“Terceirização vai levar ao fim do emprego da classe média no país” diz Ruy Braga.

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O que acontecerá com o mercado de trabalho a partir da reforma trabalhista e da liberação da terceirização irrestrita? Para ajudar a entender o que virá, o Sul21conversou com Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo. Autor de diversos livros, sendo o último A Rebeldia do Precariado, lançado pela editora Boitempo em 2017, o sociólogo tem se dedicado a estudar o mercado de trabalho e a consequências da precarização que vem ocorrendo em diversos países do mundo, especialmente a partir da crise econômica de 2008.

A entrevista é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul 21, 10-09-2018.

As previsões que Braga faz não são nada favoráveis ao trabalhador. Pelo contrário, ele acredita na proliferação do subemprego, levando ao achatamento da renda das famílias, dificultando a retomada do crescimento e com poucas chances de trazer grandes modificações para o atual cenário de elevado desemprego no país. Além disso, com a generalização da terceirização, o sociólogo acredita estar próximo o desaparecimento do chamado emprego protegido.

“O que a gente vê no horizonte, se essa tendência não for revertida rapidamente, é o fim do emprego de classe média no país. Você não vai ter mais esse último bastião de contratação de classe média, via concurso público, com algum tipo de proteção, carreira ou algo do estilo. O que você vai ter é a generalização da contratação de trabalhadores terceirizados, profissionais terceirizados, PJs, ou via cooperativas ou via empresas de intermediação de mão de obra, empresas de trabalho temporário”, diz.

No lugar da proteção, ele vislumbra a generalização de práticas que são vistas no setor de transporte de passageiros por aplicativo. “Vai ter o Uber do professor, do enfermeiro, do jornalista, do arquiteto, do publicitário. Ou seja, um tipo de emprego precário mobilizado por plataforma digital. Essa é a tendência. Não se paga direito nenhum, não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, ocorre ao sabor do ciclo econômico, ou seja, das flutuações de mercado. É a devastação máxima da proteção via mercantilização do trabalho”, afirma.

Eis a entrevista.

Na última semana, acompanhamos, em Porto Alegre, a demissão de mais de 300 profissionais de um hospital, que logo em seguida foram substituídos por terceirizados. As demissões em massa com substituição por terceirizados é uma realidade que teremos a partir da liberação da terceirização irrestrita?

Sem dúvida, porque, na realidade, o contexto da crise econômica atual favorece medidas de corte de custos pelas empresas e o ajuste está sendo feito sobre o trabalho. Ou seja, muitas empresas estavam simplesmente esperando a pacificação dessa questão pelo Supremo a fim de iniciar esse ciclo de ajuste estrutural dos seus quadros. Como o Supremo eliminou a questão do último dique, a última barreira contra a terceirização – que era a súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho -, agora foi dada a largada para essa mudança estrutural do mercado de trabalho do país. Evidentemente, num contexto econômica, isso vai se dar de forma ainda mais acelerada.

Se nós tivéssemos uma situação relativamente normal da economia, com algum tipo de crescimento, a média que foi no último período de 14, 15 anos atrás, ainda assim haveria um ajuste estrutural do mercado de trabalho brasileiro tendo em vista as taxas de rotatividade históricas. Agora, com esse contexto de crise, esse ajuste vai se dar de forma ainda mais rápida, com a repetição desses exemplos pelo País afora. Ou seja, empresas mais ou menos endividadas irão optar por esse tipo de expediente, que, na realidade, o objetivo essencial é a diminuição de custos.

Eles consideram o trabalho como um custo e naturalmente, do ponto de vista da lógica econômica que guia as escolhas dessas empresas, é o que tem que prevalecer. Então, a gente vai, infelizmente, passar por um momento muito deletério do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores.

trabalho terceirizado é bastante conhecido pela literatura. Recentemente houve uma revisão de mais de 100 estudos, feito pelo pessoal do Dieese, demonstrando que o trabalho terceirizado afasta o trabalhador de direitos ou benefícios oriundos da negociação coletiva, praticamente, não há negociação coletiva, é um trabalho de jornadas mais longas, que remunera menos – em torno de 25% a menos em atividades comparáveis -, é um tipo de trabalho em que você encontra a tendência a um maior adoecimento, que se submete a taxas de rotatividade mais elevadas, é um tipo que a gente costuma chamar de trabalho precário, mesmo que o vínculo seja formalizado. Então, o que a gente espera é um ajuste estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que deve ocorrer num ritmo mais intenso, e uma difusão generalizada da precariedade das condições de trabalho, que evidentemente repercutem nas condições de vida da população.

A grande promessa da terceirização irrestrita, assim como da reforma trabalhista, é de que iria facilitar a contratação. Que impacto tais medidas podem ter na questão do desemprego?

No desemprego, nenhum. O que vai acontecer é um aumento do subemprego. É uma falácia e uma inverdade dizer que reformas da legislação trabalhista que atacam o polo protetivo do trabalho, que de alguma maneira eliminam direitos, criam empregos. Não criam empregos.

O que cria emprego, basicamente, é o investimento, público ou privado. Sem investimento – e a taxa de investimento no Brasil é declinante -, não há criação de novos empregos. O que vai acontecer é uma substituição de empregos mais ou menos protegidos por empregos precários, com uma tendência da estabilização do nível de desemprego nessa faixa que a gente conhece, que hoje está em torno de 13%. E se você somar as demais fatias da questão do subemprego ou do desalento você vai alcançar em torno de 27 milhões de pessoas ou desempregadas ou subempregadas no país. Isso tende a se cristalizar, com o aprofundamento da precarização daqueles que, de alguma maneira, ainda mantém um certo vínculo formal de emprego. Então, não há horizonte por conta de reforma trabalhista para o aumento do emprego.

Essa é uma realidade bastante conhecida, a própria OIT [Organização Internacional do Trabalho] publicou, em 2015, uma análise bastante minuciosa de 61 casos nacionais acompanhando as reformas trabalhistas, que se intensificaram no mundo a partir de 2007 e 2008. Em todos os casos, não houve criação de emprego, o que se verifica é um aumento do subemprego, da informalidade ou do trabalho precário. Com os efeito que são mais do que conhecidos: o aumento da desigualdade social, o aumento da violência. Ou seja, não há muita novidade nessa seara.

Essa precarização pode ter um efeito cascata negativo, de diminuição do poder de compra e sobre o mercado de consumo?

Os dois efeitos principais da generalização da terceirização, tendo em vista o achatamento da renda do trabalhador, são: por um lado, a diminuição do consumo, ou seja a erosão da capacidade de consumo das famílias trabalhadoras, e, por outro lado, efeitos perversos sobre a Previdência. O que a gente está assistindo, na realidade, é um desmanche do pacto distributivo que foi estabelecido com a Constituição de 1988. E essa solidariedade intergeracional tende a se fragilizar a um ponto insustentável num futuro previsível. Não há horizonte de aumento da arrecadação, mas o contrário. Com o achatamento da renda o que você vai ter é uma incapacidade, uma dificuldade muito grande de manter a Previdência num nível sustentável. Até porque, com a generalização da terceirização no setor público, que fatalmente irá acontecer num contexto de teto de gastos, você elimina um dos principais pilares da Previdência, que é a contribuição previdenciária do funcionalismo público, que é algo muito importante para as contas da Previdência.

Os defensores das reformas têm argumentado que contratar no Brasil era muito difícil, engessado, e que era necessário desregulamentar o mercado de trabalho. Uma reforma era necessária?

Em primeiro lugar, é uma falácia considerar que o mercado de trabalho é rígido, porque não é. Basta você ver as taxas de rotatividade no emprego formal. São taxas elevadíssimas para os padrões internacionais, ou pelo menos entre os países comparáveis ao Brasil. Não há propriamente inflexibilidade ou rigidez. A contratação também é muito simples, por uma razão muito evidente: o nível de salário que se paga na entrada do mercado de trabalho é baixíssimo. Se você olhar o emprego criado no ciclo de expansão, de 2003 a 2013, 94% do mercado formal pagava até 1,5 salário mínimo. Hoje em dia, você tem empregos criados, temporários ou contratos de tempo parcial, que pagam menos do que é um salário mínimo. O que se paga hoje na entrada é muito pouco. O nível salarial é o que de fato regula, em última instância, as contratações na entrada. E as demissões são absolutamente fáceis de se fazer no país. Instituiu-se, na verdade, uma prática de não pagar direitos na demissão. É por isso que você tinha até recentemente tantos processos na justiça trabalho. Então, o que se tem é um mercado de trabalho ultra flexível, altamente mercantilizado, em que a CLT, na realidade, era o mínimo do mínimo. Ou seja, algo muito tênue separando a civilização da barbárie de mercado de trabalho. Hoje, você já não tem mais isso, ou seja, vai ter a generalização da barbárie.

Sem dúvida nenhuma, precisávamos de reformas da CLT, principalmente trazendo a CLT para a realidade do tipo de trabalho, por exemplo, sob plataforma digital, que acontece no século XXI, mas no sentido de ampliar a proteção social e facilitar a contribuição previdenciária, de garantir um fortalecimento das negociações coletivas que fosse de fato algo importante, no sentido de organizar melhor o mercado de trabalho, adaptando à realidade do século XXI. O que foi feito foi o contrário: eliminar direitos, mexer em cláusulas que eram mínimas de proteção trabalhista e atacar propriamente qualquer forma de regulação do trabalho que favorecesse o trabalhador. Então, esse tipo de situação coloca o mundo do trabalho brasileiro em uma situação periclitante, em que a degradação das condições tendem a se precarizar ainda mais num futuro previsível.

Por que o presidente Temer segue dizendo que não houve retirada de direitos com as reformas?

Porque o presidente Temer mentiu à nação, é um corrupto que deveria ter sido tirado do cargo há muito tempo. Evidentemente, mentiu para a nação para aprovar essa reforma.

Voltando à questão do serviço público. Podemos ter serviços públicos terceirizados em áreas consideradas essenciais como educação, saúde, quem sabe até na área de segurança?

Na saúde e educação, a contratação OSS (Organizações Sociais sem Fins Lucrativos) para administrar hospitais e escolas já é uma realidade no país. Ainda é uma realidade minoritária em relação ao conjunto das instituições, mas agora, com a liberação da terceirização para atividade-fim, vai se transformar em majoritária.

O senhor acredita que vai haver uma generalização das OSs?

Sim, não tenha dúvida. Agora, o que você vai ter no serviço público é uma contratação via OSS, via empresas de emprego temporário, empresas de intermediação de mão de obra e cooperativas. O que é importante destacar é que, no mundo do trabalho que a gente vive hoje, são poucos os espaços de contratação de profissionais que efetivamente oferecem oportunidade para aquilo que a gente antigamente chamava de carreira. Ou seja, de você progredir funcionalmente no interior de uma instituição. São poucos esses espaços, eles vão se tornando cada vez mais seletivos no setor privado, por conta do achatamento das empresas, por conta do próprio processo de externalização de atividades, de formação de empresas em rede. Então, aquelas camadas médias das empresas vão sendo progressivamente eliminadas. Organizacionalmente e tecnologicamente falando, as funções vão sendo substituídas por sistemas de informação, por exemplo, inteligência artificial, software e assim por diante. Então, você não tem mais nas empresas aquilo que tradicionalmente se podia identificar como sendo empregos de classe média, ou seja, que associavam qualificação, proteção, carreira, progresso e avanço institucional, de renda ou coisa do estilo. Essas camadas estão sendo eliminadas. Onde você ainda tinha isso? Qual é o espaço de sobrevivência de empregos de classe média no sentido mais tradicional? Não há dúvida que o principal espaço é o serviço público, o Estado. Agora, com a liberação da terceirização para atividade-fim, por um lado, e a PEC do teto dos gatos por outro, a gente tem uma combinação explosiva para o emprego de classe média. O que vemos no horizonte, se essa tendência não for revertida rapidamente, é o fim do emprego de classe média no país. Você não vai ter mais esse último bastião de contratação de classe média, via concurso público, com algum tipo de proteção, carreira ou algo do estilo. O que você vai ter é a generalização da contratação de trabalhadores terceirizados, profissionais terceirizados, PJs, ou via cooperativas ou via empresas de intermediação de mão de obra, empresas de trabalho temporário. Vão se multiplicar e vão tomar conta do aparelho do Estado brasileiro, com a formação dos cartéis, das máfias que a gente conhece. Já existem hoje e tendem a se generalizar. Esse é o horizonte. É claro que o judiciário vai se proteger. A elite do serviço público no país, aquele mais bem remunerado, juízes, promotores, vão dar um jeito, pelo peso corporativo que têm, de se proteger. Mas o restante vai ser devastado.

Essa era a minha pergunta: tem algum setor que pode ser protegido?

Juízes e promotores. Eles vão se proteger.

Só esses?

Só, é basicamente isso.

A reforma ainda deixou uma brecha para considerar fraudes quando os empregos são considerados como vínculo empregatício, com subordinação e exigência de frequência. Mas o que pode ser considerado fraude depois da liberação da atividade-fim?

O que eventualmente pode ser considerado fraude é o trabalho de Pessoa Jurídica, mas com vínculo de trabalho subordinado. Ou então essas formas de contratação de trabalho autônomo, mas que, na realidade, é o falso trabalho independente ou trabalho autônomo. Mas não o trabalho terceirizado. Ele foi regulamentado já, pacificado pela decisão Supremo.

Mas o que configura o trabalho subordinado agora?

Se você é contratado via PJ, mas ao mesmo tempo por uma empresa de intermediação do trabalho para prestar serviço para um terceiro, isso pode ser considerado fraude, porque, na realidade, você não é PJ, é um trabalhador subordinado. Mas vão ser casos cada vez mais difíceis de caracterizar, tendo em vista essa legislação.

O que eu lhe pergunto é o seguinte: tem lojas que terceirizam o setor de venda. Essas pessoas, de alguma forma, vão receber ordens dos proprietários, mesmo terceirizadas, ou não?

Claro que sim, mas o trabalho terceirizado é uma das formas mais clássicas do trabalho subordinado. O que não podia acontecer antes era você contratar vendedores numa loja de calçados via empresa de intermediação do trabalho ou empresa de trabalho temporário. Agora, você pode. Não tem fraude, pacificou.

Mas isso não pode ser considerado relação de subordinação?

Vai ser, mas o trabalho terceirizado é subordinado. O que poderia eventualmente criar alguma dúvida é se você tivesse, por exemplo, contratando por uma empresa um PJ, a vendedora cria uma empresa PJ e passa a se subordinar a um único empregador. Então, se você é PJ, a ideia é que você tenha liberdade, escolha diferentes empregadores, porque você é uma empresa. Mas se caracterizar que você é um PJ que só tem um único empregador, um único contratante durante toda a jornada, isso eventualmente poderia ser considerado fraude. No entanto, não é isso que vai acontecer, porque as empresas de comércio e do setor de serviços vão contratar empresas de trabalho terceirizado.

Elas vão contratar o posto de trabalho.

É isso que vai acontecer, e principalmente no setor de serviços. É o setor que vai ser mais rapidamente devastado por essa decisão.

Como o senhor mesmo disse, isso vai baratear os custos paras as empresas e isso tem sido visto como benéfico pelo setor empresarial, que se diz animado, segundo as pesquisas. Mas que tipo de prejuízos a terceirização pode trazer para as empresas?

As empresas ganham numa ponta, que é a ponta do custo do trabalho, e perdem na outra, que é a ponta do consumo. Então, a gente vai ter o que já aconteceu nos países que passaram por esse processo de ajuste: um dos motores do crescimento econômico vai ficar claudicando, que é o motor do consumo das famílias. A renda vai ser devastada e você vai perder um desses motores. Não tem muito segredo, quais são os motores do crescimento econômico: exportação, investimento público, investimento privado, consumo das famílias e endividamento. O que você vai ter agora é que o consumo das famílias não tem mais.

Muito se fala que essa decisão traz segurança jurídica para a volta do investimento. As duas coisas estão ligadas?

Olha, não vejo segurança jurídica na nova CLT, nessa contrarreforma trabalhista. Existem muitas alterações que foram feitas na lei e contradizem a Constituição brasileira. Então, me parece que, por essa via, a gente vai ter problemas. Houve uma pacificação com a decisão do Supremo que é a eliminação da súmula do Tribunal Superior do Trabalho, a 331. Nesse ponto, agora, não há mais dúvidas a respeito de que tipo de atividade pode ser terceirizada. Nesse ponto, houve um reforço da segurança jurídica, mas não me parece que isso é suficiente para criar um meio-ambiente para investimento. Até porque um ambiente para investimento não é criado na oferta de trabalho, ele é criado na ponta da capacidade de produção das empresas, fundamentalmente. Uma empresa não vai, só porque tem condição ótima de contratação, investir na criação de outra fábrica se tem capacidade ociosa instalada na fábrica atual. Então, como a gente tem capacidade ociosa no Brasil hoje, não vai ser devastando o mercado de trabalho que você vai estimular as empresas a investirem.

Dá para dizer que se beneficia as empresas exportadoras e prejudica aquelas que dependem do mercado interno?

Olha, num certo sentido, sim. Mas a nossa pauta de exportação foi se tornando tão monótona, tão concentrada em produtos do setor primário — minério de ferro, soja, carne, enfim –, que são setores que já operam com um tipo de trabalho que é muito barato. Quando se fala em exportação, sim, alguns setores vão ser beneficiados porque vão pagar ainda menos para os seus trabalhadores. Mas, sinceramente, isso não é algo que chama a atenção quando se pensa no nível de devastação do mercado de trabalho que está sendo implementado no país hoje. Mesmo as empresas que exportam, elas, em alguma medida, interagem, fazem parte de grupos que têm pernas no mercado interno de trabalho. Ou seja, não sei se essa é a explicação. Eu acho que a explicação mais clara é a crise econômica e esse raciocínio que todo empresário tem de curto prazo, de pagar no próximo mês. O curto-prazismo faz com que se corte os custos e pressione os políticos que são pagos pelos empresários, notoriamente aqueles que votaram e encaminharam a contrarreforma da CLT.

Uma coisa que pouco se discute é sobre quem são as empresas terceirizadas. Ainda defende-se a terceirização como uma especialização, quando as terceirizadas não são especializadas, mas apenas contratadoras de mão de obra, correto?

Elas fazem a intermediação de postos de trabalho. Essa empresa não é um negócio, é o gato, o atravessador. Elas são desespecializadas, especializadas única e exclusivamente na contratação de força de trabalho. Elas não treinam ninguém.

O importante a destacar é que o mercado de trabalho brasileiro não é caracterizado por trabalho complexo, mas simples. Haja visto o nível de salários que se paga no país. O que se tem são empresas que se especializam no processo de intermediação de força de trabalho, o que significa basicamente que, na relação entre contratante e contratado de força de trabalho, você coloca um intermediador, um gato. É claro que quando você coloca um gato nessa relação direta de contratação, alguma das partes vai ganhar e outra vai perder, porque você não tem condições de colocar um terceiro numa relação, que vai evidentemente ganhar, se não tirar de um dos polos do contrato. Então, na realidade, essas empresas crescem e florescem sobre a devastação da proteção do trabalho. É uma forma de espoliação social. Elas crescem na medida que diminuem as formas de remuneração, os benefícios. Elas ganham porque o trabalhador deixa de receber benefícios, por exemplo, vale-alimentação, algum tipo de benefício concedido na negociação coletiva. A empresa ganha porque o trabalhador perde do ponto de vista do salário, porque vai ter uma jornada mais longa, no processo de espoliação social do trabalhador.

E acontece muito embuste nesse setor, empresas que abrem num dia, fecham no outro, reaparecem com outro CNPJ.

Não tenha dúvida, é outra face da espoliação social. Então, mesmo que a empresa seja formalizada, ela é irresponsável. Ou seja, abre, estabelece contratos, explora a força de trabalho, fecha por questões menores, é muito mais difícil de você fiscalizar, porque são muito mais pulverizadas, e deixam os trabalhadores a ver navios no momento do encerramento do vínculo empregatício. Isso é muito comum, é a regra, na realidade, no mundo das empresas terceirizadas do país. E é a generalização disso que vai acontecer num futuro próximo.

O objetivo das reformas também era a desobrigação de lidar com processos trabalhistas e com essas situações?

Sem dúvida. A despeito de você ainda manter a responsabilidade da empresa contratante, ainda assim o que vai acontecer é que os processos vão se alongar muito mais, distanciando ainda mais o trabalhador dos seus direitos. Hoje em dia, quando uma empresa que contrata diretamente deixa de cumprir com alguma obrigação trabalhista, naturalmente o trabalhador aciona a Justiça do Trabalho. Normalmente, são esses custos rescisórios são garantidos. Agora, você tem primeiro todo o processo contra a empresa terceirizada. Aí, depois que esgotar isso, você vai processar a empresa contratante. Ou seja, você alonga muito esse processo. Com essa contrarreforma trabalhista, você transfere o ônus dos custos processuais para o trabalhador. É ele que, caso perca o processo, vai ter que arcar com os honorários. Diga-se de passagem, é uma decisão contra a Constituição brasileira. Mas, de qualquer forma, quando você olha em uma perspectiva mais ampla, o que você percebe nitidamente é que está se produzindo, fortalecendo um desestímulo ao acesso à Justiça do Trabalho pelos trabalhadores. Eles não vão ter mais a Justiça do Trabalho para recorrer em termos práticos.

Também é uma forma de pressão para que o trabalhador aceite qualquer acordo?

Claro. A tendência é afastar o trabalhador cada vez mais dos seus direitos e, consequentemente, bloquear o acesso à Justiça do Trabalho. Forçar uma aceitação, uma subordinação já na ponta do encerramento do vínculo empregatício.

Como o senhor vê o futuro do mercado de trabalho. Quais são as perspectivas de curto e médio prazo? Algo pode acontecer para reverter o quadro de desemprego atual?

No curto e médio prazo, os próximos cinco anos, o que você vai ter é que, se houver uma recuperação do emprego, vai se dar na base da generalização do subemprego. Ou seja, de um tipo de emprego que remunera muito mal, com jornadas muito longas e distante da proteção trabalhista, dos benefícios da negociação coletiva de trabalho. O que me parece que deve acontecer, acompanhando outros casos internacionais, é uma estabilização do desemprego num patamar muito alto, com uma deterioração das condições de contratação no interior do mercado de trabalho. Por outro lado, isso atinge a renda, o que significa que um dos motores do crescimento econômico vai claudicar, e muito provavelmente vamos manter taxas muito baixas de crescimento econômico, o que repercute sobre a própria questão do investimento e, consequentemente, do desemprego. Finalmente, a questão previdenciária vai estar em risco. Com a deterioração das condições de consumo das famílias trabalhadoras, com a generalização do trabalho terceirizado, que deve se transformar nos próximos cinco anos na forma predominante e hegemônica de contratação no Brasil, e com esse tipo de impacto que vai ter sobre o emprego protegido, em particular no serviço público, a tendência é aprofundar as tensões em termos de financiamento da Previdência pública no país, com efeitos principalmente sobre a velhice. O aumento da pobreza na velhice.

Como o senhor vê o impacto de uma maior automação no mercado de trabalho?

O mundo está vivendo uma revolução 4.0 do ponto de vista da automação, da inteligência artificial, e isso tudo traz um elemento complicador. Os cálculos que são feitos nos países desenvolvidos apontam para uma coisa em torno de 22% dos empregos que seriam direta ou indiretamente atingidos pela revolução da automação 4.0, em particular no setor de serviços. No caso brasileiro, idem. A gente vai ter um impacto nessa direção, com a generalização do tipo de trabalho precário mobilizado por plataforma eletrônica, o que é um pouco o modelo do Uber. Você vai ter esse modelo se multiplicando. Vai ter o Uber do professor, do enfermeiro, do jornalista, do arquiteto, do publicitário. Ou seja, um tipo de emprego precário mobilizado por plataforma digital. Essa é a tendência. Não se paga direito nenhum, não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, ocorre ao sabor do ciclo econômico, ou seja, das flutuações de mercado. É a devastação máxima da proteção via mercantilização do trabalho. Essa é a tendência que a gente percebe hoje no país.

