Relações não duram porque maioria não enxerga o outro como ele é, diz psicólogo

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Autor: Psicólogos Jorge Bucay e Silvia Salinas – FSP 22/09/2010.

Não há receita pronta para um relacionamento dar certo, mas alguns ingredientes podem ajudar. É disso que trata “Amar de olhos abertos”, do psicólogo Jorge Bucay, um dos escritores argentinos mais incensados dos últimos tempos.
Bucay esteve no Brasil para lançar o livro (o primeiro em português), escrito com a colega Silvia Salinas –e a Folha aproveitou para “discutir as relações” com ele.

Folha – O que significa amar de olhos abertos?
Jorge Bucay – Gosto de uma definição que diz que o amor é a simples alegria pela existência do outro. Não é possessão, nem felicidade necessariamente. E por isso “com os olhos abertos”. O amor cego não aceita o outro verdadeiramente como ele é.

Por que tanta gente prefere a intensidade da paixão, mesmo sabendo que é efêmera, a construir algo mais sólido?
É maravilhoso estar apaixonado e muitos preferem a intensidade superficial à profundidade eterna. Mas me pergunto como as pessoas pensam em ficar somente nisso.

Qual o sentido de estar apaixonado perdidamente o tempo todo? Penso que é uma questão de maturidade.
Também tem a ver com a nossa sociedade, que adora emoções intensas. Procuramos correr mais rápido, chegar antes, desfrutar intensamente. A paixão é como uma droga: no seu momento fugaz faz pensar que você é feliz e não precisa de mais nada. Um olhar, uma palavra te levam aos melhores lugares.

Como construir uma relação mais profunda?
Seria bom estar preparado para saber que a paixão acaba. Amadurecer significa também desfrutar das coisas que o amor dá, como compartilhar o silêncio e não um beijo, saber que a pessoa está ali, ainda que não esteja ao meu lado. É preciso abrir os olhos, e isso é uma decisão. Ver o par na sua essência.
Mas primeiro é preciso estar bem consigo mesmo. Não se deve procurar o sentido da própria vida no companheiro ou nos filhos.
Você deve responder a três perguntas básicas nesta ordem: quem sou, aonde vou e com quem. É preciso que eu me conheça antes de te conhecer e que decida meu caminho antes de compartilhá-lo. Senão, é o outro quem vai dizer quem eu sou. E isso é uma carga muito grande.
O livro diz que as relações duram o que têm que durar, sejam semanas, seja uma vida.
Duram enquanto permitem que ambos cresçam. Significa conhecer-se, gostar de si mesmo, conhecer seus recursos e desenvolvê-los. Ao lado da pessoa amada, está a melhor oportunidade para isso. E essa é uma condição para construir um relacionamento. Um casal que não cresce, envelhece. E um casal que envelhece, morre.

O que leva ao fracasso?
Um dos grandes motivos de fracasso é não trocar intensidade por profundidade, viver querendo voltar aos tempos da paixão. Outro ponto de conflito é que as pessoas não conseguem deixar o papel que desempenhavam antes de casar, querem continuar sendo o “filhinho da mamãe”, ou o “caçulinha da casa”. Outro problema é a intolerância, a incapacidade de aceitar as diferenças, as pessoas discutem pelo dinheiro, pela criação dos filhos e, por fim, morrem sufocadas pela rotina.

E como enfrentar esses problemas ou desafios?
É preciso amor, atração e confiança. Comparo esses pilares a uma mesa de três pés. O tampo da mesa seria um projeto comum firme. Se faltar qualquer um desses elementos, a mesa cai. E sobre tudo isso deve-se montar outras coisas, como a capacidade de trabalhar juntos, de rir das mesmas coisas, de ser sexualmente compatíveis, sentir o outro como um apoio nos momentos difíceis. Às vezes a terapia ajuda, às vezes é um bom passaporte para a separação.

Como saber quando a relação chegou ao fim?
Se sinto que estou sempre no mesmo lugar, que me entedio, que não tenho vontade de estar com o outro, se sempre que saímos precisamos sair com outros casais pois não ficamos bem sozinhos, quando piadas como “o idiota do meu marido” ou a “bruxa da minha mulher” se tornam frequentes, algo não está funcionado.

A Ilusão da Alma: Entre a mente e o cérebro

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Autor: Eduardo Giannetti da Fonseca – Jornal Valor Econômico – 13/08/2010

Mais uma obra inquietante do economista e professor do Insper Eduardo Giannetti da Fonseca, uma ampla reflexão sobre mente e cérebro, a neuroeconomia, leitura obrigatória neste momento onde as ciências se inter relacionam com grande intensidade.

“Em ‘Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos’, Tom Stoppard promove dois figurantes de ‘Hamlet’, amigos de infância do príncipe, à condição de protagonistas da cena. A certa altura da peça, Rosencrantz, a bordo de um navio, esboça uma revolta. Ele protesta porque não passa de uma ponta insignificante no grande drama; porque sua vida transcorre à mercê de roteiro que não foi ditado por ele, como uma peça endentada na máquina do mundo. ‘Pois bem, eu vou mostra-lhes’, desafia, ‘eu vou me jogar no mar, isso vai escangalhar as engrenagens.’ Ao que Guildenstern retruca: ‘E se eles estiverem contando com isso?'”
Esse trecho de “A Ilusão da Alma – Biografia de uma Ideia Fixa” pode servir como um aperitivo para as grandes questões – inclusive dos limites do livre arbítrio – que permeiam o mais recente livro de Eduardo Giannetti. Nascido em Belo Horizonte em 1957, de sólida formação acadêmica, com passagem pela Universidade de Cambridge, ele desenvolve uma curiosa carreira como escritor, cada vez mais distante dos temas tradicionalmente tratados na economia. Neste seu sétimo livro para a Companhia das Letras, uma parceria iniciada em 1993 com “Vícios Privados, Benefícios Públicos”, Giannetti se arrisca mais do que em todas suas obras anteriores.
“A Ilusão da Alma” é um livro de ficção, a primeira de Giannetti no gênero, e ele mesmo confessa que isso constituiu um grande desafio, tanto do ponto de vista da linguagem quanto da criação de personagens. Foi o livro que mais lhe deu trabalho, que mais o levou a reescrever trechos inteiros, até que encontrasse uma fórmula que agradasse a ele e seus editores, em que capítulos de ficção “pura”, escritos na primeira pessoa pelo personagem principal, se alternam com os “cadernos de estudos”, em que ele relata sua pesquisa científica sobre a relação entre mente e cérebro.
A ousadia de Giannetti não se restringe à forma do livro, mas também e principalmente ao conteúdo, ao tema central, a ideia de que tudo o que se passa na mente dos homens é apenas o resultado da atividade das células do cérebro, como defende o fisicalismo, uma teoria que ganha adeptos nestes tempos em que os avanços da ciência e da tecnologia permitem que se comece a conhecer – até de uma forma empírica – o funcionamento do cérebro e como as decisões são tomadas. Em vez de simplesmente escrever um livro a respeito dessas hipóteses, levantadas ainda por filósofos gregos e tratada com maior ou menor profundidade por grandes nomes do pensamento, como Karl Marx e Sigmund Freud, além de iluministas franceses, Giannetti preferiu criar uma obra de fantasia a partir da história de um intelectual que, depois de um problema de saúde, começa a estudar as relações entre mente e cérebro.
Nesta sua primeira experiência pelo mundo ficcional, Giannetti manteve um “hábito” salutar dos seus outros livros: “A Ilusão da Alma”, livro de 256 páginas, traz uma bem-vinda seção de notas com as fontes das citações e dos experimentos referidos nos trechos que não são de ficção. Um dos eventos que marcam o lançamento do livro é a participação de Giannetti num dos debates promovidos pela Fronteiras do Pensamento, uma série de palestras que ocorrem em Porto Alegre.
Engajado nos últimos meses na campanha à Presidência da República da senadora Marina Silva (AC), Giannetti escreveu “A Ilusão da Alma” ao longo do ano passado, em Tiradentes, a cidade mineira que elegeu como um refúgio, distante do seu cotidiano de professor do Insper e palestrante. A seguir, os principais trechos da entrevista de Giannetti sobre o livro:

Valor: Quando o senhor começou a escrever este livro?
Eduardo Giannetti: Comecei a pensar este livro há mais de 20 anos. Eu ousei, na minha tese de doutorado de economia, escrever um capítulo sobre um filósofo francês chamado [Julien Offray de] La Mettrie (1709-1751), que escreveu um livro chamado “Homem-Máquina”. Esse assunto da relação entre cérebro e mente sempre me despertou enorme fascínio intelectual. Fiquei com meu radar de pesquisador atento para essa questão, acompanhando os desenvolvimentos da pesquisa em neurociência e, mais recentemente, em neuroeconomia. Eu já estava especulando como seria o entendimento do homem à luz do que se passa no cérebro, sem levar em conta o que se passa nos estados de consciência, nos estados mentais. Com o surgimento da neuroeconomia, com os avanços muito rápidos que têm ocorrido na neurociência, achei que estava na hora de voltar a esse assunto, não porque eu tenha algum resultado experimental, já que não sou pesquisador, mas para tentar entender suas implicações existenciais e éticas.

Valor: Por que o senhor resolveu escrever um livro que é também de ficção?
Giannetti: Mais do que fazer uma discussão sobre a verdade ou falsidade da hipótese de o que se passa na mente ser apenas produto da atividade cerebral, queria entender o que se passa com alguém que resolve trazê-la para sua vida pessoal. Conheço muitos cientistas que se consideram fisicalistas, mas que separam por completo o que acreditam no laboratório do que são na vida pessoal. Queria explorar um pouco o que se passa quando alguém traz essas ideias para o campo da experiência na sua vida pessoal. Daí o tratamento ficcional. Criei um personagem….

Valor: O personagem é bastante polêmico, já que ele vai gradualmente aceitando a teoria fisicalista e é dominado pela ideia do predomínio das funções cerebrais sobre a mente.
Giannetti: Tenho uma relação muito ambígua com ele. Aconteceu uma coisa curiosa. Enquanto ainda estava escrevendo o livro, mostrei para amigos, para cientistas, para pessoas do mundo da literatura, família. Quando alguém atacava o personagem, minha disposição era de defendê-lo, e mostrar que ele podia estar mais certo do que se imaginava inicialmente. Mas se alguém o defendia, como alguns colegas faziam, inclusive uma amiga, cientista, que mora nos Estados Unidos: “Ah, então você é um dos nossos…” Então eu falei: “Espera aí, não sou meu personagem”. Minha relação com o personagem é exatamente assim: se alguém começa a defender as ideias dele, tenho vontade de criticar, mas se alguém começa a criticar suas ideias, tenho vontade de defender. De uma coisa tenho certeza: o avanço dessa linha de pesquisa vai dar cada vez mais plausibilidade para a conjectura fisicalista. Tudo o que vem se descobrindo e quanto mais avançam os conhecimentos sobre a relação entre o cérebro e a mente, mais se reforça… Quando La Mettrie escreveu o “Homem-Máquina”, lá no século XVIII, o nível de conhecimento sobre o cérebro estava muito próximo de zero, e ele já vislumbrou essa possibilidade, apenas com base no conhecimento que tinha como médico. Ele era filósofo e médico, e tratava de muitas pessoas que tinham, na guerra, sofrido lesões e ele via sequelas, as consequências, e acabou, num gesto de grande ousadia intelectual, lá no Iluminismo europeu, fazendo a primeira formulação completa e moderna do fisicalismo.

Valor: E o que mudou desde então?
Giannetti: De lá para cá, principalmente nos últimos 30 anos, começamos a ter resultados experimentais muito mais sólidos e a posição do La Mettrie parece hoje muito menos excêntrica e muito menos deslocada do que na sua época. O assunto está sendo discutido há 2.500 anos. Os gregos já discutam isto. A grande novidade é que, de 20, 30 anos para cá, começamos a ter resultados experimentais e técnicas de visualização do cérebro que permitem avançar progressivamente no entendimento cada vez mais detalhado da relação entre o que se passa em nossa experiência interna, subjetiva, e o que está se passando objetivamente no cérebro.

Valor: O senhor disse que sofreu críticas de alguns que já leram o livro. Por quê?
Giannetti: Algumas pessoas ficavam ofendidas com o pensamento desse personagem, achando que eu pensava assim também. E comentaram: “Não, mas isso aqui é o fim da ética, é o fim de qualquer humanismo, é um absurdo”. Como se fosse ofensivo você apresentar uma possibilidade de pensamento diferente do senso comum – que é de fato muito perturbadora. Tanto que meu personagem preferiria não acreditar nela. Ele estranha muito que outro personagem, o médico e amigo dele, seja um fisicalista e não se preocupe com as implicações que isso tem para a condição humana e para o entendimento que ele tem dele mesmo. Meu personagem principal, esse professor, começa a trazer para o campo da sua existência, das suas relações pessoais e da maneira como ele se entende, toda a perturbação que decorre dessa possibilidade realmente perturbadora sobre o que é o bicho homem. O La Mettrie foi perseguido em vários países europeus. Foi talvez o autor mais perseguido do Iluminismo, por ter ousado escrever esse livro. Isto me atraiu muito. Sempre gostei de autores perseguidos.

Valor: Essa perseguição atingiu outras pessoas, além do La Mettrie?
Giannetti: O editor dele foi preso. La Mettrie chegou a ser expulso da Holanda, que era o país mais arejado e mais tolerante da Europa e aí foi acolhido na Prússia, porque o imperador tinha uma corte de intelectuais perseguidos na Europa, inclusive o [escritor francês iluminista François-Marie Arouet] Voltaire. La Mettrie foi acolhido na corte, mas passou a ser perseguido até lá, na corte do Frederico II, e talvez tenha morrido de envenenamento. Ele foi o único autor do Iluminismo que teve contra si todas as religiões. [O escritor e filósofo francês Denis] Diderot, que o admirava muito, não tinha coragem de se referir a ele nominalmente, porque era perseguição na certa. E o Diderot era um fisicalista, ele é um dos “ghost-writers” de um livro importante, mas muito inferior ao do La Mettrie, que é o “Sistema da Natureza”, assinado pelo barão D’Holbach.

Valor: E hoje, intelectuais, cientistas, filósofos defendem o fisicalismo?
Giannetti: Francis Crick , o grande descobridor do DNA, era um fisicalista. Para ele, crenças religiosas são eventos neurológicos de pessoas com certa propensão epilética no lobo temporal direito. É curioso que Hipócrates, o médico grego, um dos descobridores do fato de que a vida mental está situada no cérebro e seu melhor enunciado dessa descoberta é quando rejeita a crença de que a epilepsia seria uma doença sagrada, seria algum tipo de punição divina imposta a pecadores ou pessoas condenadas. Contestando essa ideia, ele diz que tudo o que ocorre na experiência interna do sujeito no fundo está situado no cérebro. Agora, 2.500 anos depois, a própria experiência religiosa, do divino e de certa propensão mística, é explicada por alguns como sendo algum tipo de disfunção cerebral. [O cientista defensor do ateísmo] Richard Dawkins se propõe participar de uma experiência com estimulação elétrica para ver se ele passava por uma experiência mística…

Valor: Aqui no Brasil, quem são os cientistas ou outras pessoas que defendem essa tese?
Giannetti: Conheço médicos, neurocientistas fisicalistas – não vou citar nomes – e esta é uma hipótese de trabalho para eles. Eles têm que entender tudo o que ocorre no mundo a partir de variáveis publicamente observáveis e mensuráveis. Roger Sperry , neurobiologista, diz que 99,9% dos pesquisadores do cérebro são fisicalistas. Eles não consideram a possibilidade de que estados mentais têm poder causal, isso é descartado como uma premissa. O estado mental não explica nada, é um subproduto inócuo de outras ocorrências cerebrais. É um pouco aquela imagem de um contemporâneo do [cientista Charles] Darwin: “A mente está para o cérebro assim como o apitar da panela de pressão está para o seu mecanismo de funcionamento”. A gente tem a ideia de que a água ferve porque apitou, mas na verdade é porque a água ferveu que a panela apitou. Estamos radicalmente enganados sobre o que está acontecendo conosco.

Valor: Darwin pode ser considerado um fisicalista?
Giannetti: Ele não se pronunciou abertamente sobre o assunto, mas nos cadernos de pesquisa, nos quais fazia anotações meio esparsas, há alguns fragmentos que são fisicalistas. E no fundo isso é recolocar o ser humano integralmente de volta à natureza. O ser humano não tem nada de tão especial, como se acostumou a acreditar, que o diferencie metafisicamente do resto da natureza como conhecemos. Somos parte integrante desse processo, mais complexo, mais sofisticado e possivelmente com mais autoengano.

Valor: Mesmo diante de reações tão negativas que essa tese fisicalista tem gerado, o senhor escreveu um livro em que o personagem principal também é um intelectual, também nasceu em Minas…
Giannetti: Torce pelo Cruzeiro, o que não é o meu caso, teve um tumor cerebral… E considera tudo o que aconteceu com ele altamente perturbador. Ele não está feliz com isso. E preferiria acreditar no contrário. E termina o livro com uma frase: ‘Refute-me se for capaz’.

Valor: Esta é sua mensagem, seu recado para o leitor?
Giannetti: Se essa teoria nos incomoda tanto, então o que é a verdade? E a outra questão é a seguinte: e se a verdade for a loucura? E se essa busca de conhecimento estritamente científico sobre o ser humano nos levar à perda de qualquer possibilidade de sentido e de autonomia? Como vamos lidar com isso? O que é que prevalece: a verdade a qualquer custo ou a sanidade mental, embora iludida?

Valor: Seu livro, cujo tema é uma preocupação e uma fonte de interesse há mais de 20 anos, é uma provocação também?
Giannetti: Não, eu precisava escrever sobre essas teorias, é uma coisa que me preocupa muito, como ser humano. E se tenho uma única pretensão com esse livro é levar o leitor a um momento de estranhamento radical e ao vislumbre da possibilidade de que ele, como cada um de nós, esteja totalmente enganado sobre o que nos faz quem somos.

Valor: Uma provocação ou um desafio?
Giannetti: Um convite para que nos conheçamos de maneira muito mais profunda e radical do que até agora possamos ter imaginado. Já não acreditamos neste mundo natural, encantado, povoado por deuses e forças mágicas, espíritos e vontades, mas vivemos ainda no escuro, em grande medida, com relação a nós mesmos, e muita coisa do que está se passando conosco, inclusive coisas perniciosas que fazemos uns aos outros, podem vir de causas que desconhecemos.

Valor: E as questões éticas que podem ser levantadas a partir do fisicalismo?
Giannetti: Existe uma questão que acho muito interessante também, que são as possibilidades de manipulação tecnológica, de estados mentais por intervenção cerebral, que abrange toda a farmacopeia, a farmacologia. Hoje, existem experimentos para tentar mudar as preferências de uma pessoa com estimulação magnética do cérebro. Por exemplo, o obeso quer parar de ter desejo por um certo tipo de alimento. É uma questão de tempo, vamos ter uma terapia neural para esse problema. Ou para melhorar a memória. E aí vão levantar questões éticas. Até que ponto se pode interferir dessa forma sem mudar a pessoa? Há um ponto a partir do qual você deixa de ser quem você é. Tenho razoável convicção de que esse livro aponta para determinada direção que as coisas tomarão no século XXI. Há hoje um caminho do conhecimento que vislumbro como sendo forte e que tende a ficar cada vez mais dominante na cultura. Nosso entendimento de nós mesmos vai ficar cada vez mais marcado pelas pesquisas. E até onde vai isso? Meu personagem levou até o fim. Ele está se antecipando e conjecturando, como La Mettrie já tinha feito de maneira muito mais ousada lá no século XVIII. Agora, outra curiosidade – Karl Marx escreveu sua tese de doutorado sobre isso.

Valor: Marx também?
Giannetti: A tese de doutorado de Marx é uma comparação entre as filosofias da natureza dos filósofos gregos Demócrito e Epicuro, que eram dois fisicalistas, dois materialistas antigos. Demócrito tem um papel central no meu trabalho. Faço um contraponto entre Sócrates e Demócrito. Eles são atomistas, o mundo é feito por átomos em desenvolvimento. Por que Marx foi pegar Epicuro? Epicuro é um pós-aristotélico que segue Demócrito, mas não aceita a perda da liberdade implícita no atomismo radical de Demócrito. Ele diz que, no caso do homem, os átomos não seguem uma linha contínua, mas sofrem um pequeno desvio. E que é por causa desse desvio dos átomos no caso específico do homem que temos autonomia, temos alguma liberdade de escolha, não somos seres totalmente determinados por leis independentes da nossa vontade. Epicuro foi o grande herói juvenil de Marx. Ele queria ser um materialista, mas com espaço para alguma autonomia de afirmação soberana do homem. Tanto que Marx termina a tese de doutorado dele com uma frase – pena que eu não citei no livro: “A autoconsciência humana é a única divindade, não reconheço nenhuma outra divindade no universo senão essa prerrogativa exclusiva do homem, da autoconsciência, que nos confere alguma autonomia na ação”.

Valor: Marx abordou essas questões nos seus livros, além da tese de doutorado?
Giannetti: Ele só volta muito rapidamente a esse assunto em “A Sagrada Família”, que é um livro juvenil, em que fala algo sobre os materialistas mecanicistas franceses, entre eles La Mettrie e o barão D’Holbach. Hoje em dia, parece que as ideias defendidas por Demócrito e La Mettrie, por tudo o que vai se descobrindo na ciência moderna e na neurociência, estão ganhando força, não tem a menor dúvida. Eu me pergunto muito o que Marx e [o pai da psicanálise Sigmund] Freud fariam à luz desses resultados da neurociência. Os dois tiveram, no início dos seus estudos, essa preocupação sobre as relações entre a mente e o cérebro. Porque o Freud também, antes de embarcar na psicanálise, escreveu um trabalho, que não chegou a publicar, mas que era um projeto de psicologia científica, que é uma abordagem fisicalista. Mas na época deles, o que se sabia sobre o cérebro era perto de nada. Existiam muitos tabus e havia restrições até para dissecar o cérebro de um morto. Hoje em dia, você visualiza o que se passa no cérebro no momento da escolha, no momento da tomada de decisão. E podem ser consideradas técnicas rudimentares, essas técnicas vão avançar ainda muito, estamos engatinhando nessa coisa. O que meu personagem faz é especular fortemente sobre o caminho que o conhecimento pode tomar dentro dessa linha de investigação. É um tema que eu acho que merece reflexão. Mas não estou abraçando essa linha de pensamento.

Valor: Não está tornando isso uma causa?
Giannetti: Uma causa? Não.

Mulher é mais feliz quando reconhece diferenças de gênero

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Autor: Susan Pinker – Universidade de McGill/Montreal – Canadá

Professora da Universidade McGill, de Montréal, a canadense Susan Pinker, que acaba de lançar no Brasil o livro “O paradoxo sexual” (Editora Record), segue a mesma linha de pesquisa que seu irmão Steven. Ambos buscam entender a mente humana no contexto da evolução. Em entrevista à Folha, ela conta por que sente pena de Lawrence Summers, reitor da Universidade Harvard que perdeu o cargo acusado de machismo.

