Desigualdade social e pobreza: desafios para o movimento espírita

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Vivemos em uma sociedade marcada por um crescimento vertiginosa da desigualdade social entre os indivíduos, entre os países e dentro dos próprios países, países até então descritos como ricos e desenvolvidos se encontram em situação de incertezas, crescimento da pobreza e da desigualdade, gerando um incremento da violência, da insegurança e do xenofobismo.

A Europa, centro da civilização ocidental, marcada pelo grande crescimento tecnológico, onde a Ciência foi fundamental para garantir o crescimento da produção e da riqueza do mundo, se encontra em franca decadência, depois de séculos de exploração aos povos africanos, nos últimos anos percebemos uma chegada de uma ampla leva de cidadãos do continente explorado, fazendo com que os europeus recebam aqueles que anteriormente foram por eles explorados, com isso, buscam se retratar com as leis do mais alto, buscando a harmonia e a conscientização espiritual entre povos irmãos.

Neste século XXI, percebemos inúmeros movimentos preocupantes, de um lado um incremento da pobreza e da desigualdade social e, de outro, uma maior degradação da natureza e do meio ambiente, gerando um clima esquisito, de um lado um calor que beira os cinquenta graus e de outro um frio que leva a temperatura a um outro extremo, chegando a menos cinquenta graus, além de tsunamis, enchentes e tempestades, uma situação jamais vista no planeta Terra.

Desde que o economista francês Thomas Piketty publicou a obra O Capital no Século XXI, nos revelando dados, gráficos e informações de que a concentração de renda na sociedade global vem aumentando cada vez mais nos últimos anos e que, os dados atuais são muito parecidos com os do início do século XX, com ricos e poderosos abocanhando grande parte da riqueza global, com estas revelações o mundo começou a compreender muitos dos desajustes e dos desequilíbrios internacionais, uma sociedade que cria grande riqueza e que, em sua grande maioria é apropriada por uma pequena parte de afortunados, um grupo de privilegiado que usufrui do melhor do sistema capitalista, dos luxos e do hedonismo propiciados pela posse do capital.

Segundo algumas organizações não governamentais globais, como a respeitadíssima Oxfam, a sociedade mundial é composta por 7 bilhões de pessoas, dentre elas, 1 bilhão consome mais de 50% de todos os recursos naturais disponíveis, outros 3 bilhões de pessoas consomem 45% destes recursos e os outros 3 bilhões de pessoas restantes se apropriam de apenas 5% de todos os recursos, encontramos ai uma grande desigualdade, onde menos de 15% dos privilegiados globais usufruem das maiores benesses do sistema capitalista global.

Na situação descrita acima, percebemos que as reservas naturais existentes no meio ambiente não conseguem dar a todos os indivíduos do planeta Terra, o padrão de vida dos países ricos e desenvolvidos mas, com certeza, conseguiria dar a todos os habitantes deste mundo uma condição digna de vida, desde que a distribuição desta riqueza fosse mais igualitária.

Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou dados assustadores, segundo o instituto, após quinze anos, a desigualdade voltou a aumentar no Brasil, com exceção da região norte. Pelos cálculos do IBGE, o número de cidadãos na faixa de extrema pobreza pulou de 6,6% da população em 2016 para 7,4% em 2017, diante disso, percebemos que havia 15,2 milhões de brasileiros com renda inferior a 140 reais por mês em 2017 – contra um contingente de 13,5 milhões registrados em 2016.

Os dados trazidos pelo Banco Mundial e pelos institutos de pesquisas locais são assustadores, no caso brasileiros se somarmos todos os dados disponíveis, encontraremos um contingente de mais de 55 milhões de pessoas vivendo com menos de meio salário mínimo mensal, numa sociedade marcada por muita riqueza natural, um país que como nos diz Pero Vaz …em se plantando tudo dá.

Como nos mostrou Allan Kardec, na questão 930 de O Livro dos Espíritos, de que a culpa das desigualdades reside mesmo nas imperfeições humanas, os grandes responsáveis por esta situação de degradação social de muitos irmãos na sociedade contemporânea somos nós mesmos os seres humanos que residimos neste mundo, marcados pelo orgulho e pela ganância: “Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário”. Na mesma obra, publicada em 1857, Kardec ainda nos alerta: “Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade, e ele próprio também será melhor”

Neste ambiente de incremento na desigualdade, aumento da pobreza e de instabilidades crescentes, os espíritas se subdividem, uns acreditam que, como somos reencarnacionistas, acreditamos que vivemos várias vezes em corpos diferentes, tudo que passamos na vida material está diretamente ligado aos resgates que servem para nos auxiliar em nosso crescimento espiritual. De outro lado, encontramos outros indivíduos que se condoem com a situação destes irmãos e buscam auxiliar, de uma forma ou de outra, visando mitigar os sofrimentos neles impingidos.

