Não há virtude em resistir a mudanças que ampliem a dignidade humana
Michael França, Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford
Folha de São Paulo – 29/10/2024
É comum vermos aqueles considerados mais progressistas subestimando a visão de mundo dos mais conservadores. Mas, ao olharmos com alguma calma, perceberemos um valor em uma perspectiva que procura privilegiar a preservação das tradições e que adota um certo ceticismo diante de mudanças muito aceleradas.
Existe uma sabedoria acumulada nos valores que resistiram ao teste do tempo. Os costumes, os laços familiares e a reverência às instituições religiosas, por exemplo, são aspectos relevantes que moldaram a estrutura social ao longo da história. Ao proteger alguns valores do passado, estamos, de certo modo, preservando o que nos trouxe até aqui.
Essa proteção atua como um porto seguro diante das grandes incertezas de um mundo em transe e que está progressivamente sendo consumido pelas abruptas mudanças sociais, econômicas, tecnológicas e climáticas. Essa preservação oferece uma âncora no meio do agitado mar das incertezas, evitando que sejamos arrastados pelas ondas dos impulsos momentâneos ou modismos passageiros.
Entretanto, devemos ter em mente que essa proteção não deve se transformar em resistência. Diversas mudanças são não apenas inevitáveis mas necessárias. O conservadorismo perde seu propósito original quando é usado em discursos que justificam a exclusão ou mantêm a inércia das desiguais estruturas de poder. Nesse contexto, devemos reconhecer que não há virtude em resistir a mudanças que ampliem a liberdade e a dignidade humana.
Acabamos aprisionados em um mundo limitado quando não abrimos espaço para o questionamento daqueles valores que herdamos e que adotamos sem muita reflexão. Ficamos presos a um mundo pequeno que restringe nossas liberdades individuais e a capacidade de evolução. Esse apego inflexível ao passado não apenas limita nosso próprio crescimento mas também afeta toda a sociedade ao impedir que novas ideias surjam e floresçam.
Ainda assim, é importante ter uma postura de cautela diante do novo. O ceticismo é uma ferramenta poderosa quando nos leva a avaliar cuidadosamente as implicações de nossas escolhas. No entanto, essa cautela deve vir acompanhada de abertura para explorar o desconhecido. É preciso encontrar o equilíbrio que permita preservar aquilo que nos fortaleceu, sem sufocar o novo. É preciso equilibrar uma coexistência harmoniosa entre o passado e o futuro.
Nesse contexto, é necessário muito diálogo, disposição para ouvir e, mais que tudo, abrir-se ao contraditório. Precisamos de um diálogo que não tema as diferenças, mas que encontre nelas a base para reimaginar o futuro enquanto aprendemos com o passado. Pois o que a história nos ensina é que não avançamos abandonando nossos valores, mas revisitando-os e, quando necessário, reescrevendo-os.