É a falta de renda, não de educação financeira, que mantém pobres os pobres
André Roncáglia, Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Riqueza é poder. Os super-ricos não desejam apenas viver de forma nababesca; querem influenciar as leis, bem como o que as pessoas podem saber e estudar.
A coalizão agrofinanceira gasta muito para formar bancadas no Legislativo e para influenciar a opinião pública. Recente reportagem da revista Piauí revelou como o mercado financeiro tenta influenciar o debate sobre economia e negócios. Desigualdade sem limites ameaça a democracia.
Na contramão das investidas plutocráticas, uma série de livros e estudos vem destrinchando a desigualdade no Brasil. O livro de Pedro Souza, “Uma História da Desigualdade”, a concentração de renda entre os ricos no Brasil” (2018), revela a desigualdade vista do topo; e o compêndio “Desigualdades: visões do Brasil e do mundo” (2022) —organizado por Fernando Mattos, João Hallak Neto e Fernando Gaiger— analisa os impactos multidimensionais da desigualdade sobre o mercado de trabalho, o acesso à saúde e à educação etc.
Engrossando o caldo, a Companhia das Letras lançou em 18/10 ” Os Ricos e os Pobres: o Brasil e a desigualdade”, de Marcelo Medeiros. Com erudição despretensiosa e capítulos curtos, o livro responde a inúmeras falácias veiculadas nas redes antissociais nos últimos anos. Traduz para o público os resultados de pesquisas sobre variados temas, como salário mínimo, disparidade salarial entre gêneros e raças, bem como taxação de riqueza e a miragem da educação como solução de nossos problemas.
Medeiros mostra didaticamente como desigualdade é coisa de rico: há “muito mais renda nas mãos do 1% mais rico do que na metade mais pobre da população adulta”; e o 0,5% mais rico apropria 20% da renda nacional. Já a imensa massa de pobres e homogênea do ponto de visto socioeconômico. Pobreza e desigualdade são fenômenos interligados, mas diferentes entre si.
O livro desmonta a falsa dicotomia entre política e técnica. Por exemplo: programas de combate à pobreza refletem o jogo de poder no conflito distributivo ao definirem uma “linha de pobreza” e ao adotar uma noção de insuficiência de renda. Afinal, “quanto mais rica for uma sociedade, mais alta tende a ser a linha que define o que é pobreza”.
Um capítulo chocante ilustra, com números, o que significa poupar para os pobres no Brasil. Se uma família poupar 5% da sua renda diária de R$ 14,50 todos os dias, teria anualmente R$ 264. Esperaria 30 anos para comprar uma motocicleta usada para prestar serviço de motoboy; seis anos para uma geladeira ou para uma máquina de lavar roupas.
Não é a falta de educação financeira que mantém os pobres nesta condição. É a falta de renda.
Por isso, o combate à pobreza deve ir além do Bolsa Família e da defesa da educação básica. É preciso atacar as causas da desigualdade. Como estas operam no topo da distribuição, são necessárias políticas específicas, como tributação progressiva da renda e da riqueza e acesso ao ensino superior, entre outras.
O livro rebate também a ameaça de fuga de capitais em caso de tributação da riqueza. Além de “metade da riqueza ser imóvel e cerca de dois terços não conseguirem migrar internacionalmente”, as frentes parlamentares bloqueiam ou desidratam a tributação justa da riqueza. O projeto de lei prevê a taxação de fundos exclusivos de alta renda e offshores reduziu de 15% para 8% a alíquota sobre ganhos financeiros destes fundos e excluiu os ganhos decorrentes de variação cambial da base de cálculo.
Por isso, Medeiros defende que a tributação integrada de renda e riqueza constitua um “imposto mínimo” sobre os mais ricos, não apenas por melhorar alocação de capital (ao tributar a fatia ociosa do patrimônio) mas por financiar a expansão das políticas de combate à pobreza.
Reduzir a desigualdade é vital para eliminar a pobreza e promover a democracia efetiva. A liberdade econômica deve valer para todos.