Consumidor “irracional” pode arruinar a economia, diz Nobel

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FSP/02/08/2012
Autor: Daniel Kahneman – Psicólogo – Nobel de Economia em 2002

O psicólogo israelense-americano Daniel Kahneman, 78, ganhou o Nobel de Economia em 2002 por décadas de trabalho em uma matéria na qual é pioneiro, a economia comportamental.
No ano passado, ele lançou “Thinking, Fast and slow”, best-seller instantâneo, que chega às livrarias brasileiras este fim de semana como “Rápido e devagar: duas formas de pensar” (ed. Objetiva). Nele, o Nobel explica diversos conceitos de autoengano, de confiança excessiva e defende um “paternalismo libertário”, aonde empresas e governos deveriam cutucar, alertar cidadãos e consumidores a tomar as melhores decisões para si.
No livro, o professor de Princeton também descreve o sistema 1 do pensamento(o rápido), a intuição, automático, que decide se você gosta de uma pessoa logo após conhecê-la, com associações instantâneas, e o sistema 2 (devagar), que representa a razão, o autocontrole e a inteligência.
Abaixo, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
*
Folha – O senhor fez uma pesquisa com vários diretores financeiros [CFOs] de grandes empresas, em que eles deveriam prever o retorno das ações no índice da Standard & Poor’s no ano seguinte. Em 67% dos casos, eles erraram. A intuição dos experts não conta?
Daniel Kahneman – Fazer previsões em ambientes imprevisíveis é impossível. Ou, como eu chamo, uma ilusão.
Intuitivamente, é claro que gostamos de investir com “especialistas”, mesmo que as estatísticas comprovem que um programa de computador tenha o mesmo resultado. O mercado das ações é inerentemente imprevisível.
Se o mundo das finanças fosse previsível, todos tirariam as mesmas vantagens e os riscos e as recompensas desapareceriam.
Ser muito informado, ter a informação média de um leitor do “New York Times”, pode ajudar suas apostas só no curto prazo.
Em Wall Street, a maioria ignorou os resultados da pesquisa. Se você se considera um especialista, você têm uma superconfiança em seu conhecimento. Mas é um sentimento subjetivo.
Essa confiança excessiva e o sistema 2 preguiçoso ajudaram a ampliar a crise hipotecária e financeira nos EUA?
Todos queriam tirar vantagem do crédito, mas sem ler as letras miúdas. Sei que o governo Obama anda estudando como mudar as regras para que contratos sejam mais compreensíveis, de leitura mais fácil. Os gastos em cartões de crédito são sempre padronizados e dificultam muito a comparação entre empresas. Estas adoram deixar qualquer comparação impossível.
Sempre discuti a necessidade de se proteger as pessoas de suas próprias escolhas. Hoje, é bem difícil dizer que elas não precisam de proteção.
Quando pessoas desinformadas perdem seu dinheiro, elas podem arruinar a economia mundial, então decisões irracionais têm efeitos muito maiores quando combinados com a racionalidade de agentes corruptos dentro do sistema e a regulação e supervisão um tanto ausentes no sistema financeiro.
No Brasil, muitas pessoas com inédito acesso a crédito já estão se endividando mais do que podem. Como “cutucá-las”?
As pessoas se endividam mais quando pagam com cartão do que quando pagam com dinheiro. Com as cédulas, tudo é mais racional, palpável. Muitos americanos não calculam os juros que estão pagando e que vão pagar no futuro. Não sabem o total do que vão pagar, e imagino que aconteça o mesmo no Brasil. As empresas gostam de esconder em letras miudinhas essas informações.
As autoridades brasileiras deveriam, além de usar regras contra o empréstimo predatório, exigir contratos e contas de cartões mais claros, que as taxas de juros fiquem mais expostas.
Nos EUA, até os democratas suspeitam de qualquer interferência do governo. Como elas encaram esses cutucões?
As pessoas mantêm a sua liberdade, quem quiser cometer erros, vai poder cometê-los, mas permite-se que eles consigam fazer a decisão mais correta para seus interesses. Republicanos e democratas aprovaram programas parecidos para facilitar quem aceita descontos direto do salário para planos de pensão.
Em vez de ter que assinar e optar por um plano de poupança na folha de pagamento, as pessoas seriam inscritas automaticamente na dedução, tendo que assinar ou optar para sair dele se assim quiserem.
Algum governo já transformou essas descobertas em política pública?
O Reino Unido foi um passo adiante e o governo do David Cameron, que é conservador, criou uma “Unidade de Insights [sacadas] Comportamentais” em Downing Street [residência do primeiro-ministro]. Já falei algumas vezes lá e dei minhas ideias.
Uma coisa que eles já fizeram é de informar a sonegadores e a contribuintes como um todo qual a porcentagem de pessoas naquela cidade ou região que estão com o pagamento em dia de seus impostos.
É um cutucão, trabalha com a psicologia social. “Se todo mundo está pagando, eu também preciso pagar”. Mantêm a liberdade, mas atua na maneira como você vê os seus pares. As campanhas contra lixo na rua em Nova York e no Texas apelam para esse mesmo sentimento de que os outros estão observando você.
Uma pesquisa sua já concluiu que ter uma renda anual de US$ 75 mil seria o mínimo para a felicidade. Mas se seus vizinhos e amigos ganharem mais que isso?
Nossa pesquisa chegou à conclusão que, com um renda de US$ 75 mil, a felicidade emocional é possível. Abaixo disso, uma doença, uma separação, um problema podem se tornar muito mais graves. A partir desse valor, não há muitas mudanças, mas abaixo dele, tudo fica mais difícil e instável. A inveja não está presente todo o tempo no jeito com que avaliamos nossa vida e nossa satisfação.
Latinoamericanos e brasileiros em particular sempre se saem bem nesses rankings internacionais sobre felicidade, com renda bem inferior.
Acho que há um erro comum nessas pesquisas. Os latinoamericanos sempre respondem enfaticamente o quanto são felizes, quando perguntados se são felizes, mas o mesmo acontece quando questionados sobre tristeza e infelicidade. Os resultados são sempre extremos. Talvez os latinoamericanos expressem muito mais suas emoções do que em outras partes do mundo, sejam positivas ou negativas.
Ainda sobre intuição, o sr. fala dos enganos no planejamento de obras públicas. O sr. cita o novo parlamento de Edinburgo, que custaria US$ 50 millhões em 1997, valor que saltou para US$ 550 milhões, quando completado em 2004.
Todas as grandes obras recentes, de museus a estádios de futebol, acabam estourando os orçamentos porque seus planejadores não são pagos para ser pessimistas. Seus planos só contemplam o melhor cenário possível. É natural, até porque querem que seus projetos sejam aprovados, mas é o que eu chamo de falácia do planejamento. Nós ignoramos a possibilidade do imprevisto, ao menos que tenha ocorrido recentemente algum, e depois exageramos a possibilidade de que volte a ocorrer.
Dá para se melhorar a intuição?
O sistema 1 não é fácil de mudar, funciona a partir da memória automática. Ele incorpora a memória da pessoa. Se ela tiver lido mais, estudado mais, for mais sofisticada, o sistema 1 terá essas mesmas vantagens. Mudanças de atitude em um país ou mesmo em uma vizinhança, afetarão o sistema 1.
As decisões das pessoas a longo prazo têm mudado muito em tempos de incerteza e crise nos países desenvolvidos e de desaceleração nos emergentes?
As pessoas fazem decisões sempre pensando no curto prazo. Essa é a norma, o futuro é distante demais. Inclusive quanto a planos de poupança e aposentadoria. A crise afeta as decisões do presente apenas.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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