FOLHA – Seu livro fala sobre mulheres em empregos com bons salários, mas que as afastavam dos filhos, tornando-as infelizes. Por que elas quiseram anonimato?
SUSAN PINKER – Acho que as mulheres que fazem essa escolha ainda estão envergonhadas de não estar agindo como homens. Mas não podemos esperar isso delas. Elas não são homens.
FOLHA – Como assim?
PINKER – Existe a expectativa, no Ocidente, de que mulheres devem voltar a trabalhar normalmente quando seus filhos ainda são pequenos sem que se sintam mal por isso. Mas essa angústia tem razões biológicas. Se você der liberdade de escolha, mulheres vão querer trabalhar menos enquanto seus filhos forem novos. Na América do Norte e na Europa, entre as empresas que oferecem aos seus funcionários trabalhos em meio período, 89% dos que aceitam são mulheres. Isso oferece às mulheres mais tempo não só para os seus filhos, mas para seus outros interesses.
FOLHA – Ganhar um salário menor é o preço que as mulheres pagam para satisfazer seus sentimentos?
PINKER – Sim. Fui entrevistada por uma jornalista na Holanda, onde há leis que dizem que, se você quer trabalhar só meio período, não pode ser demitido. A maioria das mulheres na Holanda não trabalham o dia inteiro, tendo filhos ou não. Essa jornalista trabalhava só quatro dias por semana. Ela dedicava as sextas para tocar piano, e achava que não seria feliz sem isso. Então não se trata apenas de cuidar dos filhos, mas também de ter uma vida mais equilibrada. Para as mulheres, a vida não é apenas trabalho, salário e promoções, ao contrário do que pensam muitos homens, que acham que tudo isso vale a pena quando compram um novo carro. Incomoda a muitos deles pensar que outras pessoas estão ganhando mais dinheiro, que moram em um lugar mais legal. São mais competitivos, gostam mais de assumir riscos. Não todos, mas eu diria que 75% dos homens são assim.
FOLHA – Ou seja, não é regra.
PINKER – Eu sempre deixo claro que cada pessoa é um indivíduo único. Ciência é estatística, pessoas são únicas. Então, quando você estuda ciência, está analisando probabilidades. Sempre existirão exceções. Compare com a altura. Em geral, homens são mais altos, mas existem várias mulheres mais altas do que muitos homens.
FOLHA – Mas ainda existe muita resistência à ideia de que as diferenças entre os gêneros não são apenas socialmente construídas.
PINKER – As mulheres foram discriminadas por tanto tempo que as pessoas têm uma aversão à ideia de que existe uma diferença natural, biológica. Acham que falar sobre diferenças é voltar a pensar como antigamente, quando, na verdade, não tem nada a ver com discriminação. É bobo ignorar as evidências científicas porque você tem medo do que elas vão dizer.
FOLHA – Mas pode soar como “acabou a festa, todas de volta para a cozinha, os afazeres domésticos”…
PINKER – Estou muito longe dessa mensagem. O que acontece de bom quando as mulheres aceitam que existem diferenças biológicas naturais é que elas se sentem muito menos isoladas com seus sentimentos. Se ignoramos as diferenças, estamos forçando mulheres a assumir cargos e trabalhos nos quais boa parte delas não serão felizes, talvez como executivas ou engenheiras. Muitas mulheres me disseram: “Graças a Deus você fez esse livro. Eu achava inaceitável aquilo que eu sentia”. É difícil para elas gostar de trabalhar com pessoas, mas saber que empregos assim não são tão bem pagos quanto os que envolvem lidar com “coisas”, como engenharia. A maioria das mulheres gosta de trabalhos como assistência social, pedagogia, profissões na área de saúde, mas salários nessas áreas costumam ser menores.
FOLHA – Mas, se as mulheres gostam de áreas que pagam menos, não há nada a fazer, então?
PINKER – Precisamos remunerar melhor as mulheres pelos trabalhos que elas preferem. Ou seja, começarmos a pagar aos professores tanto quanto pagamos aos engenheiros. Muitas mulheres esperam que as suas conquistas sejam reconhecidas sem que tenham de pedir aumentos. E, por isso, têm menos chances de ver os seus salários subindo. Se eu sou um chefe e recebo um homem em meu escritório dizendo “veja o que estou fazendo, eu mereço um salário maior”, tenho mais propensão a oferecer um aumento a ele do que a outra pessoa que faz o seu trabalho sem reclamar.
FOLHA – O que a sra. pensava sobre as diferenças de gênero quando era jovem? Leu Simone de Beauvoir?
PINKER – Sim, claro, como todo mundo naquela época. Estamos em um ponto alto do movimento feminista. Quando eu estava na universidade, no final dos anos 1970 e começo dos 1980, a expectativa era que homens e mulheres fossem idênticos, que nós deveríamos fazer as mesmas coisas, trabalhar a mesma quantidade de horas, no mesmo tipo de emprego, ter o mesmo tipo de vínculo emocional com o trabalho doméstico e com as outras pessoas. Eu acreditava muito nisso, li todos os livros das principais feministas. Foi só quando eu fui trabalhar e quando meus filhos nasceram que percebi que havia um buraco entre a minha abordagem intelectual do assunto e os meus sentimentos.
FOLHA – Então deveríamos agora esquecer “O Segundo Sexo” [livro de Simone de Beauvoir, de 1949, marco do feminismo]?
PINKER – “O Segundo Sexo” era interessante em sua época, mas está ultrapassado. A ciência avançou muito desde então. Não tínhamos ressonância magnética nem o mapeamento do genoma humano, não sabíamos metade do que sabemos hoje. Hoje estamos entendendo como os hormônios afetam os comportamento humano.
FOLHA – Como foi a experiência da sra. em um kibutz?
PINKER – Eu tinha 19 anos e fiquei um ano num kibutz porque eu era socialista. Era um lugar interessante para perder noções irrealistas. Existiam trabalhos que a maioria das mulheres não queriam fazer, que exigiam muito esforço físico ou eram perigosos. Existia uma divisão natural de trabalhos por sexo, ainda que os kibutzim tivessem sido planejados para que isso não existisse.
FOLHA – Quando Summers perdeu o cargo em Harvard após dizer que a falta de mulheres em ciência é questão de aptidão, o que a sra. pensou?
PINKER – Foi assustador, porque eu tinha acabado de decidir escrever o meu livro quando vi o que aconteceu a esse pobre homem. Ele foi atacado simplesmente por comentar as evidências que a maioria das pessoas que trabalham com biologia e antropologia evolutiva vêm dizendo há anos.

Pessimismo com os Estados Unidos e com o mundo contemporâneo.

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Autor: Maria da Conceição Tavares – Professora da UFRJ e da Unicamp – Valor Econômico – 06/11/2009.

Fiel ao seu estilo questionador e arrebatado, a economista Maria da Conceição Tavares continua contestando as apostas dos mercados financeiros. “A crise não acabou”,
alerta a decana dos economistas brasileiros e representante da tradição crítica do pensamento econômico latino-americano, no melhor estilo de Celso Furtado.

“Com a subida das bolsas, fica todo mundo no oba-oba e parece que passou. O mau sintoma é justamente a bolsa ter refluído, os bancos terem voltado a ganhar dinheiro. Isso é simplesmente aparência.”

Conceição, como é sempre chamada, fala com ceticismo sobre as perspectivas da economia americana. “O Estado está tendo de sustentar como um Hércules todo um sistema falido, mas não consegue fazer as coisas mudarem de rumo, não tem se mostrado ativo. Está fraco e isso é ruim.”
A seu ver, o governo Obama não está tendo apoio suficiente para fazer as mudanças necessárias. “Não dá para fazer reforma da saúde porque os laboratórios e os seguros de saúde não querem. Não dá para fazer reforma financeira porque os bancos não querem. Como é uma sociedade de lobby pesado, fica difícil reformar.”

Os Estados Unidos não têm, aparentemente, uma “saída boa”, diz. Para ela, todas as indicações de estagnação mais longa estão presentes na economia americana, o que coloca a liderança do país sobre a economia mundial em xeque. “Eles não têm mais liderança nenhuma. Têm peso político, diplomático e militar. Mas isso não é liderança. É império. Não têm como resolver seus problemas [financeiros e militares], nem conseguem avançar. São um império congelado.”

Conceição se diz pela primeira vez otimista com o Brasil de Lula. “Ele é um gênio político.” Mas adverte que o problema básico da economia brasileira, no momento, é o câmbio. “O Brasil não pode continuar engolindo dólares.”

Conceição tem 55 anos de Brasil. Chegou em fevereiro de 1954, casada com o engenheiro português Pedro Soares. A filha Laura nasceria meses depois. Naturalizou-se em 1957. Seu segundo marido, Antonio Carlos Macedo, professor de ciências biológicas da UFRJ, é o pai de Bruno, 44 anos. É amistoso seu relacionamento com os ex-maridos.

Portuguesa de Anadia, nascida em 24 de abril de 1930, formada em matemática em Lisboa, Conceição conta que optou pela economia influenciada por três clássicos do pensamento econômico brasileiro: Celso Furtado (1920-2004), Caio Prado Jr. (1907-1990) e Ignácio Rangel (1908-1994) – que a despertou para as questões relacionadas ao capital financeiro. “Eles marcaram profundamente minhas ideias.”

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Conceição foi aluna de Octávio Gouvêa de Bulhões (1906-1990) e Roberto Campos (1917-2001). Escreveu centenas de artigos e vários livros, dos quais o clássico dos clássicos é “Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil – Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro”, de 1972. O texto original foi escrito no fim dos anos 1960, quando chefiava o escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) no Brasil. Na época da ditadura militar, autoexilou-se no Chile, depois de escapar da prisão graças à intervenção de Mario Henrique Simonsen, seu ex-aluno, ministro do governo Geisel.

Teve rápida passagem pelo MDB, então partido de oposição à ditadura militar. Em 1994, foi eleita deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro, ao qual continua filiada. Aposentou-se como catedrática do Instituto de Economia da UFRJ, onde é professora emérita, e da Universidade de Campinas (Unicamp). Mas permanece ativa, dando cursos de economia internacional no Instituto Rio Branco e aulas na pós-graduação da UFRJ.

No momento, Conceição trabalha num ensaio sobre a América do Sul para um livro que José Luís Fiori, também professor na UFRJ, ex-aluno, a quem conhece desde o exílio, pretende lançar em 2010 sobre questões econômicas, financeiras e sociais da região, temas aos quais sempre esteve ligada.

Mesmo com problemas de bronquite por causa do cigarro – quando deputada, operou um nódulo benigno no pulmão – Conceição ainda consome dois maços por dia. Não tem intenção de parar. Diz que morrerá se deixar de fumar. “Para minha idade, estou ótima”, avalia a economista de palavra sempre apaixonada, que pretende comemorar seus 80 anos, em 2010, com os dois filhos, dois netos e os muitos amigos e admiradores.

Valor: Quais lições podemos tirar da crise ?
Maria da Conceição Tavares: A crise ainda não passou e não deu as lições . Nos Estados Unidos já tem um pessoal dizendo que o gasto fiscal é muito, que isso acaba dando inflação e tem que parar. Se parar o gasto fiscal, como é a única componente ativa que vem sendo acionada pelo governo Obama, as coisas não vão melhorar. Todos os sintomas estão ainda muito embaralhados. E aí sobe a Bolsa de Valores, porque houve uma pequena bolha e o pessoal já começa a dar vivas . O desemprego também não terminou, e há muita capacidade ociosa. Então, todas as indicações que apontam para uma estagnação mais longa estão lá presentes. Não houve nenhuma mudança estrutural até agora para reverter a crise.

Valor: Como fica, então, o papel do Estado neste momento?
Conceição: O Estado americano está fraco. Não está ativo. E está botando o dinheiro todo em cima dos bancos e também em cima do seguro social, do desemprego que subiu muito. Todo o sistema falido, ele sustentando, feito um Hércules, e não está fazendo essa coisa tomar rumo. É um estado fraco, desse ponto de vista. E isso é ruim, porque denota que o governo americano não tem realmente força. Não tem apoio, nem na sociedade, que é dilapidada pelo neoliberalismo, nem no “establishment”. Então, não dá para fazer a reforma da saúde porque os laboratórios e os seguros-saúde não querem. Não dá para fazer reforma financeira porque os bancos não querem. Como é uma sociedade de lobby pesado, não tem como reformar. E não tem mecanismos de demanda efetiva do lado do setor privado para aumentar o emprego. O que não é bom.

Valor: Isso significa que a liderança dos Estados Unidos sobre a economia mundial está em xeque?
Conceição: Está. Não tem mais liderança nenhuma. Eles têm peso político, diplomático e militar. Mas isso não é liderança. É império. Eles têm um poder imperial sustentado num poder militar e financeiro. A iniciativa diplomática e militar só visa manter com mão de ferro o que já conquistaram. Mas não têm como resolver os problemas, nem avançar . Os Estados Unidos não podem tomar iniciativa militar em mais lugar nenhum. Primeiro, quem vai pagar e, depois, quem vai dar o apoio? É o império congelado.

Valor: Essa fraqueza americana pode arrastar o mundo para onde?
Conceição: É uma fraqueza sistêmica. O sistema era todo estruturado por eles. Como estão débeis, o sistema fica com um peso morto muito grande. Só tem possibilidade de sair quem tem dimensão para sair, como os BRICs. O que vão fazer o México, a Argentina, o Chile? São todos atrelados à economia mundial. Quem está puxando o comércio é a Ásia. A Alemanha não está puxando mais nada. Se a Europa e os Estados Unidos puxam para baixo, só sobra a Ásia.

Valor: E a China, especificamente?
Conceição: Os chineses estão tentando substituir os americanos nos investimentos em matérias-primas que eles precisam. Estao investindo em toda parte. Em petróleo, em infraestrutura na África. Aqui na América Latina estão vindo para tudo. Siderurgia, portos. Estão fazendo um movimento de expansão não pelo comércio apenas, mas principalmente via investimento direto. Isso é que é novidade. Sobretudo na África. Coitados dos africanos. Saem de um imperialismo e entram em outro.

Valor: A China teria a liderança?
Conceição: O mundo caminha para uma multipolaridade.

Valor: Então, nesse mundo a China pode vir a ser uma liderança ?
Conceição: Aí entra outra questão. Como se resolve o nó do entrelaçamento entre China e Estados Unidos? É uma simbiose. A China tem resolvido não ser agressiva com os Estados Unidos. Do ponto de vista diplomático e militar, tem estado “low profile”. Não está dizendo que os Estados Unidos são um “tigre de papel”, como na época do Mao. É consenso em Pequim que não é para enfrentar os Estados Unidos. Mas eles têm que resolver esse impasse. O que fazem? Compram ativos dos Estados Unidos? Foi o que o Japão fez e se deu mal. E é claro que eles viram o Japão fazer isso e não vão fazer. Então, estão vindo pela periferia. Que é o correto. O Japão saiu da periferia para investir nos Estados Unidos, disparado. Os chineses não estão fazendo isso. Eles têm participação daqueles fundos soberanos em várias coisas. No Citi, por exemplo. Fazem essas aplicações para sustentar os dólares que têm, para ter alguma aplicação.

Valor: China e Estados Unidos vão se pôr de acordo para garantir uma saída da crise?
Conceição: Difícil. Não vejo nenhuma semelhança de estrutura política e ideológica. São muito dessemelhantes. Se não vão se pôr de acordo, como vai ser? A China abre mão crescentemente do mercado americano e aumenta o mercado no resto do mundo. Ela pode fazer isso. Os Estados Unidos vão fazer o quê? Estão no mundo inteiro, mas são uma potência comercial declinante.

Valor: Vão se voltar para o mercado interno?
Conceição: É o que deveriam fazer, como prometeu Obama, mas aí têm que resolver primeiro a situação da regulação do sistema bancário, das empresas e do desemprego.

Valor: Qual o papel dos BRICs na recuperação da economia global?
Conceição: Vão ter papel importante, porque têm peso específico. Não podem estabelecer uma política comum, porque são estruturas diferentes. Somos uma economia mista, a China é estatal, a Rússia era tudo privado, quebrou tudo, e está em processo de reconstrução pelo Estado. O Brasil não é potência militar, mas tem tomado muitas iniciativas na política externa e vai bem na crise.

Valor: Ben Bernanke, presidente do Fed, anunciou que pode aumentar os juros.
Conceição: Coisa sem pé nem cabeça. A dívida externa e a dívida pública deles, gigantescas, vão ficar caríssimas. Eles estão querendo fazer isso porque estão com medo da inflação. Inflação de demanda não é, porque não tem demanda efetiva. Inflação de custos de matéria-prima também não é, pois não está tendo nenhuma explosão de matéria-prima. Acho que o Bernanke está com medo é de que rejeitem a dívida pública. Ninguém está querendo comprar aqueles papéis [títulos do Tesouro]. Uma forma de atrair investidores seria subir os juros. Mas tudo isso são perfumarias. Não vai para lugar nenhum. A raiz do problema seria a reforma do sistema bancário.

Valor: O que mais, além dessa reforma, o governo americano teria que fazer?
Conceição: Reforçar o papel do Estado e fazer um ajuste global que teria que ser negociado com a China. Os dois países teriam que acertar um acordo na área comercial. Mas não há negociação entre os dois. Os Estados Unidos não têm aparentemente uma saída boa. O Obama está falando no vazio. É por isso que os conservadores prenunciam um golpe.

Valor: Existe esse risco?
Conceição: O primeiro risco que existe é que o matem. Esse é um risco clássico nos Estados Unidos. E existe o risco de ele não se reeleger. Fico com muita pena. Ele seguramente não é o cara. Parecia, mas não é.

Valor: Como as dificuldades vividas pelo Estado americano podem impactar o mundo?
Conceição: Vai depender do resto do mundo. Vamos tentar esquecer um pouco os Estados Unidos. Temos que buscar construir outras lideranças. O ideal é que houvesse um acordo mínimo entre todos os grandes, para aliviar a crise e resolver o problema global. Bastava o G-20, bastavam os 20 se porem de acordo. Mas não há acordo.

Valor: E o dólar?
Conceição: Não dá ainda para tirar o dólar [de seu papel de moeda de reserva internacional]. O dólar está fraco. Os países, em geral, se pudessem, saiam do dólar. Está ruim acumular reservas em dólar. O problema é com os que já estão acumulados, como os BRICs, sobretudo a China.

Valor: O que a China vai fazer com US$ 2 trilhões de reservas?
Conceição: Está empacada. E os títulos americanos que ela detém servem de lastro às reservas. Ela não tem como vendê-los no mercado. Está com um mico na mão. É um patrimônio morto. Não tem o que fazer com as reservas. É como se tivesse no cofre, de um lado, o patrimônio futuro, de fábricas, de realizações etc. e, do outro, um montão de estrume que não pode jogar fora.

Valor: O que pode vir daí ?
Conceição: Prevejo uma coisa arrastada, prolongada, com crises que vêm uma atrás da outra, uma bolha disso, uma bolha daquilo.

Valor: Qual a próxima bolha?
Conceição: A bolsa. Já temos uma aí montada, é a bolsa, que voltou a subir. O pessoal está investindo pesado. Mas isso mostra que o sistema está frágil, ao contrário do que julgam, não é um bom sinal. É um mau sinal. Aqui, no Brasil, por exemplo, na Bovespa, o grosso do dinheiro que está vindo de fora pra cá é pra bolsa. Não é para investimento direto no sentido autêntico da palavra. Direto, vieram US$ 11 bilhões e para a bolsa vieram US$ 17 bilhões, este ano.

Valor: Qual seria a consequência dessa bolha?
Conceição: Volta de novo a afundar. Aí vem nova bolha. Se o mercado de commodities estiver melhor, vão fazer bolha de commodities. Podem fazer outra vez bolha em cima do petróleo. Acho que vamos de bolha em bolha.

Valor: Então, a crise não acabou….
Conceição: É uma falsa euforia. Provavelmente o governo americano vai ter que parar de ajudar o setor privado, pois o déficit fiscal já está em 17% do PIB. Como já socorreram no limite, já gastaram trilhões de dólares, na próxima crise não vão poder socorrer. Foi o que aconteceu no decorrer da crise de 1929. Em 1931 e 1932, nada mudou. Só ocorreu mudança no sistema financeiro depois, quando teve outra crise bancária, em 1933. Na primeira crise ninguém se deu conta, pois despejaram toneladas de dólares em cima dos bancos. Como agora.

Valor: A história pode se repetir?
Conceição: A crise atual começou em 2007 com os empréstimos “subprime”. Em 2008 foi o auge. E agora, neste segundo semestre, está com ares de que se vai respirar. Em 2010 pode haver uma recuperação, mas em 2011 ninguém sabe o que pode acontecer.

Valor: Como o Brasil ficaria com uma reforma bancária nos Estados Unidos?
Conceição: O Brasil tem um sistema financeiro público e privado. E os bancos privados não entraram em crise. Já tinham entrado em crise com o Fernando Henrique. Aí limparam e não deixaram de manter o controle. Não temos um sistema financeiro que opera “à la livre”. Não existe isso. Temos regulação. Nosso problema básico é o câmbio. Tem que dar um jeito. A coisa cambial vai mudar no próximo governo. Não teremos mais esse presidente no Banco Central, e nem Dilma, nem Serra estão a favor dessa política cambial.

Valor: Obama disse que o cara é o Lula…
Conceição: É. O Lula, um gênio político, mistura de Vargas e JK, uma liderança do povo brasileiro que tem uma sorte danada, ademais de ser muito competente. Tem que ter competência e sorte. As coisas têm que estar a favor.

Valor: Como é sua avaliação do governo Lula?
Conceição: Muito boa. Esta é a minha avaliação e de 70% da população. Na verdade, só a classe média dita ilustrada e a grande imprensa são contra. Contra também não sei o quê. Caiu a inflação. Portanto, mantiveram a política econômica dura que diziam que não iam manter, mas mantiveram. Contra meu ponto de vista. Perdi a parada, mas fico contente que tenha perdido, porque naquela altura ia ser complicado. Como estava tudo fora do lugar, era muito ousado fazer uma política alternativa no início do primeiro mandato. Do ponto de vista da política macro, eles começaram a fazer coisas no segundo mandato. Mas não creio que vão terminar. Fizeram o correto na infraestrutura, contemplando obras nas regiões Norte e Nordeste, como a ferrovia Transnordestina, a Norte-Sul, a transposição do rio São Francisco e portos. O PAC é uma seleção de projetos muito pesada e muito boa, de que não convém desviar. Também acertaram na política social, com o Bolsa Família. O governo Lula está tocando três coisas importantes: crescimento, distribuição de renda e incorporação social. E ainda por cima fez uma política externa independente. Por que acha que ganhamos a Olimpíada? [a escolha do Rio de Janeiro para sede dos jogos, em 2016]. Porque passamos a ter prestígio de fato lá fora.

Valor: Como vê a questão ambiental no mundo e no Brasil, às vésperas da reunião de Copenhague?
Conceição: Para variar, os Estados Unidos não assinam meta nenhuma. O país de Obama, digo, o Departamento de Estado, não assina nada. O problema ambiental está complicado e complexo. No Brasil, independente do desmatamento da Amazônia, a floresta vai sofrer com o aquecimento global. Mas a coisa da Amazônia, no nosso caso, é importante e é difícil. Mas não somos decisivos para o aquecimento global. Decisivos são os Estados Unidos e a China.

Valor: A exploração do petróleo das camadas do pré-sal pode impactar as boas intenções ambientais do Brasil?
Conceição: Começamos com a ideia do verde, o álcool combustível, mas, agora que veio o pré-sal, ninguém fala mais nisso. Agora, tudo vai depender do próximo governo.

O caráter cíclico da intervenção como parte de um processo político

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Autor: Luiz Carlos Bresser Pereira – FGV – Valor Econômico – 09/10/2009

Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas, defende o modelo proposto pelo governo para a exploração do petróleo no pré-sal como única forma de neutralizar os riscos da “doença holandesa” – conceito econômico com o qual se tenta explicar a aparente relação entre a exploração de recursos naturais, a elevação da renda de um país, a valorização da moeda e o declínio do setor manufatureiro, como aconteceu na Holanda nos anos 1960, depois da descoberta de grandes jazidas de gás natural no Mar do Norte. Ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney, da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia no primeiro e segundo mandatos de Fernando Henrique Cardoso, respectivamente, Bresser considera que os setores tipicamente monopolistas devem ser alvo, senão de controle direto do Estado, de um grau de regulação muito grande. Não vê, porém, nenhuma incompatibilidade entre interesses de Estado e da iniciativa privada, que, em sua opinião, podem, e mesmo devem, ser confluentes.

A seguir, trechos da entrevista que Bresser-Pereira concedeu ao Valor.

Valor: O modelo proposto pelo governo para a exploração do pré-sal conflita com os interesses do setor privado?
Luiz Carlos Bresser-Pereira: A ideia de que existe um conflito entre Estado e mercado é parte de uma agenda neoliberal. E uma tolice. Quando escrevi “O caráter cíclico da intervenção estatal”, em 1989, isso ainda não estava tão claro. Em 2005, no artigo “Assalto ao Estado e ao mercado”, essas ideias ganharam forma. Sugiro que o neoliberalismo foi um assalto ao Estado e ao mercado. Diferentemente do liberalismo, que surgiu do interesse de uma classe média burguesa contra a aristocracia militar, os “terratenientes” e o Estado autocrático, o neoliberalismo é uma ideologia dos ricos contra os pobres, contra os trabalhadores e contra o Estado democrático. Quando o Estado começa a intervir na produção de bens e serviços, é possível que conflite com o mercado. Mas o que se observa do Estado atualmente é que isso só acontece na fase inicial, que Marx chamava de acumulação primitiva do capital e não caracteriza uma situação de conflito: interessa muito aos empresários e à sociedade iniciar seu processo de desenvolvimento.

Valor: Há, então, compatibilidade de interesses?
Bresser-Pereira: Em todos os países capitalistas, o desenvolvimento do mercado e do Estado se dá em paralelo. O Estado pode aumentar sua participação na renda por meio da carga tributária. Quanto mais desenvolvido um país, maior a carga tributária, porque maior é a demanda de solidariedade na sociedade, do ponto de vista dos gastos sociais, culturais e científicos. Para se legitimar as democracias modernas, é preciso um Estado que garanta um grau de solidariedade ou de igualdade na sociedade.

Valor: De que maneira o Estado se desincumbe dessa tarefa? E a qual Estado, formalmente falando, o sr. se refere?
Bresser-Pereira: A última ideia a que cheguei a respeito do assunto – e esse é um tema sobre o qual não se tem conclusão nunca – foi em relação à regulação. Naqueles dois “papers” deixo claro que o papel fundamental de coordenar uma sociedade capitalista cabe ao Estado. O Estado, para mim é, em primeiro lugar, a ordem jurídica, a Constituição. E, depois, a organização, o sistema constitucional legal e a administração pública, o aparelho que garante essa ordem jurídica. O papel fundamental de coordenação de toda a sociedade cabe ao Estado. Mas, na parte econômica, esse papel também é exercido por uma instituição chamada mercado, que está longe de ser perfeita, mas é maravilhosa. Sem mercado não teríamos a menor condição de desenvolver economias complexas como a que temos hoje. Esse mercado precisa ser regulado pelo Estado. Não existe mercado sem regulação. Até para constituí-lo é preciso regular. Mas pode-se pensar o seguinte: na medida em que uma sociedade se desenvolve e se torna mais complexa, mais agentes econômicos participam do mercado e mais perfeita será a concorrência. Isso é uma tolice imensa. Quanto mais complexa a sociedade se torna, mais necessária é a regulação. Veja-se o exemplo da crise do ano passado. Portanto, quanto maior o grau de desenvolvimento do país, maior será a demanda de igualdade e maior será o papel do Estado na área social e maior será a regulação. A ideia é que a regulação é fundamental e fortalece o mercado, ao invés de enfraquecê-lo. O neoliberalismo foi um assalto ao Estado e ao mercado porque desmoralizou o mercado. Não deixou que o mercado funcionasse bem.