Ao analisar estas visões descritas acima, acreditamos que o melhor a fazer é seguir auxiliando sempre, mesmo sabendo que colhemos na vida material as plantações das várias experiências físicas, auxiliar os irmãos em dificuldade, dar-lhes um prato de comida, conversar e ser gentil com todos, além de orar e pedir para cada um em dificuldade, é sempre uma forma de auxiliar no crescimento dos irmãos em dificuldade e mais, se estivéssemos no lugar destes irmãos, com certeza, gostaríamos de ser auxiliados nos momentos de maior dificuldade, lembremos neste momento da máxima de Jesus de Nazaré, que dentre seus inúmeros legados nos deixou a sublime frase não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você.

No caso brasileiro, em particular, o país vem vivendo, nos anos recentes, graves desequilíbrios econômicos com severos comprometimentos sociais e espirituais, de uma década de crescimento e melhorias generalizadas, o país mergulhou em uma grande depressão, com incremento no desemprego e no subemprego, além da deterioração na renda agregada e aumento nos crimes hediondos e assassinatos, apenas em 2017 foram mais de 63 mil homicídios, colocando o Brasil entre os países mais violentos do mundo.

Muitos tendem ao comodismo quando veem uma situação como essa, acreditando que o problema é tão grande e complexo que atitudes individuais só serviriam para mascarar o problema, levando-os a uma atuação comodista, sabemos que o problema demanda a adoção de políticas mais amplas mas, cabe a cada um de nós, seres humanos, contribuir para o melhoramento coletivo da humanidade, se não possuímos os recursos econômicos necessários para auxiliar no combate da pobreza e da desigualdade, cabe o pensamento edificante, a oração, o não julgamento e a pacificação dos corações, tudo isto contribui para o melhoramento individual e, por conseguinte, da coletividade.

A Doutrina Espirita nos mostra que muitos irmãos altamente inteligentes, com comprometimentos variados por uso indiscriminado de suas aptidões para enriquecimento próprio, para destruição de seus semelhantes e para satisfação de seus desejos e caprichos ilimitados, renascem em países ou regiões atrasadas e, com isso, passam por limitações das mais intensas, muitas vezes sem alimentos e privados das mais elementares mercadorias utilizadas no cotidiano. Embora estes irmãos estejam caminhando e construindo um futuro melhor para as próximas encarnações, faz-se necessário que nós, espíritas, entendamos que um auxílio ajudaria muito este irmão, dando-lhe as condições necessárias para sobreviver e cumprir com sua jornada com mais dignidade.

Os espíritos amigos nos mostram claramente a importância do auxílio aos irmãos sofredores, como nos diz Joanna de Ângelis, no livro Episódios diários: “Não te escuses de auxiliar. Se não consegue ir à causa do problema, minimiza-lhe os efeitos” considera ela ainda. Em outra passagem nos informa: “Desde que não podes erradicar, de um golpe, a fome, a enfermidade, a ignorância, contribui para a tua cota de amor, por mínimo que seja”, acrescenta.

Vivemos em uma sociedade marcada pela Transição Planetária, um momento de grandes transformações sociais, econômicas e espirituais no mundo contemporânea, mesmo sabendo que este momento é de grandes dificuldades para todos os espíritos encarnados e desencarnados, cabe aos espíritas refletirem sobre o crescimento da desigualdade no Brasil e no mundo e continuar trabalhando para que a situação possa melhorar, os ânimos sejam amainados e as oportunidades aumentem para todos os indivíduos.

A construção de um clima de paz e de solidariedade é fundamental para que as pessoas possam debelar os conflitos e as guerras que tantos males causam e causaram para a sociedade mundial, a desigualdade crescente e a pobreza generalizada colocam as pessoas em confrontos umas com as outras, aumentando a violência e criando um clima de agressividade e incertezas, com isso, os indivíduos se sentem em permanente instabilidade, vendo nos outros sempre inimigos ou adversários, como percebemos no mundo atual, degradando os laços sociais e os vínculos espirituais entre irmãos.

A construção de uma sociedade melhor depende dos avanços que, como espíritos, alcançamos em várias encarnações sucessivas, nestas experiências passamos por dificuldades e por inúmeras experiências, crescemos e passamos a compreender um pouco do mundo, as desigualdades das riquezas existem por conta da diversidade de aptidões dos seres humanos, que são construídas pelo conjunto das conquistas oriundas das variadas encarnações. O que não se deve aceitar é que esta desigualdade seja tão abissal quanto a que estamos vendo no momento, onde uma pequena parcela goza dos prazeres do sistema, usufruindo de seus produtos, mercadorias e serviços altamente eficientes e tecnológicos, enquanto outros vivem na miséria e na indignidade, servindo apenas como anteparo para os luxos e prazeres dos primeiros, alguns podem chamar tudo isto de meritocracia, nós deveríamos ver mais como uma plutocracia, uma grande injustiça e um dia, quando chegarmos no plano espiritual, seremos duramente cobrados por isso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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