E qual deveria ser um projeto de nação para adaptar o país à realidade da indústria 4.0?

Você tem que investir, basicamente, na qualificação, em setores que ainda conseguem criar empregos de qualidade, reverter completamente, desfazer a reforma trabalhista tal como ela ocorreu. Você tem que propor um aumento da proteção do trabalho e, principalmente, a medida mais importante de todas elas, tem que diminuir a jornada de trabalho sem diminuição de salário. Ou seja, tem que repartir a massa de trabalho existente por aqueles que estão dispostos a trabalhar. Sem isso, não há a menor possibilidade de reverter essas tendências no curto e médio prazo.

 

Lehman Brothers e o desastre do capitalismo financeiro mundial

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Há exatamente dez anos o capitalismo entrou em uma grande crise terminal, com graves desdobramentos em toda a economia internacional, gerando uma quebradeira generalizada, falência de bancos e corretoras, além de levar inúmeras empresas a bancarrota, com desemprego em ascensão, renda em queda e incremento da degradação social, instabilidades políticas e esgotamentos de modelos econômicos e produtivos.

O centro de toda esta degradação econômica e financeira foi os Estados Unidos da América, depois de um forte crescimento no começo do século XXI, os negócios entraram em um ciclo recessivo que se espalhou por todo o mundo, o epicentro do terremoto financeiro foi a crise do mercado imobiliário que culminou em hipotecas não pagas, bancos em crise e população em pânico, obrigando o governo a adotar uma política de socorro generalizado, sob pena de destruição do capitalismo norte-americano, com graves impactos sobre a economia internacional, o resgate foi orquestrado pelo Federal Reserve (FED) e contou com o apoio de outros Bancos Centrais que, para evitar a degradação total foram obrigados a injetar trilhões e trilhões de dólares no sistema financeiro internacional, aumentando a liquidez e socorrendo o setor privado.

O crescimento do mercado imobiliário norte-americano foi bastante acelerado no começo do século XXI, depois de um forte boom na economia somados a um grande desenvolvimento tecnológico, inúmeras famílias refinanciaram suas residências e, com o dinheiro em mãos, foram para as compras, dinamizando a economia do país e garantindo novos ganhos econômicos, o emprego e a renda dos trabalhadores cresceram, os ganhos tributários do governo aumentaram consideravelmente, criando um clima de prosperidade e de euforia, ninguém em sã consciência imaginaria que a economia mundial estava a beira da crise e da bancarrota.

Este boom econômico levou os bancos a aumentarem os empréstimos imobiliários, como o mercado estava bastante aquecidos e a liquidez elevada, as famílias contraíram novas dívidas e adquiriram suas residências, neste ambiente visualizávamos dois grupos de tomadores de recursos juntos ao setor bancário: de um lado encontrávamos os chamados clientes Prime, correntistas com renda e patrimônio condizentes com os empréstimos adquiridos e de outro os clientes subprime, que possuíam renda mas não patrimônio, eram correntistas com histórico de inadimplência e atrasos anteriores mas que, naquele instante, apresentavam condições de tomar recursos para a aquisição da casa própria.

Os clientes subprime são aqueles que contraíram dívidas acima de sua capacidade de pagamento, com as dificuldades do momento passam a atrasar hipotecas e aumentaram a instabilidade do sistema bancário, com medo os bancos contraem os empréstimos e reduziram o financiamento dos imóveis, aumentando a instabilidade e comprometendo todo o setor financeiro. Como as casas foram dadas como garantia para os empréstimos, os bancos começaram a retomar os imóveis, com a crise se alastrando o valor das casas se reduz imensamente, levando os bancos a acumularem graves prejuízos que se espalham para todo sistema econômico e produtivo.

No Brasil, a crise chegou de uma forma mais branda, o país vivia um momento de crescimento econômico e relevância política, era o segundo governo Lula e o país apresentava grande potencial de desenvolvimento econômico, segundo o governo o Brasil foi o último a sentir os efeitos da crise e o primeiro país a sair dela. Os movimentos do governo para debelar a crise foram o velho intervencionismo econômico, redução do IPI dos produtos de linha branca e automobilístico e novos investimentos nos setores produtivos com aumento no emprego e na renda, soma se a isso um forte incremento nos empréstimos que tiveram no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Nordeste e no BNDES seus grandes atores, tudo isso contribuiu para uma melhoria no cenário econômico e uma euforia generalizada.

Os resultados internos foram bastante auspiciosos, a economia continuou seu ciclo de crescimento, o emprego e a renda cresceram e os ganhos políticos do governo foram positivos, culminando em taxas de crescimento econômico em 2010 de mais de 7,5%, garantindo a eleição da representante do governo petista e a continuidade no poder do mesmo grupo político. A economia brasileira vivia um momento de grande euforia, depois de muitos anos de instabilidades e baixo crescimento, o país dava mostras de que tinha alcançado a maturidade necessária para assumir uma posição de destaque na sociedade internacional, para coroar todo o sacrifício a revista britânica The Economist retratou o Brasil favoravelmente e destacou seu forte crescimento econômico, o país do futuro se tornará o país do presente, o Cristo Redentor finalmente decolava.

O governo norte-americano comandado pelo republicano George W. Bush, foi fortemente pressionado pelo setor privado para evitar a quebradeira que se aproximava, as alternativas eram poucas, de um lado o governo deveria escolher entre intervir e evitar a bancarrota de empresas e setores inteiros da economia ou deixar que as empresas pedissem falência, cujo resultado seria uma forte recessão comparável ao acontecido na crise de 1929. Para evitar a quebradeira o governo colocou trilhões de dólares na economia, a seguradora AIG recebeu mais de US$ 100 bilhões e a montadora Chrysler mais de US$ 50 bilhões, um verdadeiro capitalismo de Estado na pátria do Liberalismo econômico.

A crise de 2008 afetou fortemente a imagem do neoliberalismo no mundo, depois de um crescimento avassalador na economia internacional desde o Consenso de Washington, de 1988, as ideias neoliberais perderam força e foram fortemente criticadas pelos teóricos da esquerda, sendo vista como uma fórmula clara e eficiente para levar os países em desenvolvimento para o caos generalizado, com degradação da renda e do emprego e uma forte pitada de desindustrialização, marcas de uma concorrência descrita como desleal com empresas e setores industriais mais fortes e consolidados de países desenvolvidos e industrializados.

A crise levou as duas grandes empresas do setor imobiliário a sofrerem a intervenção do governo norte-americano, as gigantes Fannie Mae e Freddie Mac passaram a ser controladas pelo governo por tempo indeterminado, com substituição de seus principais executivos e com investimentos na casa dos US$ 200 bilhões para evitar que ambas entrassem em insolvência e gerassem um desajuste ainda maior na economia dos Estados Unidos da América, era o Estado socorrendo o setor imobiliário para evitar que os desvarios do setor privado destruíssem o capitalismo norte-americano.

A falência do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, uma instituição antiga, tradicional e consolidada, foi o estopim para a crise de confiança se espalhar como pólvora na sociedade global, se um banco com esta tradição e imagem foi a bancarrota, o que seria de outras instituições menores e com menor tradição? É importante destacar, que os bancos transformam estes empréstimos, ou melhor, estas hipotecas, em papeis e vendem-nas para outras instituições, fazendo com que as perdas se espalhem além da economia norte-americana, levando outros países a sentirem os efeitos desta crise do setor imobiliário de forma mais intensa, como a Espanha, a Itália, a Irlanda e a Grécia.

Alguns dos maiores bancos do mundo, como o Citigroup e o Merril Lynch, perderam mais de US$ 10 bilhões apenas no quarto semestre de 2007, como os Estados Unidos se caracterizam como sendo um dos maiores consumidores do mundo, toda crise que gera desequilíbrios na estrutura da renda, do emprego e do consumo no país, o impacto sobre a economia internacional é imediato, levando a uma retração na demanda agregada de produtos do resto do mundo.

Os efeitos da crise se espalharam para todas as regiões e países da economia internacional, o comércio global se reduziu e os fluxos financeiros também perderam força, a recessão se disseminou para inúmeros países e os obrigaram a adotar políticas fortemente intervencionistas, aumentando a liquidez na economia internacional e reduzindo os juros, com tantos recursos disponíveis, países como o Brasil, passaram a sentir um incremento na entrada de recursos na economia, muitos destes recursos se destinavam a usufruir de nossa alta taxa de juros quando comparada as do mercado internacional, esta atração valorizava o câmbio e contribuía para o controla da inflação mas, ao mesmo tempo, incrementava a desindustrialização do país, fenômeno este que vem acompanhando a economia brasileira desde o começo dos anos 90.

Países como a China perceberam nesta crise um momento de reflexão e reestruturação de seu modelo econômico, não seria mais possível se basear em um modelo fortemente centrado no setor externo, depois de muitas décadas exportando produtos chineses para a sociedade internacional, o país se vê na necessidade de alterá-lo, iniciando a construção de um novo paradigma, baseado no incremento do mercado interno como agente dinamizador do crescimento econômico, desta forma o crescimento seria mais estável e menos dependente dos humores da economia internacional.

O Brasil, inicialmente, sentiu pouco a crise de 2008, as medidas adotadas pelo governo foram certeiras, o crescimento voltou e a economia passou a criar empregos e aumentar a renda, politicamente os ganhos foram consistentes, garantindo a continuidade no poder do mesmo grupo político, é importante destacar ainda que, os crescentes gastos do governo e as políticas desastradas no âmbito fiscal, levaram o país a uma crise generalizada em 2015, com uma recessão bastante sólida que degradou muitas das conquistas sociais que o país se orgulha de ter conseguido acumular e obrigando o país a novos reajustes nas finanças públicas sob pena de levar o Estado brasileiro a uma situação de insolvência.

Com a crise surgiram, nos Estados Unidos, novas leis e instituições para coibir os excessos do sistema financeiro, bancos foram vendidos ou fundidos em um único grupo, empresas foram alienadas e grupos novos surgiram mais fortes e consistentes, aumentando a produtividade do capitalismo norte-americano, tornando o país mais atuante e competitivo no mercado internacional, mesmo assim, percebemos que estas mudanças institucionais foram insuficientes para garantir riscos menores e as possiblidades de uma nova crise estão vivas na mente de todos os gestores responsáveis da sociedade mundial.

Destacamos ainda, os impactos na democracia norte-americana, de um lado percebemos uma fragilização do sistema político, as empresas se utilizaram de seu poderio econômico e político para garantir recursos suficientes para evitar que entrassem em crise, em contrapartida, milhões de cidadãos foram a bancarrota e não receberam um único centavo para se reerguerem mostrando, com isso, como o sistema corporativo dos Estados Unidos são dotados de poder e possuem grupos sofisticados e lobbies poderosos quando querem extrair algo que os beneficie do governo, a chantagem e a pilhagem são instrumentos de políticas adotadas para garantir eternos benefícios para uma elite imediatista e influente nos rumos adotados pela classe política.

A crise jogou na degradação milhões de famílias norte-americanas, empregos foram destruídos e esperanças foram enterradas, a crise abriu espaços para novos grupos políticos, como o Tea Party, nascido dentro do Partido Republicano e com um perfil mais conservador e muitas vezes mais intolerantes com as diversidades existentes na sociedade, tudo isto contribuiu para a ascensão de Donald Trump nas eleições de 2016, num momento que beira a insanidade e a loucura, e faz com que a democracia esteja num momento de grande inquietação, incerteza e instabilidade, o mundo nos últimos anos ficou mais perigoso e mais intolerante.

Os dramas da crise financeira não terminaram depois de passados dez anos, após uma política de forte intervenção do Estado na economia, os governos dos países desenvolvidos buscam uma forma suave de reduzir as perdas acumuladas no período, as ações se valorizaram e os títulos públicos recuperaram seus rendimentos mas, mesmo assim, as perdas acumuladas foram consideráveis, o setor privado se recuperou e estimulou o crescimento da economia norte-americana mas um fantasma ronda as economias, uma nova crise pode gerar uma forte destruição da economia internacional com graves consequências para toda a humanidade, o epicentro desta nova crise ainda é bastante incerto mas todos os especialistas acreditam que as origens desta nova crise, sem dúvida, será a Ásia, com fortes chances de ser uma crise originária na China, o que poderá comprometer as bases da economia internacional e reviver o sonho marxista de superação do sistema capitalista mundial, quem viver verá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘Populismo se nutre da falsa ideia de que mundo vai mal, mas ele vai bem’, diz Steven Pinker

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Psicólogo defende que humanidade está em seu melhor momento, mas pessimismo nos confunde

Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO

Enquanto o noticiário nos apavora com milhões de refugiados, guerras sangrentas e crianças famélicas, o psicólogo e linguista canadense-americano Steven Pinker persiste na cruzada para nos convencer de que o mundo nunca esteve tão bem.

Divulgar o progresso da humanidade, segundo ele, não é só um meio de corrigir uma visão distorcida que as pessoas têm do mundo. É uma urgência neste momento de ascensão do populismo autoritário.

Em seu livro mais recente, “O Novo Iluminismo – Em defesa da razão, da ciência e do humanismo”, que será lançado quinta (6) no Brasil pela Companhia das Letras, Pinker, 63, retoma o projeto de mostrar com dados e fatos que as coisas estão melhorando.

Para o psicólogo cognitivo, é preciso redobrar o foco na razão, na ciência, no humanismo e no progresso para que as coisas continuem a melhorar e para evitar que as pessoas sejam seduzidas pelo discurso catastrofista nostálgico do populismo em expansão.

Quando vemos o noticiário, parece que o mundo está cada vez pior. Mas o sr. argumenta, com dados, que nunca estivemos tão bem. Por que há esse descolamento entre a nossa percepção e a realidade?

Isso decorre da natureza do noticiário e da mente humana. A mente humana avalia risco e perigo por meio de exemplos vívidos, imagens, narrativas.

Não somos intuitivamente estatísticos. Se lemos uma reportagem marcante sobre alguém sendo mordido por um tubarão, um terrorista jogando seu carro no meio das pessoas na calçada, ou um ataque numa guerra, isso nos faz pensar que esse tipo de incidente é extremamente comum.

Nós conseguimos nos lembrar facilmente do que está mais disponível na nossa memória, algo que os psicólogos chamam isso de heurística da disponibilidade. Quanto mais alguma coisa está à mão na nossa memória, mais pensamos que é algo com grande probabilidade de acontecer.

Já o noticiário tem como objetivo apresentar ao público eventos e incidentes. Se qualquer coisa ruim acontece em qualquer lugar do mundo, é garantido que estará no noticiário.

Já os acontecimentos positivos muitas vezes não rendem imagens vívidas, e na maioria das vezes não são coisas que acontecem de repente, portanto eles sistematicamente não estão no noticiário.

Não se noticia o fato de que, nos últimos 40 anos, não houve nenhuma guerra no sudeste da Ásia, uma região onde frequentemente havia conflitos, como o da Coreia, Camboja, Vietnã. Uma região onde não há guerra não é uma manchete, esses são acontecimentos que só podem ser vistos por meio de dados.

Só quando você compila dados, como eu fiz, é que consegue compreender as enormes mudanças benéficas que ocorreram no mundo.

Por exemplo, mortes em guerras: o número de mortes aumentou um pouco nos últimos cinco anos, por causa da guerra da Síria, mas, mesmo assim, está muito abaixo dos níveis dos anos 50, 60 e 70, e mais ainda dos níveis da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Da mesma maneira, os jornais raramente falam que a porcentagem da população vivendo em pobreza extrema caiu de 30% há 30 anos para 10%; e alfabetização aumentou para 90% das pessoas com menos de 25 anos.

Na maioria dos países, a criminalidade caiu. Até no Brasil, um dos mais violentos, houve queda no número de mortes decorrentes de crimes em algumas cidades, como o Rio.

Melhoras que podem ser detectadas nos números, nos dados, quase nunca aparecem no noticiário, por isso as pessoas não sabem que houve progresso.

As pessoas reagem com ceticismo quando o senhor tenta convencê-las de que o mundo está melhorando? 

Sempre. Quando elas veem dados, elas ficam surpresas e mais receptivas —por isso eu conto a história do meu livro por meio de 75 gráficos, e, no livro anterior (“Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, Companhia das Letras, 2017), eu usei 100 gráficos, porque sabia que, se as pessoas não vissem os números, não acreditariam.

O sr. mostra no livro que, além da mídia, as pessoas têm a tendência de focar o lado negativo das coisas...

Há estudos bem conhecidos mostrando que o ruim é mais forte que o bom; do ponto de vista psicológico, estamos mais preocupados com o que pode dar errado do que com o que pode dar certo.

Temos a tendência de nos lembrar melhor de acontecimentos negativos do que positivos, quando são recentes. Mas é diferente quando se trata de coisas que aconteceram há muito tempo. Nós lembramos das coisas boas e ruins, mas tendemos a esquecer quão ruins foram os acontecimentos negativos.

De certa maneira, as pessoas nascem nostálgicas, daí porque temos livros com títulos como “os bons tempos eram péssimos” e “a melhor explicação para os bons tempos é a falta de memória”.

Mas, em geral, acontecimentos negativos deixam um impacto psicológico maior. E isso tem mais uma consequência: normalmente, levamos muito mais a sério as pessoas que nos alertam para o que pode dar errado do que as pessoas que identificam o que está dando certo.

É aquele ditado: sempre parece que os pessimistas querem nos ajudar, enquanto os otimistas querem nos vender alguma coisa.

No livro, o sr. fala da maneira pessimista com que encaramos o futuro e a nossa atual situação. Por exemplo, quando se pergunta a alguém quantas coisas boas poderiam acontecer hoje, a pessoa pensa em algumas; mas se perguntam quantas coisas ruins poderiam acontecer, ela pensa em um milhão…

Bom, isso não é apenas um efeito psicológico, é a realidade. Há realmente um número muito maior de coisas que podem dar errado do que podem dar certo, essa é a natureza do universo.

Aliás, acho que é por isso que somos tão despreparados para dar valor ao nosso progresso, porque durante a maior parte da história não houve progresso nenhum ou foi muito lento. Foi só a partir da revolução científica que o progresso se tornou uma realidade.

De que maneira os valores do iluminismo contribuem para a melhora de nossas vidas? 

Quando falo em valores do iluminismo me refiro a razão, ciência, humanismo e progresso. Razão no sentido de não confiarmos em dogmas ou autoridade, devemos sempre ser céticos e tentar descobrir as coisas usando a lógica e as provas.

Ciência é a aplicação da razão ao mundo natural. Humanismo é o princípio de que é o bem estar dos seres vivos que é o maior valor moral, e não a glória de uma tribo, nação, ou lei religiosa. E progresso é usarmos razão e ciência para alcançarmos o bem estar dos seres vivo.

Isso não significa que teremos um mundo perfeito, isso é impossível, mas pode, sim, haver uma melhora gradual.

O sr. afirma que o populismo autoritário é um dos movimentos de reação contra o iluminismo. A ascensão desse populismo é preocupante? 

Muito preocupante, porque o progresso não é automático, nem inevitável, ele depende dos ideais do iluminismo. Portanto, se um movimento contra o iluminismo se torna dominante, isso pode desacelerar o progresso ou levar a retrocesso.

Já houve várias fases de retrocesso na história, por exemplo, durante a ascensão do fascismo nos anos 30 e 40, que levou o mundo a se voltar contra a democracia liberal.

No livro, eu discuto como os movimentos atuais contra o iluminismo são uma continuação de movimentos do século 19 que glorificavam nação, raça ou religião, em vez de focar os indivíduos, e que olhavam para o passado como uma era de ouro em vez de tentar resolver problemas e fazer um futuro melhor que o presente.

Ao dizer sempre que as coisas nunca estiveram tão boas não estamos adotando uma visão de elite? Sim, tudo está ficando melhor para você, mas não para o pessoal passando fome em favelas, na guerra da Síria, etc...

Na realidade, os dados que eu uso se referem ao mundo inteiro. Claro que as pessoas que mais sofrem ainda estão em uma situação péssima, mas o fato de a guerra ter sido debelada ou evitada em outros lugares aumenta nossa confiança de que podemos trazer paz para partes do mundo que estão sofrendo.

O oposto, pensar que sempre houve guerras, é da natureza humana, e não há nada que possamos fazer, nos torna insensíveis.

Se você pensa que todo mundo no Oriente Médio sempre está se matando, você será fatalista e cínico. Se você pensa que o Sudeste Asiático teve guerras sangrentas por 70 anos e agora tem a paz, podemos pensar que isso pode acontecer no Oriente Médio também.

O sr. afirma que as políticas identitárias também são inimigas dos valores iluministas. Por quê? 

Política identitária é uma teoria de que a humanidade é dividida em grupos baseados em raça, gênero, e orientação sexual, que sempre estão brigando por poder.

É a teoria de que precisamos lutar para que um grupo tenha menos poder, para que o outro possa ter mais. Isso é contrário à ideia de que todos os humanos têm a possibilidade de prosperar e sofrer, e que podemos ser engenhosos descobrindo soluções que vão melhorar a vida de todo mundo, não só de determinados grupos.

Da mesma maneira que é errado discriminar alguém por causa de raça ou gênero, é errado tentar virar a mesa e fazer outra raça ou gênero superior. Igualdade significa que todos têm direitos iguais, independentemente de raça, gênero ou orientação sexual.

Mas e quanto a corrigir injustiças ou desequilíbrios históricos? 

É possível que existam legados históricos de discriminação, e é legítimo ajudar pessoas que foram discriminadas, é o princípio da justiça. Mas isso não se aplica a todas as pessoas de uma determinada raça.

Então usar políticas raciais acabaria discriminando contra alguns indivíduos, e isso geraria ressentimento e reação —que é o que estamos vivendo nos EUA hoje.

O aumento na desigualdade de renda é visto como um sinal de que o progresso é limitado, e a vida não melhorou para todos da mesma forma. Mas o sr. diz que igualdade econômica não é um componente fundamental do bem estar. 

A pobreza é um componente fundamental do bem estar, igualdade econômica não é.

Em qualquer economia onde haja livre mercado é inevitável que surja desigualdade econômica. Como aconteceu com a revolução industrial do século 19, e agora com a revolução eletrônica, é inevitável que algumas pessoas aproveitem melhor que outras as novas oportunidades econômicas.

Sou a favor de políticas que tentam ajudar os mais pobres, como tributação progressiva, mas apenas quando o objetivo é melhorar a vida dessas pessoas, e não igualar a vida de todo mundo.

No seu dia a dia, o sr. reclama bastante da vida? 

(Risos) Acho que sim. Mas tento me lembrar sempre de quão sortudo eu sou por viver em uma democracia liberal —por enquanto, pelo menos, ainda é uma democracia liberal.

Tento por minhas queixas cotidianas em perspectiva, eu sou muito sortudo por ser um professor e escritor.

É muito útil pensar em como as coisas eram piores para os meus pais e meus avós, apreciar o progresso que tivemos, não para sermos complacentes, pelo contrário, para nos estimular a buscar mais progresso.

Por que seu livro precisava ser escrito neste momento? 

O mundo precisa de uma narrativa que se contraponha ao populismo autoritário.

As pessoas não valorizam as conquistas da democracia liberal, não há muita gente disposta a defendê-las.

Há pessoas carismáticas e apaixonadas defendendo o populismo autoritário e a religião, mas o projeto iluminista carece de defensores. Não sou um líder carismático, mas espero dar munição e argumentos para pessoas que possam ser.

Vivemos em uma era em que é possível acessar dados que costumavam ser obscuros e difíceis de encontrar, então podemos documentar o progresso e isso muda nossa compreensão das coisas.