Valor: O sr. segue defendendo o caráter cíclico da intervenção estatal?
Bresser-Pereira: Não tenho dúvidas quanto a isso, mas esse grau de regulação, ou de intervenção, aumenta e diminui por meio de um processo político. Em certo momento, aumenta porque é bem-sucedido. É função fundamental do Estado fazer investimentos em infraestrutura. Os setores tipicamente monopolistas devem ser alvo, senão de controle direto, de um grau de regulação muito grande. Assim, num certo período, o Estado aumenta a regulação e o investimento público em certos setores. Depois disso, a sociedade começa a protestar. Sempre teremos pessoas mais liberais e mais protecionistas. É preciso um equilíbrio. Em 1989, eu já previa o colapso do neoliberalismo e a retomada do liberalismo. O Brasil não está mais na fase de acumulação primitiva, o setor privado já tem capacidade de investir em todos os setores – e me refiro ao setor privado nacional. Acho que essa história de que o setor privado nacional e o estrangeiro são a mesma coisa é uma loucura. É “non-sense”. São diferentes.

Valor: Por que se deve fazer essa distinção?
Bresser-Pereira: É claro que, nos anos 2000, o Estado não vai investir em siderurgia, em petroquímica, áreas em que o setor privado tem capacidade de investimento. Mas isso não significa que o Estado não deva investir em infraestrutura e, especialmente, que não tenha total controle sobre a mineração, particularmente sobre a mineração de petróleo. Pode chamar isso de nacionalista. Sou nacionalista, graças a Deus, como todos os americanos que conheço são nacionalistas, e todos os franceses e todos os suecos. Aqui no Brasil, encontro um monte de gente que não é nacionalista. Nesses países não encontro ninguém. Todos acreditam que o papel do governo é defender o trabalho, o capital e o conhecimento nacionais. E, para isso, deve usar sua própria cabeça e não a de seus concorrentes mais ricos. Isso, para mim, é o nacionalismo.

Valor: E por que o controle sobre a mineração?
Bresser-Pereira: As atividades puramente monopolistas devem ficar com o Estado ou com uma regulação e controle social muito grande. Distribuição de energia elétrica na cidade de São Paulo, por exemplo: não tem concorrência. Ou é do Estado ou tem que ser muito bem regulado, muito bem controlado, os lucros têm que ser transparentes e os bônus dos diretores, conhecidos. Estão exercendo uma atividade que o mercado não controla. No caso da mineração, não. O petróleo é competitivo e a mineração de ferro é competitiva.

Valor: Por que se recomenda atenção especial do Estado se existe essa competitividade?
Bresser-Pereira: Porque tem uma coisa chamada rendas ricardianas. Houve um grande economista inglês, David Ricardo, que descobriu, lá por 1800 e poucos, uma coisa chamada renda da terra, que é o aluguel que os proprietários das terras mais férteis recebem por serem proprietários, quando o preço do bem é determinado pelas terras menos férteis. O que ele imaginava – pensando, é claro, num Estado nacional – é que, à medida que a população vai crescendo, amplia a área de ocupação de terra. Primeiro, ocupa as terras mais férteis. Depois, as menos férteis e aí a produtividade cai. Produzir nessas terras custa mais, mas existe demanda. Então, o preço é determinado pela terra mais improdutiva. Se fosse assim, o arrendador das terras mais férteis teria um lucro danado, não fosse o fato de ele ser obrigado a pagar essa diferença ao proprietário da terra. Isso é a renda ricardiana.

Valor: A ideia da renda ricardiana está na base do projeto da partilha do governo Lula?
Bresser-Pereira: Sem dúvida, e estou muito feliz que isso tenha acontecido, porque eu expliquei que a doença holandesa é consequência de rendas ricardianas. Quando não há especulação, o preço do petróleo é determinado pelo custo de sua produção nos países que produzem com menor eficiência. O diferencial disso, que é uma enorme renda, é renda – e não lucro – que alguém tem que capturar. Como é que o país vai capturar essa renda? Não vai deixar que fique para a Shell ou para a Esso ou qualquer outra empresa privada. Há ainda um segundo problema: como é que vai capturar essa renda de maneira que não prejudique o resto da economia ou, ao contrário, que favoreça a economia? É possível capturar essa renda por meio de imposto e distribuir para a sociedade e aí todo o dinheiro entra junto com o imposto e a taxa de câmbio se aprecia muito e aí inviabiliza tudo. A alternativa é criar o fundo soberano: a taxa de câmbio não se aprecia – porque é a renda ricardiana que causa a doença holandesa -, a indústria se desenvolve e o país internaliza aos poucos os rendimentos desse fundo. A doença holandesa é uma imensa falha de mercado. O Estado precisa intervir. Essas ideias estavam esquecidas. Os economistas convencionais se esqueceram da doença holandesa e passaram a falar mal dos recursos naturais, da corrupção que resultava na partilha do imposto que se cobrava das empresas produtoras de petróleo. O fato é que esta é uma questão política – ou, melhor ainda , moral. Esquecem-se do aspecto econômico. O problema moral deve ser tratado pelo Código Penal. É preciso impedir que a taxa de câmbio se aprecie, para que as indústrias boas e competentes continuem competitivas. Não podem ser expulsas do mercado porque nós agora temos petróleo. Apresentei essas ideias em 2005, num primeiro artigo que resultou num debate nacional. Quando o Lula lançou o projeto, falou em doença holandesa. Ou seja: eles estão levando em conta o problema da doença holandesa, o que acho admirável, e estão conscientes de uma coisa que a teoria convencional disfarça com essa história de reduzir o problema à corrupção e esquecer o resto.

Valor: O projeto do pré-sal é, então, a política correta para evitar a doença holandesa?
Bresser-Pereira: Para neutralizar a doença holandesa, é muito melhor um esquema de partilha do que um sistema de “royalties”, mas precisa de uma empresa estatal, a Petro-Sal, e precisa de um fundo soberano. As três coisas.
Meu entendimento é que o dinheiro vai para o fundo e só os rendimentos desse fundo é que devem entrar no Brasil. Se colocar aqui o dinheiro todo, valoriza o dólar de qualquer forma. Tem que deixar lá fora. Hoje, uma coisa importante para o Brasil é estimular as empresas brasileiras a investir lá fora. Isso é tirar dólar. Temos dólar sobrando, ienes, euros. Estão nos inundando. Querem nos afogar em poupança externa. (CI)

Redução do papel do Estado na economia sempre foi mito

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Autor: Linda Weiss, professora da Universidade de Sydney (Austrália)

Para especialista em desenvolvimento, Linda Weiss, da Universidade de Sydney (Austrália), compras militares dos EUA são maior exemplo de política industrial que gerou inovação tecnológica
A PESAR de todas as manchetes sobre a volta do Estado à economia, ele nunca se retirou, e os EUA são o maior exemplo disso, afirma Linda Weiss, especialista em desenvolvimento e professora do Departamento de Governo e Relações Internacionais da Universidade de Sydney (Austrália). Weiss cita especificamente a política de inovação tecnológica americana, organizada por meio de encomendas da área militar do governo, como exemplo do que chama de “ativismo estatal” que nunca diminuiu nas economias mais ricas.

Weiss afirma que a China está adaptando o modelo americano para começar a produzir tecnologias próprias, e sugere que o Brasil estude o exemplo.
Ela deu entrevista à Folha depois de participar, no Rio de Janeiro, de seminário no Instituto de Economia da UFRJ sobre Reposicionamentos Estratégicos, Políticas e Inovação em Tempo de Crise. Abaixo, os principais trechos.

FOLHA – A senhora diz que não é possível falar em volta do Estado à economia porque ele nunca foi embora. Pode explicar?
LINDA WEISS – A ideia predominante no debate sobre a globalização e a sua relação com as opções de política econômica é que o Estado foi posto numa camisa de força e recuou da economia.
Fez isso para atrair investimentos num mundo de capitais móveis. O melhor governo é o que reduz impostos e regulações. O Estado atua nas margens da economia, sem presença ativa e muito menos desenvolvimentista. Contesto essa ideia olhando para o que os Estados mais poderosos vêm fazendo.

FOLHA – E quais são os principais exemplos?
WEISS – O primeiro é o paradoxo de que a desregulamentação requer rerregulamentação. Por exemplo, o governo privatiza, mas acaba se tornando muito ativo na arena regulatória, criando agências.
Isso de certo modo aumentou o envolvimento do Estado, sem necessariamente passar pelas autoridades executivas, que têm que responder ao eleitorado.

FOLHA – Mas, no mercado financeiro, houve menos regulamentação, não? WEISS – Houve uma opção por não regulamentar. Foi uma opção movida a razões nacionalistas, porque tanto o Reino Unido quanto os EUA viam o setor financeiro como o que liderava a projeção do seu poder na arena econômica internacional.
Com Wall Street de um lado e a City do outro, para eles fazia sentido ser liberais.
O Japão fez o mesmo, de modo diferente. Ao desregulamentarem o setor financeiro, os burocratas quiseram manter sua presença e escreveram as regras com esse objetivo, sem permitir mais autorregulamentação.
Além disso, há uma forma de ativismo que é a intervenção recorrente do Estado para resgatar o sistema bancário em crises. O que vemos hoje não é excepcional, é parte do padrão da internacionalização das finanças nos últimos 200 anos.

FOLHA – Que outros exemplos a senhora reuniu?
WEISS – Um fundamental é no campo da inovação e da tecnologia. Na OMC (Organização Mundial do Comércio), os Estados líderes escreveram normas que lhes dão margem para promover sua indústria nascente, ao mesmo tempo em que reduziram essa margem para países em desenvolvimento.
As regras da OMC permitem políticas de subsídio à ciência e tecnologia, que é a forma da indústria nascente nas chamadas economias de conhecimento intensivo.
Você vê intervenções muito focadas dos governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão no setor de alta tecnologia, incluindo comunicação e informação, novos materiais, novas energias. São áreas vistas como plataformas de sua prosperidade futura.

FOLHA – Como a senhora compararia o ativismo estatal nos EUA e na Europa com o na Ásia?
WEISS – Eu diria que o ativismo asiático está acima do radar, os países da região não se envergonham de mostrar que têm política industrial. As populações também apoiam o uso do poder do Estado na economia.
No caso dos EUA, não há consenso sobre o ativismo estatal.
Então, ele aparece abaixo do radar. A área que explica de onde vieram as inovações nos EUA, país que é líder em alta tecnologia, é a máquina de encomendas ligada ao setor militar.
Os EUA construíram um sistema formidável de inovação baseado no fato de responderem por 50% dos gastos militares mundiais. Dessa forma existe apoio popular e político, porque a linguagem usada é a da segurança nacional. Esse sistema de encomendas públicas de inovações é tão importante que os europeus agora estão vendo como podem adaptar a seu próprio setor civil. A China está fazendo a mesma coisa.

FOLHA – Como a China está seguindo o exemplo dos EUA?
WEISS – A China, por exemplo, quer desenvolver sua própria indústria de software e está usando encomendas de tecnologia para isso. Ela está definindo o que é uma empresa chinesa com base no “Buy American” [cláusula do pacote de estímulo econômico aprovado nos EUA no início deste ano].
Para o “Buy American”, uma empresa americana tem pelo menos 50% de capital americano, está baseada nos EUA e usa trabalhadores americanos. Essa é a definição que os chineses estão usando em sua estratégia de compras governamentais, com o objetivo de construir sua própria indústria de alta tecnologia. [No Brasil, a emenda constitucional nº 6 acabou em 1995 com a distinção entre empresas de capital nacional e capital estrangeiro].

FOLHA – Apesar do ativismo estatal, o Estado de bem-estar social diminuiu?
WEISS – Quando olhamos os números da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne cerca de 30 países industrializados], vemos que o Estado previdenciário na verdade cresceu.
O gasto total aumentou em média de 26% para 40% do PIB entre 1965 e 2006. E o componente social desse gasto aumentou de 15% para 22% em 30 anos. Houve reestruturações no destino do dinheiro, mas não declínio.

FOLHA – Mas o Estado como produtor recuou, não?
WEISS – Sim, claro. Mas é enganoso ver isso como enfraquecimento do Estado. Quando os serviços eram públicos, qual era o papel do Estado, afinal?
Mandar contas de luz e gás?
Não era exatamente um ator no sentido do desenvolvimento.

FOLHA – A resistência que vemos hoje nos EUA ao envolvimento estatal com o sistema de saúde não é paradoxal?
WEISS – Esse debate mostra que o sistema político americano não legitima um programa civil de tecnologia. O Programa de Tecnologia Avançada, civil, teve vida curta no governo Clinton [1993-2001] e recentemente perdeu seu orçamento.
É principalmente por meio do setor militar que são criadas estruturas híbridas, agências com função de investimento e que não são nem puramente públicas nem privadas em seu comportamento. Elas fazem essas encomendas de alta tecnologia.

FOLHA – E como os produtos chegam ao mercado civil?
WEISS – Não há uma cerca entre a Defesa e o setor civil. A CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), por exemplo, tem seu próprio fundo de investimento e assume participações em empresas privadas. Financia tecnologia que é usada para objetivos militares, mas também tem que ser viável comercialmente.

FOLHA – Que observações a senhora fez sobre a posição do Brasil nesse debate?
WEISS – Foi interessante ouvir outro dia que a política industrial brasileira tem dois pontos problemáticos: a falta de uma política agressiva para a exportação de manufaturados e a política de compras governamentais, que não teria decolado.

Sugiro trazer o caso americano para debate no Brasil. As compras governamentais são um instrumento poderoso de desenvolvimento. O importante é separar as compras ordinárias, como papel e mobília, das encomendas de tecnologia, de algo que ainda não existe.

Nisso você estabelece uma competição entre quem pode produzir tal coisa e como o Estado pode ajudar. Não é só o governo dizendo como deve ser, mas há uma interação.
De um só programa americano, o Small Business Innovation Research Program, de onde vieram nomes como a Microsoft, centenas de firmas receberam financiamento. Não são somas grandes, poderiam ser US$ 750 mil, por exemplo, para levar a tecnologia da fase da ideia na cabeça ao protótipo.

O programa foi lançado em 1982, quando nos EUA temia-se perder a corrida tecnológica para Japão e Alemanha, e envolve muitas agências governamentais, incluindo o Instituto Nacional de Saúde -que faz encomendas ao setor farmacêutico e de biotecnologia-, a Nasa e a Defesa.

Punir mais só piora crime e agrava a insegurança

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FSP – 31/08/2009.
Autor: Massimo Pavarini – Professor da Universidade de Bolonha/Itália.

“É um pecado , uma ideia louca” a noção de que penas maiores de prisão aumentem a segurança. “Acontece o contrário. Penas maiores produzem mais insegurança”, diz o italiano Massimo Pavarini, 62, professor da Universidade de Bolonha e considerado um dos maiores penalistas da Europa. Ele dá um exemplo: “Quanto mais se castiga um criminoso leve, mais profissional ele será quando voltar ao crime”.

Ligado ao pensamento de esquerda, Massimo Pavarini diz que essa ideia de punir mais teve como origem os EUA de Ronald Reagan, nos anos 80, e difundiu-se pelo mundo “como uma doença”. A eleição de Barack Obama à Presidência dos EUA pode ser um sinal de que esse ideário se esgotou, acredita. Pavarini esteve em São Paulo na última semana para participar do congresso do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), onde deu a seguinte entrevista:

FOLHA – O sr. diz que o direito penal está em crise porque o discurso pró-punição está desacreditado e a ideia de ressocialização não funciona. O que fazer?
MASSIMO PAVARINI – O cárcere parecia um invento bom no final de 1700, quando foi criado, mas hoje não demonstra mais êxito positivo. O que significa êxito positivo? Significa que o Estado moderno pode justificar a pena privativa de liberdade. Sempre se fala que o direito penal tem quatro finalidades:
serve para educar, produzir medo, neutralizar os mais perigosos e tem uma função simbólica, no sentido de falar para as pessoas honestas o que é o bem, o que é o mal e castigar o mal.
Após dois séculos de investigação, todas as pesquisas dizem que não temos provas de que a prisão efetivamente seja capaz de reabilitar. Isso acontece em todos os lugares do mundo.

FOLHA – O que fazer, então?
PAVARINI – As prisões já não produzem suficientemente medo para limitar a criminalidade. Todos os criminólogos são céticos. O direito penal fracassou em todas as suas finalidades. Não conheço nenhum teórico otimista. Isso não significa que não possa haver alternativas. Há um movimento internacional em busca de penas alternativas. O que se imagina é que, se a prisão fracassou, a pena alternativa pode ter êxito punitivo. Há penas alternativas há três décadas e, se alguma pode surtir efeito, foi em algum momento específico, que não pode ser reproduzido em um lugar com história e recursos econômicos diferentes.

FOLHA – Numa conferência, o sr. disse que o Estado neoliberal, que começou na Inglaterra e nos EUA, não pensa mais em ressocializar o preso, mas em neutralizá-lo. Por que morreu a ideia de recuperar o preso?
PAVARINI – Já se sabia que não dá para ressocializar o preso. O problema é outro. Existe uma obra bem famosa dos anos 70, chamada “Nothing Works” [nada funciona]. O livro foi escrito quando [Ronald] Reagan era governador da Califórnia [1967-1975]. Ele criou uma equipe de cientistas, de todas as cores políticas, e deu-lhes um montão de dinheiro. A pergunta era muito simples: você pode mostrar que o modelo de ressocialização dos presos tem um êxito positivo? Os cientistas pesquisaram muito e no final escreveram “nothing works”. A prisão não funciona nos EUA, na Europa nem na América Latina. Nada funciona se você pensa que a prisão pode reabilitar. Não pode. O cárcere tem o papel de neutralizar seletivamente quem comete crimes.

FOLHA – Ele cumpre esse papel?
PAVARINI – Pode cumprir. O problema é que a neutralização do inimigo, a forma como o neoliberal vê o delinquente, significa o fim do Estado de direito. O primeiro problema é que você não sabe quantos são os inimigos. Essa é a loucura.
Os EUA prendem 2,75 milhões todos os dias. Mais de 5% da população vive nas prisões. São 750 presos por 100 mil habitantes. Há ainda os que cumprem penas alternativas. Esses são 5 milhões. Portanto, são 7,5 milhões na América os que estão penalmente controlados. Aqui no Brasil são 300 presos por 100 mil habitantes.

FOLHA – Há teóricos que dizem que nos EUA as prisões se converteram em um sistema de controle social.
PAVARINI – Sim, isso ocorre. O setor carcerário nos EUA é quase tão forte quanto as fábricas de armas. Muitas prisões são privadas. É um bom negócio. O paradoxo dos EUA é que em 75, quando Reagan começa a buscar a Presidência, os EUA tinham 100 presos por 100 mil habitantes. Após 30 anos, a taxa multiplicou-se por oito. Os EUA não tinham uma tradição de prender muito. Prendiam menos do que a Inglaterra.

FOLHA – O senso comum diz que os presos crescem exponencialmente porque aumentou a violência.
PAVARINI – Isso é muito complicado. Se a pergunta é “existe uma relação direta entre aumento da criminalidade e aumento da população presa?”, qualquer criminólogo do mundo, eu creio, vai dizer não. Os EUA não têm uma criminalidade brutal. Ela é comparável à criminalidade europeia. Eles têm um problema específico: o número elevado de casas com armas de fogo curtas. Um assalto vira homicídio.

FOLHA – Por que prendem tanto?
PAVARINI – Os EUA prendem não tanto pelo crime, mas por medo social. Essa é a questão. A origem do medo social é bastante complexa, mas para mim tem uma relação mais forte com a crise do Estado de bem-estar social do que com o aumento da criminalidade. É um problema de inclusão social. Os neoliberais dizem que não dá para incluir todas as pessoas que não têm trabalho, os inválidos, os que estão fora do mercado. Os criminosos são os primeiros dessa categoria. Uma regra que ajudou a aumentar a população carcerária foi retirada do beisebol: três faltas e você está fora. Em direito penal isso significa que após três delitos, que podem ser pequenos, você está preso. Você está fora porque não temos paciência para tratá-lo. Vamos eliminá-lo.

FOLHA – Eliminar é o papel principal das prisões, então?
PAVARINI – É um dos papéis. O direito penal é cada vez mais duro, as sentenças são mais longas, “life sentence” [prisão perpétua] é mais frequente, aplica-se a pena de morte.

FOLHA – Como essa ideia neoliberal funciona onde há muita exclusão?
PAVARINI – Vou dizer algo que parece piada: quando os EUA dizem uma coisa, essa coisa é muito importante. Podem ser coisas brutais, grosseiras, mas quem diz são os EUA. Como imaginar que na Itália e na França, que têm ótimos vinhos, os jovens preferem Coca-Cola?
Não se entende. É o poder dos EUA que explica isso. A ideia de como castigar, porque castigar e quem castigar faz parte de uma visão de mundo. Se a América tem essa visão de mundo, isso se reproduz no mundo.

FOLHA – É por essa razão que cresce o número de presos no mundo?
PAVARINI – Isso é um absurdo.
Dos 180 e poucos países do mundo, não passam de 10, 15 os que têm reduzido o número de presos. Na Itália, temos 100 presos por 100 mil habitantes.
Há 30 anos, porém, eram 25 por 100 mil. Aumentou quatro vezes em três décadas. Isso acontece na Ásia, na África, em países que não se pode comparar com os EUA e a Europa.
Creio que é uma onda do pensamento neoliberal, que se converte em políticas de direito penal mais severo. É engraçado que os EUA, nos anos 50 e 60, eram os mais progressistas em política penal, gastavam um montão de dinheiro com penas alternativas. Mas hoje as pessoas acham que o direito penal que castiga mais tem mais eficiência. Isso é desastroso. Nos EUA, o número de presos cresce também porque há um negócio penitenciário.

FOLHA – O que há de errado com esse tipo de negócio?
PAVARINI – Os EUA têm cerca de 15% dos presos em cárceres privatizados. É uma ótima solução para a empresa que dirige a prisão. Ela sempre vai querer ter um montão de presos, é claro, para ganhar mais dinheiro, e isso nem sempre é a melhor política. É um negócio perverso.
Os empresários financiam lobistas que vão difundir o medo.
É um desastre. Mas pode ser que tudo isso mude. Obama parece ter uma visão oposta à dos neoliberais e já demonstra isso na saúde pública, um tema ligado à inclusão social. O difícil é que não há uma ideia suficientemente forte para se opor ao pensamento neoliberal sobre as penas. A esquerda não tem uma ideia para contrapor. Os políticos sabem que, se não têm um discurso duro contra o crime, eles perdem votos.

FOLHA – No Brasil, os políticos e a população defendem o aumento das penas. Penas maiores significam mais segurança?
PAVARINI – Isso é um pecado, uma ideia louca, absurda. Acontece o contrário. Penas maiores produzem mais insegurança. É claro, um país não pode neutralizar todos os criminosos. Nos EUA, eles podem colocar na prisão o garoto que vende maconha. Prende por um, dois, cinco anos, e ele vai virar um criminoso profissional. Quanto mais se castiga um criminoso leve, mais profissional ele será quando voltar ao crime. Há mais de um século se diz que a prisão é a universidade do crime. É verdade. Mas, se um político diz “vamos buscar trabalho para esse garoto”, ele não ganha nada.

FOLHA – No Estado de São Paulo, o mais rico do país, faltam 55 mil vagas nos presídios e as prisões são muito precárias. Por que um Estado rico tem presídios tão ruins?
PAVARINI – Há uma regra econômica que diz que a prisão, em qualquer lugar do mundo, deve ter uma qualidade de sobrevivência inferior à pior qualidade de vida em liberdade. Como aqui há favelas, as prisões têm de ser piores do que as piores favelas. A prisão tem de oferecer uma diferenciação social entre o pobre bom e o pobre delinquente. Claro que São Paulo poderia oferecer um presídio que é uma universidade, mas isso seria intolerável. O presídio ruim tem função simbólica.

FOLHA – Em São Paulo, o número de presos cresce à razão de 6.000 por mês. Faz sentido construir um presídio novo por mês?
PAVARINI – Mais cárceres significam mais presos. Se você tem mais presídios, você castiga mais. Por isso os países promovem moratórias, decidem não construir mais presídios.

FOLHA – Políticos dizem que mais presídios melhoram a segurança.
PAVARINI – A única coisa que você pode dizer é que mais presídios significa mais população presa. Há milhões de pessoas que delinqúem diariamente, e os presos são uma minoria. O sistema penal é seletivo, não pode castigar todos. As pessoas dizem que o crime não compensa, mas o crime compensa muito. O sistema não tem eficiência para castigar todos.
Quando você aumenta muito a população carcerária, algo precisa ser feito. Na Itália, há cada cada quatro, cinco anos há anistia. Entre os nórdicos, quando um juiz condena um preso, ele precisa saber a quantidade de vagas na prisão. Se não há vaga, outro preso precisa sair. O juiz indica quem sai. Porque é preciso responsabilizar o Poder Judiciário e a polícia pelos presídios. O cárcere tem de ser destinado aos mais perigosos. Uma prisão de merda custa 250 por dia na Itália. Não faz sentido usar algo tão caro para qualquer criminoso.

Nós não vamos pagar nada?

