Classe média foi esmagada pela política? por Michael França

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Enquanto arca com impostos, ela sente que recebe pouco em troca

Michael França, Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford.

Folha de São Paulo, 04/02/2025.

O que são políticas públicas? Elas são instrumentos para corrigir as disparidades nos pontos de partida ou devem ser utilizadas para reforçar as vantagens daqueles que já largaram à frente? No cerne da discussão está o dilema sobre se elas devem funcionar como um vetor de mudanças ou apenas manter a ordem vigente. No final, elas são reflexos de escolhas. Escolhas tanto políticas quanto ideológicas. Escolhas que determinam quem deve ganhar e quem deve perder.

Essas escolhas se materializam em decisões. Cada orçamento que aprovamos carrega consigo uma mensagem. Se priorizamos o investimento em segurança para proteger propriedades privadas mas negligenciamos escolas públicas, estamos dizendo que proteger coisas é mais importante do que investir no potencial humano. Quando optamos por subsidiar grandes corporações em vez de garantir saúde de qualidade, estamos declarando que o lucro é mais valioso do que a vida.

Tal hierarquia de prioridades reflete mais do que simples decisões administrativas, pois expõe a essência de nossos valores e nossas omissões. No Brasil, muitas políticas surgem para atender às mais variadas demandas, mas frequentemente ignoram os problemas centrais. A proliferação de programas desarticulados e sem avaliação levanta a questão: estamos realmente avançando no combate à pobreza e à desigualdade?

Bem, não podemos ser fatalistas. O país conquistou avanços desde a redemocratização. Programas como o Bolsa Família, a ampliação do acesso à educação básica e as políticas de saúde pública, como o SUS, trouxeram benefícios. Reduzimos a pobreza extrema e conseguimos, em alguns momentos, diminuir as desigualdades. No entanto, poderíamos ter avançado muito mais rapidamente se houvesse um projeto de desenvolvimento consistente.

O desafio não está apenas em combater a pobreza, mas em reformular as estruturas que a sustentam. Em vez de implementar políticas públicas integradas para limitar fatores externos que impedem o desenvolvimento dos indivíduos, a classe política frequentemente opta pela fragmentação e ineficiência, reforçando ciclos de privação. A incapacidade de integrar soluções sistêmicas perpetua a pobreza, tornando a mobilidade social uma exceção, não a regra.

Por outro lado, continuamos alimentando a concentração de riqueza com políticas que beneficiam desproporcionalmente os mais ricos, seja por meio de subsídios fiscais e benefícios tributários seletivos, seja com gastos públicos que privilegiam o topo da pirâmide.

Nesse cenário, a classe média sente o peso da omissão. Sem o amparo de benefícios sociais voltados às camadas mais pobres e distante dos privilégios fiscais e políticos das elites, ela sente o peso de um Estado que parece exigir muito, mas entregar pouco. Essa desconexão gera uma insatisfação difusa, mas crescente. O descontentamento se traduz em desaprovação política, além de alimentar a corrosão do atual pacto social, abrindo ainda mais espaço para soluções populistas que apenas aprofundam o problema.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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