As pessoas parecem estar imunes a dados e fatos ultimamente. 

As pessoas sempre foram imunes a dados e fatos, é assim que a mente humana funciona.

Algumas pessoas estão dispostas a aprender, duvidar de suas intuições e essas pessoas podem usar esses dados para repensar suas crenças. Isso pode motivar pessoas que são comunicadores eficientes a usar fatos positivos para se contrapor à narrativa populista.

Não deveríamos combater a propaganda com propaganda, mas propaganda amparada em fatos vale a pena espalhar.

 

Brasil precisa sair da tormenta sem eleger um autoritário, diz professor de Harvard

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Autor do livro ‘Como as Democracias Morrem’, Steven Levitsky afirma que cenário brasileiro inspira preocupação – Marco Rodrigo Almeida – Folha de São Paulo – Agosto de 2018.

 

SÃO PAULO

Nada de tanques nas ruas, conspirações militares, palácios em chamas. Nas últimas décadas, dizem os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblat, a maior parte dos políticos autoritários chegou ao poder pelo voto dos eleitores.

Nesse cenário, a democracia é corroída aos poucos, muitas vezes de maneira quase imperceptível. Os cidadãos continuam a votar, Constituições e instituições permanecem vigentes, mas os líderes encontram brechas para aumentar seus poderes, alongar mandados, enfraquecer órgãos de controle, intimidar oponentes e cercear a imprensa.

É o que ocorreu, com diferentes graus de retrocesso, em países como Venezuela, Peru, Rússia, Hungria e Nicarágua.

No livro “Como as Democracias Morrem”, Levitsky e Ziblat, ambos professores da Universidade Harvard, estudam esses casos e dão um passo além: sistemas constitucionais mais tradicionais também estão sujeitos a riscos.

Há razões para alarme nos Estados Unidos, argumentam, uma vez que a polarização partidária extrema entre os partidos Democrata e Republicano desgastou as normas democráticas, processo que teria se acelerado com a eleição de Donald Trump em 2016.

“Nenhum outro candidato presidencial decisivo na história moderna dos Estados Unidos demonstrou um compromisso público tão frágil com direitos constitucionais e normas democráticas”, afirmam os acadêmicos.

Na semana passada, Levitsky veio ao Brasil para divulgar o livro, cujo lançamento será em setembro pela editora Zahar. Em entrevista à Folha, diz que a democracia brasileira também inspira preocupação: a convergência de recessão e escândalos de corrupção favorece a ascensão de políticos demagogos e potencialmente autoritários. Para o autor, este seria o caso de Jair Bolsonaro (PSL).

O senhor diz no livro que o sistema político dos EUA já sobreviveu à Guerra Civil, à Grande Depressão, à Guerra Fria e a Watergate, mas que não tem tanta certeza de que sobreviverá a Trump. Ele é o maior perigo que o país já enfrentou?

Eu diria que é a primeira vez que elegemos alguém tão pouco compromissado com as normas constitucionais e democráticas. A combinação de um presidente demagogo e um quadro de polarização extrema, como o dos EUA, causa grande preocupação.

Muitas propostas de Trump foram barradas por outros Poderes. Isso não prova que a democracia está funcionando? 

Depende de que parte. Há instituições que funcionam bem e outras que funcionam menos bem. Eu diria que o Poder Judicial até agora está funcionando bem. O Congresso, como o tempo, tornou-se menos ativo, está controlado pelo partido de Trump, o Republicano.

Cada republicano que enfrentou Trump nos últimos dois anos foi destruído politicamente. Então, com o tempo, o Partido Republicano se converteu em um instrumento de Trump. O Congresso controlado por um partido que se tornou trumpista já não é um Poder independente.

Instituições fortes e tradicionais, como a dos EUA, não são suficientes para controlar líderes autoritários?

Eu diria que instituições bem desenhadas não necessariamente são suficientes. Precisam ser complementadas por normas democráticas informais, não escritas. Focamos duas no livro. A tolerância mútua, o entendimento de que as partes se aceitem umas às outras como rivais legítimos, e a reserva institucional, a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prorrogativas institucionais.
Isso é o que torna forte uma instituição. O problema é que essas normas vêm perdendo força com a polarização.

Houve uma mudança no sistema de seleção de candidatos. Historicamente os líderes partidários selecionavam os candidatos. Era um processo pouco transparente, pouco democrático, no qual os líderes mais importantes negociavam as candidaturas. Isso durou do princípio do século 19 até 1968.

A partir da eleição de 1972, introduzimos um sistema totalmente distinto de primárias, que é muito mais democrático, mais transparente, mais participativo, mas que limita o poder dos líderes partidários e dá muito poder aos votantes de cada partido.

O velho sistema tinha um monte de defeitos, mas funcionava muito bem como filtro para prevenir a chegada de figuras extremistas ou autoritárias. O novo sistema é mais democrático, mas sempre há o risco de que alguém famoso ou rico, como Trump, seduza o eleitorado.

É perigoso dar muitos poderes aos eleitores?

Precisamos distinguir a democracia dentro dos partidos e fora dos partidos. Obviamente a democracia não existe se as eleições não estão nas mãos dos eleitores. Temos que confiar nos eleitores. No entanto, a respeito da decisão de quem será o candidato há um debate. Em muitas democracias no mundo, sobretudo na Europa ocidental, não ocorrem primárias, não há democracia dentro dos partidos. Os candidatos são escolhidos pelos caciques. Há aspectos muito positivos na democracia interna, mas também riscos.

O livro aponta um paradoxo. A estabilidade política dos EUA, do fim da Guerra de Secessão aos anos 1980, foi alcançada às custas da exclusão racial. A luta dos direitos civis nos anos 1960 expandiu a democracia, mas provocou uma polarização social que hoje desafia o sistema. A democratização tornou-se uma ameaça à democracia? 

Sim, esse é um paradoxo trágico. Nos EUA não houve o que chamamos de plena democracia até os anos 1960, quando os negros obtiveram o direito de votar em todo o país. Essa democratização é que iniciou a lenta polarização que há hoje entre os partidos Democrata e Republicano

Quais são os caminhos para diminuir a polarização?

O Partido Republicano tem um grande paradoxo também. Nasceu no século 19 sendo um partido antiescravidão, pró-direitos civis. Um século mais tarde, termina sendo um partido que basicamente representa brancos que temem a perda de sua maioria. É um partido branco, cristão e reacionário. Continuando assim, teremos um ambiente ainda mais dividido.

É necessário que o Partido Republicano decida ser mais diverso, decida atrair pessoas que não são brancas nem cristãs. Precisa falar com o país inteiro, e não apenas com uma parte dele.

O bipartidarismo do modelo político dos EUA favorece essa polarização? O número não necessariamente afeta a polarização. O Brasil se polarizou, apesar de ter 35 partidos. Uma certa fragmentação de poder político certamente é salutar para a democracia. No entanto, vemos que geralmente em países com muitos partidos quase todos são frágeis. Assim um líder populista acumula muito poder.

A vantagem dos EUA é que o Partido Democrata é uma oposição forte, tem cerca de 40% dos votos em todas as eleições, tem ativistas em todos os estados, tem verba. Uma das razões de tantos autoritários se consolidares no poder é a existência de uma oposição muito fraca.

O senhor cita no livro alguns critérios que permitem identificar um político autoritário.  Algum dos candidatos à Presidência no Brasil se enquadra nessa categoria? 

Não sou especialista em política brasileira, mas fizemos uma investigação e constatamos que sim, que Jair Bolsonaro (PSL) se revela como potencialmente  autoritário.
Ele já se manifestou a favor da ditadura militar, já pediu o fechamento do Congresso, disse que pretende governar com as Forças Armadas, questionou a legitimidade do sistema eleitoral. Para mim, são evidências de que não está comprometido com as regras democráticas.

O que explica o apelo popular de tantos líderes autoritários?

O Brasil é um bom exemplo. Vocês enfrentam ao mesmo tempo uma tremenda crise econômica e a pior crise de corrupção que já se viu numa democracia. É uma tempestade perfeita.
Em momentos assim é muito comum a aparição de populistas que prometem limpar o sistema, combater a classe política. Resulta atrativo para a população. O desafio do Brasil é sobreviver à tormenta sem eleger um autoritário.

Aqui também criou-se grande polarização com o impeachment de Dilma Rousseff. Que avaliação faz desse episódio? 

Não diria que foi um golpe de Estado, não compartilho da posição do PT. Foi um processo legal, constitucional. Mas diria que foi algo politizado. Parece-me que o governo violou a lei, mas utilizaram isso como desculpa para justificar um ato essencialmente político. Embora seja legal, constitucional, o ato pode ser danoso à democracia.

Agora vocês têm um partido importante, o PT, que pensa que o outro lado está jogando sujo. Isso foi reforçado, claro, pela prisão de Lula. Então o PT, corretamente ou não, avalia que foi ilegitimamente removido do poder em 2016 e que agora seus rivais utilizam medidas antidemocráticas para evitar que voltem ao poder, destruindo seu candidato mais popular.

Não digo que o PT tenha razão. Entretanto, quando um dos principais partidos do país tem a percepção de que seus rivais estão jogando sujo, e parcela significativa da população pensa o mesmo, temos um problema de legitimidade bastante forte.

O que fazer nesse cenário?

Não há uma só receita. A recuperação da saúde em uma democracia é inevitavelmente um processo lento. Alguns passos já podem ser tomados: os grandes partidos, PSDB e PT, têm que voltar a um lugar em que estavam entre 1994 e 2010, onde competiam, aceitavam-se mutualmente como rivais legítimos, podiam sentar, falar e negociar.

Não há saídas rápidas na democracia. Todos os processo são lentos, de construção de alianças. Tudo requer muito trabalho político.

Isso gera impaciência , pessimismo e certa nostalgia do autoritarismo. A democracia é sempre lenta, imperfeita, é um processo de negociação. Num país tão grande e heterogêneo como o Brasil, tudo inevitavelmente é super lento.

O problema é que alguns grupos ficam impacientes e tentam uma saída autoritária.

O senhor está otimista em relação aos EUA?

Acreditamos que nossas instituições democráticas são fortes. Não somos Rússia, Turquia ou Venezuela.
A nossa democracia é muito mais dura de matar. Mas há razões para nos preocuparmos. Não somos pessimistas, mas sim preocupados.

E em relação ao Brasil?

Sou mais otimista que muitos brasileiros [risos]. Creio que o regime democrático brasileiro na época pós-Collor, de 1994 a 2013, representou uma ampliação de direitos como poucas vezes se viu na América Latina.
É fato que hoje tudo parece estar na merda [risos], mas isso não significa que todas as conquistas anteriores estejam perdidas. Como nós nos EUA, aqui também vocês precisam ser bastante vigilantes.

Steven Levitsky
Professor de ciência política da Universidade Harvard, tem 50 anos. Desenvolve pesquisas sobre América Latina, sistemas políticos, democracias e ditaduras. Escreveu, com Daniel Ziblat, o livro “Como as Democracias Morrem”, que sai em setembro no Brasil.

4 SINAIS PARA RECONHECER UM AUTORITÁRIO
Segundo Levitsky, devemos nos preocupar quando políticos:

1) Rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo

2)Negam a legitimidade dos oponentes

3)Toleram e encorajam a violência

4) Dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia

AUTORITÁRIOS QUE CHEGARAM AO PODER ELEITOS PELA POPULAÇÃO

Casos citados no livro de Steven Levitsky

Hugo Chávez 

Após comandar tentativa de golpe frustrada em 1992, elegeu-se presidente da Venezuela em 1998. Nos anos seguintes, alterou a composição e aparelhou a Suprema Corte, fechou emissora de TV, prendou ou exilou oposicionistas e eliminou barreiras que limitavam a ampliação de seus mandatos

Alberto Fujimori

Venceu nas urnas o escritor Mario Vargas Llosa em 1990, em meio ao colapso da economia peruana, prometendo renovação e combate à corrupção. Inábil para a negociação política, atacava publicamente políticos da oposição e juízes. Em abril de 1992 dissolveu o Congresso.

Recep Tayyip Erdoğan

Depois de tentativa de golpe contra seu governo, o presidente turco declarou estado de emergência e lançou mão de onda maciça de repressão, com o expurgo de cerca de 100 mil funcionários e funcionários públicos, o fechamento de jornais e mais de 50 mil prisões.

Donald Trump

Tentou punir ou expurgar agências que atuavam com independência e reescrever regras eleitorais de identificação de eleitores para favorecer seu partido

 

O sono nas reuniões espíritas

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Todos nós sabemos da necessidade do sono para o refazimento do nosso organismo físico. No entanto, é preciso que se atente para o fato de que nem sempre nos é adequado fazer uso dessa bênção para nos restabelecer o equilíbrio, havendo mesmo ocasiões em que ele pode até se tornar fatal para nossas vidas.

Há momentos em que não se pode admitir que alguém possa estar dormindo como, por exemplo, na hora do trabalho remunerado, que pode lhe custar até mesmo a demissão por justa causa; ou quando estiver com a responsabilidade de cuidar de uma criança; ou ainda no trânsito ao volante de um veículo nas rodovias brasileiras. Imagine um médico dormindo ou mesmo cochilando, durante uma cirurgia delicada, etc. etc. Assim, podemos afirmar que “o sono exercido à hora em que se solicita a vigília, pode tornar-se inimigo cruel e implacável”.

Alan Kardec nos esclarece a respeito da utilidade do sono conforme segue:

 

À hora de dormir

“O sono tem por fim dar repouso ao corpo; o Espírito, porém, não precisa de repousar. Enquanto os sentidos físicos se acham entorpecidos, a alma se desprende, em parte, da matéria e entra no gozo das faculdades do Espírito. O sono foi dado ao homem para reparação das forças orgânicas e também para a das forças morais. Enquanto o corpo recupera os elementos que perdeu por efeito da atividade da vigília, o Espírito vai retemperar-se entre os outros Espíritos. Haure, no que vê, no que ouve e nos conselhos que lhe dão, ideias que, ao despertar, lhe surgem em estado de intuição. É a volta temporária do exilado à sua verdadeira pátria. É o prisioneiro restituído por momentos à liberdade.

Mas, como se dá com o presidiário perverso, acontece que nem sempre o Espírito aproveita dessa hora de liberdade para seu adiantamento. Se conserva instintos maus, em vez de procurar a companhia de Espíritos bons, busca a de seus iguais e vai visitar os lugares onde possa dar livre curso aos seus pendores.

Eleve, pois, aquele que se ache compenetrado desta verdade, o seu pensamento a Deus, quando sinta aproximar-se o sono, e peça o conselho dos bons Espíritos e de todos cuja memória lhe seja cara, a fim de que venham juntar-se-lhe, nos curtos instantes de liberdade que lhe são concedidos, e, ao despertar, sentir-se-á mais forte contra o mal, mais corajoso diante da adversidade.” ¹

Nas reuniões espíritas, sejam nas palestras, nos grupos de estudos, nas reuniões mediúnicas, ou outra qualquer, não se pode admitir que o trabalhador espírita dê menos importância aos labores da Seara do Mestre de Nazaré, que, nos afazeres normais do seu dia a dia, visto que, em sendo ele admitido para essas tarefas na seara da mediunidade, acredita-se que esteja consciente de sua responsabilidade nas referidas atividades da Casa Espírita que frequenta.

Temos visto muitos companheiros, alistados nas tarefas das cassas espíritas, que são protagonistas de situações realmente desagradáveis, por se entregarem ao sono nas reuniões doutrinárias, que normalmente já chegam atrasados com a intenção única de dar passes no final das palestras, para que sejam observados por todos como tarefeiros passistas de suas instituições. Quando se veem chamados a dar algumas explicações sobre o sono que lhes domina, saem com as maiores e mais absurdas desculpas tais como:

1- Estou sendo utilizado pelos Espíritos para ceder fluidos para ajuda ao orador;

2- Estou trabalhando em parcial desdobramento;

3- Alguns chegam a afirmar, que aprendem muito mais desdobrados que em vigília, etc.

Claro que esse desculpismo, infundado e sem lógica doutrinária, é natural naqueles que se julgam mais sabidos que os outros, mas, que na verdade em nada condiz com alguém que conhece os preceitos de uma Doutrina clara e lógica como a nossa. Sabemos que o cansaço físico de um dia atribulado no trabalho profissional, aliado à falta de motivação e a monotonia de determinados oradores, muito pode contribuir para a sonolência de quem já tem o mau hábito de dormir nas atividades espirituais da Casa Espírita.

Mas, esses fatores predisponentes aqui citados, não representam a verdadeira causa do adormecimento nesse tipo de reunião, que, na sua grande maioria, se processa pela interferência de mentes viciosas do mundo espiritual inferior, que operam magneticamente à distância, com a finalidade de não permitirem que o indivíduo adormecido se beneficie do tema edificante da palestra.

“Sobre o assunto, vejamos o que diz o assistente “Aulus” para André Luiz: “(…) Os expositores da boa palavra podem ser comparados a técnicos eletricistas, desligando «tomadas mentais», através dos princípios libertadores que distribuem na esfera do pensamento.

Sorriu bem-humorado e prosseguiu:

— Em razão disso, as entidades vampirizantes operam contra eles, muitas vezes envolvendo-lhes os ouvintes em fluidos entorpecentes, conduzindo esses últimos ao sono provocado, para que se lhes adie a renovação”.2

Irmã Zélia também confirma a ação perniciosa dos desencarnados infelizes que se aproveitam da invigilância de certos tarefeiros, que, imprevidentes e despreparados para os misteres da mediunidade, se deixam envolver por essas influências negativas conforme narra a Otília Gonçalves:

“Alguns – prosseguiu – penalizada-, embora libertados momentaneamente das expressões obsedantes, penetram o recinto, com desrespeito e indiferença, entregando-se, durante o trabalho, ao sono reprochável, resultante da intoxicação mental de que são portadores ou se deixam conduzir pelos pensamentos habituais, refazendo as ligações mentais e ameaçando o serviço venerando, pela possibilidade de invasão intempestiva dos seus algozes revoltados, constrangidos, na retaguarda, e que, destarte, encontram brechas no conjunto que deve ser protegido e defendido por todos.” 3

Dessa forma, é de suma importância que nos preparemos adequadamente para exercer as atividades no labor mediúnico, em nossas Casas Espíritas, observando alguns ensinos ministrados pelos amigos espirituais dentre os quais destacamos:

a- Quando possível, fazer um pequeno relaxamento físico e mental, antes de se dirigir ao trabalho espiritual da Casa Espírita;

b- Evitar alimentação exagerada e de difícil digestão;

c- Dedicar-se com alegria e empenho às atividades espirituais, por saber que estamos representando Jesus ante o necessitado que O busca;

d- Evitar conversas negativas, como críticas, comentários sobre doenças, queixas, etc., portando-se de forma mais digna exigida para um trabalhador da Seara do Mestre de Nazaré;

e- Manter-se em sintonia elevada, orando e vibrando positivamente, contribuindo para o êxito do trabalho.

Precisamos atentar para o fato de que somos os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos e não podemos ficar acusando este ou aquele indivíduo ou este ou aquele motivo para nos desculpar dos nossos insucessos perante as tarefas de cunho espiritual a nós confiadas pela Espiritualidade Maior. Sobre esse assunto, observemos o que nos escreve André Luiz:

“Não acuse os Espíritos desencarnados sofredores, pelos seus fracassos na luta. Repare o ritmo da própria vida, examine a receita e a despesa, suas ações e reações, seus modos e atitudes, seus compromissos e determinações, e reconhecerá que você tem a situação que procura e colhe exatamente o que semeia”.4

Que Jesus nos guarde em sua paz, e que não sejamos nós os responsáveis pelo fracasso das atividades de intercâmbio nas tarefas a que nos candidatamos por livre e espontânea vontade.

Francisco Rebouças – Mundo Espírita

Fontes:

1) E.S.E. – Cap. XVIII, item 38.

2) Livro: Nos domínios da mediunidade , 23ª edição– Cap. 4, pag. 39.

3) Livro: Além da Morte , 9ª edição – Cap. XVI, pag. 239.

4) Livro: Agenda Cristã – Cap. 18.

 

 

“Vivemos um momento de grandes equívocos na sociedade…”

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A revista eletrônica “O Consolador”, redigida especialmente para circular na internet, ofereceu ao jornal “Mundo Espírita”, na íntegra, a entrevista concedida pelo médium e conferencista Divaldo Franco, por ocasião do primeiro aniversário da Revista. É a soma dos esforços de líderes espíritas de todo o Brasil, entre eles José Passini, Ricardo Baesso de Oliveira, Arthur Bernardes de Oliveira, Jorge Hessen, José Carlos Munhoz Pinto, Orson Peter Carrara e Astolfo O. de Oliveira Filho, todos residentes no Brasil, e as confreiras Elsa Rossi, Claudia Werdine e Kátia Fabiana Fernandes, radicadas na Europa.

A entrevista foi dividida em três blocos: temas de natureza doutrinária, questões e problemas da atualidade e assuntos pertinentes ao Movimento Espírita. Neste número, publicamos a primeira parte e, no número de agosto próximo, a parte final.

Ei-la, a seguir, na íntegra:

O Consolador – Nossos animais de estimação ficam por algum tempo numa espécie de erraticidade, no chamado mundo espiritual, ou são de imediato encaminhados a uma nova encarnação? 

O egrégio Codificador do Espiritismo informa-nos que o período em que os animais se demoram na erraticidade é breve, logo retornando à reencarnação. Nada obstante, a mediunidade vem demonstrando que ocorrem períodos mais longos, conforme encontramos narrações nas obras ditadas pelo Espírito André Luiz ao venerando médium Francisco Cândido Xavier, assim como Charles à nobre médium Yvonne do Amaral Pereira. Essas informações não colidem com a palavra do mestre de Lyon, porque o desdobramento dos estudos doutrinários estava previsto por ele, ampliando as informações contidas nas obras básicas.

Recordo-me, por exemplo, de Sultão, o cão que acompanhava o padre Germano, conforme narrado nas Memórias do Padre Germano, de Amália Domingo Soler, e da vida de Dom Bosco, que era defendido por um cão, nas diversas vezes em que atentaram contra a sua vida.

Pessoalmente, já tive diversas experiências com animais, especialmente cães desencarnados, que permanecem na erraticidade há algum tempo.

O Consolador – Para haver gravidez, independentemente do desejo dos pais e do reencarnante, existe necessidade de autorização das autoridades espirituais?

Certamente que sim, porquanto no mapa da reencarnação dos futuros pais já se encontram delineados os filhos que devem, que podem ou que queiram ter. Graças a isso, ocorrem as facilidades na concepção ou os grandes impedimentos que vêm sendo vencidos pela ciência, através dos tempos, facultando a ocorrência, sempre sob supervisão espiritual.

O Consolador – Você acha válida a proposta de Kardec pertinente à atualização periódica dos ensinamentos espíritas, tendo em vista o avanço da Ciência? Se acha válida, como devemos implementar essa medida? 

Creio que o pensamento do preclaro Codificador encontra-se firmado no seu bom senso e na percepção dos notáveis avanços que teriam a ciência e a tecnologia do futuro, conforme vem ocorrendo. Em razão disso propôs que, pelo menos uma vez em cada quarto de século, fosse realizada uma atualização dos ensinamentos espíritas. Nada obstante, também me pergunto como isso seria realizado, por exemplo, na atualidade, com tantas correntes dissonantes em nosso Movimento, pelo menos no Brasil…

O Consolador – Em sua opinião, os Espíritos desencarnados mantêm relações sexuais tal qual se verifica na crosta? 