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Autor: Chris Anderson – Editor da revista Wired –

Consumidoras correm para aproveitar promoção em loja nos EUA

Chris Anderson, editor da revista de tecnologia e novas tendências “Wired” e um dos pensadores da internet, é o promotor de dois conceitos muito caros a esse meio. O primeiro é a “teoria da cauda longa”, estratégia de negócio segundo a qual a meta é vender poucas unidades de muitos e variados itens, o que substituiria o popular modelo dos “best-sellers”.

O segundo é o que ele chama de “freeconomics” ou a economia das coisas de graça, alicerçada no fato de que o custo de armazenamento e transmissão de conteúdo digital baixa cada vez mais. De onde vem o dinheiro? Do conceito “freemium”, junção das palavras “free” e “premium”: a maioria consome de graça (“free”), bancada por uma minoria que paga por uma versão de mais qualidade (“premium”).

Ambos os conceitos foram desenvolvidos em artigos, viraram palestras e livros.

O segundo surgiu recentemente em livro nos EUA e chegou neste mês ao Brasil. É “Free – O Futuro dos Preços” (Free – The Future of a Radical Price, no original). Nele, e na entrevista que deu à Folha por telefone, Anderson defende que, sim, diferentemente do que popularizou o economista Milton Friedman (1912-2006), existe almoço de graça -desde que a sobremesa seja bem paga por alguém.

Nos EUA, a versão eletrônica do livro ficou disponível gratuitamente por alguns dias. Agora é vendida por US$ 26,99 [R$ 50], em papel, e US$ 9,99, versão eletrônica -o “audiobook” em inglês continua de graça e pode ser baixado do site do autor, www.thelongtail.com.

No Brasil, só papel e só a dinheiro: R$ 59,90 por 88 páginas. A editora Elsevier já vendeu a primeira tiragem, de 10 mil cópias, prepara a segunda e colocou os três primeiros capítulos de graça em www.elsevier.com.br.

FOLHA – Se a informação quer ser livre/de graça, por que tenho de pagar R$ 59,90 para ler seu livro?
CHRIS ANDERSON – Não tem. Poderia ir ao site e baixar o “audiobook” gratuitamente.

FOLHA – Sim, mas quem quer ler em português, caso da maioria dos leitores brasileiros, tem de desembolsar.
ANDERSON – Cada região tem um editor diferente, cada um tem um enfoque diferente para isso, uma estratégia própria.
Nos EUA, era de graça. No Reino Unido, na Bélgica. A única parte que eu controlo é o “audiobook”. Eu encorajei todos os editores a dar o livro, alguns aceitaram, outros não.

FOLHA – Por que um editor pagaria milhares de dólares pelos direitos de seu livro, outro tanto para traduzir, mais ainda para imprimir e distribuir e finalmente daria de graça aos leitores brasileiros? Faz sentido economicamente?
ANDERSON – O livro trata disso extensivamente, mas sim, eu acredito que, se feita corretamente, essa ação vai levar a mais vendas do livro, não a menos. Você não precisa dar a versão física, pode dar a digital.
E, se você acredita que a versão física é a “premium”, que as pessoas ainda preferem ler em papel por todas as razões óbvias, para manter, fazer anotações, ler na praia, então não precisa temer dar a versão digital de graça, pois será uma forma de marketing, de amostra que vai promover a física.

FOLHA – Em seu livro, o sr. defende que sim, há almoço de graça, no sentido de que há toda uma economia florescendo baseada em dar os produtos, e não vender. Como isso funciona no caso específico da indústria de conteúdo?
ANDERSON – Em primeiro lugar, não há nada de novo aí. O que está mudando é o conceito, que evoluiu de um truque de mercado para um modelo econômico. Essa mudança é impulsionada pela indústria tecnológica. A ideia de conteúdo livre tem cem anos: rádio é de graça, TV aberta é gratuita. O problema é que agora anúncios não são mais suficientes para sustentar o modelo. Daí o que chamo de “freemium”, onde você dá a maior parte de seu conteúdo de graça, mas reserva parte dele, geralmente a melhor parte, para os que pagam.

FOLHA – O sr. cita Brasil e China como a nova fronteira da “freeconomics” e a forte presença de pirataria nos dois países como algo positivo. Como a pirataria pode ser benéfica para uma economia?
ANDERSON – Pirataria é uma palavra mal compreendida. Nem todo o conteúdo distribuído dessa maneira é pirata. Alguns são, outros são “pirateados”, entre aspas, por vontade dos autores, que valorizam a distribuição gratuita. Um dos exemplos que dou é o tecnobrega brasileiro. Não é pirataria, porque os autores autorizam os camelôs a reproduzir e vender os CDs sem lhes pagar nada.
Meu ponto é: conteúdo digital pode ser copiado e distribuído a um custo cada vez mais próximo de zero e, de uma maneira ou de outra, vai ser distribuído. Usar os mesmos canais de distribuição dos piratas será uma decisão de cada artista.
Mas o fato é que essas são as forças motoras da atual economia, são intrínsecas à internet e à era digital e impossíveis de serem contidas. A pirataria não é boa para a economia, mas a distribuição gratuita sim, e os piratas são os primeiros a usá-la.

FOLHA – O sr. diz ter problemas com as palavras “mídia”, “jornalismo” e “noticiário”. Por quê?
ANDERSON – Eu sei o que “mídia profissional”, “jornalismo profissional” e “noticiário profissional” significam. Mas como chamar quando isso é produzido por amadores? A maior parte do que eu leio hoje em dia está on-line e não vem desses canais. Está no Facebook, no MySpace, no Twitter, em blogs. Leio sobre amigos, família, hobbies. O que é isso? Eu não acho que a palavra “jornalismo” descreve o que está acontecendo. Acho que precisamos de novas palavras.

FOLHA – Ao mesmo tempo uma breve visita a sua conta no Twitter revela que o sr. segue o “New York Times”, a revista “New Yorker” e várias outras contas da chamada mídia tradicional. Além disso, seu trabalho principal vem de editar uma revista de papel, a “Wired”. Como o sr. concilia isso?
ANDERSON – Nós vivemos num mundo de hipermídia, onde não temos mais o monopólio sobre a atenção do leitor. Acho que há um papel para a mídia tradicional, mas há também um papel crescente para todo o resto. Nós vivemos em ambos os mundos. Você não vive em ambos os mundos?

FOLHA – Mas o sr. é o evangelista desse novo mundo e edita uma revista do velho mundo. Como concilia os dois?
ANDERSON – Nós usamos o modelo “freemium”. O que está na wired.com é de graça, faturamos um pouco com a publicidade on-line, e isso levanta assinaturas para a revista, que é o nosso “premium”.

FOLHA – Se o sr. me dá o conteúdo de graça on-line, por que eu pagarei por ele na revista?
ANDERSON – Porque não é o mesmo conteúdo, as palavras podem ser as mesmas, mas a revista é mais que palavras, é um pacote visual, com fotos, arte e um conceito de edição. De graça, você não tem o pacote.

Comunidades falsificadas

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Autor: Filósofo espanhol Jesús Martín-Barbero – FSP – 23/08/2009

Com a emergência de gigantescas redes sociais virtuais, como o Facebook, a internet configura a sua utopia máxima: todos somos iguais. E, se somos todos iguais, não precisamos mais de eleições, pois não precisamos ser representados. Todos nos representamos no espaço democrático da internet.

O raciocínio é tentador, mas, para o filósofo espanhol Jesús Martín-Barbero, é mentiroso -e temerário. “Nunca fomos nem seremos iguais”, ele diz, e na vida cotidiana continuaremos dependendo de mediações para dar conta da complexidade do mundo, seja a mediação de partidos políticos ou a de associações de cidadãos.
Martín-Barbero vê a internet como um dos fatores de desestabilização do mundo hoje, que não pode ser pensado por disciplinas estanques. Mundo, aliás, tomado pela incerteza e pelo medo, que nos faz sonhar com a relação não mediada das comunidades pré-modernas. O filósofo conversou com a Folha durante visita a São Paulo, na semana passada.

FOLHA – Desde 1987, quando o sr. lançou sua obra de maior repercussão [“Dos Meios às Mediações”, ed. UFRJ], até hoje, o que mudou na comunicação e nas ciências sociais?
JESÚS MARTÍN-BARBERO – Estamos em um momento de pensar o conceito de conhecimento como certeza e incerteza. A incerteza intelectual dos modernos se vê hoje atravessada por outra sensação: o medo. A sociedade vive uma espécie de volta ao medo dos pré-modernos, que era o medo da natureza, da insegurança, de uma tormenta, um terremoto. Agora vivemos em uma espécie de mundo que nos atemoriza e desconcerta.
O medo vem, por exemplo, da ecologia: o que vai acontecer com o planeta, o nível do mar vai subir? A natureza voltou a ser um problema hoje, como aos pré-modernos. Depois vem o tema da violência urbana, a insegurança urbana. Por toda cidade que passo, de 20 mil a 20 milhões de habitantes, há esse medo.
Como terceira insegurança, que nos afeta cada vez mais, aparece a vida laboral. Do mundo do trabalho, que foi a grande instituição moderna que deu segurança às pessoas, vamos para um mundo em que o sistema necessita cada vez menos de mão de obra. O mundo do trabalho se desconfigurou como mundo de produção do sentido da vida.

FOLHA – Nesse mundo de incertezas, como se comporta a noção de comunidade? Como ela aparece em redes virtuais como o Facebook?
MARTÍN-BARBERO – Acho que ainda não temos palavras para nomear esse fenômeno. Falamos em rede social, mas o que significa social aí? Apenas uma rede de muita gente. Não necessariamente em sociedade. Há diferenças entre o que foi a comunidade pré-moderna e o que foi o conceito de sociedade moderna.
A comunidade era orgânica, havia muitas ligações entre os seus membros, religiosas, laborais. Renato Ortiz [sociólogo e professor na Universidade Estadual de Campinas] faz uma crítica muito bem feita a um livro famoso de [Benedict] Anderson, que diz que a nação é como uma comunidade imaginada [“Comunidades Imaginadas”, ed. Companhia das Letras], principalmente por jornais e a literatura nacional.
É verdade, são fundamentais para a criação da ideia de nação. Mas Renato Ortiz diz que há muito de verdade e muito de mentira nisso. O que acontece é que, quando a sociedade moderna se viu realmente configurada pelo Estado, pela burocracia do Estado, começou a sonhar novamente com a comunidade. Era uma comunidade imaginada no sentido de querer ter algo de comunidade, e não só de sociedade anônima.
Falar de comunidade para falar da nação moderna é complicado, porque se romperam todos os laços da comunidade pré-moderna. Eu diria que há aí um ponto importante, considerando que no conceito de comunidade há sempre a tentação de devolver-nos a uma certa relação não mediada, presencial. Essa é um pouco a utopia da internet.

FOLHA – Qual utopia?
MARTÍN-BARBERO – A utopia da internet é que já não necessitamos ser representados, a democracia é de todos, somos todos iguais. Mentira. Nunca fomos nem somos nem seremos iguais. E portanto a democracia de todos é mentira. Seguimos necessitando de mediações de representação das diferentes dimensões da vida. Precisamos de partidos políticos ou de uma associação de pais em um colégio, por exemplo.

FOLHA – As comunidades virtuais da atualidade têm pouco das comunidades originais, então?
MARTÍN-BARBERO – Quando começamos a falar de comunidades de leitores, de espectadores de novela, estamos falando de algo que é certo. Uma comunidade formada por gente que gosta do mesmo em um mesmo momento. Se a energia elétrica acaba, toda essa gente cai.
É uma comunidade invisível, mas é real, tão real que é sondável, podemos pesquisá-la e ver como é heterogênea. Comunidade não é homogeneidade. Nesse sentido é muito difícil proibir o uso da expressão “comunidade” para o Facebook. Mas o que me ocorre ao usarmos o termo “comunidade” para esses sites é que nunca a sociedade moderna foi tão distinta da comunidade originária.
O sentido do que entendemos por sociedade mudou. Veja os vizinhos, que eram uma forma de sobrevivência da velha comunidade na sociedade moderna. Hoje, nos apartamentos, ninguém sabe nada do outro. Outra chave: o parentesco. A família extensa sumiu. Hoje, uma família é um casal. O que temos chamado de sociedade está mudando. Estamos numa situação em que o velho morreu e o novo não tem figura ainda, que é a ideia de crise de [Antonio] Gramsci.

FOLHA – A proposta de sites como o Facebook não é exatamente de fazer essa reaproximação?
MARTÍN-BARBERO – Creio que há pessoas no Facebook que, pela primeira vez em suas vidas, se sentem em sociedade. É uma questão importante, mas não podemos esquecer da maneira como nos relacionamos com o Facebook.
Um inglês que passa boa parte de sua vida só, em um pub, com sua grande cerveja, desfruta muito desse modo de vida. Nós, latinos, desfrutamos mais estando juntos.
Evidentemente a relação com o Facebook é distinta. O site é real, mas a maneira como nos relacionamos, como o usamos, é muito distinta. O Facebook não nos iguala. Nos põe em contato, mas nada mais.

FOLHA – De que maneira essas questões devem transformar os meios de comunicação?
MARTÍN-BARBERO – Não sei para onde vamos, mas em muito poucos anos a televisão não terá nada a ver com o que temos hoje. A televisão por programação horária é herdeira do rádio, que foi o primeiro meio que começou a nos organizar a vida cotidiana. Na Idade Média, o campanário era que dizia qual era a hora de levantar, de comer, de trabalhar, de dormir. A rádio foi isso.
A rádio nos foi pautando a vida cotidiana. O noticiário, a radionovela, os espaços de publicidade… Essa relação que os meios tiveram com a vida cotidiana, organizada em função do tempo, a manhã, a tarde, a noite, o fim de semana, as férias, isso vai acabar. Teremos uma oferta de conteúdos. A internet vai reconfigurar a TV imitadora da rádio, a rádio imitadora da imprensa escrita… Creio que vamos para uma mudança muito profunda, porque o que entra em crise é o papel de organização da temporalidade.

FOLHA – A ascensão da internet e da oferta de informação por conteúdos suscita outra questão, ligada à formação do cidadão. Não corremos o risco de que um fã de séries de TV, por exemplo, só busque notícias sobre o tema, alienando-se do que acontece em seu país?
MARTÍN-BARBERO – Antigamente, todos líamos, escutávamos e víamos o mesmo. Isso para mim era muito importante. De certa forma, obrigava que os ricos se informassem do que gostavam os pobres -sempre defendi isso como um aspecto de formação de nação.
Quando lançaram os primeiros aparelhos de gravação de vídeo, disseram-me que isso era uma libertação: as pessoas poderiam selecionar conteúdos.
Mas esse debate já não é possível hoje. Passamos para um entorno comunicativo, as mudanças não são pontuais como antes. A questão não é se eu abro ou não abro o correio. Não quero ser catastrofista, mas o tanto que a internet nos permite ver é proporcional ao tanto que sou visto. Em quanto mais páginas entro, mais gente me vê. É outra relação.
Temos acesso a tantas coisas e tantas línguas que já não sabemos o que queremos. Hoje há tanta informação que é muito difícil saber o que é importante. Mas o problema para mim não é o que vão fazer os meios, mas o que fará o sistema educacional para formar pessoas com capacidade de serem interlocutoras desse entorno; não de um jornal, uma rádio, uma TV, mas desse entorno de informação em que tudo está mesclado. Há muitas coisas a repensar radicalmente.

Modo de consumo norte-americano foi destruído, diz Stiglitz

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Autor: Economista Joseph Stiglitz, da Universidade Columbia – FSP 23/08/2009.

Mesmo que a recessão técnica esteja perto do fim, ainda há um longo caminho rumo à recuperação econômica -é o atraso entre os instrumentos de medição econômica que temos (como o PIB) e o bem-estar da população, que precisa de emprego e renda para sentir que, de fato, a recessão acabou.
Após a melhora do setor financeiro e do ajuste de estoques, a economia encara seu problema fundamental: a destruição do motor global, o modelo de consumo dos EUA, disse o economista Joseph Stiglitz, da Universidade Columbia, em entrevista por telefone de sua casa em Nova York.

FOLHA – Economistas e analistas dizem que a recessão americana deve ter terminado em julho, e o BC dos EUA afirmou que a atividade econômica do país já se normaliza. Houve exagero, no ano passado, sobre a extensão que a crise teria ou agora há otimismo excessivo?
JOSEPH STIGLITZ – O termo recessão é normalmente usado para crescimento negativo. Se a economia está se normalizando e o crescimento não é mais negativo, muitos economistas iriam dizer que a recessão acabou.
Mas, para a maioria das pessoas e mesmo para muitos economistas, a definição de recessão tem a ver com a restauração da economia, o que significa você conseguir trabalho. O desemprego, na verdade, ainda deve crescer e talvez significativamente. Há vários riscos rondando o setor financeiro.
Então, mesmo que temporariamente a economia se normalize ou até mesmo cresça, a recuperação ainda é muito frágil e vai levar muito tempo para o mercado de trabalho se recuperar. Os EUA tiveram uma bolha no mercado imobiliário que apoiou um boom de consumo.
No estouro da bolha, o consumo que apoiava a economia americana -e a do resto do mundo- teve de diminuir, com os índices de poupança indo de zero para 5%, 6%. As pessoas poupavam muito pouco porque esperavam o aumento da renda por meio da valorização do preço das casas. Isso não mais existe. Parte considerável dos americanos agora perde dinheiro com suas casas. Mesmo que os bancos estivessem totalmente recuperados -e não estão-, eles estariam poupando mais. O modelo de consumo americano foi destruído.
Isso tudo significa que em médio prazo a economia americana tem problemas fundamentais. Além disso, temos o total derretimento do setor financeiro pós-15 de setembro [quebra do Lehman Brothers], e nós tivemos um ajuste de estoques como resultado da consequente desaceleração da economia. O pior aspecto do congelamento do setor financeiro e do ajuste de estoques talvez tenha se encerrado. Mas isso significa que estamos de volta ao problema fundamental de fundo: o que sustentou a economia americana antes da crise era o consumo, por meio de uma bolha no mercado imobiliário que agora foi destruída.
FOLHA – A hipótese da autossuficiência dos mercados guiou, por décadas, a maioria dos modelos financeiros. Após esta crise, o que muda?
STIGLITZ – Creio que essa hipótese foi uma bolha que também se estourou com essa crise. Mesmo antes havia provas contundentes contra essa hipótese, mas era mais uma ideologia, usada para apoiar interesses específicos no setor financeiro. Por exemplo, em 1989, o mercado de ações sofreu queda de 25%. Não havia evento possível que pudesse corresponder ao desaparecimento de um quarto do capital acionário do mundo. E mesmo assim houve muita gente que continuou acreditando nela.
FOLHA – O sr. avalia que a crise vai ajudar a “fazer a globalização funcionar”, expressão que sugere em um de seus livros, ou o xadrez geopolítico deve apenas sofrer correções cosméticas, com um G20 pouco incisivo para fazer mudanças?
STIGLITZ – Essa pergunta ainda está solta no ar. No início da crise, esperava que houvesse reformas fundamentais nas estruturas regulatórias dos EUA e na maneira com a qual a globalização é gerenciada, o que levaria a uma economia mundial mais estável e à maior equidade, tanto interna como entre países. Agora estou mais cético. Principalmente porque assisti ao resgate financeiro nos EUA: na verdade, os problemas foram reforçados, com os grandes bancos ficando ainda maiores, com o fracasso em fazer algo para sanar os problemas de fundo mais importantes, com muitas das reformas sendo mais “cosméticas”.
FOLHA – Na reunião mais recente do G20, em abril, a avaliação foi de que “um grande passo” havia sido dado rumo à regulação financeira. O senhor mesmo afirmou isso à época. Quatro meses depois, o que foi revelado como mera retórica?
STIGLITZ – É um passo rumo à direção certa, mas claramente não o suficiente. O ponto crítico é que os bancos estão se tornando não só grandes demais para quebrar mas também grandes demais para serem financeiramente solucionáveis.
Há uma apreciação insuficiente até mesmo da natureza do problema, que é não apenas tamanho, mas interdependência.
E isso significa que firmas como AIG e Goldman Sachs podem fazer a economia americana de refém. Nós sabemos disso agora, mas não fizemos absolutamente nada, ou quase nada, para impedir que continuemos reféns no futuro.
FOLHA – Pode-se dizer então que, como democrata e apoiador de Obama ao menos desde 2007, o sr. está decepcionado com o governo?
STIGLITZ – Na maioria das áreas ele está bem, bem melhor do que a administração Bush. Por exemplo, fizeram um pacote de estímulo; a administração Bush não teve nenhum. Eles fizeram algo em relação às hipotecas; o governo Bush, quase nada. Mas o plano de estímulo não foi tão grande quando deveria ter sido e não é bem desenhado. Fizeram muitos cortes de impostos, o que é relativamente inútil. Relativamente poucas hipotecas foram refinanciadas. Os resgates aos bancos foram totalmente injustos e custaram, aos contribuintes americanos, centenas de trilhões de dólares. Obviamente, com esses exemplos, estou decepcionado. Mas também estou satisfeito porque houve, por exemplo, progresso significativo em relação ao Iraque.

Economista do MIT, defende o monitoramento do sistema financeiro.

