Brutalidade policial pode pavimentar o caminho das milícias em SP, por Ricardo & Risso

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Exemplo vem do Rio de Janeiro, onde o descontrole das polícias faz parte de uma estratégia de lealdade da tropa para a manutenção do poder político

Carolina Ricardo, Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

Melina Risso, Diretora de pesquisa do Instituto Igarapé

Folha de São Paulo,11/12/2024.

A série de casos protagonizados por policiais militares de São Paulo que chocaram o país é resultado direto do modelo de gestão escolhido e implementado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Os cidadãos paulistas precisam entender que estão seguindo o caminho da segurança pública do Rio de Janeiro, onde uma polícia sem controle ajudou a criar as milícias, fortaleceu o crime organizado e sustenta um tipo de política.

A atual orientação, que incentiva a brutalidade, resultou no maior índice de letalidade da PM de São Paulo desde 2020: 580 pessoas mortas em nove meses, segundo a própria Secretaria da Segurança Pública —um aumento de 55% ante o mesmo período de 2023. Com o aumento, o índice se equiparou ao dos anos em que a PM paulista não contava com as câmeras acopladas no uniforme, instrumento valioso para profissionalização da segurança e que comprovadamente previne excessos cometidos por policiais.

Nada do que vimos nos últimos episódios pode ser considerado como “exceções”. Ao contrário: dizem muito sobre a escolha deliberada de uma cultura de valorização da violência policial. O desmonte da estrutura de promoção nas polícias paulistas; a troca sem explicação de 34 coronéis na cúpula da PM; a criação de uma nova ouvidoria, sem independência; a orientação por ações midiáticas; e a falta de apoio psicológico aos policiais são evidências do aceno feito para a banda podre da polícia que venderá seu apoio político em troca da instalação da lógica do vale-tudo.

Vale até mesmo jogar um suspeito de uma ponte durante uma abordagem policial de rotina ou matar uma criança de 4 anos durante uma operação policial. Quando se valoriza esse tipo de ação, quem sofre são os bons policiais que entraram na corporação para defender a sociedade, com índices crescentes de suicídio e de vitimização.

Foram muitos os indicativos de que a mudança de rumo era urgente e necessária. Ao reconhecer seu erro em relação às corporais, o governador Tarcísio precisará provar que a mudança de posição não é mero oportunismo e sim convicção. Sem uma decisão política de que é importante controlar o uso da força e profissionalizar as polícias com medidas de tolerância zero para desvios, pouco adiantará colocar uma câmera no policial.

Os bons resultados que São Paulo vinha obtendo eram fruto de um conjunto amplo de medidas, como o investimento em armas menos letais, a criação de comissões de mitigação de risco, apoio psicológico a policiais, treinamento sistemático e, não menos importante, o envolvimento da cúpula da Segurança Pública no programa e na difusão de uma cultura de contenção ao uso desproporcional da força.

No Rio, o descontrole das polícias faz parte de uma estratégia de lealdade da tropa para a manutenção do poder político, seja por meio do expressivo voto da família policial ou do controle territorial que garante o curral eleitoral.

A economia política da violência criada pela lógica do vale-tudo se misturou ao crime organizado e hoje opera em sintonia, beneficiando uma determinada classe política em detrimento da segurança da sociedade.

Criar esse mecanismo é relativamente fácil, começa pela desestruturação das instituições. Ainda não sabemos como reverter o processo sem decretar a morte eleitoral dos que ousam fazê-lo.

Com ações movidas sob o espírito da aniquilação e da atenção midiática, como assistimos nas operações Escudo e Verão, São Paulo tem escolhido o modelo da vingança e da falta de controle das polícias. É assim que começa. Fica aqui o nosso alerta.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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