Conforme a questão nº 200 de O Livro dos Espíritos, o Espírito é, em si mesmo, assexuado, sendo-lhe a anatomia uma contribuição para o fenômeno da procriação. Ao desencarnar, no entanto, o Espírito mantém as suas tendências, especialmente aquelas de natureza inferior às quais aferrou-se em demasia, prosseguindo com as construções mentais que lhe eram habituais. Como resultado, acreditam-se capazes de intercursos sexuais nas regiões inferiores onde se encontrem, como efeito da condensação das energias viciosas no perispírito. Frustrantes e perturbadoras, essas relações são degradantes e afligentes, porquanto são mais mentais que físicas, dando lugar a processos de loucura e de perversão…

O Consolador – Como deve posicionar-se um casal espírita diante do diagnóstico de anencefalia no filho que se encontra na fase de gestação. 

Espírita ou não, o casal que gera um filho anencéfalo e cuja anomalia é detectada ainda na vida fetal, deve amar a esse Espírito que irá reencarnar-se com a problemática a que faz jus em razão de atos praticados anteriormente e que lhe modelaram a forma atual. A vida fetal não pode ser interrompida, senão quando a gestante encontra-se ameaçada.

Diversos anencéfalos, mesmo diante dos prognósticos médicos de que não sobreviveriam ao nascimento, demoram-se despertando mais amor até o momento em que concluem o período de que necessitam para a libertação.

O Consolador – Qual deve ser, à luz do Espiritismo, a posição de uma jovem e sua família diante de uma gravidez originada de um estupro?

Embora lamentável e dolorosa a circunstância traumática da ocorrência, é dever da jovem e dos seus familiares manterem a gravidez, auxiliando o Espírito que se reencarna em situação aflitiva e angustiante. Compreende-se a dor da vítima e dos seus familiares, no entanto, não se tem o direito de matar o ser reencarnante que necessita do retorno naquela maneira, a fim de crescer para Deus. Não raro, esses seres que renascem nessa conjuntura tornam-se amorosos e profundamente agradecidos àqueles que lhe propiciaram o recomeço terrestre: a mãe e os familiares.

“A culpa, consciente ou não,  desempenha na depressão um papel de alta relevância”

O Consolador – Como sabemos, a depressão é um problema que aflige muitas pessoas nos dias atuais. Em uma obra espírita recente lemos que a depressão, em qualquer de suas variantes, é sempre consequência da posição de arrogância cultivada pelo ser na aventura de superar a si mesmo e aos semelhantes. É verdade essa informação? 

Sem dúvida, anuímos que não há enfermidades, mas enfermos, isto é: o Espírito é sempre o incurso no processo de evolução, trazendo as marcas do passado que se  manifestam como enfermidades ou processos outros degenerativos de que necessita para resgatar os comportamentos equivocados e infelizes. A culpa, consciente ou não, desempenha na depressão, entre outros fatores endógenos e exógenos, um papel de alta relevância. No entanto, centrar todas as causas na posição de arrogância do Espírito parece-me algo desproposital. Esse conceito deve ter as suas raízes na opinião dos estudiosos que afirmam tratar-se a depressão de um conflito que se deriva da necessidade de impor-se, de dominar, e, não conseguindo, o indivíduo tomba na armadilha do grave transtorno.

O Consolador – Se é verdade que o advento do mundo de regeneração está tão próximo, qual será a situação dos nossos amigos terrenos que ainda vivem tão primitivamente em tribos existentes em muitos lugares do mundo?

É verdade, sim, que o advento do mundo de regeneração está próximo, mas não imediato, e aqueles Espíritos que ainda se encontram em fase primitiva estão tendo a oportunidade de despertar para a realidade, dando continuidade ao processo evolutivo em outro planeta, caso não logrem fazê-lo aqui mesmo, qual ocorre periodicamente com as grandes migrações de um para outro sistema, conforme ensina a Doutrina. 

O Consolador – Se a Terra está em evolução, por que ainda tantos crimes hediondos acontecem, especialmente com crianças? Como explicar tantas atrocidades? 

Vivemos o momento da grande transição de mundo de provas e de expiações para mundo de regeneração, que ainda se demorará ocorrendo por algum tempo na Terra.

É natural que estejam reencarnando, neste período, Espíritos inferiores que estavam retidos em regiões punitivas desde há muito, em face da crueldade de que são portadores. Muitos deles fizeram parte das tribos bárbaras que invadiram a Europa: hunos, godos, visigodos, normandos e que, agora, estão sendo beneficiados pela oportunidade de optar pelo Bem. Permanecendo vinculados ao primarismo em que se comprazem, serão exilados para outros planetas na escala dos mundos inferiores, a fim de se depurarem, retornando oportunamente, porque “o Pai não deseja a morte do pecador mas sim a do pecado”, conforte acentuou Jesus.

As atrocidades que sucedem amiúde, especialmente com crianças – Espíritos velhos em reencarnação libertadora – são também um convite à reflexão das demais pessoas, que marcham indiferentes aos acontecimentos dolorosos em relação ao seu próximo…

Resgatando os seus graves delitos, esses Espíritos não necessitariam que outros fossem o instrumento da sua libertação, pois a Divindade possui mecanismos especiais que dispensam o concurso desses infelizes, mas se utiliza do seu estado primitivo para que se executem as propostas do progresso.

O Consolador – Como você vê a oficialização do casamento entre homossexuais e a adoção de filhos por parte deles? 

A questão é momentosa, em face das ocorrências desse gênero que não mais podem permanecer ignoradas pela sociedade. O homossexualismo sempre esteve presente no processo histórico, aceito em um período, noutro combatido, desprezado em uma ocasião e noutra ignorado, mas sempre presente… Penso que se trata de uma conquista em relação aos direitos humanos a legalização de algo que permanecia à margem, dando lugar a situações graves e embaraçosas.

Quanto à adoção de filhos, penso que, do ponto de vista psicológico, será gerado algum conflito na prole em relação à imagem do pai ou da mãe, conforme o caso, que se apresentará confusa e perturbadora. O tempo demonstrará o acerto ou o equívoco de tal comportamento.

O Consolador – Qual deve ser o posicionamento dos espíritas em relação às pesquisas com células-tronco embrionárias? 

A reencarnação, conforme nos ensina a Doutrina Espírita, tem início no momento da fecundação do óvulo, a  partir de cujo momento passa a existir vida, seja pelo processo biológico natural, seja in vitro. Qualquer tentativa de interrupção do desenvolvimento do futuro zigoto, que é o ser humano em formação, constitui um crime.

As pesquisas com as células-tronco embrionárias são de resultado ainda incerto, embora se apresentem teoricamente positivas, porquanto não está comprovado que os resultados sejam os anelados, mesmo porque existe alto risco como a geração de tumores, provável rejeição…

Em face dos bons resultados conseguidos com as células-tronco adultas, é mais válido que se prolonguem as experiências, com menores risos e excelentes resultados em doenças como a leucemia, o acidente vascular cerebral, etc.

Continuando os esforços dos pesquisadores, certamente hão de surgir alternativas tão benéficas como as que se esperam das células-tronco embrionárias.

“Nunca será demais que os  dirigentes espíritas e todos nós estejamos vigilantes”

O Consolador – O terrorismo vem causando muitos males em todos os cantos da Terra. Muitas vidas foram e continuarão sendo ceifadas em nome do fanatismo religioso. Como entender que alguém possa morrer e matar em nome de Deus? 

Infelizmente, o fanatismo de qualquer natureza responde pela predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual do ser (questão 742 de O Livro dos Espíritos), dando lugar a atrocidades inimagináveis. Entretanto, o suicídio através de bombas e de outras formas hediondas constitui o mais degradante processo de conduta em relação à dignidade humana, porque a vida física é sublime dom concedido por Deus, que ninguém tem o direito de interromper, porque faculta o desenvolvimento intelecto-moral do Espírito.

Tal comportamento demonstra o estágio primário em que ainda se reencarnam muitos Espíritos desvairados sem possibilidade de manter o equilíbrio…

O Consolador – Qual deve ser a atitude dos dirigentes espíritas relativamente a essa enxurrada de obras mediúnicas de origem duvidosa que tem infestado o mercado de publicações espíritas nos últimos tempos? 

Vivemos um momento de grandes equívocos na sociedade, em face do tumulto que ocorre em toda parte. Nesse sentido, há uma grande busca por notoriedade, pela fama. Pessoas imprevidentes, portadoras ou não de mediunidade, são tomadas de improviso por tais inquietações e, porque entraram em contato com o Espiritismo, logo se acreditam portadoras de faculdades extraordinárias, em razão do campo fértil para a credulidade e tornam-se, de um para outro momento, psicógrafos, expositores, debatedores de relevo. Nunca será demais que os dirigentes espíritas e todos nós estejamos vigilantes, observando as recomendações da Doutrina, mantendo critérios cuidadosos, a fim de não sermos enganados nem enganarmos a ninguém. Por outro lado, Espíritos perversos, adversários do Bem, aproveitam-se do descalabro existente e inspiram pessoas invigilantes, presunçosas, falsamente humildes, mas prepotentes, tornando-as portadoras de mensagens destituídas de autenticidade, que geram confusão e dificuldades no Movimento Espírita. Alguns desses descuidados irmãos auto-elegem-se herdeiros de personalidades históricas e missionários do amor, utilizando-lhes indevidamente o nome, apropriando-se da sua herança para o exibicionismo no banquete da fatuidade, o que é realmente lamentável.

O Consolador – Como resgatar as velhas e boas sessões práticas de doutrinação de Espíritos desencarnados que tantos benefícios trouxeram a companheiros em dificuldade, na carne ou fora dela, em face da penúria de bons medianeiros com que se vêm defrontando nossos centros espíritas?                                                                    

Penso que se torna inadiável o dever de voltarmos à simplicidade e à humildade, evitando-se as complexidades que ora se apresentam em torno da mediunidade, exigindo-se estudos úteis, indiscutivelmente, mas que se prolongam por vários anos, evitando-se o treinamento edificante e salutar.

Por outro lado, um expressivo número de pessoas recusa-se a servir de instrumento aos sofredores, aspirando ao contato com os anjos e serafins, sem se recordar de que a mediunidade está a serviço da consolação e da iluminação de consciências.

No silêncio do anonimato nas instituições espíritas, sem alarde nem divulgação, devem ser instalados os grupos sinceros de devotados servidores de Jesus, a fim de trabalharem em favor da doutrinação dos irmãos em sofrimento, por cujo meio ascendemos na direção do Servidor Incessante, que é Jesus.

O Consolador – Como despertar o interesse de jovens e adolescentes para o estudo da Doutrina Espírita? 

O Espiritismo é, essencialmente, uma doutrina para jovens e adolescentes, tendo em vista o seu conteúdo iluminativo, de fácil aplicação no cotidiano e libertador de tabus e influências perniciosas. Esclarecendo a mente e confortando o sentimento, o Espiritismo fascina as mentes juvenis, convidando-as a reflexões demoradas e a comportamentos saudáveis.

Infelizmente, o exemplo dos pais no lar, nem sempre compatível com as lições ministradas pela Doutrina Espírita, constitui um grande impedimento para o estudo e a vivência dos postulados espiritistas por esses candidatos juvenis.

Tomando conhecimento da filosofia espírita e da necessidade de aplicação em todos os momentos, os jovens decepcionam-se no lar, quando verificam a diferença de comportamento dos pais, no que se refere àquilo em que dizem crer e a maneira pela qual se conduzem.

Desse modo, o exemplo no lar é de fundamental importância para o despertamento dos jovens e adolescentes para o estudo e a vivência do Espiritismo, ao mesmo tempo em que instrutores jovens e sinceros tornem-se líderes em relação aos demais membros do grupo juvenil.

 

‘Religião e política se misturam desde sempre’, afirma teólogo

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Autor iraniano-americano Reza Aslan demonstra o quanto Deus é a mais sofisticada criação humana

Ronaldo Bressane*, Especial para o Estado

08 Setembro 2018

Quando Reza Aslan respondeu a esta entrevista sobre seu novo livro, Deus – Uma História Humana (Zahar, trad. Marlene Suano), estava em plena Terra Santa. E não muito satisfeito: o parlamento de Israel havia acabado de declarar o país “a terra dos judeus” – excluindo o território, ao que parece, da presença de muçulmanos, cristãos, ateus ou representantes de outras crenças. “Israel vem se tornando cada vez mais radicalizado e menos democrático”, afirmou Aslan, um iraniano-americano de 46 anos. “Esta lei é nada menos do que uma declaração oficial de apartheid. É o prego que faltava para colocar no caixão da democracia israelense”, detonou o teólogo e sociólogo, presença constante na mídia dos EUA por conta de seu carisma e suas formulações claras e nada partidárias a respeito de qualquer religião. Autor de Zelota – A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, em seu novo livro Aslan tece, em linguagem elegante e bem-humorada, uma complexa rede de conhecimentos para mostrar como a ideia de “alma” já era acalentada antes do Homo sapiens, e como as religiões, na realidade, foram concebidas à imagem e à semelhança do ser humano.

O teólogo e sociólogo iraniano-americano Reza Aslan Foto: Zahar

Nascido em Teerã, em uma família muçulmana, Aslan converteu-se ao cristianismo, depois ao sufismo – e hoje se assume como um panteísta: professa a fé de que Deus é todo o universo. Nesta conversa com o Aliás, o teólogo – que hoje realiza o fantástico projeto Volta ao Mundo em 80 Dias com a mulher e os três filhos, justamente para mostrar aos pequenos a diversidade religiosa da Terra –, falou sobre como religião e política se misturam desde sempre; comentou as disputas religiosas no Rio de Janeiro do bispo Crivella e do evangelizado Comando Vermelho; e afirmou que até mesmo as inteligências artificiais podem vir, um dia, a acreditar em Deus. Em tempos de fundamentalismo religioso e político, ouvir o livre-pensador Aslan é como ser ungido com um bálsamo – nem é necessário ser crente para admirar seu profundo conhecimento em religião, conforme atesta este jornalista ateu.

Por que, em pleno 2018, uma religião pretende ser monoteísta? É uma disputa mercadológica pela alma?

Esta é uma questão interessante. Talvez uma das maiores surpresas sobre a qual escrevo neste livro é sobre quão impopular o monoteísmo foi ao longo de toda a história das religiões. De fato, quando você olha os milhares de anos na história da espiritualidade humana, o conceito de deus único só esteve aí por uns 3 mil anos. A mente antiga simplesmente não conseguia abraçar a ideia de que um deus único poderia ser responsável pelo bem e pelo mal, pela escuridão e pela luz, pelo céu e pela terra. Fazia mais sentido um deus separado para cada um dos nossos diversos atributos – um deus para representar cada uma de nossas emoções. Isso não quer dizer que o conceito de deus único não tenha aparecido de tempos em tempos – no livro escrevo sobre as duas tentativas de estabelecer o monoteísmo no Egito e no Irã. Foi só como resultado da crise existencial da fé entre os antigos hebreus que a ideia de monoteísmo começou a lançar raízes na religião judaica – foi o resultado do que hoje se conhece do exílio babilônico em 586 a.C. Mesmo os cristãos primitivos – cuja vasta maioria era de romanos – também engoliam com dificuldade a ideia de deus único, e por isso eles desenvolveram a ideia de Trindade. O que mais importava não era a teologia do monoteísmo, mas suas práticas políticas. A identidade da Igreja, com seu único bispado em Roma, com a autoridade do Império Romano com seu imperador único, requeriam uma religião com um deus único. Hoje, o monoteísmo é a forma dominante da espiritualidade humana. Talvez seja por causa da história que acabei de traçar. De todo modo, é importante notar que a ideia de deus único é um conceito totalmente diverso do que aparenta ser.

Tudo bem misturar política e religião?

Se você acha que religião é uma experiência privada em que simplesmente um ser humano tem uma conexão com o divino, então não faz sentido misturar religião com política. O problema é que religião não é só isso. Religião é principalmente uma questão de identidade, muito mais do que de fé ou prática. Quando alguém diz “sou muçulmano” ou judeu ou cristão, está formulando tanto uma definição de sua fé quanto uma definição de sua identidade. Está falando sobre quem é, como vê o mundo, como compreende seu lugar nele. Em questão de indentidade, religião é profundamente entrelaçada com todos os outros aspectos da identidade de uma pessoa: cultura, etnia, raça, gênero, orientação sexual, e, claro, orientação política. Então simplesmente não faz sentido divorciar religião da política. Fazer isso não é democrático. É obvio que podem haver problemas, especialmente uma vez que religião diz muito respeito a “mandamentos”, enquanto a política (pelo menos em teoria) supõe-se ser a respeito de compromissos. Mas, se o Estado oferecer liberdade de culto, então não se pode esperar que a religião se separe da política. De todo modo, é preciso assegurar proteções para aqueles que não compartilham da religião majoritária ou que não têm nenhuma religião.

O crime organizado brasileiro é muito próximo dos cultos evangélicos, e existe uma guerra entre estes grupos e pessoas que seguem religiões afrobrasileiras tradicionais, como a umbanda e o candomblé. Estamos vendo uma guerra entre o monoteísmo e o politeísmo semelhante ao que você descrebe em seu livro na história da perseguição do faraó Akhenaton em relação a outros cultos politeístas, no Antigo Egito. Como você vê este fenômeno hoje?

O que você está vendo, não só no Brasil mas também em outros países de maioria cristã, é uma revolta contra a profunda corrupção, manipulação e politização do cristanismo ao prejudicar quem não segue a fé cristã. Nos EUA, o cristianismo se tornou uma ferramenta do partido Republicano. Tornou-se um instrumento para separar as minorias do acesso aos direitos humanos, para proibir mulheres que sofrem e crianças refugiadas de receber asilo e ajuda, para afastar os mais pobres das políticas de bem-estar e acesso à saúde universal e outros serviços para os mais necessitados, e, em lugar disso, empoderam a supremacia branca. Para muitas pessoas, incluindo cristãos, isto é uma traição de tudo o que Jesus pregou, e por isso muitos têm abandonado o cristianismo e procurado formas alternativas de espiritualidade. É exatamente o que vem acontecendo no Brasil. Não é só uma guerra entre monoteísmo e politeísmo. É uma batalha entre o establishment cristão e os que se sentiram abandonados pela igreja. É também uma tentativa de acobertar o que muitos acreditam ser uma espiritualidade mais autêntica, radicada no solo do Brasil, mais do que outras espiritualidades trazidas por estrangeiros e colonizadores.

O que você acha do ensino religioso nas escolas? Funciona? Meu caso: fui criado em uma escola adventista, depois em um colégio jesuíta, então em um colégio católico apostólico romano… e agora você está conversando com este sujeito ateu. Por que não ensinar filosofia às crianças? Ensinar creacionismo em pleno 2018 não seria algum tipo de crime?

Esse é um assunto muito espinhoso, porque ensinar religião para crianças pode facilmente se tornar um tipo de doutrinação. Mas o fato é que a cultura religiosa é incrivelmente importante em nosso mundo. Crianças precisam aprender sobre as religiões do mundo do mesmo modo como precisam aprender sobre as culturas do mundo. Não vejo como seria difícil ensinar religião sem ensinar alguma teologia em particular (mas aqui não defendo ensinar o creacionismo nas escolas, assim como não tem cabimento dar lugar a teorias do tipo “terra plana”). O problema não está nos pais ateus que não querem que seus filhos aprendam sobre religião. O problema são os pais religiosos que sentem que, se seus filhos aprenderem sobre outras religiões, podem questionar a sua própria (aliás é exatamente isso o que a maioria faz). Assim que eles aprendem mais sobre outras concepções religiosas, questionam o absolutismo sobre suas próprias ideias. Diria que é um aspecto positivo, mas entendo por que pais religiosos não o apreciem. De qualquer modo, se você quer criar um cidadão global, você precisa ensinar a suas crianças as múltiplas maneiras que as pessoas têm para pensar sobre Deus e a fé. Minha mulher e eu atualmente levamos nossos três filhos em uma viagem de 80 dias pelo mundo (80-ish.com) precisamente para fazê-los imergirem em diferentes tradições religiosas pelo planeta. Porque não queremos criar só cidadãos dos EUA: queremos criar cidadãos globais.

Acha possível um cruzamento entre o livre-pensar e a aproximação religiosa da descrição da realidade objetiva? Em outras palavras, cientistas têm alma?

Claro que sim! Rejeito completamente a noção de que ciência e religião sejam coisas incompatíveis. Ciência e religião respondem a duas questões fundamentalmente diversas. Ciência trata do “como”. Religião trata do “porquê”. Ciência e religião são duas maneiras diferentes de conhecimento. E talvez enquanto começamos a mergulhar cada vez mais fundo naquilo que verdadeiramente acreditamos ser humano, veremos ciência e religião convergirem em uma só disciplina – uma que reconheça que há mais na realidade objetiva do que aquilo que vivenciamos.

Você se define como um panteísta. É possível um cruzamento entre panteísmo e ateísmo? E qual a sua opinião sobre movimentos ateístas como Ateísmo 3.0 e Novos Ateístas?

Não sou o único que tem descrito os novos movimentos ateístas não como um tipo de ateísmo, mas como um anti-teísmo, nem sou o único que percebeu quão fluidamente o novo movimento ateísta tem se entregue ao racismo e à misoginia. É só você ir a um desses sites e blogs dos novos ateístas e ler os comentários e compreender que eles têm muito menos a ver com uma ausência de crença em Deus do que um novo conceito de fundamentalismo secular – do tipo, eu diria, que tem mais em comum com o fundamentalismo religioso do que eles admitiriam. De todo modo, se estamos falando sobre o ateísmo filosófico, claramente consigo enxergar uma profunda conexão entre panteísmo e ateísmo, na medida em que ambos rejeitam o autoritarismo das religiões estabelecidas e da supremacia dos dogmas.

Já considerou a possibilidade de que a existência da alma seja uma ficção, uma ilusão?

Talvez. Mas é um fato fundamental de que a crença na existência na alma é uma crença universal. É um fato da vida que pode ser encontrado em qualquer cultura, em qualquer parte do mundo, e através de toda a história humana. É nossa primeira crença. A pesquisa histórica tem mostrado que as crianças nascem acreditando na substância dualista – a ideia de que corpo e mente (ou alma) podem ser distintas. Na verdade, conforme conto no livro, a crença em uma alma precede a existência do homo sapiens em milhares de anos. Podemos encontrar evidências dessa crença nos neandertais e mesmo no homo erectus. Assim, talvez toda a humanidade, durante toda a história, tenha sofrido da mesma ilusão. Ou talvez exista realmente algo nessa ideia de alma que a gente devesse prestar atenção seriamente.

No livro A Era das Máquinas Espirituais, o futurista Ray Kurzweil vê os seres humanos divididos entre corpo e alma em analogia aos computadores (hardware e software), e propõe que o advento da Singularidade aconteça quando um ser humano possa fazer um upload de consciência, transferindo seu “software” para um “hardware” mais desenvolvido. Do ponto de vista da alma, como você vê esta possibilidade? Uma inteligência artificial pode evoluir para criar uma alma?

Se podemos ensinar uma inteligência artificial a mimetizar emoções humanas ao manipular um hardware neurológico, e se a fé é o produto de conexões neurológicas, então uma máquina crente não me parece uma ideia tão maluca assim. A verdade mais fundamental e simples a respeito da experiência religiosa é que resulta de reações químicas no cérebro. Em outras palavras, a religião é um fenômeno neurológico. Isso não deslegitimiza a experiência religiosa. Toda experiência é o resultado de reações quimicas cerebrais. Não existe razão para dizer que a experiência religiosa seja diferente. Agora, se você está me perguntando se algum dia poderemos recriar essas mesmas reações químicas em uma inteligência artificial para produzir a experiência religiosa, eu responderia: por que não?

*Ronaldo Bressane é escritor e jornalista, autor do romance Escalpo (Reformatório), entre outros

 

Sexo e Destino

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O livro faz parte da série A vida no mundo espiritual, de André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, onde se retrata as agruras e os emaranhamentos sexuais entre duas famílias no Rio de Janeiro do final dos anos 50, uma obra imperdível para que entendamos as consequências dos desequilíbrios sexuais e do sexo desenfreado.