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Autor: Daron Acemoglu

Há quatro anos, quando o turco-americano Daron Acemoglu recebeu a Medalha Clark, prestigiado prêmio concedido a economistas com menos de 40 anos, foi aberta a porta de entrada para o clube da elite acadêmica dos EUA. Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ele é hoje o oitavo economista mais citado em artigos do mundo econômico, de acordo com a Research Papers in Economics, e tem sido frequentemente lembrado nas listas de apostas para o Prêmio Nobel. Faz todo o sentido: 65% dos agraciados com a medalha mais tarde também levaram o Nobel para casa. Nomes como Milton Friedman, Paul Samuelson e Paul Krugman são alguns exemplos.
Com a eclosão da crise financeira, a zona de influência deste professor de 41 anos ampliou-se ainda mais e Acemoglu transformou-se numa voz importante na defesa de mais regulamentação do mercado para mitigar desastres econômicos. Durante a entrevista de 30 minutos concedida ao Valor, ele repetiu 14 vezes a palavra regulação, afirmou que a turbulência desafia os limites do capitalismo e advertiu: é preciso ter cuidado com a economia política envolvida na monitoração das finanças. “Nos últimos 15 anos, a regulação financeira foi guiada e decidida pela indústria financeira, que se tornou economicamente muito grande nos Estados Unidos, politicamente muito poderosa em Washington, e esses lugares foram os principais determinantes da própria regulação”, criticou.
Filho único de um casal de classe média, Acemoglu cresceu numa Turquia tumultuada pela hiperinflação e pelo caos político, antes de mudar-se para o Reino Unido. A ponte entre esses dois mundos, de certa maneira, foi estabelecida em suas pesquisas, que mostram as relações entre tecnologia e desigualdade de renda em nações ricas e pobres. Sua conclusão é que as instituições políticas e sociais têm peso considerável para o desenvolvimento dos países. “Um sistema capitalista bem-sucedido requer base boa e sólida, em termos de instituições, e algum tipo de contrato social. Acho que o povo brasileiro tem certo grau de confiança em seu governo”, disse Acemoglu.
Leia, a seguir, trechos da entrevista:
Valor: A crise pode acabar sem gerar problemas que desafiem os limites do capitalismo?
Daron Acemoglu: Alguns desafios importantes se apresentam. Pensar a regulação é um deles. Também é preciso pensar o controle dos problemas da economia política nos países desenvolvidos, pensar o controle do setor financeiro e, mais do que isso, acho que a economia, enquanto ciência, está diante de um desafio importante. É hora de voltar ao quadro-negro e criar modelos macroeconômicos de curto prazo que tenham maior possibilidade de nos ajudar a entender como a economia chegou até esse ponto e como, de agora em diante, podemos usar a política econômica e outros instrumentos para direcionar a economia. Precisamos de um modelo macroeconômico melhor, principalmente para análise de curto prazo, definição de preços de ativos, desemprego, para entender o que acontece. Há muitos desafios.
Valor: Após os escândalos na Enron e em outras corporações, o sr. disse que sua fé nas grandes empresas estava abalada, mas de pé. Como está seu grau de fé depois do que ocorreu com o Lehman Brothers, o Bear Sterns, o Merrill Lynch?
Acemoglu: É preciso que as grandes companhias prestem contas ao público de alguma forma, principalmente se elas começam a perder dinheiro. É uma questão de regulação. Há dois problemas com as grandes corporações. Elas não são imunes aos problemas que as pequenas companhias enfrentam, mas não vão se monitorar. Precisam que seus acionistas as monitorem, que seu conselho de diretores as monitorem e, em certos casos, precisam que o governo faça a regulação. O segundo aspecto é como lidar com as empresas se elas falirem.
Valor: Nesse aspecto, há um argumento comum que é o de que algumas companhias são “grandes demais para falir”. O Bank of America é grande demais para falir?
Acemoglu: A economia dos EUA não tem estrutura para suportar a falência do Bank of America. O mesmo vale para a General Motors. É aí que entra a regulação. É preciso intervir antes que o problema comece. É necessário que haja um sistema de procedimentos de falência, venda de ativos, mudança administrativa, para que, quando uma determinada companhia enfrente problemas, o governo não tenha que ajudar, o dinheiro do contribuinte não seja gasto, mas que haja um processo de reestruturação. Um dos problemas enfrentados pela economia dos EUA depois dessa crise foi que não havia equivalente ao capítulo 11 [lei de falências dos EUA]. E isso é particularmente importante para as empresas financeiras, porque elas estão envolvidas em inúmeras relações com contrapartes, não se pode simplesmente fechá-las, baixar suas portas e ir para casa. É preciso que haja regulação. Antes que enfrentem problemas, as companhias precisam aderir a uma série de procedimentos acerca de como vão se comportar se tiverem problemas de liquidez ou insolvência.
Valor: O sr. acha que o movimento atual pela regulação do mercado está no caminho certo?
Acemoglu: É preciso entrar em detalhes e definir exatamente como deve ser essa regulação. A maioria das pessoas reconhece que algum tipo de regulação é necessário, mas há pouco consenso sobre que tipo seria, em parte porque elas ainda não se recuperaram do choque da crise financeira e não se sentaram para pensar.
Valor: Como a regulação deve ser pensada?
Acemoglu: Em primeiro lugar, grande parte da teoria da regulação ignora questões relativas a “tail risks” [cataclismo financeiro cuja chance de ocorrer é pequena], eventos de grande porte que não são tão raros quanto gostamos de acreditar. Em segundo lugar, precisamos nos empenhar em entender as implicações do risco sistêmico, principalmente a interação entre risco moral e risco sistêmico. Em terceiro lugar, e mais importante, acho que precisamos ter cuidado com a economia política envolvida na regulação financeira. Quer dizer, em sua essência, a regulação financeira nos últimos 15 anos foi guiada e decidida pela indústria financeira, que se tornou economicamente muito grande nos EUA, politicamente muito poderosa em Washington, e esses lugares foram os principais determinantes da própria regulação. Isso obviamente causou enormes problemas de economia política, e acho que esses problemas ainda persistem. O sistema de regulação precisa enfrentar de uma vez por todas esses problemas de economia política também.
Valor: Milton Friedman e Alan Greenspan estão fora de moda, mas os economistas da Universidade de Chicago dizem que estimular a economia para sair da recessão só vai gerar problemas maiores no futuro.
Acemoglu: Concordo que Greenspan está fora de moda. Acho que ele não estava muito bem informado sobre a economia e agiu com base em preconceitos ideológicos, não com base em análises econômicas. Não diria o mesmo de Friedman, que defendeu diversos princípios. A importância da liberdade de mercado e da permissão para o funcionamento dos mercados são alguns exemplos. O fato de eu questionar os mercados financeiros sem regulação não deve ser interpretado como se eu estivesse dizendo que questiono o poder do mercado como a melhor maneira de decidir o destino dos recursos. O que Friedman não previu, infelizmente – e isso não é surpresa, porque não era tão importante na época -, é que, quando se lida com mercados financeiros, principalmente com firmas muito grandes e oligárquicas, é preciso levar a regulação a sério e é preciso levar as instituições de apoio aos mercados financeiros muito a sério. Alan Greenspan está desacreditado. Milton Friedman, não.
Valor: Mas o sr. compartilha da preocupação de alguns economistas com os gastos governamentais, considerados por eles excessivos, para inibir a crise?
Acemoglu: Concordo com o governo Obama no sentido de que algo precisava ser feito, acima de tudo para evitar a falta de expectativas. Roosevelt disse: “A única coisa da qual devemos ter medo é do próprio medo”. Isso é o que se tentou evitar, e acho que o pacote de incentivos conseguiu isso até certo ponto, bem como outras políticas que Barack Obama adotou. Obama é um estadista maravilhoso, majestoso, impõe autoridade, transmite confiança, e esse é um elemento importante para que a economia dos Estados Unidos lide com a crise e, consequentemente, a economia do mundo está começando a se recuperar. Para mim, no entanto, isso não significa que o pacote de incentivos foi criado de forma correta. Os economistas de Chicago, com base em Milton Friedman e outros, têm muitas preocupações que são procedentes acerca dos pacotes. Em algum momento, eles vão se transformar em um problema econômico, e não só um problema político, porque as dívidas terão de ser pagas. Quando o governo concede mais empréstimos, isso implica mais impostos sobre capital, mais impostos trabalhistas, efeitos inflacionários e, mais importante, uma recuperação mais lenta.
Valor: Alguns economistas como Paul Krugman dizem que nos EUA e em países da Europa, onde as taxas de juros reais estão próximas de zero, a política macroeconômica à qual estávamos acostumados não funciona mais.
Acemoglu: As taxas de juro estão em zero porque as políticas monetárias estão sendo usadas de forma agressiva. O Fed usa uma combinação de política monetária e política fiscal. Em linhas gerais, o Fed de Ben Bernanke adota políticas mais agressivas que qualquer outro banco central que eu conheça, porque fornece garantias reais e seguro a empresas financeiras, portanto sai do âmbito da política monetária pura e entra no âmbito da política fiscal. Uma interpretação possível seria, “a política monetária não está dando certo, por isso eles também estão usando política fiscal”, mas acho que o que eles estão tentando fazer é adotar uma postura agressiva com relação aos problemas que a economia enfrenta. Por enquanto, apesar da gravidade da recessão inicial, a economia não vai tão mal. Não atribuo isso ao Fed. Acho que a economia dos Estados Unidos é fundamentalmente forte. A força de trabalho tem um alto grau de instrução, a economia é muito dinâmica e empreendedora, há muitas oportunidades de inovação e oportunidades geradas por novas tecnologias.
Valor: Nas últimas décadas, o mundo teve grande prosperidade em virtude da velocidade dessas inovações, independentemente de bolhas ou de problemas financeiros. As inovações serão o segredo para a retomada do crescimento econômico após esta crise?
Acemoglu: Não tenho dúvidas. Foi assim que a economia mundial e a dos EUA conseguiram crescer nos últimos 200 anos. E foi assim que essas economias se expandiram nos últimos 25 anos. As melhorias em tecnologia da informação, hardware, software, biotecnologia, tecnologia farmacêutica e tecnologia em saúde tiveram papel determinante. Também houve avanços grandes no setor de serviços. Ocorreram fenômenos como o do Wal-Mart, que desenvolveu um sistema muito melhor para controle de estoques. Mas muitas dessas inovações ainda não estão amplamente difundidas na economia mundial. À medida que elas se espalharem, a produtividade aumentará. Além disso, há muitas plataformas novas. Um exemplo é o da fonte alternativa de energia, que é uma plataforma incrível na qual empresas ligadas à tecnologia podem investir. É algo que vai exigir muito capital, mas trata-se de um conjunto de inovações que será utilizado em larga escala. Há muitas possibilidades de inovação também em biotecnologia. Portanto, há possibilidades com as quais a economia dos Estados Unidos pode beneficiar-se. Há muitas oportunidades de crescimento rápido.
Valor: Nesse contexto, o conceito de destruição criativa de Joseph Schumpeter (1883-1950) parece bem atual. Teremos de enfrentar um processo de destruição criativa para poder reconstruir uma nova economia?
Acemoglu: A destruição criativa é algo que vemos ocorrer o tempo todo. Vemos a destruição criativa no funcionamento cotidiano da economia, mas não prestamos atenção. Quando o restaurante da esquina fecha, uma floricultura é aberta no lugar dele e, dois meses depois, outro restaurante se estabelece em outro lugar. Isso é destruição criativa. Quando as indústrias protegidas pela substituição de importações no Brasil começaram a perder força, e o Brasil começou a investir em novas indústrias, foi um processo de destruição criativa. O mesmo ocorre nos EUA o tempo todo. O problema é que a destruição criativa provoca problemas políticos. Aqueles que são substituídos pelas forças de mercado fazem questão de pedir ajuda aos governos para prevenir que aquilo aconteça.
Valor: Como na indústria automobilística.
Acemoglu: Exatamente. Como na indústria automobilística e, muito mais importante, na indústria financeira. Veja o que aconteceu: a Chrysler passou por um processo de falência e saiu dele como uma empresa muito mais forte.
Valor: O sr. é contra o instrumento de socorro do governo?
Acemoglu: Não. Em alguns casos, de tempos em tempos, é necessário. No entanto, no caso das montadoras, a questão principal é que elas precisam mudar as práticas trabalhistas, fazer uma transição para novos modelos. A Chrysler está muito mais forte agora, mas a General Motors, não. O mesmo vale para a indústria financeira. Em algum momento, as pessoas que foram responsáveis por todos os desastres financeiros nos dois últimos anos deveriam perder o emprego, algumas dessas empresas ir à falência, e novas companhias deveriam tomar seu lugar. A liquidação no varejo dos grandes bancos não é desejável. Seria desastroso para a economia dos Estados Unidos se o Bank of America e o Citibank falissem. O que se quer é algum tipo de “downsizing” desses bancos e o desenvolvimento de novos modelos de negócios. Infelizmente, a indústria financeira tem poder político demais e recebe apoio governamental demais para que isso ocorra. Ou seja, a destruição criativa está sendo bloqueada por forças políticas.
Valor: A reputação internacional do Brasil está melhor hoje. Qual é a sua visão do país?
Acemoglu: Ao que parece, a economia brasileira está muito mais saudável que muitas outras. Certamente, a economia brasileira está muito mais saudável do que estava há 15 anos. Um sistema capitalista bem-sucedido requer base boa e sólida, em termos de instituições, e algum tipo de contrato social. Acho que o povo brasileiro tem certo grau de confiança no governo. O governo não é considerado populista e não é tido como representante de uma pequena elite. Isso facilita muito a resolução de problemas relativos à política econômica. O mesmo vale para a Índia. A Índia nem sempre é bem-sucedida do ponto de vista econômico, mas é bem-sucedida do ponto de visto político. Ela se tornou um país democrático, e as eleições recentes mostraram a força da democracia na Índia.

Martin Carnoy, Economista e professor da Universidade Stanford, especialista em educação.

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“POR QUE alunos cubanos vão tão melhor na escola do que brasileiros e chilenos, apesar da baixa renda per capita em Cuba?” A pergunta norteou estudo do economista Martin Carnoy, professor da Universidade Stanford, que filmou e mensurou diferenças entre atividades escolares nos três países. No Brasil, o professor encontrou despreparo para ensinar e atividades feitas pelos alunos sem controle. “Quase não há supervisão do que ocorre em classe no Brasil.”
Para ele, o problema também atinge a rede particular. “Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá.” Carnoy sugere filmar o desempenho dos professores. “Não basta saber a matéria. É preciso saber como ensiná-la.” Ele esteve no Brasil na semana passada para lançar o livro “A Vantagem Acadêmica de Cuba”, patrocinado pela Fundação Lemann.

FOLHA – O que mais chamou a sua atenção nas aulas no Brasil?
MARTIN CARNOY – Professoras contratadas por indicação do secretário de Educação do município, que dirigem a escola e vão lá de vez em quando; 60% das crianças repetem o ano, e professoras pensam que isso é natural porque acham que as crianças simplesmente não conseguem aprender. Fiquei impressionado, o livro [didático usado na sala de aula] era difícil de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer criança conseguisse passar [de ano]. Vi escolas na Bahia, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio… [entre outros].

FOLHA – Qual a metodologia do estudo?
CARNOY – Como economista, usei dados macro para explicar as diferenças entre os países nos testes de matemática e linguagem. Fizemos análises com visitas a escolas e filmamos classes de matemática e analisamos as diferenças entre as atividades em classe. Há uma grande diferença, pais cubanos têm renda baixa, mas são altamente educados, em comparação com os do Brasil. O estudo foi finalizado em 2003 e depois comparamos Costa Rica e Panamá. Na Costa Rica, há coisas engenhosas, aulas com duas horas, em que se pode realmente ensinar algo. Supervisionar a resolução de problemas de matemática e, principalmente, discutir resultados e erros. Os alunos cubanos têm aulas acadêmicas das 8h às 12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h e ficam até as 16h30, quando têm uma sessão de TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes, mas com o mesmo professor.

FOLHA – Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os cubanos) é uma vantagem?
CARNOY – Quatro anos, pelo menos. Mas os alunos não mudam de um ano para outro. No Brasil, se alunos e professores mudam muito de escola, como fazer isso? Se a ideia é tão boa, se funciona, deveríamos fazer algo para que pelo menos professores não mudassem tanto.

FOLHA – Qual a sua avaliação sobre a proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que vincula o aumento de salário à permanência do professor na mesma escola e à aprovação em testes?
CARNOY – Sugeri ao secretário Paulo Renato que acrescentasse um teste: filmar o professor, como no Chile. Professores de outra escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser bons nos testes, mas péssimos para ensinar. Se você tiver um professor experiente que foi bem ensinado a ensinar e teve um bom desempenho com os alunos, a diferença é visível em relação a uma pessoa sem experiência, como eu. Profissionais que viram as fitas disseram que há grande diferença entre o professor cubano e o brasileiro.

FOLHA – A Secretaria da Educação pretende oferecer curso de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba, dura 18 meses, para o nível médio. O que é importante num treinamento?
CARNOY – [Em Cuba] São oito meses para a escola fundamental. Mas são para os professores que não foram à faculdade. Você deve se lembrar que houve escassez de professores, com o incremento do turismo, que atrai pelo pagamento em dólares. Tiveram de produzir muitos professores, muito rapidamente. Então, pegaram os melhores estudantes do ensino médio e lhes ofereceram cinco anos de universidade nos finais de semana. O que é importante nesses cursos de treinamento é ensinar como dar o currículo, como ensinar matemática. O Estado deve estabelecer padrões claros, como na Califórnia. Isso é o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro ano. No Chile, há um currículo nacional, mas não ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar o currículo.

FOLHA – O sr. dá muita importância ao diretor…
CARNOY – E também à supervisora, que em muitas escolas no Brasil não fazem nada, não entram em sala. Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras assistem às aulas. Nos primeiros três anos de serviços de um professor, eles entram muito, ao menos duas vezes por semana. São tutores que asseguraram que a instrução siga o método e o nível requeridos pelos padrões estabelecidos.

FOLHA – Os bônus a professores, como ocorre no Estado de São Paulo, são um bom caminho?
CARNOY – Não há boas evidências de que esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em São Paulo, em que todos os professores ganham mais dinheiro se a escola atingir a meta, pode funcionar. Tentaram isso na Carolina do Sul, no final dos anos 80. Foi um grande sucesso por poucos anos e, depois, deixou de sê-lo porque não houve mais melhora. Eles só atingiram um certo limite e não conseguiram mais progredir. Há o efeito inicial do esforço e depois, quando as pessoas têm que saber melhor como aprimorar o desempenho dos alunos, nada acontece. E não existe mais na Carolina do Sul. O que tem sido feito, em geral, nos EUA não é bônus, mas punição. Se a escola fracassa em atingir a sua meta em três anos, como na Flórida, os estudantes podem receber vouchers e frequentar escolas particulares, em vez de públicas. A forma como estão fazendo em São Paulo não é a melhor. Eles medem neste ano como a segunda série aprende e, no próximo, quanto a segunda série aprende. Mas não os mesmos alunos. Escolas pequenas têm mais chance de receber bônus do que grandes. Se a escola cai, não há punição. Só não recebe bônus. Não estou defendendo punição, só digo que eles [bônus] são mal mensurados. Você pode fazer como em São Paulo, mas não dar bônus todo ano, e sim a cada dois anos. E aí poderá ver o que se ganhou com os alunos que se mantiveram na escola e ter as médias, mas com as mesmas crianças através das séries. O problema da falta de professores é mais grave porque é sobretudo um absenteísmo autorizado, não é ilegal. Em Cuba, professores e alunos faltam pouco. É tudo controlado.

FOLHA – Melhorar o ensino público provocaria uma avanço na educação como um todo, inclusive nas escolas particulares?
CARNOY – Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá. Mesmo os melhores docentes brasileiros são menos treinados do que os de Taiwan. Os melhores professores no Brasil têm em média desempenho abaixo da média do professorado de países desenvolvidos. Investir e melhorar a escola pública, que é a base de comparação dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares também. Professores são bons em pedagogia, mas não no conhecimento a ser ensinado. Não treinam muito matemática e não sabem como ensiná-la.

FOLHA – O que do modelo cubano não pode ser transposto considerando que Cuba vive sob ditadura?
CARNOY – Há, de fato, uma falta de criatividade [no ensino]. Não se pode questionar, ser contra a Revolução. Mas as crianças sabem que estão aprendendo o esperado. São bons em matemática, sabem ler bem e aprendem muita ciência, mesmo nas escolas rurais ou de bairros urbanos de baixa renda. O Brasil tem a capacidade de enfrentar esses problemas [ter crianças bem nutridas, com bom atendimento médico]. Por que em uma sociedade com uma renda per capita que não é tão baixa não se faz isso? Acho que tem de ser construído um sistema de supervisão, com pessoas capazes de ensinar e treinar novos professores a ensinar. Os professores no Brasil estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar. Podem esquecer tudo aquilo de Paulo Freire, um amigo. Devem ler sua obra como exercício intelectual, mas queremos que professores saibam ensinar.

FOLHA – Não é possível conciliar na América Latina bom ensino com autonomia, democracia?
CARNOY – A melhor escola é a que tem professores com democracia. Mas temos de ter um acordo de quais são os nossos objetivos. Tony Alvarado é um supervisor em Manhatan que trocou metade dos professores e dos diretores para melhorar a qualidade das escolas. Ele disse aos professores: “Este é o programa. Vão implementá-lo comigo ou não? Têm uma semana para pensar. Se não quiserem, são livres para sair”.

FOLHA – No Brasil seria mais difícil…
CARNOY – Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado muda de escola todo ano! Em Nova York, não se demitiu. Alvarado mandou-os para outros bairros. Precisa, no início, de um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer o que fazer no início. E depois, sim, há uma democracia. Os diretores devem se preocupar com os direitos das crianças. Em Cuba, é o Estado. Aqui, os sindicatos de professores preocupam-se com os direitos dos associados – e estão em certos em fazê-lo. Mas e as pobres crianças que não têm sindicatos para defender seus direitos à educação?

Tania Bacelar de Araújo – Economista.

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Uma análise coerente e bastante original da Economia Brasileira e, principalmente suas peciliaridades regionais, seus desequilíbrios históricos e seus principais desafios no mundo contemporâneo. Uma viagem profunda a sociedade brasileira capitaneada por uma economista de grande projeção, leitura fundamental.

Desafios – Qual é a principal dificuldade do desenvolvimento brasileiro na atualidade?
Tania – No curto prazo, a preocupação com o endividamento do governo, a crise fiscal, se arrastando desde a década de 1980, então já temos duas décadas, quase três. O problema que eu vejo nisso para o desenvolvimento é que no caso do Brasil o governo ainda é um agente muito importante tanto para investimentos em infra-estrutura como em investimentos na educação e para investimentos na proteção social. E um governo endividado não tem dinheiro para investir. Hoje, quando se analisa as contas públicas, a principal despesa do governo é a conta de juros. Então, o dinheiro que ele teria para devolver à sociedade ele devolve a seus credores. Isso, no curto prazo, tem sido um entrave importante para um melhor desenvolvimento do país e não acredito em solução mágica para isso. A solução é gradual mesmo.

Desafios – A política econômica caminha a favor ou contra uma solução para esse problema?
Tania – A taxa de juros muito alta termina sendo um elemento impeditivo. Então, se teria de ter uma situação em que a taxa de juros pudesse ser mais baixa, a maior taxa de juros real do mundo é a nossa. E voltou a crescer. Aí, a inflação desacelera, mas o juro já subiu. Esta, no curto prazo, é a principal dificuldade, porque limita toda a capacidade de crescimento. Um país que ainda tem gargalos sérios de infra-estrutura em segmentos e projetos que o setor privado não vai suprir, que tem um investimento estratégico a fazer em educação, que também o setor privado sozinho não responde, e que ainda precisa de políticas sociais de peso. Mas o cenário hoje é melhor do que o que já tivemos. Com todo o problema, no começo do século XXI, o tamanho da dívida era 55% do Produto Interno Bruto (PIB) e hoje são 40%. Mas ainda é muito elevado. E, como a taxa de juros é alta, o pagamento de juros é o maior item de despesa do governo.

Desafios – E a médio prazo?
Tania – Para mim, o problema central a médio prazo é o da desigualdade – a desigualdade social e a desigualdade regional. Nós herdamos essas duas desigualdades e em todo o diagnóstico que se faz isso aparece com muita força. Eu faço parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República. Ali, é um ambiente muito heterogêneo, são mais de 80 pessoas com perfil muito diferenciado, e foi feita uma pesquisa conosco. Foi quase unânime, mais de 90% das pessoas, quando perguntadas qual é o principal desafio do país, responderam: é reduzir a desigualdade, tanto social quanto regional, em todas as escalas.

Desafios – Quais progressos estamos fazendo quanto à desigualdade de renda?
Tania – Eu diria que a renda do trabalho melhorou. A renda total, não, por conta dos juros. A taxa de juros não afeta só o governo. Os rentistas, os aplicadores, quem é superavitário no Brasil e empresta ao governo, ganha muito bem. É muito melhor remunerado do que se aplicasse em qualquer país do mundo. Então, isso transfere renda da sociedade para um pequeno pedaço da sociedade que são os aplicadores, as empresas ou pessoas físicas que são superavitários. A maioria da nossa população não tem a cultura de poupar, ao contrário, a nossa cultura é de consumir, se endividar, e portanto pagar mais caro. Então, na renda total, não se tem uma mudança significativa, mas na renda do trabalho há uma mudança importante neste começo de século XXI, que eu considero positiva, tirando gente da classe E para botar na classe C. É uma pirâmide com uma base muito alargada, com muita gente nas classes C, D e E, e o que se fez foi tirar gente das camadas de menor renda para uma camada intermediária. Todas as pesquisas mostram isso.

Desafios – A redução da inflação foi fundamental para que isso ocorresse?
Tania – Eu acho que foi. A inflação alta corrói o poder de compra de quem ganha pouco e não tem mecanismos de defesa. Então, inegavelmente, uma inflação baixa é favorável exatamente à base da pirâmide. E, junto, houve três outros fatores. Primeiro, o Bolsa Família. Não é desprezível pelo volume de recursos: passa do patamar de R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões anuais, o que no Brasil é muito dinheiro. E afeta mais o Norte e o Nordeste, e nem se sente em São Paulo. E nos pequenos municípios se sente com mais força ainda. O tamanho da transferência foi significativo em locais onde a base produtiva é pequena e portanto o volume de renda gerado localmente é muito pequeno. O que era um programa assistencial acabou se transformando em estímulo ao dinamismo daquela economia local muito pequena. A bodega da esquina, a feira, a padaria, a farmácia, tudo envolve um fluxo de renda que não era gerado ali, mas que é transferido de outros lugares. O Nordeste tem 28% da população brasileira e 50% da população pobre do Brasil. Então, dos R$ 10 bilhões que o governo paga, R$ 5 bilhões vão para lá. Por isso, nas pequenas cidades do Nordeste se sente um impacto importante no estímulo ao consumo. Gente que não consumia passou a consumir. Do ponto de vista macro, não foi só o pequeno negócio que lucrou. Porque, como é muita gente, também as grandes empresas se beneficiam: os supermercados e empresas de produção de alimentos e de confecções. Por exemplo, a Bauducco fez uma fábrica na Bahia e está fazendo outra. A Nestlé está investindo lá. A Perdigão e a Sadia foram agora para Pernambuco. Vão produzir iogurte e embutidos, porque esse padrão de renda consome muito em embutidos. Então, isso atraiu também grandes corporações para fazer investimentos para atender a essa demanda. E tem um efeito indireto sobre o emprego.

Desafios – Qual é o segundo fator?
Tania – É o salário mínimo. Desde o final da década passada ele vem tendo variação real e acima da correção média dos salários. Também todos os estudos mostram isso. No ano passado, a inflação média, o melhor índice, foi 5,2%, digamos, e o salário mínimo este ano foi corrigido em 9,2%. Então, não é uma diferençazinha, é uma diferença significativa. De novo, bate lá na base da pirâmide, e bate mais nas regiões mais pobres. Tem um impacto social e um impacto regional. De novo, para dar o exemplo do Nordeste, que tem metade dos trabalhadores brasileiros que ganham salário mínimo, o impacto é maior no Nordeste do que em São Paulo.

Desafios – E por fim, qual é o terceiro fator?
Tania – O terceiro é o crédito. Sem dúvida o crédito estimula o consumo. E o crédito não só aumentou em volume como ele trabalhou muito com o que é da cultura brasileira, que é o tempo. O brasileiro não faz conta da taxa de juro, mas faz conta do tempo do empréstimo, e, portanto, da parcela mensal que ele vai pagar. Ele não sabe quanto está pagando de juro. Ele faz a conta: cabe no meu salário, na minha renda mensal? Cabe. Então, compra. Alongou o prazo. Já se vende hoje carros, motos, eletrodomésticos a prazos muito grandes.

Desafios – Esses prazos são exagerados?
Tania – Eu acho que sim. No caso do automóvel, estamos na contramão das tendências mundiais, financiando automóvel a 70 meses, quando precisamos investir é em transporte público coletivo de qualidade. Esse padrão de cada pessoa se deslocar de automóvel é um padrão do século XX, não do século XXI. A crise energética sinaliza noutra direção. E estamos no modelo antigo. O Brasil do século XX cresceu concentrando renda. Essa herança da desigualdade tem a ver com esse padrão de crescimento que estruturamos no século XX, que, do ponto de vista econômico, foi muito exitoso. O Brasil é um exemplo no século XX, na literatura, de um país que deu um salto quantitativo e qualitativo na sua economia fantástico. Inegavelmente, o Brasil montou uma estrutura industrial que produz desde os bens mais simples até aviões e armamentos, bens básicos, bens sofisticados. Estruturou um parque produtivo, em seis décadas, que é exemplo no mundo, de sucesso, de capacidade de realização. Só que foi feito concentrando renda, olhando para a camada de cima da pirâmide. A novidade é que agora estamos descobrindo um dos potenciais do Brasil, que é o consumo insatisfeito da grande maioria da população. É um mercado muito grande. E este ciclo está mostrando isso, como já vimos isso em outros momentos em que rompemos com a inflação – o Plano Cruzado e o Plano Real. A sociedade sentiu isso com muita clareza. Cai a inflação, aumenta o poder de compra e o país explode, porque há um consumo insatisfeito numa massa muito grande.

