seguro desemprego. Essas garantias atraem inclusive os estrangeiros. O problema apontado pelos céticos quanto a sua sustentabilidade é que os espanhóis podem se aposentar a partir de 60 anos, proporcionalmente, ou amparados por um acordo com a empresa. São os chamados “relevistas” que aceitam a redução de salário de 25% a 85% em troca de uma jornada parcial. A partir de 61 anos, o trabalhador também tem o beneficio assegurado no caso de ser demitido com 30 anos de contribuição. Essas flexibilidades na regra acabam reduzindo a idade mínima de aposentadoria – que, de fato, na média, é inferior a 65 anos.

Além de criar empregos e atrair imigrantes, a Espanha tem o desafio de reduzir o ritmo de envelhecimento da população. Desde 2005, o país introduziu incentivos para aumentar a taxa de fecundidade – uma das mais baixas da Europa. No ano passado conseguiu a proeza de registrar uma taxa de 1,46 filhos por mulher (embora acima do 1,16% de 1996 ainda bem abaixo de 2,0 filhos por mulher necessários para haver a reposição populacional).

Com uma expectativa de vida de 77,76 anos para os homens e 84,33 anos para as mulheres, o país assiste seu sistema de previdência aumentar o numero de beneficiários em 1,7% ao ano. Um problema, como afirma o governo, que não é a causa do déficit público, mas que a crise econômica mundial pode fazer com que seja o primeiro a ser atacado.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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