 

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A ‘guerra civil’ na Igreja Católica que pode abalar pontificado do papa Francisco

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Alessandra Corrêa – De Winston-Salem (EUA) para a BBC News Brasil

Uma guerra ideológica que há anos divide a Igreja Católica deixou os corredores do Vaticano nesta semana para ser travada em público.

De um lado, estão o papa Francisco e aqueles que apoiam sua visão de uma Igreja mais liberal em relação a temas como divórcio e homossexualidade. De outro, conservadores que criticam essa tentativa de abertura e temem um enfraquecimento da religião.

O embate ganhou manchetes com a divulgação, no domingo passado, de uma carta em que o ex-núncio apostólico na capital americana, Carlo Maria Viganò, acusa Francisco de ter acobertado crimes sexuais cometidos pelo ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick, e pede a renúncia do papa.

O documento de 11 páginas, publicado por sites religiosos conservadores nos Estados Unidos, não oferece provas, mas chega em um momento em que fiéis do mundo inteiro estão abalados por sucessivas revelações de abusos sexuais contra crianças cometidos durante décadas por membros do clero em vários países.

A carta foi divulgada enquanto o papa visitava a Irlanda, um dos países afetados. Francisco se reuniu com vítimas e pediu perdão por abusos cometidos por membros da Igreja, ritual repetido em outras viagens. Mas muitos católicos lamentam a falta de medidas concretas e de uma resposta rápida aos escândalos, e alguns chegaram a abandonar a Igreja.

Nesse momento de vulnerabilidade, a sugestão de que o papa seria cúmplice dos abusos pode abalar seu pontificado e expôs as divisões na alta hierarquia da Igreja Católica.

“Essas acusações se tornaram parte de um embate ideológico muito maior. Um dos lados vê Francisco como o papa que finalmente abriu a Igreja a um entendimento mais realista sobre sexualidade, casamento, homossexualidade”, disse à BBC News Brasil o professor de teologia e estudos religiosos Massimo Faggioli, da Universidade Villanova, na Pensilvânia.

“O outro lado acredita que isso significa o fim da Igreja, e está disposto a fazer qualquer coisa para impedir isso. Mesmo que seja o maior tabu, que é pressionar um papa a renunciar, o que não acontece há seis séculos”, ressalta, referindo-se à renúncia de Gregório 7º, em 1415.

Oposição

Desde que foi eleito, em março de 2013, o papa é alvo de oposição por parte da ala conservadora da Igreja, tanto dentro do Vaticano quanto entre acadêmicos, que rejeitam o que consideram um afastamento da doutrina e tentam impedir reformas. No ano passado, dezenas de teólogos chegaram a assinar uma carta em que acusam Francisco de divulgar heresias na exortação apostólica sobre a família Amoris Laetitia, de 2016.

O documento, que é uma tentativa de abrir novas portas para católicos divorciados e tornar a Igreja mais tolerante com questões relacionadas à família, representa um sinal claro de dissidência, que reflete o descontentamento dos setores mais conservadores da instituição.

Apesar de não ter adotado mudanças concretas profundas nos ensinamentos da Igreja, o papa defende uma postura menos rígida e em sintonia com atitudes modernas em relação a fiéis que se afastaram da doutrina, demonstrando tolerância a homossexuais e permitindo que católicos divorciados ou casados novamente recebam a comunhão.

Francisco também deu destaque a questões sociais, incentivando os fiéis a cuidar dos pobres, acolher imigrantes e refugiados e combater mudanças climáticas, e rejeitou alguns privilégios do cargo, optando, por exemplo, por não morar no Palácio Apostólico.

Em sua carta, Viganò não apenas acusa Francisco de acobertamento, mas tenta conectar as críticas que conservadores fazem ao papa, especialmente à postura de aceitação de gays – em referência a uma entrevista dada após viagem ao Brasil, em 2013, quando o pontífice disse “Se um gay busca Deus, quem sou eu para julgar” -, aos escândalos de abusos sexuais, afirmando que “redes homossexuais” dentro da hierarquia da Igreja são cúmplices na “conspiração de silêncio” que permitiu que os abusos praticados por McCarrick e outros continuassem.

A sugestão de que homossexualidade e abusos estejam relacionados é amplamente rejeitada por especialistas, mas ainda persiste em algumas alas da Igreja. Apesar de muitos dos abusos terem ocorrido há várias décadas, durante os pontificados dos antecessores de Francisco, opositores ligam a crise à incapacidade do papa de manter sob controle a homossexualidade entre o clero.

McCarrick, que liderou a arquidiocese de Washington de 2001 a 2006, durante os pontificados de João Paulo 2º e Bento 16, renunciou ao posto de cardeal em julho, após acusações de que teria assediado seminaristas adultos e abusado de um menino durante anos. Ele diz que é inocente.

McCarrick havia deixado a arquidiocese ao completar 75 anos, idade em que os bispos católicos são obrigados a apresentar sua renúncia – que pode ser aceita pelo papa ou não -, mas permaneceu no Colégio dos Cardeais, que aconselha o pontífice.

Viganò alega que vários membros do Vaticano sabiam da conduta imprópria do cardeal havia anos. Segundo a carta, depois que McCarrick deixou a arquidiocese em Washington, Bento 16 havia proibido que ele, que ainda era cardeal, oficiasse missas e vivesse em um seminário, entre outras restrições. Mas Francisco, apesar de saber das acusações, teria levantado essas restrições e até permitido que o cardeal ajudasse na escolha de bispos americanos

Os católicos americanos ainda tentam digerir as revelações divulgadas no início de agosto em um relatório da Suprema Corte do Estado na Pensilvânia. O documento acusa pelo menos 300 padres de terem abusado de mais de mil crianças ao longo de 70 anos e líderes da Igreja de terem acobertado os crimes.

Reações

Apoiadores do papa e alguns sobreviventes de abusos questionam a credibilidade das alegações, apresentadas sem evidências, e acusam Viganò de usar o sofrimento das vítimas para avançar sua agenda política e uma vingança pessoal contra Francisco.

Alguns observam que McCarrick apareceu em vários eventos, inclusive ao lado de Bento, no período em que supostamente estaria sob sanções, e lembram que foi Francisco, ao contrário de seus antecessores, que forçou o cardeal a renunciar.

Também ressaltam o fato de os principais nomes criticados na carta serem liberais e aliados do papa, o que levantaria suspeitas de que as acusações têm motivação ideológica.

“Esse documento não tem o objetivo de proteger crianças, e sim atacar o papa e qualquer um associado a ele”, disse à BBC News Brasil o pesquisador de estudos católicos Michael Sean Winters, colunista do jornal National Catholic Reporter.

Mas alguns bispos conservadores defenderam o ex-núncio como um homem de princípios. Um deles, Joseph Strickland, de Tyler, no Texas, orientou padres de sua diocese a ler durante a missa do último domingo uma declaração em que afirma acreditar nas alegações.

Um dos principais opositores do papa, o cardeal americano Raymond Burke, ex-arcebispo de St. Louis, disse em entrevista à imprensa italiana que, caso as alegações sejam comprovadas, “sanções apropriadas” devem ser aplicadas.

Histórico de polêmicas

Viganò tem um histórico de polêmicas. O italiano de 77 anos trabalhou em missões do Vaticano no Iraque e no Reino Unido, foi núncio apostólico na Nigéria e ocupou altos cargos na Cúria Romana, mas nunca foi promovido a cardeal.

Ele próprio já foi acusado de tentar acabar com uma investigação sobre a conduta sexual de um ex-arcebispo em 2014, segundo documentos relacionados à arquidiocese de St. Paul-Minneapolis. Também foi personagem no escândalo “Vatileaks”, em 2012, em que documentos do Vaticano foram vazados, entre ele cartas em que Viganò sugeria que sua transferência para Washington, em 2011, estaria relacionada aos seus esforços contra a corrupção na Santa Sé.

Em 2015, durante a visita de Francisco aos Estados Unidos, Viganò organizou um encontro surpresa entre o papa e uma funcionária pública que havia se recusado a emitir licenças de casamento para casais do mesmo sexo alegando motivos religiosos. O encontro foi visto como um desafio à mensagem de inclusão do papa e obrigou o Vaticano a divulgar uma declaração se distanciando da funcionária. Pouco tempo depois, Francisco substituiu Viganò.

Em sua temporada em Washington, Viganò cultivou relações com setores católicos conservadores críticos do papa, um grupo que Winters descreve omo “pequeno, mas muito bem organizado e muito bem financiado”.

Segundo Faggioli, desde o início do pontificado de Francisco, círculos conservadores do catolicismo americano deixaram claro que não gostavam do papa e de suas tentativas de reforma. Ele observa ainda que poucos bispos nos Estados Unidos defenderam o papa após a publicação da carta. “A maioria dos bispos está esperando (para de posicionar)”, acredita.

Por enquanto, o papa tem mantido silêncio sobre as acusações de Viganò, limitando-se a dizer que o documento “fala por si próprio”. Segundo analistas, o papa não quer dar mais visibilidade a seus críticos.

Mas no avião ao voltar da Irlanda, ao responder a uma pergunta sobre o que pais deveriam dizer a um filho ou filha que revela ser gay, o papa disse: “Não condene. Dialogue, entenda.”

Faggioli diz acreditar que a carta de Viganò tem inconsistências e “buracos”, mas mesmo assim considera fundamental que o papa e outros líderes católicos respondam a algumas questões, especialmente sobre McCarrick.

“Os católicos americanos, tanto liberais quanto conservadores, querem saber como foi possível que essa pessoa se tornasse um dos mais importantes líderes da Igreja enquanto outros sabiam (dos abusos). Como isso pode acontecer?”

 

Crise econômica e degradação da segurança pública

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A economia brasileira vem derretendo nos últimos cinco anos, do período 2003 a 2013, as taxas de crescimento econômico foram generosas com o Brasil, a melhoria na economia gerou uma certa sensação de que o país tinha encontrado os rumos para seu desenvolvimento econômico, o ufanismo estava assentado nos indicadores positivos, a economia crescia motivada pelas demandas chinesas e pelas políticas de inclusão do governo federal, o salários e a renda agregadas cresceram e colocaram o país no radar das grandes empresas transnacionais e os investimentos anunciados eram bastante positivos, neste ambiente a revista britânica The Economist dedicou uma matéria de capa para saudar o crescimento brasileiro, a foto mostrava o cristo redentor decolando.

Neste ambiente de prosperidade aparente, os governos petistas se sucederam no comando do país e se concentraram em uma política bastante ambígua, de um lado abriram os cofres para as populações mais necessitadas, com inúmeras políticas públicas direcionadas diretamente para estes grupos sociais mas, ao mesmo tempo, adotaram políticas que garantiram um forte crescimento dos setores mais ricos da população, em nenhum momento da história do país os ricos ganharam tantos recursos e enriqueceram, os dados da revista Forbes nos mostrava que o Brasil foi um dos países que mais aumentaram seu número de milionários e de bilionários, o clima era de euforia.

Todo analista mais criterioso, ao olhar as bases da política econômica adotada pelos governos petistas, percebia que toda aquela situação dificilmente se manteria por muito tempo, os recursos do Estado dificilmente teriam condições de manter as altas taxas de crescimento que colocavam o Brasil na berlinda da economia internacional como um case de sucesso e de crescimento econômico com melhorias sociais mas, mesmo assim, a grande maioria evitava proferir críticas mais sólidas e consistentes por medo de parecerem antipatrióticos e desinformados sendo, com isso, degredado ao esquecimento eterno e perdendo, com isso, os altos valores destinados a propaganda oficial.

A situação começou a se alterar com os graves erros econômicos cometidos pela presidente Dilma Rousseff, onde destacamos os equivocados controles sobre os preços dos combustíveis e da energia elétrica que geraram graves constrangimentos financeiros para a Petrobrás, que era obrigada a comprar combustíveis no mercado internacional e vendê-los internamente a um preço mais barato, e das empresas do setor de energia que para renovar suas concessões aceitaram redução nos preços das tarifas que as levaram à beira da insolvência, obrigando toda a população a pagar mais caro pelo consumo da energia.

Destacamos ainda a desoneração de inúmeros tributos para aumentar os recursos das empresas e, com isso, abrir espaço para novos investimentos produtivos que culminariam em aumento nos empregos e uma melhora considerável da renda e da demanda agregadas, gerando novas perspectivas para a economia do país que já sentia a redução do crescimento e do investimento, esta desoneração girou em muitos bilhões de dólares e os investimentos das empresas privadas não se materializaram, o resultado desta política foi a queda na arrecadação e a piora das contas públicas que levaram o país a perder o grau de investimento, selo dado pelas agências de rating internacional atestando que o país cumpre de forma correta com todos os seus compromissos financeiros internacionais, com a perda deste selo, os juros pagos pelo país para rolar suas dívidas cresceu de forma acelerada e colocou a crise fiscal no centro das discussões econômicas.

O resultado fiscal do governo federal foi avassalador, o resultado primário do setor público consolidado saiu de um superávit de R$ 128,7 bilhões em 2011, para R$ 105 bilhões em 2012, R$ 91,3 bilhões em 2013, para um déficit de R$ 32,5 bilhões em 2014, déficit de R$ 111,2 bilhões em 2015, outro déficit de R$ 155,8 bilhões em 2016, em 2017 o déficit caiu para R$ 118,6 bilhões, a projeção para 2018 é de R$ 159 bilhões e as estimativas para o próximo ano são bastante ruins, déficit de R$ 139 bilhões, tudo isso exige da sociedade medidas draconianas de ajuste, mais impostos a população não aceita mais, então é fundamental reduzir as despesas e estimular o crescimento, sem isso o país fica cada vez mais inviável e as perspectivas serão cada vez mais perturbadora.

A falta de competência  para negociar com o Congresso Nacional e as dificuldades de comunicação e de liderança, levaram a presidente a amargar um impeachment, mais um em um período muito curto de tempo, dos últimos quatro presidentes eleitos pela população, dois foram apeados do poder por denúncias variadas, o país se transformou em uma nação difícil de ser governada, devemos destacar ainda, que o atual presidente, por pouco também não sofreu uma tentativa de investigação devido a declarações de empresários, o país se transformou numa grande incógnita, estamos vivendo uma crise política pouco vista em nossa história recente, precisamos de uma liderança confiável, competente e apaziguadora, somente desta forma poderemos reconstruir os cacos do país e construir uma nova sociedade, lutando contra as agruras sociais e os desequilíbrios históricos que construímos em quase duzentos anos de história como país independente.

Nos últimos anos o Brasil mergulhou em uma crise econômica brutal, o país só não se degradou por completo na seara econômico porque nos anos recentes o país acumulou uma grande quantidade de reservas internacionais, estes recursos acumulados estão lastreados em moeda forte e servem como um grande colchão para aparar nossos outros desequilíbrios, perdemos uma chance histórica de reconstruir este país na primeira década deste século, neste momento o Brasil alcançava índices elevados de crescimento e, infelizmente, o governo sucumbiu da missão de fazer as reformas que, na época, já eram inadiáveis, dentre elas destacamos a Previdenciária, a Tributária e a Política, como não foram feitas voltam a tona todos os anos e incomodam todos os gestores que pensam a sociedade brasileira no longo prazo.

Acompanhando as discussões políticas e econômicas desde o começo dos anos 90, percebemos que, neste período, tínhamos um partido fortemente contrário a todas as políticas e proposições do governo FHC, um período onde as críticas das esquerdas eram fortes e bem formuladas, percebíamos tudo isso e mais ainda, uma esquerda que se colocava no centro das virtudes e dotada de sólidos valores éticos e morais, conscientes de sua integridade e de seu papel na sociedade, com isso angariaram admiradores e seguidores, com isso, conquistaram a vitória nas eleições presidenciais e conseguiram realizar o sonho de todos os grupos políticos, chegaram a Presidência da República.

Os anos petistas foram emblemáticos, todos os indicadores econômicos e sociais sob o manto petista melhoraram, a união de programas sociais e a criação de outros incluíram na sociedade de consumo um grande contingente de pessoas antes excluídas, aumentaram as vagas nas universidades públicas e conseguiram colocar um grande contingente de pessoas, antes excluídas, nos bancos das universidades privadas, através do Programa Universidade para Todos (Prouni). Destacamos ainda um amplo projeto de capitalização das instituições financeiras, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recebeu mais de R$ 500 bilhões para canalizar estes recursos para a economia, era a velha política de escolha dos campeões nacionais, que transformou empresas como a JBS, o Grupo X e o Grupo Telemar em grandes conglomerados, muitos deles com presença internacional de destaque, atualmente a situação financeira é bastante desconfortável para cada uma destas organizações.

Todo este crescimento desmoronou em 2014, os números positivos foram revertidos e o país mergulhou em uma grande recessão, com impactos negativos para a sociedade, o desemprego aumentou imensamente e os indicadores de violência se mostram cada vez mais desanimadores, os assassinatos aumentaram imensamente, em 2011 foram 48,084 vítimas de homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de mortes, estes números saltaram para 53.054 em 2012, 54.163 em 2013, 57.091 em 2014, 55.492 em 2015, 57.549 em 2016 e 59.103 em 2017, com isso, o Brasil se destaca como um dos países mais violentos do mundo, enquanto isso, a indústria das armas e dos equipamentos de vigilância e de defesa cresce como se a crise não existisse.

Estes números nos mostram questões muitos claras e insustentáveis, somos um país violento, a máxima de que somos um povo gentil e agregador é mais um mito de muitos que nos foram contados na nossa história oficial, que reproduzimos e pouco refletimos, como se fosse um verdadeiro dogma que nunca se deve questionar, pois seremos descritos como hereges, e muito menos se rebelar, como cordeiros que sempre fomos e vamos continuar durante muitos anos.

Esta violência destrói todas as esperanças da população, de um lado encontramos um discurso de falta de dinheiro, que nos parece uma realidade no modelo fiscal que temos mas, de outro lado, encontramos setores mais organizados se estruturando e conseguindo benefícios e isenções de todas as naturezas, desde as fiscais até as tributárias, enquanto a classe média definha e os setores mais necessitados vivem, ou melhor, sobrevivem acumulando as maiores privações e humilhações, os grupos mais privilegiados acumulam benesses das mais generosas possíveis, férias polpudas, salários gordos e benefícios bastante atrativos, um país com várias realidades diferentes, somos um país à beira de uma das rupturas mais intensas e perigosas de nossa história.

Outro ponto central que deve ser destacado, dentre os crimes que mais crescem no Brasil contemporâneo devemos destacar o feminicídio, a violência contra as mulheres, a violência doméstica, um crime muitas vezes cometidos por seus parceiros ou companheiros, os crimes são tão violentos que chegam a chocar pela agressividade, pela insensibilidade e pela crueldade, levando muitos homens a se identificar com os mais cruéis dos monstros, uma degradação que nos permite dizer, claramente, que os seres humanos estão se deixando levar por processos obsessivos e sua agressividade se torna cada vez mais destrutiva, criando vínculos de ódio, rancor e ressentimentos.

Neste ambiente de guerra não declarada, encontramos um avanço considerável do crime organizado pelo país, o crescimento e expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC) está na origem deste crescimento da violência, percebemos uma guerra entre as facções, o período de tréguas entre elas chegou ao fim e as mortes dos grandes líderes já foi anunciada, alguns já foram executados e outros mais o serão, os modelos de gestão destas organizações chamam a atenção como cases de sucesso e, muito brevemente serão estudados nas universidades e nos cursos de MBA, o resultado final desta guerra ainda é incerto mas temos hoje, atualmente no país, que os perdedores deste tiroteio são todos os cidadãos de bem que pagam seus tributos e se desencantam com a situação de descaso e degradação dos serviços públicos de saúde, educação, moradia, infraestrutura, etc…não é difícil, diante de todo este cenário sombrio e de desesperança entender porque na liderança das pesquisas eleitorais para presidente da República temos um militar, que prega antes de mais nada um endurecimento das leis e uma medida de exceção para que os militares quando forem atender uma chamada possam atirar, matar e não ser julgados pelas autoridades, mas sim condecorados pelo seu gesto de coragem e de bravura, estamos na maior guerra de nossas vidas e o futuro não nos reservas melhorias consideráveis, apenas medos e preocupações, que Deus proteja a todos nós.

 

 

“O mundo está dando uma nova chance ao Brasil”

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Marcos Troyjo, Cientista Político e Economista

Revista Isto é Dinheiro – 03082018 – Germano Oliveira

O economista e cientista político Marcos Troyjo, professor da Universidade Columbia, em Nova York, avalia que o Brasil já teve inúmeras oportunidades para desenvolver sua economia e obter papel de destaque no comércio internacional, mas desperdiçou a maioria delas, sobretudo por não realizar reformas estruturais que tornassem o País mais atraente aos investidores estrangeiros, que hoje dispõem de enormes recursos para aplicar em países emergentes. Uma dessas oportunidades perdidas, segundo ele, aconteceu no governo Lula, período no qual as commodities agrícolas viveram um momento amplamente favorável, mas o petista preferiu adotar políticas populistas e protecionistas que afastaram grandes investimentos. Agora, contudo, de acordo com Troyjo, o mundo está dando “uma nova chance ao Brasil”, mas adverte:“o País não pode eleger um presidente que defenda o nacional-desenvolvimentismo como alternativa, como é o caso do PT, PCdoB, PSol e, às vezes, Ciro Gomes”. Especialista em política externa, Troyjo está finalizando o livro “Choque de Globalizações: o Brasil em Busca da Grande Estratégia”, que chega às livrarias em outubro.

O senhor diz no seu livro que a globalização vem perdendo força, sobretudo por causa do crescimento do populismo e da intolerância no mundo. Como isso está se dando?

Quando acabou a guerra fria, a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, o mundo foi tomado de um grande entusiasmo no início da década de 90, com a vitória do Ocidente, dos países mais democráticos, com economias abertas, prevalecendo o livre mercado. Desse período até a grande crise do Lehman Brothers em 2008, vivemos um processo de globalização profunda. De 2008 para cá, os sinais se inverteram. O clima de livre comércio foi substituído por sinais do protecionismo e pelo mundo do cada um por si, devido ao populismo e intolerância. Eu chamo esse período dos últimos dez anos de desglobalização. O comércio internacional, por exemplo, começou a cair. A livre circulação de bens e de serviços, também começaram a cair. E ao mesmo tempo aumentaram as restrições no intercâmbio de universidades, no mercado de trabalho.

O que a desglobalização está provocando de malefícios para a humanidade?

Estamos tendo uma perda de eficiência da economia muito grande. Num momento em que uma empresa como a Starbucks tem que comprar o papel que envolve os canudinhos de uma fábrica em Ohio, em vez de comprá-los em uma fábrica na Tailândia, por uma fração do preço que paga nos Estados Unidos, isso gera desemprego no local onde anteriormente a empresa tinha sua operação. E isso onera a plataforma de custos das empresas, afetando seu balanço patrimonial. Na última sexta-feira 27, quando se anunciou o PIB americano, de 4,1% de expansão no trimestre, todo mundo ficou de olho arregalado, mas as bolsas caíram. E não foi só por causa do efeito das ações do Facebook e Twitter. Mas também porque há a idéia de que haverá uma adequação do PIB americano por conta da guerra comercial desenvolvida por Trump e essa é uma das facetas da desglobalização. Com a guerra comercial que vem por aí, quem perde mais são os países que tem grandes empresas transnacionais e nenhum país tem tantas empresas transnacionais como os EUA.

O senhor diz ainda no seu livro que o Brasil também teve um grande um ciclo populista e protecionista. Como foi esse processo?