Desafios – É possível o consumo alcançar já as fatias da população que sempre ficaram à margem?
Tania – A tragédia brasileira, sempre se diz, é que se um terço desses que ficaram à margem fossem colocados dentro do consumo já seríamos um grande mercado, quase a população da França. Esta era a nossa tragédia. Dava para desenvolver a economia com um terço da população dentro e dois terços fora. O que fica para resolver é o problema social. E gargalo é educação. É aí onde como sociedade – não estou falando de governo, que também tem papel importante -, do mesmo jeito em que ela não poupa, ela não valoriza o investimento em educação. Conheço muita gente de classe média que, na hora do aperto, em vez de cortar a cervejinha, corta a aula de inglês do filho. Isso significa que é uma decisão da família. Imaginem os filhos de pais que não estudaram e não vêem no conhecimento uma possibilidade de uma inserção melhor. Então, tem um lado que é da sociedade, é cultural.

Desafios – E também da educação?
Tania – Aí o governo tem culpa. A oferta do ensino era muito restrita. Agora, ampliamos a oferta, mas a qualidade é trágica. Eu não acredito que seja uma questão de dinheiro. Vejo países como a Coréia, que tem uma economia muito menor do que a do Brasil, e pôs todos os jovens na escola de manhã e de tarde. É isso que temos de fazer no Brasil para dar uma educação que não seja só ensinar a ler e a escrever. É preciso dar cultura, dar esporte, é preciso ter uma visão completa da formação de uma pessoa. Todos os países desenvolvidos têm suas crianças de manhã e de tarde na escola. É requisito básico. Nem se discute. E eu não vejo ninguém sequer discutindo isso, passamos pelas campanhas eleitorais e não se vê ninguém cobrando. Só vozes isoladas, que não repercutem. Então, a minha hipótese é a de que não é só o governo, é a sociedade que não valoriza isso. E, quando se diz que devemos descentralizar para os municípios… espera aí, nem todo município é município com capacidade de dar educação nesse padrão. Ao contrário, acho que aí a responsabilidade é do governo central. Nós não estamos na Alepúblico manha, onde dois terços da receita pública são geridos na base. Estamos no Brasil, e aqui a maior parte da receita pública está na mão do governo federal. Todos os municípios do Brasil, inclusive os ricos, somados, depois que recebem todas as distribuições a que têm direito, ficam com 20% da receita pública. Então, um investimento estratégico desse não pode ser descentralizado. A execução poderia ser até descentralizada, mas o financiamento, não. E aí eu acho que caminhamos muito pouco. Mas a preocupação do Ministério da Educação (MEC) hoje com o ensino médio é correta. O Brasil cresceu um pouquinho e já está faltando mão-de-obra intermediária. Nosso ensino médio é um gargalo.

O Brasil estruturou em seis décadas um parque
produtivo que é exemplo de sucesso, só que foi feito
olhando para a camada de cima da pirâmide social

Desafios – O programa de escolas profissionais está no caminho correto?
Tania – Essa ênfase que o MEC está dando hoje a escolas profissionais é o que o Brasil precisa. Eu fui a Petrolina (PE) para uma palestra em uma escola de 2º grau do Senai, e é uma escola com equipamento e salas de aula decentes, biblioteca, laboratório, internet para os alunos. É desse ensino médio que eu estou falando. Eu perguntei ao diretor o quanto investiram. Foram R$ 15 milhões. Isso não é dinheiro para o Brasil, para um país como o nosso, que tem uma carga tributária de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que já é um dos PIBs maiores do mundo. Eu não vejo que o problema seja dinheiro. O problema é que a expansão das escolas técnicas é amplamente insuficiente. E tem que ser ensino de manhã e de tarde, estudar na sala de aula de manhã e ir para o laboratório de tarde, fazer esporte e para isso tem que ter uma quadra decente. Aí, vai diminuir a violência. E eu defendo que o ensino profissional tem que dar o ensino médio junto. Não é só dizer que vamos preparar para o mercado, mas para o mercado e para, se ele quiser, a universidade, que tenha o diploma de ensino médio e faça o vestibular. Esse é o grande investimento estratégico que o Brasil não fez, e eu infelizmente acho que a discussão está muito aquém da relevância disso, em um mundo onde, sem conhecimento, vai-se fazer o quê?

Desafios – Em compensação, nosso povo é bastante criativo…
Tania – Criativo e com capacidade de iniciativa. Mas a capacidade de iniciativa, sem conhecimento, se reduz. Imagine nossa capacidade de iniciativa com conhecimento. Já fazemos milagres sem conhecimento. Eu acho que é um atributo importante a nossa capacidade crítica. No exterior, se sente que o pessoal tem uma formação mais bitolada. Então, para criar é mais difícil, porque criar significa contestar o que está estabelecido para poder propor outra coisa. Esse lado o Brasil tem, é um atributo positivo da nossa sociedade. Aparentemente, levamos tudo na brincadeira, mas não é brincadeira, é espírito crítico, e disso nasce coisa nova. É desmontando que também se constrói. Mas esse investimento não é questão de dinheiro, mas também não é solução de curto prazo. Vai dar frutos em 15 anos, mas dá. No Nordeste, não havia universidades há 40 anos, e hoje há. Esse prazo, em termos de desenvolvimento, não é muito tempo. Então, não se faz em cinco anos, mas se faz em 40.

A inserção soberana é muito difícil em um país
como o Brasil, mas a China está se reinserindo
agora de uma forma soberana

Desafios – Os desequilíbrios regionais estão agora se reduzindo?
Tania – Essa é outra herança que tivemos, mas acho que aí estamos melhorando. Ao decidir que queríamos ser um país industrial, em 60 anos o país montou uma base produtiva e industrial complexa e quase completa, mas concentrou muito principalmente no Sudeste. Chegamos a colocar 80% da produção industrial no Sudeste e 44% na Grande São Paulo. Um padrão de concentração fantástico. Mas os estudos de que dispomos mostram que o auge da concentração foi nos anos 1970 e de lá para cá há uma modesta desconcentração. Pelo menos a concentração não continuou e isso já é um fato importante. Hoje, há uma tendência a desconcentrar, primeiro da Grande São Paulo para o interior do Estado, as cidades médias mais próximas, o Sul de Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná. Isso tudo se beneficia de uma espécie de transbordamento. São locais próximos, mas não estão no foco das deseconomias. São Paulo terminou concentrando tanto que às vezes as deseconomias externas passaram a ser maiores do que as economias. Há também, por exemplo, Manaus, é claro que com muito incentivo. As informações que nós dispomos hoje sinalizam que, do ponto de vista dessa macrotendência à concentração, a hipótese é de que escapamos dela. A macrotendência não se acentua, mas reflui, por várias razões. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) foi desconcentrador, a crise bateu mais forte em São Paulo nos anos 1980, e dos anos 1990 para cá temos a abertura comercial, a redefinição do crescimento e nesta fase mais recente o crescimento do consumo da base da pirâmide social está puxando as atividades desconcentradoras. Então, em cada momento tem um fator, mas o conjunto deles está dando uma desconcentração. A minha leitura, nesse ponto, é positiva.

Desafios – Sua tese sobre a diversidade…
Tania – Eu gostava de dizer que a principal potencial do Brasil é a diversidade regional brasileira. É um dos nossos patrimônios, do mesmo jeito que a criatividade do povo brasileiro é um dos nossos patrimônios. Continuo acreditando nisso. Dificilmente se encontra outro país no mundo com tanto potencial como o nosso. A natureza diferenciada, seis biomas dentro do mesmo país, bases produtivas que fomos estruturando historicamente, cada uma diferenciada da outra, e a sociedade brasileira é diferenciada. Nós nos consideramos um povo miscigenado, e somos, mas a miscigenação não é a mesma em cada parte. A influência indígena é muito mais forte no Norte, a influência africana é muito forte no Nordeste, a influência européia é muito forte no Sudeste, a influência japonesa é muito forte em São Paulo. Eu não encontro em outro lugar do Brasil onde a influência japonesa tenha essa força. O mix foi sendo diferente, o que faz a sociedade ter traços de união importantes – uma visão de mundo que se unifica, e a língua também, com a ajuda da televisão e dos meios de comunicação -, e ter diferenciações também importantes. As diferenciações são de uma riqueza muito grande, que nos permite tirar partido disso. Eu acho que no século XX o país apostou na concentração, e a concentração empanou a diversidade. Nós, economistas, gostamos dos grandes números, mas é preciso ver que as médias no Brasil são muito influenciadas por São Paulo e pelo Sudeste, porque a concentração foi tão forte que a média parecia explicar o Brasil, mas estava explicando apenas São Paulo ou o Sudeste. Só que os 20% ou 30% que não estavam explicados ali são de uma riqueza e de uma diferenciação maravilhosas. Hoje, começamos a descobrir isso. Não digo ainda que esteja forte, não tem a força que teve a concentração no século XX. Mas eu acho que hoje essa modesta desconcentração está dando esse resultado. A sociedade brasileira olha para essa multiplicidade de tecidos sociais e econômicos com um olhar de que ali também tem potencial. Todo lugar tem um potencial, como toda pessoa tem um potencial. Ninguém é desprovido de tudo. Portanto, também não tem uma região desprovida de tudo. Mesmo a região que não tem água, tem sol. Aí, é só levar água – estou falando do semi-árido, que não tem água, mas tem sol, e tem fruticultura de padrão mundial, porque o sol é um elemento importante. Então, desse ponto de vista eu sou mais otimista do que no lado da educação. Acho que devagarzinho estamos percebendo que a diversidade brasileira é um dos nossos potenciais.

Desafios – Isto vai melhorar a inserção do Brasil no atual contexto internacional?
Tania – Eu acho que a inserção soberana é muito difícil em um país como o Brasil. Primeiro, há o elemento cultural. A sociedade brasileira é herdeira da colonização e um pedaço da elite não tem um projeto de Brasil-nação, mas só um projeto de sua própria inserção no mundo. O Brasil é um país que não dá para se realizar só dentro dele. Engatou no resto do mundo e não vai desengatar. Vamos ter que conviver com a globalização. O Brasil interessa aos agentes globais pelo nosso potencial produtivo e de consumo. É um país que conta na mesa do jogo mundial, não é um país qualquer. Mas a história mostra países onde a elite tem outra visão, a visão do seu país primeiro, antes do resto. Quando falo que um pedaço da elite brasileira é colonizado, falo dos empresários, mas falo da academia também, para falar de mim mesmo, da área onde atuo. É uma inteligência que vai para o exterior e volta e não consegue adequar aquelas teorias que aprendeu lá fora à realidade do seu país. Ou não quer fazer esse esforço. O importante para essas pessoas é ter um paper aprovado em um seminário internacional, e os problemas que temos aqui no país não lhes afetam. Então, inserção soberana de um país que tem uma elite com essa característica não é tarefa simples. Segundo, é que grande parte da sociedade brasileira já nem discute isso. Ela está tão à margem – e esta é outra característica do Brasil – que nem discute.

Desafios – Com a China é diferente?
Tania – A China já foi uma grande potência no passado, depois virou país ocupado, todo mundo mandava na China, e veio a revolução socialista e isolou a China do resto do mundo. Eles estão se reinserindo agora, na minha leitura, de uma forma soberana. Eu acho que a China é um exemplo de país médio como o Brasil, que tem potencial como o Brasil e que consegue uma inserção soberana. A China faz o que eles acham que é importante para a China. Tem um projeto de país. Pode-se até discordar do projeto deles, mas fica evidente que têm um. O Brasil, não. O Brasil tem uma cultura de submissão, eu acho. E essa cultura da elite passa para a sociedade brasileira, que valoriza mais o que não é dela do que o que é dela. Às vezes, vemos pessoas comprando uma porcaria só porque é produto importado. Lá fora se vê uma leitura de que este é um país que tem potencial para uma inserção soberana. E quando se vem para dentro, se vê que a sociedade brasileira não tem essa consciência, não tem a consciência do nosso potencial. Ao contrário, tem uma leitura mais submissa.

O Economista Nouriel Roubini – Professor da New York University.

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Desde que a crise financeira mundial se aprofundou, o economista Nouriel Roubini virou um oráculo. Professor da New York University, Roubini vinha há tempos alertando para os efeitos desvastadores da bolha imobiliária que se formava nos Estados Unidos.

Não faz muitos meses, suas previsões pessimistas eram vistas com desdém. O prestigiado The New York Times, em perfil recente, disse que Roubini era visto como Doctor Doom (ou doutor Catástrofe). O derretimento dos mercados financeiros globais provam que o analista não só tinha razão como, de certa maneira, era até otimista.

Os leitores de CartaCapital sabem bem quem é Roubini. O economista ingressou no time de colaboradores fixos da revista em janeiro deste ano (leia abaixo todas as colunas), após ter concedido inúmeras entrevistas em reportagens que informaram com precisão os potenciais efeitos da crise.

Relembre abaixo a primeira entrevista de Nouriel Roubini concedida a CartaCapital, em fevereiro de 2008, que mostra o quão certeiras eram as avaliações do economista sobre a dimensão da catástrofe.

CartaCapital: O senhor considera real a chance de o mundo viver um processo de estagflação em 2008?
Nouriel Roubini: A recessão nos Estados Unidos será inevitável, o que causará uma significativa desaceleração econômica global. O fenômeno da estagflação, no entanto, implica dois acontecimentos simultâneos. O crescimento tem de ser negativo e a inflação, subir para dois dígitos, por exemplo. Muitos economistas hoje estão preocupados com o aumento dos preços do petróleo e das commodities, principalmente agrícolas. Considero uma visão equivocada, porque só seria preocupante se houvesse um choque negativo do lado da oferta. Quando se pensa em petróleo, tais choques sempre foram provocados por eventos geopolíticos, como entre 1973 e 1981, com a invasão do Kuwait pelo Iraque. Hoje, isso só aconteceria se os Estados Unidos invadissem o Irã, com a alegação de risco mundial com a proliferação de armas nucleares. A possibilidade de isso acontecer agora é muito menor.

CC: O barril de petróleo a 100 dólares não representa um choque de oferta?
NR: Não, porque a desaceleração global provocará uma redução na demanda. Por essa razão, o que pode soar paradoxal, as forças inflacionárias perderão importância. Principalmente porque já há sinais de recessão nos Estados Unidos, com o desemprego elevado (5% em dezembro, a maior taxa em dois anos) e a conseqüente queda do consumo. Como reflexo, o mundo inteiro consumirá menos e assistiremos a uma redução bastante forte dos preços das commodities, incluindo o petróleo. Se minha análise estiver correta, haverá uma repetição do que ocorreu entre 2001 e 2003. Então, o Federal Reserve estava preocupado demais com a inflação e, no entanto, os preços caíram.

CC: O senhor considera que os bancos centrais deveriam direcionar seus esforços na solução da escassez do crédito?
NR: Sim. Deveriam se concentrar na liquidez e no fato de que já existe uma desaceleração da demanda, visível nos Estados Unidos, mas também presente na Europa, com a redução das vendas no varejo. Também continua o processo de estouro das bolhas imobiliárias no Reino Unido, Espanha e Irlanda, para citar três exemplos. Os principais índices que medem os preços das commodities agrícolas já estão 20% abaixo dos picos.

CC: Como o cenário global vai afetar o Brasil?
NR: Claramente, o Brasil está mais sólido do que nas crises econômicas do passado. Não haverá o mesmo impacto negativo de 1999 e 2002. Mas também é verdade que parte do sucesso do País se deveu à sorte, com o mundo todo em crescimento e a elevação dos preços, além dos juros internacionais baixos, que atraíram os investidores em busca de maior rentabilidade. O efeito para o País, com a recessão americana, virá primeiro pelo canal do comércio exterior, em razão da queda dos preços das commodities. Poderá haver ainda maior aversão ao risco, sempre associado aos mercados emergentes. Parte da melhora da situação fiscal e das contas externas brasileiras vai se perder. O Brasil terá certamente um déficit em conta corrente e uma piora no perfil fiscal.

CC: O pior ainda está por acontecer nos Estados Unidos?
NR: Sim. A recessão formal acontecerá neste ano, como produto da crise de crédito gerada pela bolha imobiliária. Haverá menos investimentos por parte das empresas, os cidadãos pouparão menos e consumirão ainda menos. Certamente, crescerá o nível de inadimplência de forma generalizada, e não só no segmento imobiliário. O risco se tornará mais evidente, pois muitas corporações emitiram títulos podres (junk bonds), sem qualidade. O dinheiro fácil e barato sumiu, resultado de alavancagem excessiva das instituições financeiras e do boom de crédito. Os balanços já começaram a mostrar prejuízos.

CC: É possível prever quanto esse novo ciclo, de crise, vai durar?
NR: Nos Estados Unidos, será mais longo do que as crises de 1991 e 2001, que duraram seis meses. Considero que a recessão será uma realidade nos quatro trimestres deste ano. A desaceleração no restante do mundo, pelas próprias características de contágio, deve se estender até a metade de 2009. Só se pode pensar em recuperação a partir de meados do próximo ano.

Momentos desinteressantes

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Vivemos um momento bastante estranho na sociedade brasileira, onde seus paradoxos se mostram cada vez mais intensos e evidentes, de um lado, encontramos um governo que quer vendar a sensação de que esta tudo bem, que todos os problemas estão sendo resolvidos e que as críticas são injustas, eleitoreiras e marcadas por um sentimento intenso de revanchismo e de pequenez política, todos os críticos são seres mal intencionados e que vivem querendo desestabilizar o governo e tirar o país dos trilhos do progresso e do primeiro mundo; e de outro encontramos uma oposição pouco inteligente, titubeante e marcada pela divisão e pela instabilidade, que vive criticando e, como proposta, pouco traz de novo, muitas vezes requentando coisas antigas e ultrapassadas embaladas em novas roupas para criar a sensação de novidade e de eficiência.

Estamos na segunda década do século XXI, trazemos na alma problemas originários do século XVIII, XIX e XX, e mais, somos, constantemente, impulsionados a tentar resolver os problemas do século XXI, um momento histórico único, cheio de desafios e de oportunidades, que exigem rapidez e eficiência, mas, antes de tudo, uma sociedade consciente e capacitada para compreender o momento histórico que estamos experimentando, uma sociedade coesa e altamente organizada para construir um futuro digno e decente para todos os cidadãos, um futuro onde os filhos nascidos em lares diferentes tenham a mesma oportunidade de competir no mercado de trabalho e no mercado da vida, ambos com condições de sobreviver e mais, de forma, cada vez mais digna e decente.

Quanto mais estudamos mais nos indignamos, quanto mais trabalhamos mais somos escorchados por impostos agressivos e desestimulantes, quanto mais falamos do charme e da eficiência da meritocracia, mais nos desenganamos com os modelos implantados na sociedade brasileira, onde encontramos pessoas despreparadas em altos cargos públicos, recebendo salários elevados e usufruindo de benefícios que a grande maioria da sociedade nem imagina existirem, benesses que aumentam mais as diferenças entre ricos e pobres, além de criarem uma nova casta, formada por sindicalistas, na maioria das vezes sem preparo intelectual e com grandes desajustes morais e éticos, todos indicados como representantes dos trabalhadores e atolados nas contribuições sindicais, recursos extraídos compulsoriamente da classe trabalhadora, que serve unicamente para encher a pança de muitos parasitas encrustados nestas instituições que nasceram para defender a classe trabalhadora, mas que, atualmente, luta para perpetuar suas benesses e privilégios.

Neste ambiente desinteressante internamente encontramos um mundo envolto em problemas financeiros, depressões crescentes, ameaças de guerras, desajustes culturais e intolerâncias constantes e conflitos generalizados, neste ambiente encontramos discursos que nos colocam em destaque na sociedade nacional, estamos bem cotados, somos membros atuante dos BRICs, fazemos parte de uma elite mundial e muitos acreditam que, num futuro muito próximo, seremos um dos maiores países da sociedade internacional, diante disso, fica a pergunta: será que melhoramos tanto assim ou será que foi o mundo que piorou?

Responder esta pergunta é algo bastante tentador, aceitar o axioma de que foi o mundo que regrediu de forma acelerada me atrai diretamente, mas desconversar e não reconhecer que avançamos é algo que não faz parte de minha consciência intelectual, seria muito fácil e equivocado acreditar e defender a tese que pioramos, na verdade o Brasil melhorou muito, somos um país melhor hoje do que éramos a vinte anos atrás, todas estas transformações começaram na estabilização da economia, iniciada em 1994, até o mais ferrenho opositor dos tucanos reconhecem, na intimidade, que avançamos neste período e, nos posteriores, ganhamos em outros campos, principalmente, social, somos um país que avança, mas como nossas heranças negativas são muito grandes, temos que avançar mais rapidamente, temos que ajustar nossa economia as exigências contemporâneas e trabalhar para que nossas conquistas sejam mais estruturadas e intensas, temos avançado claramente, mas nos preocupa o ritmo e a questão fiscal, como avançaremos num ambiente onde o Estado perde as condições para fomentar a economia, alguns podem argumentar que o Estado tem boas condições fiscais atualmente, esta tese é controversa, mas sabemos que mesmo equilibrados na atualidade, os gastos atuais preocupam muito mais num futuro próximo do que no momento atual, as incertezas futuras inibem investimentos e aumentam a instabilidade, afugentando novos investidores e reduzindo as perspectivas de crescimento sustentável para o país.

Vivemos num momento estranho, querelas políticas crescentes se disseminam por todos os cantos, confrontos entre poderes crescem e preocupam, propostas casuísticas de alterações constitucionais visando diminuição do poder do Supremo geram instabilidades e podem abrir precedentes preocupantes, discussões muito mais importantes e prementes são deixadas de lado, propostas para limitar investigações do Ministério Público caminham no Poder Legislativo, camufladas em leis, mas que, no fundo, objetivam aumentar a impunidade, principalmente dos grupos mais poderosos que atuam, feito quadrilhas organizadas, no seio do Estado Nacional, neste ambiente os gastos publicitários crescem de forma acelerada enquanto recursos em setores estratégicos são contingenciados e, muitas vezes, esquecidos pelos gestores públicos, e para piorar ainda mais a situação, encontramos na Comissão dos Direitos Humanos um deputado que repudia veementemente a diversidade e se mostra cheio de preconceitos com homossexuais e bissexuais, uma atitude intolerante e preconceituosa, ainda mais de um representante eleito pelo voto da população.

No campo econômico encontramos um conjunto de medidas fiscais sendo adotadas para evitar que a economia se estagne, no ano passado o país cresceu 0,9%, segundo o governo a culpa é da crise internacional que desacelerou nossa economia, uma justificativa frágil quando analisamos os outros países da região que, mesmo assolados pela crise, conseguiram crescer mais do que a economia brasileira, a justificativa para o baixo crescimento é outra, e passa pela excessiva intervenção do Estado na economia, todos os dias encontramos medidas novas, políticas novas visando incrementar algum setor, recentemente encontramos o governo arquitetando uma forma de salvar as empresas Xs, do bilionário Eike Batista, até recentemente o homem mais rico do Brasil que, de uma hora para a outra perdeu o posto para Jorge Paulo Lehmann (Grupo 3 G, donos da AB Inbev, Lojas Americanas, Burger King, Heinz, etc…), um socorro em curso que, com certeza, custará bilhões de recursos públicos repassados pelo BNDES, um verdadeiro capitalismo sem riscos, muito bem descrito por Lazzarini no livro Capitalismo de Laços, mas nada novo quando analisamos a história do país, Raimundo Faoro, destacou esta relação promíscuas entre Estado e as elites econômicas e políticas, na brilhante obra Os donos do poder, escrita nos anos 50 e considerada um dos mais importantes livros para se compreender o país, justificando a máxima de que o Brasil não é para principiantes.

O governo adota posturas interessantes, de um lado, estuda medidas para socorrer grupos econômicos em dificuldades e, de outro, seguindo as pegadas Chavistas, estuda complementar o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), com subsídios para a compra de móveis e eletrodomésticos, uma política que, se adotada, vai gerar um grande incremento nestes setores, receberá o beneplácito dos empresários dos setores envolvidos e garantirá uma maior perpetuação deste governo no poder por muitas e muitas décadas, eternizando uma política com traços fortes de populismo, modelo muito caro aos governantes da América Latina, o resultado disso tudo não precisa ser nenhum gênio político ou expert econômico para identificar, problemas fiscais crescentes que, posteriormente, pode gerar graves constrangimentos para os setores econômicos, podendo causar fortes pressões sobre o nível de preços e aumento inflacionário.

Outro ponto importante a se destacar, este relacionado à chamada nova classe média, um setor que, nos últimos anos, cresceu em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, um grupo social que vive com uma renda ridícula de R$ 2.000,00 mensais, um valor tão reduzido que retrata, claramente, nossa estrutura salarial, composta de salários extremamente baixos e mais, estes denotam nossa baixíssima produtividade, que sendo baixas condenam o país a comemorar o surgimento de uma classe média formada por indivíduos que ganham pouco e pior, para manter esta renda precisa trabalhar em condições escorchantes e deprimentes, muitos deles em condições indignas, pois, são condenados a uma alta carga horária e ganhos ridículos, para acompanhar o crescimento desta classe média mundial somos obrigados a reduzir os valores e redefinir o que chamamos de classe média.

