Carta aberta ao Conselho Monetário Nacional, por Vários autores.

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Meta de inflação excessivamente baixa coloca pressão adicional sobre setores cujos preços não apresentam essa rigidez; propomos mudar de 3% para 4%

Folha de São Paulo, 16/10/2024

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Nos anos de 2021 e 2022 a inflação anual atingiu, respectivamente, 10% e 5,8%, fazendo com que, em 2023, no início de um novo governo, houvesse grande cautela quanto à revisão da meta de inflação. O descontrole dos preços produz distorções econômicas e sociais.

Passados quase dois anos, porém, a meta de 3% está se mostrando disfuncional. Há no mundo um consenso de que o objetivo econômico de estabilidade de preços não corresponde a uma inflação zero, mas, sim, a uma inflação suficientemente baixa. A reflexão sobre qual número representa esse conceito deve ser encarada com naturalidade.

O saudável funcionamento de uma economia de mercado requer que exista flexibilidade para a variação de preços relativos. Entretanto diferentes países carregam diferentes legados de rigidez e indexação. Na economia brasileira ainda há muitos resquícios de indexação formais e informais, como no caso conhecido de aluguéis residenciais.

Em uma economia na qual os conjuntos de preços rígidos para baixo ou indexados à inflação passada correspondam a uma parcela importante dos índices de preços, uma meta de inflação excessivamente baixa coloca uma pressão adicional sobre os setores cujos preços não apresentem essa rigidez. Mais especificamente, para a inflação de serviços e preços monitorados cair de forma mais significativa, seria necessária uma economia mais desindexada.

A dificuldade em levar a inflação a 3% no Brasil consiste em que, mesmo com as taxas de juros reais elevadíssimas —atualmente entre 6% e 7%—, o consenso de mercado aponta que a inflação será de 4% em 2025, 3,6% em 2026 e 3,5% em 2027. Ou seja, não se trata de uma postura leniente do Banco Central, mas sim de uma resistência objetiva do sistema de preços do país.

Desde o início do regime de metas de inflação, em 1999, são raríssimos os períodos em que a inflação situou-se abaixo de 3%; em geral, isso só ocorreu quando o desemprego era bastante elevado. Soma-se a isso os efeitos da crise climática, com impactos sobre energia e alimentos, dificultando ainda mais a redução da inflação para este patamar.

A meta de inflação de 3% mostra-se assim excessivamente baixa para uma economia com as características da brasileira. Persistir com a atual meta requereria uma taxa de desemprego desnecessariamente elevada e manutenção de juros altos por tempo excessivo, com efeitos negativos sobre os indicadores sociais, o endividamento das famílias, a taxa de investimento e o crescimento econômico de longo prazo.

Assim, propomos que a meta de inflação passe de 3% para 4%, de modo a permitir um crescimento mais equilibrado da economia brasileira —sem abrir mão, todavia, do objetivo da estabilidade de preços.

As discussões sobre política monetária podem envolver diferenças teóricas e em relação a arcabouços de gestão monetária e mesmo quanto a prioridades dos objetivos de tal política. Esta carta não trata disso, mas propõe apenas um ajuste técnico dentro do arcabouço vigente; um ajuste pequeno e viável, mas necessário e de grande importância.

Luiz Gonzaga Belluzzo
IE/Unicamp

Carmem Feijó
UFF

Demian Fiocca
FEA/USP

Fernando Ferrari Filho
FCE/UFRGS

Gilberto Tadeu Lima
FEA/USP

Leda Paulani
FEA/USP

Lena Lavinas
IE/UFRJ

Luiz Fernando de Paula
IE/UFRJ

Nelson Marconi
Eaesp/FGV

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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