Tivemos um ciclo populista e protecionista de 2003 a 2016, durante os governos do PT. E por que esse período foi lamentável? Em primeiro lugar, porque o mundo esteve muito bom para o Brasil e não se aproveitou as chances que nos foram dadas. Se levarmos em consideração o grande ciclo favorável das commodities, os grandes estoques de liquidez disponíveis no mundo para serem aplicados em países com pouca poupança, como era o caso do Brasil, e também as vantagens comparativas que temos em produtos como a soja, poderíamos ter aproveitado esse vento de cauda para ter feito as reformas estruturais e nós não as fizemos. E não fizemos por quê? Porque o governo teve a sensação de que os bons tempos iriam perdurar para sempre. E isso fez com que os governos petistas não mexessem em problemas cruciais, como a Previdência e as questões trabalhistas, o que nos deixou em continuado atraso, vivendo esse grande ciclo populista.

E o ciclo protecionista?

Também durante os governos petistas vivemos o renascimento das antigas teses de substituição de importações, com a idéia de desenvolver uma cadeia de produção vertical em todo o território nacional e que, para isso, deveríamos dar incentivos aos chamados campeões nacionais. O Brasil voltou a adotar uma estratégia econômica parecida com a que foi adotada nos anos 40 ou 50, ou mesmo no período nacional-desenvolvimentista do regime militar. É muito parecida a filosofia econômica do PT com a adotada pelo governo militar. E um dos legados disso foi ver como o Brasil diminuiu sua participação no fluxo do comércio internacional. Tudo o que o Brasil exporta e importa — e que chegou ser de 2,5% do comércio mundial — agora é de 1%. Se fizermos uma radiografia do nosso comércio, vamos perceber que tudo o que o Brasil importa, somado ao que exporta, dá 22% do nosso PIB. Das 15 maiores economias do mundo, é o menor contingente em relação ao PIB.

O período petista representou, então, um retrocesso?

Foi uma oportunidade desperdiçada. Deveríamos ter feito as reformas internas e, sobretudo, a reforma na nossa inserção internacional. Reforma que levasse nosso comércio ao patamar de 35% a 40% do PIB, com a adoção de uma política voltada para a ampliação das exportações e importações, assinando novos acordos comerciais.

Dos candidatos a presidente que estão aí, quem ameaça o nosso melhor desempenho internacional?

Quem continua defendendo o nacional-desenvolvimentismo como alternativa é o PT, PCdoB, PSol e às vezes Ciro Gomes, que tem um discurso um pouco pendular. A não ser que ele esteja utilizando a estratégia do violino: pega com a esquerda, mas toca com a direita. Já o Meirelles, o Alckmin e o Bolsonaro/Paulo Guedes, têm adotado uma retórica mais liberal de inserção internacional. Eles entendem melhor as necessidades do dinamismo do nosso comércio.

O senhor afirma que, além dos Estados Unidos na era Trump, também a Europa tem se tornado mais protecionista. De que forma isso está acontecendo?

O protecionismo da Europa é mais sofisticado. As tarifas na União Européia até estão caindo, mas eles têm muitas barreiras fitossanitárias e barreiras técnicas, que acabam funcionando como protecionistas. Vou dar um exemplo. Exportação de carne de gado. Eles exigem a rastreabilidade, desde o momento do nascimento do animal, com chip subcutâneo, para o acompanhamento em real-time da sua saúde. Fazem exigências enormes. Ou então eles dão subsídios para seus produtores e isso torna os produtos dos concorrentes quase que inviáveis.

O senhor avalia que a tendência é da China se tornar a maior economia do mundo, superando os EUA. Então o Brasil deveria se aproximar ainda mais da China?

Já estamos muito próximos da China. É o nosso principal parceiro comercial e provavelmente vamos fechar 2018 com exportações para a China que representam quase o dobro das nossas exportações para os EUA. Para a China, vendemos muita soja, minério de ferro, petróleo. Mas é importante perguntar para os candidatos a presidente que estão aí qual é sua política para a China? Além de parceiro comercial, a China cada vez mais é fonte de investimento estrangeiro direto. Nesses processos de fusões e aquisições, os chineses estão comprando muita coisa no Brasil. Ainda é um dos poucos países do mundo que podem atuar como fonte de empréstimo governo a governo, porque isso quase não existe mais no mundo. Existia nos anos 70 e 80, quando o governo americano e o governo japonês faziam empréstimos-ponte. Isso só os chineses fazem hoje. E como os chineses precisam ter garantias para seu processo alimentar, é natural que seus investimentos também venham mais para o Brasil. Os candidatos a presidente precisam saber lidar com a China.

Nessa guerra comercial que os EUA começam a fazer, o Brasil pode sair como perdedor?

Pelo contrário. Nos próximos dois anos e meio, a guerra comercial travada pelo Trump trará mais benefícios do que malefícios para o Brasil. Trará benefícios porque hoje os chineses compram R$ 14 bilhões por ano em soja dos EUA. E se os chineses retaliarem os americanos na soja, o produto tem que ir de algum lugar. E pode ser do Brasil e da Argentina. 

Um dos legados da política nacionalista dos governos do PT foi ver que a participação do Brasil no comércio mundial caiu de 2,5% para os atuais 1%

O mundo não está ruim para o Brasil. Há uma demanda aquecida por commodities e há um grande estoque de dinheiro no mundo sedento por aplicações em mercados emergentes. Os grandes centros internacionais de liquidez, como China, Japão e países Árabes, querem diversificar seus investimentos. Temos espaço agora para correr atrás na atração desses capitais. Provavelmente, teremos que intensificar nosso processo de privatizações e de projetos de parcerias-público-privadas. Uma das características umbilicais desse nocivo processo de desenvolvimento nacionalista do governo petista entre 2003 e 2016 foi a de cultivar a idéia de que poderíamos fazer tudo por meio da liderança do Estado.

O que o novo presidente pode fazer para melhorar a inserção do Brasil no comércio internacional?

É indispensável uma maior promoção do Brasil no exterior. Nossa presença física em vários mercados é inadiável. Ter agências de promoção de negócios em Cingapura, Xangai, Londres. Poderíamos aproveitar melhor nosso patrimônio no exterior. O Brasil tem um imóvel gigantesco em Nova York, na rua 79. E para o que serve aquilo? Para o embaixador dormir. A embaixada deveria ser uma agência de promoção do Brasil.

E não podemos repetir erros do passado, certo?

O mundo está, mais uma vez, dando uma chance para o Brasil. O que poderia ser negativo, como a guerra comercial, nosdará oportunidades para novos negócios. Eu não digo que estamos entrando num dia de sol perfeito, mas estamos com boas chances de crescer no comércio internacional e alavancar nossa economia. Já tivemos várias oportunidades e perdemos quase todas. Vamos perder mais uma chance ou vamos aproveitar que nossas commodities serão valorizadas e que há um grande volume de recursos para investir nos países emergentes? Não podemos perder essa nova chance.

 

 

Amores e relacionamentos líquidos

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Os filmes de Hollywood sempre nos mostraram histórias de amor cheias de sentimentos intensos e verdadeiros, romances marcados por abraços e beijos acalorados, casais apaixonados e vivendo intensamente este sentimento, tudo isso sempre encantou a sociedade mundial e embalou muitos sonhos de amor verdadeiro, levando casais a juras eternas de amor, de respeito e de fidelidade, sentimentos nobres e intensos que, na sociedade contemporânea, se encontram fora de moda, o amor romântico se tornou ultrapassado e pouco cultivado.

Nos contos modernos os mocinhos foram substituídos, as princesas foram trocadas e os sentimentos verdadeiros estão adormecidos, as histórias em quadrinhos não atraem nem mesmo as crianças que, nesta sociedade acelerada são estimulados, logo cedo, a acessar seus aparelhos digitais e navegar num mundo de descobertas e fantasias, mas ao mesmo tempo de perigos e ameaças de todas as naturezas, obrigando dos pais ou responsáveis atenção e controle.

Vivemos numa sociedade marcada pela superficialidade, nossos relacionamentos são sempre muito vazios, as instabilidades do mundo invadem os corações das pessoas e impedem que os enamorados se entreguem, o medo da frustração é tanto, que preferimos cultivar toda esta superficialidade, fugir dos grandes amores e dos grandes sentimentos e se contentar com momentos fixos de prazer, de sexo e de gozos sexuais, somos marionetes do ficar e fugimos assustadoramente do amar e se entregar.

O sociólogo polonês Zygmunt Baumann, famoso intelectual da sociedade contemporânea, cunhou a expressão mundo líquido, para definir uma sociedade que se compraz com a superficialidade, no mundo atual tudo é líquido, os amores e os sentimentos escorrem pelas mãos, os modelos mais intensos de relacionamentos foram deixados para trás, o medo dominou as relações cotidianas, não queremos nos frustrar com os relacionamentos mais intensos e verdadeiros, pois eles podem nos causar dores íntimas, decepções violentas e criar mágoas e constrangimentos dos mais severos possíveis.

Nesta sociedade do século XXI vivemos o drama do individualismo, depois da hegemonia do pensamento liberal em que o indivíduo é visto como sobrepondo ao coletivo, percebemos que este indivíduo cunhado pelas teorias liberais se encontra em crise profunda, esta crise se manifesta numa intensa solidão e desesperança, estamos mergulhados num mundo em que não mais confiamos no futuro, as bases da democracia estão solapadas, os modelos de liberdade clássica estão ameaçadas e o ser humano amedrontado e infeliz, a crise da modernidade é, antes de mais nada, a crise dos indivíduos.

A lógica econômica se sobrepõe a todas as outras lógicas da sociedade contemporânea, acreditamos que pensamos e agimos como o homem econômico, todas as nossas ações julgamos racionais e calculadas, nosso trabalho se dá envolto em contas e cálculos intensos de ganhos e perdas, no campo religioso buscamos maximizar nossas oferendas e trocas com o divino, nossos relacionamentos são colocados na ponta do lápis e maximizamos nossos gozos e buscamos reduzir, e até acabar, com nossas dores, somos seres quase racionais que nos julgamos reflexivos e racionais, mero autoengano.

As grandes mudanças contemporâneas estão criando novos modelos de família, os modelos tradicionais estão sendo substituídos por novas organizações familiares, o modelo clássico baseado em um casamento heterossexual, papai e mamãe, está sendo substituído, em ritmo acelerado, por vários modelos diferentes, casais de homem com  homem, de mulher com mulher, de relacionamento com três pessoas, dentre outros, são várias as fórmulas de amores em constantes transformações na sociedade contemporânea, tudo isto gera medos, instabilidades e incertezas crescentes nos indivíduos e acabam abrindo espaços crescentes para xenofobismo, intolerâncias e sectarismos.

As famílias deixaram de ser o porto seguro para as crianças e para os casais, se transformando em um espaço de confrontos e inconveniências, onde encontramos conflitos, rancores e ressentimentos que contribuem para minar o papel social da família, soma-se a isto, as violências que crescem de forma acelerada, pais violentos que se agridem mutuamente, pais austeros se insurgem com seus filhos discordando de atitudes, comportamentos ou relacionamentos, acumulando mágoas e dores intensas e, para muitos, insustentável.

A violência contra filhos homossexuais cresce de forma acelerada, alguns pais dizem que não batem em seus filhos, mas quando descobrem sobre sua sexualidade, os marginalizam, humilhando e os agredindo verbalmente, criando um caldo de rancores e ressentimentos que quando explodem resultam em violências das mais intensas que existem, culminando em crises que seus impactos são sentidos muito além desta vida atual.

As famílias contemporâneas não mais fazem as refeições juntas, uns comem no quarto assistindo a programas de televisão, outros estão tão envoltos com o trabalho cotidiano que almoçam e jantam na rua, desta forma percebemos um distanciamento cada vez maior entre pais e filhos, abrindo caminho para um encontro, muitas vezes inadiável entre seu filho e o traficante da comunidade, este conhecerá a rotina de seu filho e se disponibilizará a acolhê-lo nos momentos de dúvidas quando tiver interesse em lhe vender drogas e tóxicos, o resultado desta equação as famílias brasileiras estão visualizando todos os dias, destruição, lágrimas, revoltas e arrependimentos.

Outro traço marcante desta nova configuração familiar é a falta de diálogo, as pessoas que compõem a família pouco conversam, os pais não encontram tempo para ver e, muitos menos, dialogar com seus filhos, que se perdem num mundo cheio de ilusões, os prazeres sexuais são fortes e chamativos, atraem os indivíduos e muitas vezes os levam a caminhos perigosos e tortuosos, as festas, os passeios e as alegrias geram prazer e também cobram um preço alto e, muitas vezes, impagável.

As religiões que sempre foram o espaço da conversação com o divino, o local do reequilíbrio, da conversa serena e da reflexão crítica, hoje se perdem na busca incomensurável pelos recursos materiais, pela gana do acumular, do ter, nos templos nos dedicamos a ouvir músicas e louvores sem consistências, cantamos e não sentimos os sentimentos mais nobres que deveriam emanar do local, o espaço religioso se perde do mundo do marketing, o dízimo é substituído pelo orar e os resultados são alienação e intolerância.

Vivemos em uma sociedade em forte transformação, viver neste momento é um misto de prazer, de medo e de incerteza, refletir sobre o mundo contemporâneo é um intenso procurar respostas para as variadas perguntas que nos são feitas todos os dias, neste mundo de transformações constantes, as tradições estão sendo destruídas e novas estruturas estão sendo colocadas no lugar, o resultado imediato é um misto de medo e preocupação, todos sabemos que estamos indo para uma nova sociedade e num ritmo crescente, mas ninguém saberia definir, com clareza, para que lugar estamos sendo conduzidos.

Quando falamos das dificuldades da sociedade internacional, é importante destacar que as famílias estão no centro destas mudanças, antigamente tínhamos família enormes, onde os filhos eram aproveitados como mão de obra na produção rural, com o crescimento da sociedade urbana, o desenvolvimento de novas técnicas reprodutivas, os investimentos cada vez maiores na criação de uma criança e as mudanças nos relacionamentos, tudo isto contribuiu para a diminuição do crescimento vegetativo, na atualidade encontramos lares com poucos filhos, muitos deles dirigidos por mulheres e sem a figura masculina presente no cotidiano.

As incertezas do mundo contemporâneo colocam em xeque a tolerância e a democracia, os indivíduos estão tão abobados com a sociedade que está emergindo que relutam em tentar compreender os seres humanos, não buscam se colocar no lugar das outras pessoas, a empatia tão fundamental para a construção de uma sociedade mais sólida se encontra perdido em algum local entre os indivíduos, suas crenças e seus mais intensos medos e desesperanças.

A violência crescente na sociedade brasileira, apenas no ano passado, mais de 63 mil pessoas foram assassinadas, deixando um rastro de dores e tristeza em famílias enlutadas, deixando muitos órfãos e órfãs a deriva, desestruturando famílias e aumentando as incertezas e os medos com relação ao futuro, onde muitos lares serão destruídos e marcados pelas dores dos assassinatos e das violências crescentes que assolam a sociedade.

A depressão e o suicídio também surgem como males contemporâneos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos, uma pessoa se suicida no mundo, gerando desequilíbrios intensos sobre as famílias e todos que os cercam; a depressão se dissemina e atinge 5% da população mundial, algo em torno de 350 milhões de pessoas, uma doença que afeta todas as classes sociais e todos os indivíduos, levando os indivíduos a conviver com uma dor crescente e uma insatisfação generalizada, todos estes problemas mostram que a sociedade acelerada em que vivemos é uma sociedade doente em estado avançado e os indivíduos podem ser descritos como doentes terminais, perderam os verdadeiros valores da vida, a família é deixada de lado e as consequências de tudo isso visualizamos a todos os momentos no cotidiano.

 

 

 

 

Instabilidade financeira internacional e guerra comercial

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A economia mundial está passando por grandes transformações nos últimos anos, gerando impactos incertos em todas as regiões do mundo, de um período de forte crescimento econômico, estamos nos aproximando de um momento de crises financeiras e conflitos comerciais entre potências econômicas como a que está em curso entre as duas maiores economias mundiais, Estados Unidos e China, podendo reverter anos de crescimento do comércio internacional, de democracia e de estabilidade entre países e regiões.

O comércio internacional foi um dos grandes motores da economia internacional no pós segunda guerra, aumentando a integração e a interdependência entre os agentes econômicos e produtivos, os modelos foram sendo internacionalizados e as economias passaram a ser mais competitivas, abrindo espaço para uma redução das políticas protecionistas e uma melhora nas condições sociais de muitos países e regiões, como na Coréia do Sul, na Malásia, na Indonésia, na China, no Chile, entre outros.

Os ventos do comércio internacional, infelizmente, não prosperaram no Brasil da forma como cresceu em outras regiões, ainda somos um país imensamente protecionista, nossa estrutura econômica ainda se caracteriza por uma grande proteção do Estado aos setores produtivos, encontramos muitas queixas dos excessos de burocracia do Estado brasileiro mas percebemos que as empresas nacionais não abrem mão da proteção dada pelo governo, acreditando que esta proteção é fundamental para a sobrevivência das empresas nacionais, relutam na concorrência com empresas de outros países acreditando que as condições internas não concedem as isonomias necessárias para a competição com grupos mais fortes do mercado internacional, perpetuando uma relação de dependência entre o empresariado nacional e o Estado, muitas vezes criando espaços claros de corrupção e ineficiência.

Países que adotaram uma estrutura econômica mais aberta e integrada ao comércio internacional foram mais bem sucedidos no desenvolvimento de suas economias, melhoraram as condições de vida de suas populações e conseguiram construir uma sociedade mais equânime, mas além de abrirem suas estruturas econômicas e exporem seus agentes produtivos a uma maior competição, foram responsáveis por políticas protecionistas exitosas, protegeram suas economias, mas estimularam um clima de concorrência durante os momentos de proteção e quando sentiram que estas empresas estavam em condição, abriram os setores e estimularam a concorrência internacional, colhendo resultados promissores e bastante positivos.

Nas últimas décadas, depois da segunda guerra mundial, os Estados Unidos tomaram as rédeas da economia internacional, estimularam a abertura das economias, a integração regional, a redução das políticas protecionistas, além de estimular a democracia representativa e os princípios liberais, todas estas medidas auxiliaram no desenvolvimento da economia global que cresceu de forma acelerada até meados dos anos 70 e contribuíram para uma maior integração e interdependência entre os países, com blocos econômicos, acordos comerciais e áreas de livre comércio.

De todos os países, os asiáticos foram os maiores beneficiados com esta nova estrutura econômica e comercial, dentre eles destacamos o Japão e a China, mas poderíamos destacar outros, como os países do leste asiático, como a Coréia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Malásia e Cingapura, todos cresceram de forma acelerada, aumentaram sua integração regional e melhoraram as condições de vida de seus cidadãos, garantindo espaços para o surgimento de uma nova classe média, mais instruída, mais consciente de suas necessidades e dinâmica.

O Japão se caracterizou como uma das economias de maior crescimento no pós 1945, sua estrutura econômica se diversificou fortemente, novos setores centrados em alta tecnologia nas áreas de elétrica e eletrônica, além de novos ganhos na indústria automobilística, garantindo às empresas japonesas uma forte competitividade na indústria global, elevando o status de várias empresas, como Sony, Toyota, Honda, Nissan, Mitsubishi, Panasonic, etc…e aumentando a competição nos mercados globais, garantindo ao país novos ganhos de produtividade e rentabilidade, que possibilitaram a exportação de seu modelo econômico produtivo no final dos anos 1970.

No começo dos anos 90, tínhamos um certo consenso na economia mundial de que o Japão se tornaria a economia hegemônica do século XXI, os ventos favoráveis ao país asiático eram muitos, suas indústrias cresciam de forma acelerada, sua população enriquecia enormemente e o país era visto como um celeiro de novas tecnologias e novas políticas de desenvolvimento, deixando países tradicionais, como os Estados Unidos e Europa, para trás no jogo do crescimento econômico. Esta visão se mostrou equivocada, no final dos anos 80 os Estados Unidos elevaram suas taxas de juros e absorveram grande parte dos dólares disponíveis na economia internacional fragilizando a economia japonesa e forçando um ajuste no país asiático, estas transformações geraram graves desequilíbrios no Japão e abriram espaço para que os norte-americanos retomassem a hegemonia internacional ameaçada com a ascensão japonesa.

A China acordou para este movimento no final dos anos 70, depois da morte de Mao Tsé Tung, o grande líder da Revolução Chinesa, quando Deng Xiaoping assumiu e mudou as regras da estrutura econômica, alterando o modelo de economia socialista para uma nova estrutura produtiva centrada na iniciativa privada e fortemente organizada e planejada pelo Estado chinês. Neste período, a economia chinesa se abriu para o comércio internacional, um protecionismo forte marcado pelo estímulo a reestruturação de setores inteiros com exigências  de ganhos constantes de produtividade, estes incentivos eram datados e os setores privilegiados deveriam melhorar sua performance, garantindo ganhos de produtividade para a economia em geral.

Os ganhos foram tão consideráveis, que a economia chinesa se transformou na segunda maior economia mundial, perdendo apenas para a economia norte-americana, e foi alçada ao posto de maior exportador mundial, ultrapassando países com forte tradição de comércio internacional, tudo isso fez o país asiático se transformar em um grande agente econômico global, gerando medos, incertezas e inseguranças em vários setores da economia internacional.

Depois de décadas de crescimento do comércio internacional, o mundo está envolto em uma perigosa guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, de um lado os Estados Unidos, que se sentem prejudicados com os altos superávits comerciais chinesas, e de outro lado a China, uma economia em forte expansão econômica que, nos últimos anos se transformou no maior ator do comércio global, na relação comercial entre os dois países encontramos um forte superávit para a China, que exportou US$ 530 bilhões e importou dos US$ 140 bilhões, ou seja, acumulando um superávit de quase US$ 400 bilhões, garantindo ganhos fabulosos para o país asiático e a ira dos Estados Unidos que, neste momento está se materializando nas ameaças protecionistas do presidente Donald Trump contra a economia chinesa.

Os efeitos desta guerra comercial são imprevisíveis para todos os países, de um lado encontramos novos espaços e oportunidades para os produtores, e de outro percebemos perdas para  outros, o fenômeno ainda é bastante recente e não se tem dados claros dos possíveis resultados concretos do conflito, o que se tem mais claro é que o comércio internacional perde e, com isso, todos os países perdem, as regras do comércio também são afetadas e a confiabilidade destes setores também são prejudicadas, ameaçando o equilíbrio da economia mundial.

Os ganhos crescentes dos chineses estão baseados em uma política fortemente protecionista, muitos setores ganharam espaço no cenário global devido ao apoio do governo chinês, crédito farto a taxas de juros reduzidas, além de uma estratégia baseada em preços baixos levaram as empresas do país a ganhar novos mercados e garantir retornos consideráveis, levando a China a acumular uma grande reserva internacional em moeda conversível, algo em torno dos US$ 3,9 trilhões, recursos estes agora utilizados para abrir novos mercados, comprar empresas de vários países e garantir ao país recursos para os investimentos futuros na formação e consolidação de uma educação de qualidade capaz de melhorar as condições de vida da população.

Os gastos, ou melhor, os investimentos da China em educação, pesquisa, ciência e tecnologia, garantem ao país, uma atração, todos os anos, dos melhores pesquisadores disponíveis na comunidade científica internacional, estes buscam no país asiático condições favoráveis para o desenvolvimento de suas pesquisas, recursos em abundância e novos espaços de consolidação profissional.

Os avanços na área da educação são visíveis e palpáveis, as escolas gozam de autonomia pedagógica, de recursos em abundância e de ótimas condições de trabalho, os professores são bem remunerados, respeitados e vistos como agentes centrais para o crescimento do país no cenário internacional, mas destacamos ainda, que todas estas condições são garantidas e aumentadas, se necessário, desde que os ganhos sejam mantidos, as metas alcançadas e os alunos se destacarem em testes, provas e avaliações globais, como as aplicadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o conhecido exame de PISA (Programa Internacional de Avaliação de alunos).