Nesta semana, assistindo a palestra do banqueiro André Esteves, do Banco BTG Pactual, confesso que fiquei assustado, sua fala evoca os mais intensos otimismos pelos rumos do Brasil contemporâneo, adjetivos intensos e grandiloquentes chamaram a atenção de todos que puderam assistir a apresentação, ao mesmo tempo, outros palestrantes traçaram um horizonte mais cinza e nebuloso para o país, estamos num momento interessante e, ao mesmo tempo, preocupante, somos a oitava economia do mundo, mas acumulamos problemas de simples resolução, faltando apenas vontade política e convicção intensas, se não nos debruçarmos sobre tais problemas, colheremos num futuro muito próximo, gravíssimos equívocos estruturais que podem nos comprometer enquanto país.

No campo do comércio internacional colhemos dados assustadores, não nos embrenhamos em nenhum acordo comercial relevante, o Mercosul, visto anteriormente como um bloco econômico em franco crescimento e com boas perspectivas futuras, na atualidade, se transformou num refugo caracterizado por governos protecionistas e politicas equivocadas e desnecessárias, que nos condena e ficarmos presos a um bloco insignificante enquanto, outros países, se inserem em outros acordos econômicos e comerciais a acabam ganhando espaço do Brasil nos acordos internacionais, assim como na experiência dos anos 90, quando da adesão do México ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que reduziu nossa entrada nos mercados norte-americanos, gerando graves constrangimentos para variados setores exportadores nacionais.

Vivemos momentos pouco interessantes internamente, o Brasil caminha muito lentamente, nossa economia cresce de forma reduzida, o emprego cresceu e se transformou no grande ativo do governo federal, o pleno emprego pressiona os preços e constrangem os setores assalariados, principalmente, os de baixa renda, reduzindo o poder de compra da economia e exigindo que o Estado adote políticas monetárias mais restritivas, elevando juros para conter a demanda e segurar a inflação que ameaça voltar e piorar o ambiente macroeconômico, inibindo investimentos e afugentando o chamado espírito animal da classe empresarial.

Mesmo vivendo momentos pouco interessantes ainda acreditamos no futuro do Brasil, gostamos da visão social deste governo, somos muito favoráveis a inclusão proposta nestas políticas, mas temos receio de onde estão saindo os recursos para incrementar a economia, as isenções fiscais, os subsídios crescentes, sabemos que os recursos estatais são limitados, a divida interna é baixa quando comparada com países desenvolvidos, mas mesmo assim, acreditamos que temos bons motivos para continuarmos otimistas, mesmo que com um otimismo moderado, pois enxergamos todos estes problemas econômicos como espaço integrado para novos negócios, novas oportunidades e uma nova forma de mostrarmos ao mundo todo o nosso potencial de país, lembrando que nos anos 40 fomos chamados de o país do futuro, agora devemos demonstrar a toda a comunidade internacional que este futuro chegou, é agora e veio para ficar.

Invisível cidadania brasileira

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Uma sociedade desenvolvida se faz com seres humanos dotados de cidadania e compreensão de seu papel social, a construção desta conscientização é algo complexo e demorado, exigindo do Estado e da sociedade civil um compromisso claro com o ser humano, investimentos voltados para o indivíduo, sua melhoria e capacitação constantes, tudo com o intuito de garantir melhorias econômicas e sociais para toda a coletividade.

Vivemos num país paradoxal, de um lado, encontramos indivíduos que vivem num suposto paraíso material, esbanjando recursos escassos e vestindo um papel social que, para os desconhecidos, levam a crer que vivem no céu, comem do bom e do melhor e posam da mais fina flor da sociedade; de outro, encontramos um outro grupo social, vivem na miséria, conhecem todo tipo de infortúnio, são marcados pela mais sangrenta desigualdade social e, constantemente são colocadas como vítimas de uma sociedade indefesa, no meio deste grupo social encontramos uma classe média que perdeu sua relevância social e sua presença se torna cada vez mais desnecessária nesta sociedade, quanta desigualdade, este é o nosso Brasil, e alguns acreditam que podemos chegar logo ao primeiro mundo, será?

A sociedade brasileira, com seus paroxismos, vive momentos interessantes e conflitantes todos os dias, de um lado encontramos uma violência generalizada e uma justiça burocrática e ineficiente, que condenam os seres humanos a viverem marcados pelo medo contínuo e por incertezas generalizadas, afugentando investimentos e assustando todos os seus membros, gerando um caos generalizado por todos os poros da sociedade, nesta impotência social encontramos propostas mirabolantes que prometem resolver o problema rapidamente, mas para isso, muitos defendem medidas ousadas e urgentes, tais como a pena de morte, a prisão perpétua, a redução da maioridade penal. Propostas antigas colocadas em novo formato, que nos parece a panaceia da sociedade contemporânea, a solução definitiva para todos os problemas do país, adotadas a partir da assinatura de um papel, a criação de uma lei, que, será responsável pela resolução de problemas maiores e com características antigas e estruturais, é o velho Brasil se perpetuando, respostas rápidas e equivocadas para problemas maiores, de cunho social e com graves impactos na estrutura econômica e produtiva.

Diante deste retrato social, encontramos grandes desafios para os gestores modernos da sociedade, mudar o perfil social, agregar recursos sociais escassos e transformá-los em prol da coletividade, e mais, para uma sociedade mais democrática e moderna que, mesmo sendo mais democrática não tem noção clara de que direção deve tomar, qual caminho deve seguir e, principalmente, quais recursos devem investir para melhorar as perspectivas para esta coletividade, que, na contemporaneidade, sente claramente as ameaças da concorrência constante e inexorável entre pessoas, empresas e países.

A cidadania inexistente no Brasil se faz presente no cotidiano, não precisamos procurar muito para nos depararmos com esta falta de cidadania e civilidade, ao sairmos de nossas casas encontramos um trânsito caótico e degradado, onde todos os dias, as cidades recebem uma quantidade maior de veículos circulando, carros novos e vias públicas antigas, pouco sinalizadas e muito mal constituídas, nelas os acidentes se repetem com grande intensidade, todos os dias morrem milhares de brasileiros vítimas desta insanidade, motoristas trafegam pelas vias sem respeitar a sinalização, sinalizar as atitudes cotidianas como uma simples seta é algo difícil de encontrar, ultrapassagem em locais proibidos, alta velocidade, motoristas dirigindo embriagados são atitudes corriqueiras em um país onde os indivíduos tem na ponta da língua seus direitos, sabem e comentam a boca pequena, mas não se preocupam com seus deveres, neste ambiente encontramos uma cidadania limitada e canhestra, onde nos interessamos por aquilo que nos da retorno imediato e nos esquecemos das nossas obrigações imediatas, fundamentais para a formação de nossa identificação social e na construção de uma sociedade civilizada e próspera, e mais, capacitada e consciente dos desafios do século XXI.

Nos anos 90, o mundo foi inundado por um pensamento e por uma ideologia brutal, o neoliberalismo, que se interessava apenas pela construção de consumidores, pessoas empregadas e com este voltavam ao mercado como consumidores, estas teorias deixavam de lado o cidadão, sua formação e sua construção social, um projeto maior e mais sólido na formação de uma sociedade soberana e autônoma, responsável pelos seus rumos e consciente de suas necessidades mais prementes e imediatas.

O resultado imediato disso tudo estamos vendo claramente no Brasil e na sociedade mundial, pessoas sedentas por seus direitos e sem nenhuma preocupação com seus deveres, pessoas que querem consumir e pouco consciente dos excessos do consumo desenfreado, que degrada o meio ambiente, destrói o clima e geram graves desajustes para as gerações futuras, uma sociedade que busca nas escolas e nas universidades uma formação rápida e de qualidade, sem compreender que esta formação exige dedicação constante e esforço imediato, formar consumidores é algo muito mais fácil, educar para o emprego e para o mercado é algo simples e imediato, agora, educar para a vida e para a cidadania é muito diferente e demorado, exige dedicação e esforço concentrado dos governos, das famílias e das escolas e universidades, um trabalho hercúleo e intenso, que exige um esforço concentrado de todos os atores sociais, deixar a educação e a capacitação profissional apenas para a escola é uma atitude covarde e fadada ao insucesso, outros agentes sociais devem assumir suas respectivas responsabilidades, cumprir com seus compromissos e deixar de exigir dos outros que cumpram responsabilidades que lhes competem.

As empresas exigem das escolas e das universidades, que estas façam a formação completa do aluno, querem que se transfira aos alunos informações técnicas e científicas, além de estágios e uma bagagem superficial de cidadania, mas se possível com aulas dinâmicas e superficiais, nada de leitura mais profunda e direcionada, e ainda exige-se que cobre mensalidades acessíveis sobre pena de perder os alunos em caso de mensalidades mais caras, a escola deve fazer todo o trabalho de formação de seus supostos colaboradores, esquecem-se de que nenhuma consegue atingir este patamar de formação, as que formam para o mercado e conseguem um resultado positivo em conteúdos, não conseguem cobrar mensalidade mais acessíveis e estão restritas aos poucos privilegiados do sistema que tem condições financeiras de pagar por tal educação.

Em décadas anteriores, as empresas eram o lócus da formação prática dos estudantes, abriam espaços em suas fileiras para todos aqueles jovens interessados em estagiar, aprender e se qualificar, muitos eram absorvidos por estas companhias e lá mesmo começavam sua vida profissional, agora tudo ficou por conta das faculdades e das escolas que, cheia de cobranças imediatas se encontram fragilizadas e em crise estrutural, vitimadas por uma sociedade imediatista e centradas na irresponsabilidade de variados grupos sociais, que acossados pelos excessos do mundo contemporâneo transferem aos outros, responsabilidades que são nitidamente suas, o resultado virá muito brevemente e terá impactos crescentes sobre todos os indivíduos e, principalmente, para a sociedade como um todo.

A forma como vivemos no mundo contemporâneo é a grande responsável pelos desajustes, o poder desenfreado do dinheiro e a luta constante por enriquecimento, levam os indivíduos a buscas desenfreadas, se capacitam para o trabalho com cursos rápidos, aprendem as novas tecnologias que surgem e vivem todos os instantes fazendo atualizações em pós-graduações que, na maioria das vezes são de qualidades duvidosas, mas não conseguem acompanhar o desenvolvimento das tecnologias, não estimulam o desenvolvimento do seu espírito crítico, não se habituam a estudar e a buscar informações salutares para sua formação enquanto seres humanos, seguem perseguindo conhecimentos que estão pululando no mundo, muito mais próximo do que imaginam, nos jornais, nas revistas e nas conversas edificantes que encontramos em alguns programas de televisão, raros, mas existentes em todos os canais, cabe a cada um se dispor a procurar e buscar tais conhecimentos, pois são eles os maiores patrimônios que nós, seres humanos, temos a condição de angariar para nossa vida e para nossos familiares.

Vivemos num país onde a cidadania é de papel, como dizia o jornalista Gilberto Dimenstein, vivemos e nos empanturramos de produtos desnecessários e de utilidade duvidosa, sabemos disso e somos conscientes de nossas limitações intelectuais e acreditamos, ainda, que o Estado vai nos salvar de nossas escolhas infelizes ou que Deus, na sua onipotência, vai se disponibilizar a vir pessoalmente para nos mostrar o caminho do progresso, compactuamos sempre com a mediocridade e sonhamos com um mundo de sonhos, utópico, que encontraremos em algum lugar, mesmo estando longe, mas que, infelizmente não movemos uma palha para auxiliar nesta construção, mas queremos usufruir de seus sabores e prazeres, como a cidadania, cheios de direitos e sem nenhum dever, ou melhor, uma cidadania invisível, o resultado é a nossa condição atual como país, ricos e cheios de perspectivas positivas mas, ao mesmo tempo, muito mal colocado nos principais rankings mundiais de qualidade de vida e desenvolvimento sustentável.

Numa sociedade onde a cidadania é algo transparente e invisível, cabe a cada um de nós, e, principalmente, a todos aqueles que podem ser chamados de cidadão, o compromisso coletivo para com todos seus concidadãos, orientar, falar e agir, sempre, como cidadãos verdadeiros, para que nosso conceito de cidadania saia de nosso umbigo e se espalhe para toda a sociedade, onde cada cidadão se comporte como um agente social de ganhos coletivos, onde todas as classes se unam para defender direitos coletivos, onde a educação, a saúde e a segurança pública sejam vistas como um bem coletivo e que, se houver deterioração, todos seremos imensamente prejudicados, porque aquele jovem que está preso no mundo das drogas é um problema para todos nós, é uma ameaça para toda a sociedade, pois este mesmo indivíduo num momento de insanidade e de desespero pode causar traumas terríveis a inúmeras famílias e grupos sociais, matando, roubando ou destruindo sonhos que poderiam se tornar realidade na vida de cada um de nós, a noção de solidariedade nos levaria a colaborar e a cooperar para a melhora deste indivíduo, agora, a visão de meros consumidores nos conduziria a entoar o discurso da prisão, da morte e do extermínio destes seres que, na verdade já foram imensamente maltratados pela sociedade e, mais uma vez, seriam condenados à inanição e ao mundo dos invisíveis, um mundo onde a cidadania não existe e a solidariedade faz com que os homens não vejam seus semelhantes e outros, mesmo olhando não os conseguem enxergar, perpetuando a máxima do filósofo francês Sartre O inferno são os outros.

As adversidades do mundo

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Vivemos em uma sociedade que se martiriza constantemente por desajustes estruturais e conjunturais que ameaçam o equilíbrio social, as esferas produtivas e as perspectivas para o futuro envolvem sempre, medos e preocupações, onde as religiões perdem fiéis e as ocupações do cotidiano exigem dos seres humanos habilidades ilimitadas, que, mesmo sendo impossíveis de serem alcançadas obrigam os indivíduos a uma busca intensa e fadada ao insucesso, gerando crises depressivas e perturbações constantes.

O mundo do consumo é o mundo do prazer imediato, o mundo dos desejos e dos fetiches, onde os indivíduos se entregam às vontades e se escondem dos sentimentos, um mundo do comprar, do ter e do possuir, distante da reflexão e do auto-conhecimento, que são vistas como atividades chatas e cansativas, um mundo de aparência e da beleza, marcado pelo adquirir, neste mundo tudo se compra, neste mundo tudo se vende, neste mundo de sentimentos efêmeros o ser humano busca se encontrar, busca encontrar sua essência, mas se perde no supérfluo tentando encontrar o essencial, mas como destaca o grande escritor Antoine de Exubery, o essencial é invisível aos olhos.

É neste mundo marcado pela ilusão que nós, seres humanos, nos encontramos todos os dias, acreditamos que poderemos colher frutos de progresso com plantações marcadas por destruição e imediatismos, acreditamos encontrar a riqueza mas, trabalhamos intensamente para destruir a natureza, acreditamos no poder da ciência e da tecnologia mas, todos os dias, manipulamos esta ciência para esconder nossas conveniências, usando da tecnologia para mascarar nossos desejos de poder e de dominação.

Nesta sociedade da destruição nos chocamos com os terremotos e os tsunamis, nos levantamos para criticar as atitudes selvagens e brutalizadas de nossos semelhantes, as guerras e os conflitos regionais, nos escondemos de nossos medos mais intensos e ameaçadores, culpando os outros, bradamos contra Deus e, mais uma vez, fugimos de nossas responsabilidades cotidianas, somos seres pensantes e vivemos numa sociedade que acredita valorizar o pensar e o refletir mas, infelizmente, se esquece de que, toda e qualquer reflexão, na atualidade, deve repensar sobre as instituições dominantes do poder e do pensamento, sob pena de manter e perpetuar toda esta situação para as próximas gerações, nos esquecendo de que o mundo como está, com os desequilíbrios se agigantando em escalas planetárias, a destruição está mais próxima do que imaginamos e o fim do ser humano é uma realidade para todos nós, não mais para nossos filhos e netos, mas para todos os nossos contemporâneos.

Neste momento que escrevemos, as Coréias se agridem mutuamente, bombas e destruições se espalham pela Síria, o Iraque tenta se reerguer depois de dez anos de dominação, destruição e imperialismo, marcados por uma guerra insana e desnecessária, não que as guerras sejam necessárias, mas esta pode ser descrita como um dos conflitos mais torpes e irresponsáveis da sociedade mundial, responsável pela destruição de uma sociedade antiga e conservadora, com mortes e violências generalizadas, que levaram o país invasor a uma grave crise fiscal e financeira que, na atualidade, corrói sua economia, reduz sua credibilidade e contamina sua sobrevivência como potência internacional, abrindo espaço para novas hegemonias e concorrências no jogo do poder global, marcados por intrigas, corrupção, fofocas e contaminações éticas e morais como forma de dominar e controlar.

Depois de décadas de domínio das ideias neoliberais, onde os Estados Nacionais foram todos condenados como símbolos constantes de desperdícios e de irresponsabilidades fiscais e financeiras, e os mercados, vistos como deuses soberanos e bons condutores da vida social, foram exaltados pela eficiência e pela performance elevada, marcada pela alta produtividade e pelos ganhos constantes, a realidade se mostrou muito diferente da teoria, os mercados ruíram em crises financeiras destrutivas e deslegitimadoras, o sistema quase foi à falência mas foi salvo pelos Estados Nacionais, que endividados teve que, mais uma vez, socializar os prejuízos e privatizar os lucros, para evitar que a crise terminal do capitalismo se instalasse de vez na sociedade internacional, gerando o caos e todas as desavenças deles advindas com os seres humanos.

A tecnologia, pensada para melhorar a vida das pessoas, está gerando um grande fosso entre indivíduos, de um lado encontramos cidadãos conectados 24 horas por dia, indivíduos que se utilizam das redes sociais, pesquisam na internet e tem acesso a todas as descobertas das feiras internacionais de produtos digitais; de outro lado, encontramos pessoas desconectadas de todas as tecnologias e, principalmente, desconectadas da vida, indivíduos que não tem acesso ao básico mais elementar para a sobrevivência como ser humano, são pessoas que não podem ser descritas como cidadãos, sua renda inviabiliza esta nomenclatura, são apenas subcidadãos desprovidos de seus direitos mais elementares, vivem a vida sem perspectivas de dignidade e esperanças com relação ao futuro.

Diante de tão desolador quadro, encontramos a sociedade envolta em perspectivas estranhas, crescer e se desenvolver sempre foi um sonho presente no imaginário dos seres humanos, ascender socialmente e vislumbrar situações melhores e mais favoráveis sempre estiveram presentes na mente das pessoas, afinal, somos seres racionais, pensamos, refletimos e buscamos sempre o melhor para cada um de nós, mas para isso, precisamos encarar os desafios que surgem no horizonte, os desafios da pobreza material e da opulência supérflua e desnecessária, que podem ser descritos como desafios que levam os seres humanos a repensarem suas matizes de desenvolvimentos econômicos, pautando este desenvolvimento não apenas por critérios econômicos e materiais, mas por novos critérios, como nos retrata o economista indiano Amartya Sen, criador do índice de desenvolvimento humano (IDH), que acrescenta à renda outros indicadores, como a expectativa de vida e o grau de analfabetismo, que dão ao índice um caráter mais amplo, mas mesmo assim, insuficiente para encararmos os desafios de um mundo que degrada o meio ambiente e que deixa as questões ecológicas de lado, que paradoxo, um mundo que cresce destruindo sua casa, um homem racional que destrói seu abrigo e chama isso de desenvolvimento, cria riquezas e, ao mesmo tempo, degrada o meio ambiente, levando-o, a gastar grande parte de seus ganhos para tentar consertar sua casa, lucra de um lado e, ao mesmo tempo, gasta fortunas tentando reconstruir seu habitat natural.

O mesmo mundo rico e opulento, que transforma tudo em cifrão, leva as religiões a se tornarem espaços de acumulação e enriquecimento, onde os homens se apoiam em belas palavras para arregimentar multidões, levando os seres humanos ao choro e às lágrimas, mas mostram claramente que seus corações estão vazios de sentimentos nobres, são donos de retóricas fantásticas, dominam grandes levas de pessoas, emocionam e encantam, vivem como celebridades, tem nos lábios o nome de Deus com profusão, conhecem, em teoria, todas as passagens bíblicas e os sermões falados pelo mestre, mas, na realidade, tem seus corações comprometidos com outros donos, são vinculados ao deus dinheiro, ao deus poder e ao deus do prazer imediato, são os falsos profetas descritos por Jesus em várias passagens evangélicas, são seres que sobrevivem ao tempo e, na atualidade, fazem-se presentes com grande carisma poder e audácia.

No mundo das finanças encontramos destruições aceleradas, o poder do dinheiro ganha relevância e atrai todos os olhares para o templo do capital, as bolsas de valores se transformaram no oásis da sociedade internacional, os jovens se miram nestes cenários, se inspiram nestes profissionais, pensam seus futuros e estruturam seus sonhos com as riquezas comercializadas nestes locais, chegam ao êxtase com o sobe e desce das bolsas, os devaneios do dinheiro são comemorados com festas regadas a champanhe francês e comidas extravagantes que servem apenas para o deleite do poder e da hegemonia do capital em uma sociedade marcada pela divisão entre os ricos e pobres, na verdade, uma divisão entre os muito ricos e os muito pobres, um hiato cada vez maior e mais ameaçador, que preocupa as pessoas mais sensíveis, assusta os governos e servem de estatística para os pesquisadores, na verdade, um mundo onde os pobres não mais fazem sentido para os ricos, no atual processo de acumulação social, os ricos não mais precisam dos pobres, são seres invisíveis e, se necessário, entreguem-nos ao Estado Nacional e seus aparatos policiais e repressivos.

O mundo globalizado pode ser descrito como um mundo onde as contradições se avolumam e as desigualdades estão em franco crescimento, os desafios contemporâneos devem envolver uma gama de atuação por parte dos agentes econômicos, as empresas crescentemente marcadas pela concorrência e pela competição constantes, os Estados Nacionais se concentrando na redução das desigualdades sociais geradas pela competição crescente entre pessoas e empresas, fruto dos ideais difundidos pelo neoliberalismo dominante nos últimos 30 anos, devendo, ainda, se preocupar com o desenvolvimento de instrumentos de regulação do sistema econômico que, da forma como está tende a gerar um desequilíbrio mais intenso e destruidor da economia internacional.

A sociedade civil cabe outros desafios importantes, dentre eles, a convivência democrática entre indivíduos das mais distantes regiões do mundo, o choque cultural gerado pela expansão das empresas transnacionais e a convivência pacífica entre povos com formatos culturais diferentes e matizes religiosas, muitas vezes contrárias, acaba gerando grandes desafios para os indivíduos, evitando, com isso, o crescimento de um clima belicista que corrói os laços da democracia e dos direitos humanos e inviabiliza a convivência pacífica entre grupos culturais.

A democracia é outro grande desafio do mundo contemporâneo, na atualidade mais de 2,4 bilhões de pessoas vivem em regimes autoritários, onde as liberdades individuais são limitadas e os seres humanos perdem a oportunidade de se manifestarem livremente, não assumindo, com isso, suas responsabilidades mais intimas e imediatas, legando ao Estado um poder imenso sobre a sociedade e os rumos das vidas de seus membros, um desafio que vai se mostrar cada vez mais evidente, que para ser enfrentado deve exigir dos líderes habilidades e flexibilidades desconhecidas por muitas lideranças, ou supostas lideranças, em ascensão no mundo.

Escrever sobre os infortúnios e as adversidades do mundo são formas de dar vazão aos sussurros que emanam da alma, sussurros que se confundem com gemidos de dor e de desesperança, que nos incomodam enquanto seres humanos mas, mesmo assim, nos estimulam a entender e a compreender o que move os seres humanos, e, com isso, compreender que na vida não existem inocentes, somos todos culpados pelas dificuldades do mundo e para solucionar todas estas dificuldades, faz-se necessário que, cada um na sua intimidade, assumamos nossas responsabilidades, arregacemos as mangas e trabalhemos um ao lado do outro, substituindo o termo competição pelo termo cooperação, esta sim deve ser a essência da sociedade no novo milênio, cooperar sempre e construir uma sociedade alicerçada em bases sólidas.

Venezuela: um país cindido profundamente

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Na semana passada o mundo virou seus olhos para a Venezuela, o país que tem em Simon Bolívar seu grande líder e libertador, perdeu mais um de seus grandes homens, líder revolucionário para uns e extremamente autoritário para outros, Hugo Chavez Frias morreu de câncer aos 58 anos, causando uma verdadeira comoção nacional e internacional, os holofotes do mundo se voltaram para Caracas e o futuro do país é algo distante e difícil de imaginar, mas que abre espaço para inúmeras especulações, umas sombrias e apocalípticas e outras marcadas pelo otimismo moderado de analistas internacionais, mas uma grande certeza ronda a sociedade venezuelana, com a morte de Hugo Chavez, o carisma e o entusiasmo popular, marcas de sua figura imponente, se perdem nos horizontes de incertezas e instabilidades constantes.

Ler sobre Hugo Chavez na imprensa nacional ou internacional é perturbador, as críticas são sempre inflamadas e agressivas, os conservadores o demonizam com uma violência e um sectarismo que interrompem o debate, os movimentos sociais e os intelectuais de esquerda o exaltam com tanta força e exasperação, que impedem e evitam qualquer discussão mais estruturada, diante disso, falar sobre Hugo Chavez é enveredar para um caminho estranho, onde a discussão democrática e imparcial é algo inexistente e perturbador, sempre culminando em exaltação oral e confronto verbal.