Com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, em 2016, aumentaram as chances de uma guerra comercial contra a China, esta possibilidade se transformou em um fato com as medidas adotadas pelos norte-americanos para proteger sua estrutura produtiva, estas medidas estão fortemente atreladas a grupos, dentro dos Estados Unidos, que acreditam que a piora das suas condições de vida estão atreladas ao forte protecionismo chinês, a solução para este imbróglio está na diminuição dos superávits chineses no comércio bilateral entre os dois países, este pensamento encontra guarida em muitos setores da sociedade americana.

O grande problema deste pensamento, é que o crescimento dos superávits chineses está atrelado a entrada de empresas norte-americanas em território chinês, estas empresas perceberam que o custo de produção nos Estados Unidos estava crescendo de forma acelerada e viram nesta oportunidade, a chance de produzir no país asiático como a forma de conseguir competir na economia internacional, sem esta medida, as empresas americanas perderiam mercados e seriam fragilizadas na concorrência mundial. Grande parte do superávit comercial chinês com os Estados Unidos é composto por exportações de empresas americanas para seus mercados locais, ou seja, para atender os interesses de seus consumidores dentro dos Estados Unidos da América.

A ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos gerou grandes desequilíbrios para a economia norte-americana, as falas atabalhoadas do presidente e suas posições retrógradas em termos comerciais estão gerando um clima de animosidade com antigos parceiros comerciais em todas as regiões do mundo, a Europa, que desde o final da segunda guerra mundial, sempre se caracterizou como um grande parceiro comercial dos americanos, vem se afastando e se incomodando com as posições defendidas pelos norte-americanos, criando uma cisão importante e com vários impactos sobre o comércio internacional, abrindo espaço para que a região caia na zona de influência da China, que neste momento se estrutura e se fortalece para este conflito iminente.

A economia internacional se aproxima de uma situação de fortes ajustes, a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos pode antecipar um movimento recente de novos protecionismos e mais, um movimento de intolerância e xenofobismo, com isso, as bases da economia, criadas depois do Acordo de Bretton Woods, podem estar ameaçadas com fortes perdas para a comunidade internacional, reformar o modelo é uma das atitudes mais urgentes para a boa governança global, mas para que isso seja efetivamente construído, é fundamental o diálogo democrático e construtivo entre os países, sem isso, o mundo caminhará a passos largos para o caos generalizado com graves prejuízos para todos os atores econômicos, aumentando a desesperança e insatisfação com a política tradicional, pavimentando o caminho para lideranças autoritárias, sectárias e antidemocrática.

 

“O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história da economia”

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Considerado de direita na Coreia do Sul e de esquerda na Inglaterra, economista critica rumo das políticas brasileiras e defende protecionismo nos países emergentes

Regiane Oliveira – El País – São Paulo – 15/01/2018

Ha-Joon Chang,especialista em economia do desenvolvimento da Universidade de Cambridge

Você se considera de esquerda? Mesmo acostumado a dar entrevistas, essa pergunta ainda faz gaguejar Ha-Joon Chang, professor de economia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que se tornou conhecido por expor os problemas do capitalismo. “Bem…eu possivelmente sou”, respondeu um pouco reticente o acadêmico, como quem confessasse um pecado. Para ele, no mundo polarizado de hoje, admitir-se de qualquer tendência ideológica pode significar uma sentença de morte para um potencial diálogo. Além disso, em diferentes países, a percepção de direita e esquerda é diferente. “Na Coreia do Sul e Japão, por exemplo, o tipo de política industrial que defendo é considerada de direita. Já na Inglaterra, onde vivo hoje em dia, é uma política de esquerda”, afirmou o autor sul-coreano do best-seller Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica (Editora Unesp), que veio ao Brasil participar do Fórum de Desenvolvimento, em Belo Horizonte. Ha-Joon Chang conversou com o El PAÍS sobre polarização política, história econômica e o futuro do sistema econômico mundial, que, para ele, não é nem capitalista, nem socialista.

Pergunta. Como a polarização política afeta o desenvolvimento econômico?

Resposta. A polarização é a pior coisa que pode acontecer para a economia. Tudo se torna simbólico. Você começa a se opor a determinada política simplesmente porque ela está associada a um partido de esquerda ou direita. Os debates estão se tornando cada vez mais difíceis. Ambos os lados, ao invés de debater, gritam uns com os outros. Eu gosto de me descrever como um pragmatista. Não importa de onde vem determinada política para o desenvolvimento econômico, contanto que ela funcione.

  1. Desde o Consenso de Washington, no final da década de 1980, muitos países pobres abraçaram as recomendações internacionais para propagar o livre comércio como uma das formas de combater a miséria e se desenvolver. Como você avalia o resultado dessa medida?

R: Hoje, quando olhamos para os países ricos, em sua maioria, eles praticam o livre comércio. Por isso, é comum pensarmos que foi com esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na realidade, eles se tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas estatais. Foi só quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para si e também como uma imposição a outros Estados. O nome do meu livro, Chutando a escada, faz referência a um livro de um economista alemão do século XIX, Friedrich List, que foi exilado político nos Estados Unidos em 1820. Ele critica a Inglaterra por querer impor aos EUA e à Alemanha o livre comércio. Afinal, quando você olha para a história inglesa, eles usaram todo o tipo de protecionismo para se tornar uma nação rica. A Inglaterra dizendo que países não podem usar o protecionismo é como alguém que após subir no topo de uma escada, chuta a escada para que outros não possam usá-la novamente.

P: Como se deu o desenvolvimento dos países ricos na prática?

R:Estes países cresceram com base no que Alexander Hamilton [1789-1795], primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos [que estabeleceu os alicerces do capitalismo norte-americano], defendeu como o argumento da indústria nascente. Do mesmo jeito que mandamos nossas crianças para a escola ao invés do trabalho quando são pequenas, e as protegemos elas crescerem, os Governos de economias emergentes têm que proteger suas indústrias até que elas cresçam e possam competir com as indústrias de países ricos. Praticamente todos os países ricos, começando pela Inglaterra no século XVIII, Estados Unidos e Alemanha, no século XIX, Suécia no começo do século XX, além de Japão, Coreia do Sul e Taiwan…todos estes países se desenvolveram usando protecionismo, subsídios estatais, controle do investimento direto estrangeiro, e em alguns casos, até mesmo empresas estatais.

P: Como esse passado dialoga com as medidas atuais de austeridade, que se tornaram fetiche em todo mundo como promessa de crescimento?

R: A receita de austeridade usada na Grécia é a mesma tentada na América Latina, na África e em alguns países da Ásia nas décadas de 1980 e 1990, e que criou desastrosos resultados econômicos. Investir em política de austeridade é contraproducente. As pessoas que defendem esse tipo de política entendem que, quando você tem uma grande dívida pública, um jeito de reduzir essa dívida é cortar os gastos do Governo a fim de reduzir o déficit fiscal. Mas um jeito melhor de reduzir o déficit é fazer a economia crescer mais rápido. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha tinha uma dívida mais de 200% de seu PIB [Produto Interno Bruto], mas sua economia estava crescendo rápido. E depois de algumas décadas, isso deixou de ser um problema. Hoje, a Inglaterra tem tentado uma política de austeridade, mais amena que a da Grécia, é verdade, mas também sem sucesso em reduzir o déficit público proporcionalmente a renda nacional. Isso porque o PIB está crescendo muito lentamente. Se você corta os gastos, seu endividamento pode ficar um pouco menor, mas a renda precisa crescer.

P: O país corre o risco de ficar estagnado?

R: Exatamente. O que é incrível é que essa política vem sendo usada várias vezes, como no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, e nunca funcionou. Albert Einsteinfalava que a definição de loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes. O problema é que muitos economistas que defendem essas medidas, quando sua teoria não funciona, culpam a realidade. Como se a teoria nunca estivesse errada.

P: Você é bastante crítico da desindustrialização dos países emergentes. Por que é tão ruim ser dependente das commodities?

R: As pessoas têm que entender como é séria a redução da indústria de transformação no Brasil. Nos anos 80 e 90, no ponto mais alto da industrialização, esse setor representou 35% da produção nacional. Hoje não é nem 12% e está caindo. O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história, em um período muito curto. O país tem que se preocupar. E eu não estou dizendo nada novo. Muitos economistas latino-americanos já levantavam o problema da dependência de commodities primárias na década de 1950 e 1960. Quando você é dependente de commodities primárias há uma tendência de que o preço dos produtos caia no longo prazo em comparação com os produtos manufaturados. Além disso, os países dependentes de commodities não conseguem controlar seu destino.

P: Por exemplo?

R: Quando alguém inventa uma alternativa para o seu produto, isso pode devastar o valor de sua economia. A indústria brasileira de borracha foi um grande hit até que os americanos e russos inventaram a borracha sintética nos anos 1930 e 1940. Quando os alemães inventaram a chamada síntese de Haber-Bosch para a produção de amônia, a ser usado na fabricação de fertilizantes, Chile e Peru, que costumavam ganhar muito dinheiro exportando o fertilizante natural guano, que foi o mais valioso fertilizante nos século XIX, tiveram anos de estagnação econômica. Isso sem contar o potencial lento de crescimento das commodities e relação a outras indústrias, como a de tecnologia.

P: Mas o caso do Brasil não seria diferente, já que o país investe em tecnologia na área agrícola, e não só extração de commodity?

R: Para ser justo, eu sei que o Brasil tem tido algum sucesso na área agrícola, como produzir soja no Cerrado, que é uma região muito árida, onde tradicionalmente esta espécie não cresceria. É realmente impressionante. Mas quando você se especializa em soja você não pode aumentar sua produtividade da mesma forma que um país especializado em alta tecnologia, que pode aumentar sua produtividade em 20%, 30% ao ano. Sinceramente, o Brasil é um dos países que parece estar voltando no tempo no seu desenvolvimento econômico.

P: Como você avalia o papel do Estado neste cenário?

R: Ao contrário de outros países em desenvolvido, o Brasil tem a habilidade de fazer as coisas acontecerem por meio da intervenção governamental. A Embraer, por exemplo, é uma empresa de economia mista. A agricultura no Cerrado é subsidiada com recursos do governo. Em vários setores, o país já mostrou que quando quer fazer uma coisa, ele consegue. Infelizmente, os responsáveis por fazerem as políticas públicas parecem que perderam o rumo. Eles basicamente desistiram do modelo de desenvolvimento econômico por meio de um upgradena economia, com investimento em indústrias de alta tecnologia.

P: Onde você acha que a política pública falhou?

R: Eu conheci vários empresários irritados em São Paulo pois as pessoas no Governo não parecem estar preocupadas com o declínio da indústria manufatureira no país. Sei que muitos economistas defendem que não importa se você está exportando soja ou aviões, desde que esteja fazendo dinheiro. E, no curto prazo, isso pode até ser verdade. Mas no longo prazo, é muito ruim para a economia. Além disso, as políticas macroeconômicas têm sido muito ruins para o setor industrial, especialmente a alta taxa de juros, uma das maiores do mundo.

P: No Governo Dilma, vários setores receberam subsídio e mesmo assim, os empresários não pareciam estar satisfeitos. O que faltou?

R: O Governo de Dilma canalizou vários subsídios em alguns setores em particular. Mas isso só foi necessário por conta da política de alta taxa de juros, uma vez que as companhias brasileiras não conseguem competir no mercado global de outra forma. Não sei todos os detalhes. Mas sei que houve erros, corrupção. As metas governamentais também foram determinadas de forma equivocada…sempre privilegiando a estabilidade macroeconômica. Já o declínio da indústria não foi considerado um problema. Focou em ações como Bolsa Família, mas sem prestar atenção em dar um upgrade na economia.

P: A Coreia do Sul pode ser considerada um exemplo de economia que conseguiu dar esse upgrade?

R: Depende de qual Coreia do Sul que estamos falando. A Coreia do Sul depois da crise asiática de 1997 abraçou o neoliberalismo, não tanto como os países da América Latina, mas desregulamentou o mercado financeiro e alavancou políticas industriais. O resultado é que uma economia que costumava crescer 6%, 7%, 8% até 1990, agora está sofrendo para crescer 3%. Isso porque as mudanças que criaram líderes globais na área industrial, automotiva e eletrônica, também produziram baixo crescimento, falta de trabalho e não impediram que estas indústrias migrassem para outros países. E mesmo assim, não tivemos o colapso industrial que se vê no Brasil.

P: Qual foi o papel da educação no crescimento da Coreia do Sul?

R: No começo, a educação teve um papel muito importante. Até os anos 80, era possível alguém de uma família pobre se tornar juiz, governador ou cirurgião. Infelizmente, a partir dos anos 90, tivemos um sobreinvestimento em educação, com o crescimento dos negócios privados. Tínhamos o maior investimento em educação do mundo. Mas hoje, considerando o valor que estamos investindo, e o tempo que os estudantes estão gastando para conseguir suas qualificações…o sistema se tornou bem ineficiente. A mobilidade social caiu muito nos últimos anos, porque as políticas educacionais deixaram de ser coordenadas com políticas industriais.

P: Você comenta que estamos entrando no fim da abordagem neoliberal ao desenvolvimento. O Brexit seria um exemplo desse começo do fim?

R: Poderia ser. Mas temos que considerar que há três tipos de pessoas que  votaram pelo Brexit. Um deles são os liberais que votaram para se livrar das regulamentações impostas pela União Europeia. Há ainda o grupo anti-estrangeiros e anti-imigração. E um terceiro grupo, os trabalhadores no Norte da Inglaterra, que já foi o centro produtor do país, e que experimentou uma desindustrialização massiva. Estas pessoas perderam seus trabalhos, e agora culpam trabalhadores da PolôniaRomênia e Hungria pela sua sorte. Podemos dizer que é o começo do fim no sentido em que isso aconteceu com a insatisfação que muitas pessoas têm com a globalização e o livre comércio.

P: Há algum lugar onde estaria sendo gestada uma solução para o modelo de desenvolvimento econômico dos países?

R: Cingapura é hoje o exemplo mais bem sucedido de um país com desenvolvimento pragmático e não ideológico. Quando lemos sobre Cingapura nos jornais The Wall Street Journal e na revista The Economist sempre ouvimos falar da política de livre comércio e o acolhimento positivo que o país tem com o investidor estrangeiro. O que é verdade. Mas não se fala que 90% das terras do país são de propriedade do Governo; 85% das casas são de propriedade do governo; e 22% do PIB é produzido por empresas públicas. Eles têm um modelo pragmático de economia, que mistura elementos do capitalismo de livre mercado e do socialismo. Eles não são capitalistas, nem socialistas. São pragmatistas. Uma de minhas frases favoritas é de Deng Xiaoping, o ex-líder Chinês: “Eu não ligo se o gato é preto ou branco, contanto que seja bom em pegar ratos”. Isso é o pragmatismo.

 

Bolsonaro defende o autoritarismo, não os valores militares, diz historiadora

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Para Heloisa Starling, ditadura levou à associação entre Forças Armadas e práticas violentas, mas entre os princípios militares está a compaixão

Naief Haddad – SÃO PAULO – Folha de São Paulo – 20/08/2018

Historiadora com extensa produção sobre o período republicano do Brasil, Heloisa Starling diz que é preciso dissociar o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) dos valores militares.

Entre esses valores, afirma ela, está a compaixão das campanhas humanitárias. “O que Bolsonaro defende são princípios autoritários.”

A historiadora Heloisa Starling em seu apartamento, em Belo Horizonte – Alexandre Rezende/Folhapress

A professora de história da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) também comenta a hipótese de a candidatura Lula (PT) ser impugnada. Para ela, caso consiga transferir grande quantidade de votos para o vice, Fernando Haddad, Lula vai se equiparar a Getúlio Vargas no poder de mobilização da sociedade.

Starling aponta ainda falta de nomes de peso político na disputa. Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) “se apresentam mais como gestores do que como lideranças capazes de pensar o país”.

Brasil: uma Biografia”, livro seu e de Lilia Schwarcz, foi lançado em 2015. Acabou de sair uma reedição com um texto complementar. Por quê?

Os editores da Inglaterra e dos EUA pediram uma atualização para falar do impeachment [de Dilma Rousseff]. Não faria sentido que esse complemento saísse lá fora e não no Brasil.

Mas há outra razão. Quando lançado, o livro terminava falando do Brasil como um país de democracia consolidada. O problema era consolidar a república. Dois anos depois, [esse quadro] não era mais assim. Tinha um erro ali porque a democracia entrou em crise.

Se você olhar a bibliografia até aquele ponto, verá que os principais autores diziam que a democracia brasileira era recente, mas estava estabilizada. Houve, então, necessidade de retomar a discussão e dizer: “Olha, não é bem assim”.

O que quer dizer com crise da democracia? 

Existe a emergência de setores favoráveis a governos autoritários, setores de extrema direita.

O segundo ponto é o desequilíbrio na distribuição dos poderes. Há uma grande retração do Executivo. O Legislativo, por razões de corrupção, fisiologismo, incompetência, também se retraiu.

O Montesquieu [filósofo francês que viveu entre 1689 e 1755] tinha razão: o poder é intrusivo. Se não tiver limite, cresce e invade as outras áreas. É o caso do Judiciário. O equilíbrio democrático pressupõe que Judiciário, Legislativo e Executivo freiem uns aos outros. Quando dois deles ficam muito frágeis, o poder vai embora. É um problema para a democracia porque atinge a liberdade e a Constituição.

Há ainda um outro elemento, que é a disseminação em setores da sociedade da convicção de que a política não vale a pena e que as pessoas devem se voltar para si mesmas, exigindo que os seus interesses pessoais sejam garantidos. Esse é um caminho para governos autoritários.

Há nesta corrida eleitoral um candidato, Jair Bolsonaro (PSL), que é capitão reformado e defende os valores militares. Pode comentar esse anseio dos militares pelo poder político?

Eu não considero que o Bolsonaro defenda os valores militares, que são de outra natureza, como coragem ligada à defesa da pátria diante do inimigo externo e compaixão que conduz à realização de campanhas humanitárias. O que ele defende são princípios autoritários.

O fato de termos vivido a ditadura militar nos levou a associar as Forças Armadas às práticas violentas e autoritárias. Eu acho que não é isso.

O que acontece é um desvio perigoso. Durante nossa história republicana e a partir do momento em que as Forças Armadas se entendem como gente, existe um traço permanente que é o intervencionismo militar. Sair do seu campo profissional específico para se meter na política.

Há uma consequência imediata desse intervencionismo na vida pública nacional: militar é treinado para a guerra. Então na hora que ele se transfere para política, é difícil encontrar um militar que aja de forma não-autoritária porque se você é treinado para o conflito da guerra, faz uso da violência e não pode discordar de ordens, você tem de obedecer. Afinal, sua vida está em risco.

As Forças Armadas intervêm na história política brasileira de duas maneiras: ou por meio de golpes ou com candidaturas. Lembre-se das candidaturas de Eurico Gaspar Dutra, general, ou do Henrique Teixeira Lott, marechal, um posto de oficial general também, só que na Aeronáutica. Bolsonaro não se encaixa nesse perfil, é uma novidade.

Como assim? Ele é um capitão, não se tem notícia de um capitão, que é um grau intermediário na hierarquia militar, candidatar-se à Presidência. Além disso, ele tem uma história militar sobre a qual há muitas dúvidas.

Existiu um outro capitão do Exército com papel na vida política brasileira: Luís Carlos Prestes. Mas com uma trajetória militar e um tipo de reconhecimento dentro das Forças Armadas muito diferente, tanto por conta do seu talento como engenheiro, quanto da sua participação em ações militares de dimensões quase épicas, como a marcha da coluna Prestes.

Bolsonaro pode ter adesão de parte das Forças Armadas, sobretudo na tropa, mas não representa os valores militares. Tampouco subverte a hierarquia das Forças Armadas. Imagino os generais, almirantes e brigadeiros votando no Dutra ou no Lott, mas não consigo imaginá-los apoiando um capitão como Bolsonaro.

Existe um risco real para a democracia em uma eventual vitória dele? Sim. Ainda não vi o Bolsonaro defender nenhum valor democrático. Todas as propostas que tem feito são referentes à supressão de direitos, à disseminação de violência e à extinção de instituições fundamentais.

Como avalia a estratégia do PT de manter o Lula candidato, mesmo na prisão? É um plano que mantém Lula nas manchetes, dá a ele alta visibilidade, mas é de alto risco. O que PT e Lula vão fazer no dia seguinte à eleição se a estratégia der errado?

Se olhar para a história do Brasil, há uma situação parecida. Quando Getúlio Vargas renuncia para não ser deposto por seus ministros militares, no final do Estado Novo [1945], ele se isola. É quase como se estivesse exilado em São Borja (RS). Aí vem a campanha eleitoral, e Vargas tem dificuldade de decidir quem apoiar. Acaba escolhendo Dutra, que é do partido dele, o PSD.

Faltava meia hora para o encerramento do último comício do Dutra quando chegou ao palanque um emissário de Vargas, com uma declaração de apoio ao Dutra. Ainda restavam cinco dias de campanha, tempo suficiente para inundarem o país de cartazes, com a foto de Vargas e um texto direto: “Ele disse: Vote em Dutra!”. A rigor, não precisava nem da foto: “Ele”, com maiúscula, todo mundo sabia quem era. O Dutra ganha.

Foi a única vez na história do Brasil em que se conseguiu fazer transferência de votos em um espaço de tempo curto com tanta competência.

A população era menor, mas, guardadas as devidas proporções, há semelhança com o alto risco do Lula. A diferença é que Vargas estava em um autoexílio, e Lula está preso. Conseguirá transferir tantos votos para o Haddad? Essas eleições vão mostrar se o Lula está no mesmo patamar de Vargas.

No mesmo patamar em relação à influência? Na capacidade de mobilizar a sociedade e de ser uma liderança política de magnitude. Embora o Vargas não estivesse preso, estava em situação de isolamento, afastado da cena principal. Não são situações iguais, mas há elementos que são análogos ao que estamos vivendo hoje.

Uma característica incomum desta eleição é a indefinição. A um mês e meio do primeiro turno, quatro ou cinco candidatos aparecem com chances razoáveis de avançar para o segundo turno. Além disso, o percentual de eleitores indefinidos é alto. Lembra-se de momento semelhante na história da democracia brasileira? Não. Fala-se muito da primeira eleição depois da ditadura, em 1989, mas existem diferenças: eram muitos candidatos, mas não havia indefinição, e sim disputa política.

As pessoas diziam que iriam votar em Lula, Ulysses, Brizola… Havia o eleitor envergonhado: dizia-se indeciso, mas ia votar no Collor. E não existia esse traço totalitário de rejeição à política. A sociedade debatia opções em torno do conjunto de candidatos.

Hoje, ao lado dessa profunda indefinição, é preciso considerar que talvez o país nunca tenha visto um grupo de candidatos tão inexpressivos como lideranças políticas.

Ciro Gomes, como ex-governador e ex-ministro, e Geraldo Alckmin,também como ex-governador, não têm esse peso? Acho que nenhum dos dois. Tanto não têm peso que se apresentam mais como gestores do que como lideranças capazes de pensar o país. Podem ser mais ou menos conhecidos da população, o que não quer dizer que sejam expressivos. Não me refiro ao grau de conhecimento do personagem.

Marina Silva tem duas eleições presidenciais, é conhecida. Mas desapareceu ao longo desse processo recente de crise, que seria um momento interessante para que se apresentasse como liderança capaz de apresentar um projeto para o país.

 

 

 

Faltou um pouco de generosidade para o presidente Lula, diz Pedro Malan

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Ministro de FHC lança coletânea de artigos e afirma que avanços do Brasil não começaram em 2003

Flávia Lima – SÃO PAULO – 25/08/2018

Um olhar demorado sobre o governo nos últimos 15 anos de quem esteve por lá nos 15 anos anteriores. Nada escapa ao ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Avesso a entrevistas, Malan falou longamente sobre “Uma Certa Ideia de Brasil”, nome do livro que reúne artigos seus publicados no jornal O Estado de S. Paulo entre 2003 e maio de 2018.