O presidente Hugo Chavez assumiu o governo Venezuelano depois de uma tentativa frustrada de golpe de Estado, amargou um ano de prisão e foi eleito anos depois em uma eleição apertada, seu governo se caracterizou pelo intenso confronto com os Estados Unidos da América, inúmeras farpas foram desferidas contra o presidente norte-americano, George W. Bush, principalmente, depois da invasão do Iraque e dos desmandos do império, mas no front econômico os norte-americanos foram sempre os grandes parceiros na compra do petróleo, apesar dos discursos e das ofensas, Chavez continuou tendo nos Estados Unidos seus maiores compradores de petróleo, ofensas políticas e embarques crescentes de barris de petróleo caracterizaram seu período no poder, um pragmatismo econômico sempre caracterizado pelo racionalismo e pela audácia.

A economia da Venezuela está intimamente ligada ao setor petrolífero, mais de 90% das exportações são ligadas ao petróleo, o país vive e sobrevive com a riqueza deste óleo, que pode ser visto como uma grande benção para o povo venezuelano, mas que, ao mesmo tempo, pode condenar o país a uma exportação de um único produto, quando este, no mercado internacional, se encontra valorizado os ganhos com esta commodities são cada vez maiores, os bolsos do Estado batem recordes de arrecadação e o povo percebe claramente esta situação, mas em períodos anteriores estes recursos pouco auxiliaram os pobres, que eram condenados a situações terríveis de abandono, pobreza e marginalidade, agora, a classe mais organizada, que se estruturava politicamente, dominava as estruturas do Estado Nacional e da burocracia, conseguindo, com isso, grandes somas de recursos financeiros e benesses dos mais variados tipos e modelos, criando uma sociedade dividida em termos de renda, uns poucos muito ricos e uma grande maioria de pessoas na pobreza, amargando a marginalidade e a desesperança, condenadas ao abandona e à indignidade, ai encontramos alguns instrumentos para compreender o fenômeno chamado Chavez.

Nestes quatro mandatos consecutivos como presidente, sempre eleito democraticamente, uma parcela substancial dos recursos do petróleo foi canalizado para as camadas mais necessitadas da população, grupos e classes sociais que viviam de forma indigna conseguiram melhorar sua condição social, política e econômica, passaram a acumular algum status social, entraram no mercado de consumo, passaram a ter voz que ecoava no discurso político e, com isso, se sentiram representados pelo presidente Chavez, viram nele um representante de suas mazelas, dificuldades e apreensões constantes e alçaram-no no comando do país por mais de uma década.

O embaixador Rubens Ricúpero, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, destacou de forma marcante que: “Não compreender porque milhões de venezuelanos rezam por Chavez é repetir a experiência narrada por Ernesto Sabato sobre a queda de Perón em 1955. O escritor comemorava com amigos intelectuais e profissionais liberais o fim do ditador que envergonhava a Argentina até que, em certo momento, teve de entrar na cozinha. Lá, todos os empregados choravam…”

O episódio narrado por Ricúpero nos mostra claramente os graves equívocos e omissões das elites nacionais e internacionais, além dos intelectuais que vivem encastelados em suas masmorras blindadas de povo e marcados por estatísticas e informações inconsistentes e limitadas, os mais pobres querem, também, viver de forma digna, ter empregos com carteiras assinadas, se alimentar de forma saudável, ser lembrados não apenas nos momentos de eleições e discursos políticos, mas serem vistos como parte integrante da sociedade, a riqueza extraída do petróleo e de outras commodities devem ser utilizadas para financiar a melhoria das condições sociais e econômicas do país, melhorar as oportunidades dos cidadãos e garantir educação de qualidade como forma de construir um horizonte mais harmonioso para todos os grupos sociais, este feeling social foi um dos motivos responsáveis pela ascensão, na América Latina, de governantes carregados de tons esquerdistas, como Luís Inácio Lula da Silva (Brasil), Néstor Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), José Mujica (Uruguai), entre outros…

Acreditar que Hugo Chavez foi apenas um presidente autoritário é insuficiente para entender este fenômeno venezuelano, que tinha habilidades em várias áreas, como comunicador se destacou pela eficiência, seus discursos eram inflamados e empolgavam muitas pessoas, seus embates com a imprensa, nacional e internacional, lhe abriram portas interessantes no noticiário e na mídia de uma forma geral, seu apreço pelo confronto verbal ressalta sua formação militar, mas seu pragmatismo lhe auxiliava como político, tudo isso contribuiu para alçar a Venezuela a uma posição de destaque no cenário internacional, algo desconhecido no país até então.

O governo Hugo Chavez atuou com mãos militares com seus desafetos, reprimiu setores da mídia descontentes com seu governo, fortaleceu a posição venezuelana na sociedade mundial, abriu espaços de comércio com países considerados pelos Estados Unidos como párias mundiais, como Irã e Cuba, além de incrementar comércio com a Rússia, comprando armas, aviões, caças militares e equipamentos bélicos, confrontando, com isso, o governo norte-americano e mostrando poder, independência e autonomia e elevando seu país a uma posição jamais vista em toda história da Venezuela.

A economia venezuelana é dominava pelo petróleo, essa não é uma herança Chavista, governos anteriores se alternaram no poder e não diversificaram as estruturas produtivas do país, qualquer variação negativa no preço desta mercadoria prejudica a situação venezuelana enormemente, podendo, com isso, comprometer muitas das políticas públicas implantadas pelo governo, mas mesmo dependendo do petróleo, nunca deixou de vender seu principal produto para seu maior consumidor: os Estados Unidos da América.

Destacamos ainda, outro ponto fundamental da conjuntura econômica venezuelana, os preços estão em ascensão e o câmbio apresenta graves distorções, o que cria constrangimentos para o país, inviabilizando, com isso, a atração de investimentos internacionais e gerando muitas dúvidas sobre a solvência da Venezuela, exigindo do próximo presidente um conjunto de medidas econômicas e políticas que podem comprometer a governabilidade do país. Dentre as medidas algumas se fazem necessárias urgentemente, corrigir as distorções cambiais e atacar os desequilíbrios dos preços, que exigem intervenções do Estado em preços importantes da economia, postergar estas medidas pode gerar constrangimentos maiores num futuro muito próximo, criando graves desajustes políticos e problemas de grande solução, sendo que os maiores prejudicados serão, com certeza, a população, que verá sua renda ser reduzida e suas aspirações de ascensão social ser postergadas por tempo indeterminado.

A missão do novo presidente venezuelana é hercúlea, assumir um papel de liderança em uma sociedade cindida por conflitos grandiosos que remontam séculos e afetam todos os grupos sociais é um dois maiores desafios para o país, a morte de Hugo Chavez gera grandes preocupações sobre o futuro do país, os problemas econômicos são grandes e causam apreensões e medos, caberá ao novo presidente entender todas as dificuldades do país e tentar criar condições favoráveis para melhorar as condições internas e reverter as apreensões externas, atrair novos investimentos que são fundamentais para a reestruturar a estrutura econômica e produtiva se faz urgente agora, é importante que o novo governo consiga manter as conquistas sociais e evitar que as riquezas do petróleo, que sempre engordaram uma elite corrupta e degradada, seja utilizado de forma racional, beneficiando as classes trabalhadores e evitando que os níveis de indigência e de exclusão social retornem com força e intensidade, a Venezuela merece virar a página da história, um país pequeno e dotado de muito petróleo, uma das maiores reservas mundiais desta commodities, que traz nas suas entranhas muito poder e dinheiro, além de rastros de corrupção e degradação moral.

Maduro ou Caprilles, qual destes candidatos estará mais apto para alicerçar em bases sólidas o progresso da Venezuela? A eleição será breve, os problemas são imensos e as lideranças venezuelanas nos parecem frágeis e despreparadas para encarar os problemas do país e mostrar para a população novos espaços de crescimento e de melhorias sociais, o fantasma de Hugo Chavez está presente nas mentes e corações de toda a população, exorcizar da memória coletiva dos cidadãos venezuelanos as imagens de adoração será um dos maiores desafios para o próximo mandatário do país, sua missão é muito grande e as perspectivas de sucesso são muito reduzidas, acreditar no êxito desta empreitada, num mundo de transformações estruturais constantes, é algo pouco factível num país dividido pelo medo e atormentado pela desesperança de que um período promissor tenha chegado ao fim tão rapidamente sem perspectivas imediatas de volta, é como se a classe oprimida de trabalhadores tenha conhecido o paraíso e, neste momento, está apreensiva com medo de retornar ao inferno que sempre conheceu de perto e de forma bastante significativa.

2012: Um crescimento econômico decepcionante

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A economia brasileira cresceu no ano passado míseros 0,9%, um crescimento muito tímido para um país que, nos anos anteriores, era visto como uma das próximas grandes potências pela comunidade financeira internacional, quando foi agraciado pela revista britânica The Economist como um país em vias de decolar para um novo patamar de desenvolvimento.

A conservadora revista britânica estampou a foto do Cristo Redentor na capa e alardeou para o mundo o sucesso do país no cenário internacional, era um momento de expectativas positivas e, a meu ver, bastante exageradas, um país com nossos problemas estruturais sendo visto como a nova potência econômica da atualidade, ainda mais num momento marcado por intensas transformações econômicas e tecnológicas, onde nossa infra-estrutura carece de investimentos e nossa mão-de-obra se ressente de uma injeção de produtividade e habilidades estratégicas.

O ano de 2012 foi decepcionante e frustrante para toda a comunidade econômica e financeira nacional e internacional, depois do otimismo exagerado vivemos um período de apreensão generalizada, o governo se defende colocando a culpa na crise econômica internacional e os críticos questionam as decisões pouco ousadas e, muitas vezes, carentes de originalidade, o script é sempre o mesmo: crise externa com perspectivas de desaceleração econômica interna leva o governo a intervir, aumenta o crédito e estimula o consumo, atua no lado da demanda rapidamente e se esquece que o problema maior esta na oferta reduzida de produtos, que com uma demanda aquecida acaba impulsionando a procura e, com isso, o incremento nos preços relativos acontece naturalmente culminando em repiques inflacionários, perigosos e desnecessários para um país como o Brasil.

Se ouvirmos o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, a impressão que temos é que o país está crescendo e se desenvolvendo de forma acelerada e constante, problemas inexistem e as previsões são sempre exageradas e se mostram, constantemente, equivocadas, levando a mesma revista, The Economist, que antes exaltava o país e suas perspectivas positivas a pedir a cabeça do ministro brasileiro, visto como lunático e ”altista”.

Segundo o ministro, o mundo está em crise, a instabilidade ainda é grande, o crescimento econômico se reduziu para todos os países, diante disso, nosso baixo crescimento se explica pela situação internacional, quando a crise internacional desaparecer o Brasil vai voltar a crescer e atingir seu verdadeiro potencial econômico, mas será que estas explicações são suficientes para que entendamos o baixo crescimento econômico do Brasil?

Para analisarmos mais diretamente esta questão, faz-se necessário darmos uma olhada no crescimento dos outros países, desenvolvidos e em desenvolvimento e, com isso, observarmos se nosso crescimento se iguala a destas outras economias. Dos países envoltos em crise, a maioria deles cresceu mais que o Brasil, economias em crise constantes tiveram um comportamento econômico muito superior ao do Brasil e concorrentes diretos no mercado internacional, como México, Rússia, Índia e China, foram agraciados por resultados econômicos melhores que o brasileiro, o único dos grandes que teve crescimento menor que o Brasil foi a Alemanha, um país de desenvolvido quando comparado ao Brasil, até os Estados Unidos que pouco tempo atrás estavam diretamente envolvidos na crise cresceram mais, muito mais, que o Brasil, sua taxa de crescimento ultrapassou 3%.

Sabemos que muitas dificuldades do governo atual se devem a herança do anterior, mas não estou dizendo que o governo Lula foi ruim, de forma alguma, o que quero dizer é que o crescimento de 2010 foi muito maior do que o possível com a atual condição da infra-estrutura brasileira, 7,5% de crescimento no último ano de governo foi positivo para o país e contribuiu para que a comunidade internacional e os agentes econômicos locais esperassem que o crescimento seria definitivo para o país, o clima de expectativas otimistas era grande mas os desafios estavam nítidos e evidentes para a economia, crescimento acima do estruturado gera boas chances de incremento inflacionário e, inflação é o que o país menos precisa neste momento, o que obrigou o governo a adotar algumas políticas mais rigorosas, reduzindo algumas das benesses anteriores.

Com receios inflacionários e perspectivas positivas, o capital estrangeiro chegou com mais regularidade ao país, aumentando a oferta de moeda estrangeira no mercado interno, com isso, a moeda nacional se valoriza de forma acelerada, as exportações caem e o setor industrial sente o ambiente conjuntural negativo, em contrapartida, as importações aumentam, a população consome mais produtos importados e o cambio passa a controlar a inflação, o ambiente é de otimismo para o cidadão comum, leigo em economia, mas para alguns especialistas mais sensíveis a situação da conjuntura econômica brasileira é preocupante, a indústria sente a contração e o setor perde importância no produto interno bruto, chegando a 14% do PIB em 2011, seu menor valor em termos históricos, nos anos 60 detinha 25% do PIB e no começo dos anos 2000, o setor era responsável por 15% do produto interno bruto.

É importante destacar ainda, que a retração do setor industrial é um fenômeno internacional, na maioria dos países o setor vem perdendo espaço na economia mundial, mas no caso brasileiro é importante destacar que, além do cambio desfavorável, temos outros fatores que inibem o crescimento do setor industrial numa economia global marcada pelo incremento contínuo da produtividade como forma de se inserir soberanamente no cenário externo, tais como: a alta carga tributária, a baixa produtividade do trabalhador brasileiro, a excessiva intervenção do Estado na economia, os altíssimos índices de corrupção, as mudanças nas regras do jogo econômico, entre outras.

Devemos destacar ainda, que o país vem adotando políticas econômicas parecidas com aquelas adotadas no período crítico da crise internacional, naquela época o país adotou medidas de desoneração tributária e incentivou os bancos públicos a injetarem bilhões de reais para financiar os consumidores, acreditando que esta medida geraria uma melhoria nas condições econômicas e espantaria, em definitivo, a crise internacional iniciada no biênio 2007/2008.

Acrescentamos ainda o crescimento do gasto público, apesar dos compromissos assumidos anteriormente de austeridade e de equilíbrio fiscal, o governo gastou de forma acelerada e, com isso, no final do ano apresentou graves constrangimentos fiscais, levando-o a adotar, novamente, uma contabilidade criativa para tentar esconder que, mais uma vez, não conseguiria cumprir com seus compromissos e com suas promessas fiscais, o efeito imediato da tal contabilidade criativa se alastrou para toda a economia mundial, os investidores viram-na como uma medida negativa e atabalhoada, levando-os a críticas generalizadas em todos os canais de televisão e meios de comunicação, desacreditando os formuladores da política econômica e motivando artigos críticos não só de oposicionistas, mas também de pessoas mais próximas ao governo, como o economista e ex-ministro do planejamento e da agricultura no governo militar, Antonio Delfim Neto, que achou a medida desnecessária e inoportuna.

Nos anos anteriores o crescimento da economia brasileira se deu via incremento no consumo e na ocupação da mão de obra desempregada, com pouca ênfase no investimento e na expansão da produtividade. Este modelo funcionou e melhorou as condições do país nos momentos de crise e instabilidade de 2007/2008, agora a situação é outra, estamos num momento que se aproxima do pleno emprego, insistir em uma política de incremento do consumo e do emprego é equivocado, mudar o modelo se faz necessário e urgente para evitar que tenhamos mais uma vez um crescimento pífio e muito aquém de nossas expectativas.

Aumentar o crescimento econômico do país é fundamental, sair do binômio consumo/emprego e inaugurar um novo modelo econômico baseado em investimento e em produtividade deve ser uma das principais estratégias do Estado, este pode ser descrito como o principal desafio do governo federal no momento, mas para que isso ocorra é necessário que o governo transfira mais responsabilidades de investimento na infra-estrutura para o setor privado, diminua as intervenções abruptas e intempestivas na lógica econômica e produtiva e reduza esta concentração excessiva de atividades nas mãos do Estado, que é uma atitude equivocada e dispendiosa, além do foco constante de corrupção e de desperdício dos recursos públicos, o desafio é grande, o assunto é complexo e envolve interesses nítidos e agressivos, mas são nestes momentos de distúrbios e desequilíbrios que se forjam os grandes líderes da sociedade internacional.

Liderança interrompida: a renúncia papal

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Estamos vivendo momentos importantes para a sociedade mundial, conflitos generalizados se disseminam com grande rapidez, crises monetárias e financeiras, degradação moral, ausência de ética pública, Estados falidos, pedofilia no seio da Igreja, conflitos em organizações milenares e renúncias pré-anunciadas que mexem com todos os pilares da comunidade política e religiosa internacionais, estamos num momento de inquietação e medo generalizados.

O papa Bento XVI, alçado à liderança católica com a morte do carismático papa polonês João Paulo II, surpreendeu a comunidade internacional com seu pedido de renúncia, deixando o mundo em estado de estupefação e inquietude, a última renúncia papal na Igreja perpassa o século XV, os movimentos futuros do Vaticano impactarão sobre corações e mentes em todas as regiões do mundo, onde um rebanho de mais de 1 bilhão de fiéis se identifica direta ou indiretamente aos preceitos defendidos pela Igreja romana, preceitos estes manchados por escândalos envolvendo dinheiro, poder, sabotagem, corrupção, espionagem, escândalos sexuais, pedofilia, etc.

O antes cardeal, Joseph Ratzinger, se destacou no seio da Igreja católica como um de seus mais brilhantes intelectuais, suas idéias se identificavam com o ideário conservador e direitista, alçado, nos anos 70, ao comando da temível Congregação para a Doutrina da Fé, perseguiu as idéias marxistas dentro da Igreja latino-americana, uma de suas vitimas, o teólogo brasileiro Leonardo Boff, foi proibido de escrever e punido severamente pela Congregação, seus textos foram interditados e censurados levando-o a se desligar da instituição pouco tempo depois.

Seu período a frente do papado foi caracterizado por graves escândalos desde os desequilíbrios financeiros que afetaram abertamente o Banco do Vaticano até os inúmeros casos de corrupção, pedofilia de padres e vazamento de informações que obrigaram o papa a cortar na própria carne, afastando e processando pessoas que compartilhavam de sua intimidade e que conhecem muitas coisas sobre o funcionamento da Igreja internamente, seus desajustes, seus desafios e suas perspectivas para os próximos anos, mas, em muitos casos o sumo pontífice tergiversou, manteve pessoas indiciadas nas fileiras da Igreja e impediu uma depuração necessária de todo o conjunto religioso da instituição milenar.

O gesto de renuncia do papa Bento XVI não pode ser explicado apenas por sua idade e por suas dificuldades físicas, embora saibamos que os desafios do papado são intensos e extenuantes fisicamente, que exigem destes homens, que não são santos, um esforço físico sobre-humano, a compreensão dos motivos reais de sua renúncia vai muito além de suas limitações físicas e fisiológicas, é importante destacar, que a instituição se encontra envolta em graves desequilíbrios financeiros, caracterizados, ainda, por disputas de poder entre setores direitistas conservadores, fortes e organizados, justamente os setores que foram alçados aos postos chaves da Igreja com a ascensão de Ratzinger a condição de papa Bento XVI, substituto do carismático e conservador papa polonês João Paulo II.

Um dos fatos que marcou o papado de Bento XVI foi a enxurrada de denúncias e escândalos sexuais envolvendo padres em todas as regiões do mundo, nos Estados Unidos e na Europa muitos casos vieram a tona e deixaram a Igreja na defensiva, filmes foram feitos para denunciar casos absurdos de pedofilias onde padres e altos religiosos da instituição foram denunciados, julgados, presos e condenados depois de inúmeras décadas de abusos e omissão da sociedade religiosa, levando a instituição, em muitos países a fazer acordos judiciais, empenhando bilhões de dólares, para encerrar processos que maculavam a imagem da Igreja e expulsavam fiéis em todas as regiões, não apenas nos países desenvolvidos, mas em todas as regiões do mundo, mergulhando a Igreja romana em sua maior crise histórica.

O pontífice Bento XVI, como autoridade máxima da Cúria, se calou sobre tais denúncias, evitando iniciar uma discussão maior sobre questões pendentes e mudando o foco para evitar que investigações mais apuradas iniciassem, escondendo, junto com os cardeais, os culpados dentro da própria Igreja Romana, instituição milenar, cada vez mais conservadora e repleta de desafios imediatos, agora, como fica, uma instituição construída e voltada para ideais nobres e espiritualizados defender criminosos, ignorantes repulsivos e covardes, que, em muitos casos causaram graves desequilíbrios e distorções nos corações e nas mentes de milhares de famílias na sociedade global.

A renúncia pegou toda a sociedade internacional de surpresa, depois da fala papal o assunto dominou todas as grandes mídias, os articulistas se organizaram para explicar de forma simples para toda população, o mundo ficou perplexo, como pode o santo papa, escolhido por seus pares e cuja escolha foi intermediada por forças superiores pode renunciar a tão digna missão? Responder a esta indagação é algo que motiva e estimula, e nos ajuda a compreender o ser humano de forma mais parecida com a realidade, desanuviando e deixando de ver o papa como um super herói ou como um homem santo, mas como um homem normal, com seus problemas, medos e amarguras.

Os antigos dogmas defendidos pela Igreja colaboram para o afastamento de muito de seus fiéis, o distanciamento da Ciência, a não aceitação de métodos contraceptivos, como o preservativo, a não ordenação de mulheres, a dificuldade de construir uma critica salutar e a inexistência de movimentos transformadores endógenos, inviabilizados pelo domínio conservador de cardeais que se perpetuam no poder, se encastelam em suas idéias retrógradas cada vez mais distantes do povo, contribuindo para o enfraquecimento do movimento católico no mundo, na América Latina e no Brasil, a diminuição do poder papal contrasta com o fortalecimento e a estruturação dos setores evangélicos, que crescem todos os dias e servem de morada para atrair descontentes e críticos constantes dos rumos da Igreja católica, que mesmo perdendo espaço na sociedade global, ainda possui grande força e poder no ideário das sociedades, um exemplo claro de seu poder é que, depois do anúncio do papa, a mídia mundial se voltou para o Vaticano, todos os meios de comunicação enviaram para o pequeno país encravado na Itália seus melhores jornalistas, que forem enviados para cobrir um dos eventos mais importantes da sociedade contemporânea: a renúncia do papa Bento XVI e os rumos da Igreja no mundo.

Muitos se perguntam o que esperar da Igreja Católica nos próximos anos, alguns mais ufanistas acreditam que ela passará por uma grande transformação, se abrirá para os mais pobres, iniciará um amplo processo de reestruturação, se aproximando mais dos ideais pregados por Jesus, aceitando a Ciência, contestando os dogmas e abrindo espaço para um diálogo ecumênico com todos os extratos religiosos do mundo, uma nova Igreja, mais assentada nos ideais de Pedro e mais distante, cada vez mais distantes, dos gozos terrenos, das vantagens materiais, dos interesses do capital e das paixões mundanas.

A liderança papal se mostrou frágil para implementar uma agenda de transformação, muito do que foi feito de bom no papado de Bento XVI deve se perder na escuridão e no abandono, o que deve ficar de seu papado, e ficar sempre claro no imaginário coletivo, será a omissão da Igreja Católica em se auto-depurar, na dificuldade de cortar na própria carne os casos de pedofilia, nos escândalos de corrupção e, principalmente, a compreensão, de que a renúncia, mesmo sendo uma obra possível para todos os mortais, foi uma atitude que jamais imaginaríamos que acontecesse, mostrando ainda e demonstrando claramente a face humana, frágil e marcada por dúvidas, medos, incertezas e preocupações de todos os ser humano.

Outro ponto interessante que deve ser ressaltado neste caso é o formato de escolha do sumo pontífice, muitos receiam opinar sobre este assunto, mas em um momento como este marcado por inúmeras conjecturas e incertezas, faz-se necessário indagar se não seria o momento de criar um instrumento mais democrático para a escolha do papa, um instrumento que leve em consideração a opinião dos fiéis, neste rebanho de mais de 1 bilhão de pessoas que se debruçam em oração, fazem terços e promessas querendo agradar a Deus e num momento de escolha ou, de possibilidade de escolha se retrai e entrega esta missão nas mão de iluminados, muitos deles distantes do povo e enclausurado nos dogmas deletérios do catolicismo primitivo, mal sabendo eles que nos encontramos no século XXI, num momento de grandes mudanças e transformações constantes, onde o ser humano esta sendo chamado claramente para o testemunho da fé raciocinada e reflexiva, que nos liberta e nos alarga a visão sobre o mundo e sobre todas as nossas indagações.

Outros, mais realistas, acreditam que pouco mudará na Igreja nos próximos anos, as regras e os horizontes da Igreja romana permanecerão intocados, as idéias modernas, os novos pensamentos e as teorias existem e todos nós conhecemos, transformar a estrutura exige dedicação e vontade coletivas, um trabalho hercúleo que envolve várias pessoas, acreditar que é obra de um único homem é um grande equívoco, mas um equívoco que muitos alimentam a vida toda, com isso, uma instituição milenar vai se desagregando continuamente e o resultado mais concreto é que, os indivíduos fogem cada vez mais dos ideários cristãos que são fundamentais para sedimentar a sociedade mundial.