Não se furtou a comentar certa insistência do governo Lula em tratar os avanços do país como tivessem começado em 2003. Mas falou também dos ganhos obtidos no período petista e das inúmeras vezes em que alertou, em seus artigos, sobre o perigo dos gastos excessivos.

Às vésperas das eleições, rechaça autoritarismos e salvadores da pátria e avisa: a história é um infindável diálogo entre passado e futuro. Portanto, a “memória do futuro” exige a memória do passado.

O cenário de inflação e juros baixos veio para ficar? 

O fato de termos derrotado a hiperinflação não significa que a inflação muito baixa tenha se incorporado ao DNA do Brasil. Mas a situação é muito mais favorável do que a da Argentina e da Turquia.

Temos combinação de superávits na balança comercial, déficits reduzidos em conta-corrente, reservas de US$ 380 bilhões e investimento direto que continua fluindo. O investidor chinês diz que está olhando horizonte de 25, 30 anos porque acha que o Brasil vai conseguir equacionar seus problemas. Acho que eles estão corretos. Mas há urgências.

Qual é a questão mais urgente?

Lidar com a situação fiscal, e aí há um grau razoável de busca por convergências possíveis. O Brasil é uma sociedade de massas urbana, com legítimas diferenças de opinião e conflitos de interesse.

Há duas formas de lidar com isso: uma é buscar soluções negociadas de compromissos, pois estamos em uma democracia. A outra é o regime autoritário, que, por não ter de lidar com o Congresso e o Judiciário, pode, aparentemente, ser mais eficaz no tipo de demanda que ele resolve atender. Mas não é solução sustentável ao longo do tempo. A ideia de que é possível um messianismo, um salvador da pátria, não serve para o Brasil de 2018.

Pressões por mais gastos não viriam da necessidade de inclusão de uma população gigante cuja maioria estava alijada do crescimento?

É uma legítima pressão numa sociedade democrática. Mas de 1991 a 2016, o gasto público passou de 11% para 20% do PIB, em tentativas de responder a vários tipos de demanda.
O problema é que, quando se faz isso de modo reiterado, com o gasto subindo acima do PIB, se torna insustentável. A não ser que se aumente a tributação ou o endividamento público, que é a tributação sobre gerações futuras.
A nossa sociedade tem uma visão muito cética em relação à ineficiência do governo, mas, ao mesmo tempo, continua achando que ele deve resolver todas as questões, embora não queira aumento de imposto. São escolhas difíceis.
Os países europeus que hoje têm bom padrão de vida se mataram entre as duas grandes guerras. Depois disso, conseguiram administrar esses conflitos sabendo que era do interesse de todos fazer isso por meio de negociações.

Mas nós já nos matamos. Estamos no caminho das negociações? 

Acho que não temos alternativa se não tentar. Desistir de tentar é a barbárie, na área de segurança pública, já visível. Isso tem a ver com problema de prioridades na alocação de recursos escassos.

Não temos prioridades? Achamos que tudo é prioritário. Sob algum sentido é. O Brasil que eu quero é que tenha segurança pública, saúde, educação. Mas um governo tem obrigação de dizer que recursos não são infinitos e, portanto, há escolhas difíceis. Tem uma dívida com trajetória insustentável. Vamos ter que ter uma sequência de superávits primários —a não ser que alguém queira dar um calote na dívida ou reestruturá-la—, e isso exige coisas que precisam ser iniciadas agora.

Por exemplo? A reforma da Previdência. E, no curtíssimo prazo, reduzir a alta taxa de incerteza sobre o que um futuro governo, que o povo escolherá nas urnas, fará.

O motivo da incerteza é o PT? Ele não aprendeu no governo? 

Espero que sim, mas isso tem de se expressar nos termos da campanha. Lula, sob certo sentido, está em sua oitava campanha presidencial. E continua sendo fator determinante apesar de sua situação. Uma qualidade dele: é um grande estrategista político.

Citando o escritor Ivan Lessa, o sr. diz que o Brasil se esquece a cada 15 anos dos últimos 15 anos. Lula, com quase 40% das intenções de voto, é mostra de esquecimento ou de lembrança dos últimos anos?

Pode ser as duas coisas. Tem lembranças, sim, e é óbvio que isso precisa ser reconhecido. A decisão de consolidar os programas de transferência de renda foi correta. Só faltou um pouquinho de generosidade, de reconhecimento da realidade e de não tratar como se tudo tivesse começado do zero a partir de primeiro de janeiro de 2003, o que não foi verdade. Mas o fato é que foi positivo. Mas muita pouca gente no Brasil se dá conta de quão excepcional foi o período de 2003 a 2008 para o mundo.

Mas pode variar de governo para governo o que pode ser feito com esse bônus, não? 

Parafraseando o próprio Lula numa entrevista que deu em 2009: “Nosso erro foi tentar fazer muito mais do que era possível fazer com os recursos disponíveis e, nesse processo, tivemos um enorme desperdício de recursos”.
Acho que foram desastrosas as decisões de construir ao mesmo tempo quatro refinarias no Brasil e comprar mais duas fora, de tentar construir a maior indústria naval do mundo, etc.
Enquanto os termos de troca estão subindo, é possível atuar em várias frentes, mas não é possível fazer isso para sempre. Não fui só eu, mas vários economistas diziam que a situação que vivíamos a partir de 2012 era insustentável. E, de fato, o desemprego chegou a 6% em junho de 2014 porque estava um enorme “pau na máquina”. Mas aquilo teria implicações mais à frente. O objetivo foi alcançado, mas foi uma vitória de Pirro.

No livro, o sr. cita a necessidade de sonhos e alianças. Nosso grande problema são os sonhos ou as alianças?

Lideranças que sejam capazes de fazer esforço para juntar as duas coisas. Tem um amigo que tem um livro que se chama “Você é do Tamanho dos seus Sonhos”.
Acho lindo isso, mas uma vez brinquei com ele: você deveria colocar “do tamanho de seus sonhos e do grau de esforço, gana, garra e persistência que você dedica para torná-los realidade”. Senão, parece que sonhar basta.

Parece que o sr. se ressente da falta de reconhecimento do governo Lula em relação aos avanços ocorridos antes.

Eu não me ressinto. Eu digo no livro que, para o Brasil, seria muito bom dar continuidade àquilo que estava sendo feito. A política que estava sendo feita no início [dos governos petistas] foi submetida a um crescente fogo amigo, mas foi ela que permitiu que o Brasil aproveitasse o cenário internacional favorável.
O ponto de inflexão foi lá para março, abril de 2006, quando saiu o Palocci e apareceu a história de que “gasto é vida”. Entre 2011 e 2017, enquanto o Brasil cresceu 0,5%, em média, o resto do mundo cresceu 5%.

O sr. diz que só em 1940 o PIB nominal americano voltou ao nível de 1929. E o Brasil, quando voltará ao pico de 2014? 

Não vamos recuperar o nível de renda antes de 2020 ou 2021. Não teremos súbita explosão de crescimento. Em especial porque não há um vento a favor internacional. Dependemos do investimento, do consumo, das exportações líquidas. A situação pode mudar se conseguirmos restaurar o clima dos investidores de que o Brasil caminha para resolver seus problemas.

O discurso do Temer quando assumiu foi que a volta da confiança seria rápida. Mas vieram outras coisas também. E faz diferença um presidente eleito —qualquer que seja o resultado das urnas. A escolha das pessoas é muito importante e, nessa área, o governo Temer acertou, ao compor a equipe econômica. Dizem especialistas que havia chance de aprovação da Previdência. Mas ele foi atropelado pelas gravações.

Tivemos uma geração de economistas estudando inflação. A próxima vai olhar o quê?

Implicações do desenvolvimento tecnológico sobre a demanda por trabalho e grau de qualificação de mão de obra e seus efeitos sobre distribuição de riqueza.

Se for convidado, vai voltar ao serviço público? 
Você sabe qual é minha idade? [risos].

O sr. cita o escritor Jorge Luis Borges e as memórias de futuro, algo que pode vir a ser. Qual é a sua? 

É um Brasil que tente compatibilizar a ideia de liberdades individuais, menos injustiça social e eficiência operacional do setor público e maior competitividade internacional no setor privado. Não é fácil. Muitos poucos países do mundo conseguiram isso.
RAIO-X

Pedro  Sampaio Malan, 75

Formado em engenharia pela PUC-Rio, tem doutorado em economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley; presidiu o BC e foi ministro da Fazenda entre 1993 e 2002;
preside o conselho consultivo internacional do Itaú

 

 

Era dos robôs está chegando e vai eliminar milhões de empregos

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Mercado de trabalho nunca mais será o mesmo com indústria 4.0, escreve professor de economia da USP

Paulo Feldmann – Folha de São Paulo, 29/07/2018

Professor de economia chama a atenção para os avanços tecnológicos que alteram de modo radical as perspectivas do mercado de trabalho. Empregos serão extintos em diversos setores, em um processo que afeta todas as classes.

Em breve um robô vai lhe entregar a pizza de domingo. Talvez seu condomínio não exija que você desça até a portaria para apanhá-la, pois não vão suspeitar que possa ser um assalto. Na Alemanha, esse serviço já está funcionando —e a pizzaria é uma rede que atua no Brasil.

Mas isso é pouco: logo essa pizza será resultado de um processo totalmente automatizado. Se você acha que esse cenário pertence à ficção, ou que vai demorar muitos anos até ele se tornar realidade, pesquise sobre a americana Zume Pizza. Situada no Vale do Silício, a casa entrega comida feita por robôs. E o pior é que os consumidores da Califórnia têm adorado a novidade.

Pior por quê? Porque é enorme a quantidade de empregos que será eliminada. Alguns poderão afirmar que esses postos de trabalho demandam baixa qualificação e que o importante é aumentar a produtividade ——no caso, a das pizzarias.

O argumento perde metade de sua força quando se sabe que, na mesma Califórnia da pizza robotizada, quem se envolve em problemas de trânsito não depende mais de advogados para apresentar recursos. Um dos maiores fabricantes de computadores criou um robô, baseado em inteligência artificial, capaz de elaborar petições para quem quiser recorrer de uma multa, por exemplo. O interessado não precisa dar um único telefonema, nem para o despachante, nem para o defensor.

Exemplos como esses se reproduzem em todos os setores da economia mundial. Eles ilustram um processo novo e muito importante: as empresas se automatizam cada vez mais, com softwares poderosos e inteligência artificial, de tal modo que se expandem empregando número muito menor de trabalhadores.

É o que os americanos chamam de “jobless growth”, crescimento sem empregos. Há muitos anos se previa que isso poderia acontecer —e agora a previsão virou realidade. Diante desse cenário, como a humanidade vai reagir?

Rebeliões contra a mecanização ou a automação dos processos produtivos não são inéditas. Quando o arado passou a ser utilizado na agricultura e muitos trabalhadores perderam seus empregos, foi grande a oposição ao novo instrumento. Na Inglaterra do século 19, os ludistas destruíam os teares em sua revolta contra a substituição da mão de obra humana pelas máquinas. Nos Estados Unidos do século 20, Henry Ford foi considerado um grande inimigo dos manobristas de charretes.

A tecnologia, contudo, sempre venceu. Por um lado, pois aumentava a produtividade da economia como um todo; por outro, e não se pode ignorar este fator, porque só afetava empregos de baixa qualificação.

Aí está a diferença desta vez: agora os empregos de alta qualificação também são afetados —e muito. O mesmo robô que faz as vezes de advogado consegue ler mil tomografias por hora; os médicos que avaliaram seus diagnósticos e resultados concluíram que estavam certos em 99% das ocasiões. Ou seja, uma das profissões mais valorizadas e intelectualizadas hoje em dia está sob ameaça. Em suma, a classe média está saindo do paraíso.

Wolfgang Streeck entra fundo nesse tema em seu livro “How Will Capitalism End?” (como o capitalismo vai terminar?), editado pela Verso e lançado em 2016. Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.

Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.

Assim como foi chamado de mecanização o processo de substituição da mão de obra menos qualificada por máquinas, que se desenrolou no final do século 19 e durante praticamente todo o século 20, Streeck cunhou o termo “eletronização” para denominar essa nova fase, na qual computadores e robôs passam a ser dotados de competência para criar e desenvolver tarefas cognitivas simplificadas, além de tomar algumas decisões. No século 21, a eletronização deve afetar a maior parte das atividades profissionais.

A maior parte, mas não todas. Ao que tudo indica, algumas profissões nos extremos estão a salvo.

Estudos mostram que pessoas em funções no topo da pirâmide, que em geral demandam criatividade e capacidade de solucionar problemas, não têm o que temer. As máquinas ainda não conseguem desempenhar tais tarefas com a mesma eficácia. Estão nessa categoria certos ramos da engenharia e das ciências, por exemplo.

Algo semelhante se passa na outra ponta. Trabalhadores manuais sem qualificação nenhuma, como faxineiros ou pedreiros, tampouco serão afetados —não porque a tecnologia não os tenha alcançado, mas por não valer a pena economicamente.

Entre os extremos, as funções mais sujeitas a serem eliminadas são as que exigem repetição. Importa pouco que seja uma atividade fabril ou de serviços, que envolva operários ou profissionais liberais. A questão é: quanto mais rotineira for uma profissão, maior a chance de ela desaparecer —mesmo que demande algum brilho cognitivo.

Um dos livros mais importantes sobre o tema é “Rise of The Robots: Technology and Threat of a Jobless Future” (ascensão dos robôs: tecnologia e a ameaça de um futuro sem emprego), de 2015. Seu autor, Martin Ford, também sustenta que há uma grande diferença entre o que aconteceu no passado e o que vai acontecer agora.

Antigamente, diz Ford, quando um setor se modernizava e com isso eliminava empregos, restava ao trabalhador se mudar para outra atividade econômica. Hoje, contudo, esse caminho não é uma opção sempre válida, pois inúmeros setores estão se modernizando ao mesmo tempo. Ou seja, trata-se agora de fugir das atividades rotineiras e repetitivas e procurar abrigo naquelas que exijam habilidades (ainda) não dominadas pelos robôs.

Questões tributárias e regulatórias podem retardar a utilização desses equipamentos no Brasil, mas nem por isso os brasileiros deveriam estar menos preocupados. Na medida em que o avanço tecnológico e os ganhos de escala tornarem a produção de robôs mais barata, multinacionais tenderão a repensar suas estratégias. Se hoje companhias dos países mais desenvolvidos instalam-se em nações menos avançadas a fim de aproveitar a mão de obra barata, talvez em breve elas considerem mais vantajoso manter uma fábrica quase 100% automatizada em território americano ou europeu.

Muita gente acha que as empresas norte-americanas que operavam na Ásia e no México estão voltando aos Estados Unidos por causa dos pedidos de Donald Trump. Ledo engano. A nova tendência corporativa, que já vem sendo adotada por muitas multinacionais, beneficia-se dos avanços tecnológicos, aqui incluído também outro equipamento revolucionário —as chamadas impressoras 3D, ou impressoras aditivas. Com elas, tornou-se possível fabricar peças e componentes nos próprios locais onde eles são necessários.

Ou seja, um dos princípios básicos da globalização —o uso de cadeias de valores espalhadas pelo mundo— pode estar em xeque. Montadores de automóveis, por exemplo, recorrem à dispersão geográfica da produção, fabricando cada parte ou peça dos veículos na região ou país que ofereça as maiores vantagens competitivas. Isso deixará de existir. Graças às impressoras 3D, esses componentes poderão ser feitos onde se situa a matriz da empresa.

Não surpreende, assim, que toda essa parafernália tecnológica venha sendo chamada por muitos de indústria 4.0, ou que a renovação que ela possibilita seja classificada como a quarta Revolução Industrial. Robôs, inteligência artificial e impressoras 3D são apenas uma parte desse fenômeno, que inclui ainda a internet das coisas (IoT), a computação na nuvem, a nanotecnologia etc.

Todos esses avanços destinam-se a aumentar a produtividade das fábricas; nenhum leva em conta a possibilidade de preservar empregos.

Economistas têm procurado calcular o tamanho do impacto da revolução em curso. Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos e ex-presidente da Universidade Harvard, chama a atenção para uma grande diferença entre a automatização de agora e aquela promovida nos anos 1960 e 1970 (ele fez uma síntese interessante num painel de 2015, “The future of work”, o futuro do trabalho).

Naquelas décadas, a intensa modernização da maioria dos setores afetou 5% dos empregos. Desta vez, segundo cálculos de Summers, as novas tecnologias sacrificarão algo entre 15% e 20% dos postos de trabalho.

São estimavas modestas se comparadas com as dos economistas Michael Osborne e Carl Frey, ambos da Universidade Oxford, no Reino Unido. Em um célebre estudo de 2013, eles afirmaram que, até 2030, cerca de 45% dos empregos americanos poderão ser eliminados (“The future of employment: How susceptible are jobs to computerisation?”, o futuro do emprego: quão suscetíveis à informatização são os empregos?).

Uma das variáveis dessa equação é o espantoso barateamento dos preços de robôs, softwares de inteligência artificial e outros equipamentos de alta tecnologia. Há dez anos, muitos desses dispositivos eram impensáveis para companhias médias ou mesmo grandes; hoje, até pequenas empresas conseguem comprá-los.

Outra variável é a frustração das expectativas quanto à substituição dos empregos. Imaginava-se que a sociedade pós-industrial geraria ocupações em novos setores, sobretudo ligados à área de serviços, para absorver os trabalhadores deslocados da indústria. Essa perspectiva foi descartada; os equipamentos de ponta são mais utilizados justamente no setor de serviços, onde mais se estão eliminando funções.

Ao mesmo tempo, as ocupações criadas como decorrência dessas tecnologias são em quantidade diminuta. Estudo de 2017 feito no Canadá mostra que, na hipótese mais otimista, os novos empregos não chegam a 4% do total de postos de trabalho existentes naquele país (“Future Shock? – The Impact of Automation on Canada’s Labour Market”, choque futuro – o impacto da automação no mercado de trabalho do Canadá, de Matthias Oschinski e Rosalie Wyonch).

Sem contar que é praticamente impossível prever hoje quais empregos vão surgir nos próximos 40 anos. Para exemplificar, Joel Mokyr, um renomado professor de história da economia na Universidade Northwestern (EUA), afirmou em entrevista à revista The Economist que há 40 anos ninguém teria adivinhado que profissões como projetista de videogame ou especialista em cybersegurança seriam importantes.

Mas uma coisa é certa: é muito pequena a probabilidade de que surjam novas atividades e profissões nas quais a presença de seres humanos seja imprescindível. Robôs e equipamentos de automação mostram-se cada vez mais sofisticados, aptos a desempenhar mais e mais funções. Ou seja, não se deve apostar que a criação de postos de trabalho não previstos poderá resolver o problema do desemprego.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem 194 milhões de pessoas desempregadas no mundo, quase um Brasil inteiro. O que poderá acontecer com as taxas de desemprego nos próximos anos? Como a tendência implicada pela automação é certa e irreversível, a geração de empregos vai cair. Não se sabe para qual patamar, mas será uma situação dramática —e a sociedade precisa agir.

A situação embute um paradoxo. Por um lado, a solução deveria envolver as grandes empresas, principalmente as que mais estão se beneficiando das novas tecnologias. Assim como questões de ética concorrencial e proteção do meio ambiente, a preservação de postos de trabalho precisa entrar na pauta da responsabilidade social corporativa. Além disso, se, por hipótese, todas as companhias dispensarem seus empregados ou a maior parte deles, não haverá mercado consumidor.

Por outro, essas companhias não podem abrir mão da automação; ganhar produtividade é crucial para quem quer se manter vivo num mercado competitivo. Como consequência, investem em robôs, inteligência artificial, drones etc., contribuindo para o desemprego.

Uma das maiores dificuldades está na própria teoria econômica, que ainda não avançou o suficiente para perceber que nem sempre o mercado resolve tudo: se deixarmos para o mercado, vamos assistir ao crescimento cada vez maior das empresas gigantes, o que significará menos emprego e menos consumidores.

Por que as empresas gigantes? Porque só vence uma competição acirradíssima quem tem capacidade de fazer investimentos em robôs cada vez mais poderosos. Com isso, as já muito grandes se tornam ainda mais produtivas e acabam adquirindo ou eliminando concorrentes menores, num processo de oligopolização em curso nos mais diversos setores, mas sobretudo onde há maior demanda por tecnologia de ponta.

O problema vem sendo pensado e discutido à exaustão em alguns países, com destaque para Alemanha, França e Itália. A recomendação mais importante é a de que haja redução na jornada de trabalho. Na França e na Itália, a jornada semanal já é de 34 horas, contra 40 no Brasil.

Embora a medida tenha sido bem-sucedida no início, ainda nas décadas de 1980 e 1990, após alguns anos se percebe que ela só será efetiva se for adotada por todos países. É que, com as facilidades da globalização —e com as novas possibilidades oferecidas pelas tecnologias de ponta—, as empresas que querem aumentar sua produtividade simplesmente evitam lugares onde a jornada de trabalhado tenha sido reduzida.

De qualquer forma, a própria OIT prioriza essa iniciativa, e a frase “trabalhar menos para que todos trabalhem” virou um lema muito utilizado na Europa.

Outra medida bastante polêmica vem sendo alardeada por sindicatos britânicos: eles defendem uma atuação conjunta de governos, empresários e organizações de trabalhadores para estabelecer um imposto sobre ganhos de produtividade decorrentes do uso de robôs ou outras tecnologias de automação.

A alíquota do tributo seria diferenciada por segmentos da economia. Assim, sobre o setor bancário, incidiria uma taxa maior do que sobre a construção civil, pois neste último os impactos da automação são menores. Esses impostos, além disso, teriam destinação específica, qual seja, a criação de empregos públicos nas áreas de educação e saúde.

Como sempre, os países mais avançados nessa discussão são os escandinavos. Por lá, predomina a ideia de introduzir um programa de renda mínima nacional. Todo cidadão receberia um valor mensal que lhe garantiria a subsistência, independentemente de ele estar ou não trabalhando. O pressuposto por traz desse tipo de ação é que o desemprego vai crescer de forma assustadora nos próximos anos e toda a sociedade precisa estar protegida.

Nesse debate, há ainda a considerar as questões filosóficas suscitadas pelas novas tecnologias. Computadores e robôs sabem ler textos e fazer cálculos há bastante tempo, mas só recentemente passaram a enxergar, ouvir e falar. Devido ao avanço da inteligência artificial, também passaram a ter… inteligência. A humanidade deveria se preocupar com esse fato, na linha do que sugerem filmes como “O Exterminador do Futuro” e “Matrix”?

Existem diversos grupos de cientistas, futurólogos e filósofos que especulam cenários apocalípticos. Vernor Vinge é um deles. Respeitado professor de matemática e computação da Universidade de San Diego na Califórnia, escreveu livros de ficção sobre a era em que os computadores e robôs serão equivalentes aos seres humanos —como “The Children of The Sky” (as crianças do céu) e “Rainbows End” (o fim do arco-íris). Para ele, isso deve começar a acontecer em menos de 15 anos e será a maior mudança no planeta após o surgimento da vida humana.

O recém-falecido cientista Stephen Hawking era um dos estudiosos da inteligência artificial que mais se preocupavam com as consequências negativas dessa tecnologia. Ele chegou a antever o fim da raça humana como decorrência do poder incontrolável que as máquinas passarão a deter.

A mesma posição vem sendo manifestada pelo visionário Elon Musk, fundador da Tesla (uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo) e da SpaceX, empresa que pretende pôr um homem em Marte nos próximos dez anos. Musk defende a criação de uma espécie de órgão regulador com a função de prevenir situações futuras em que equipamentos dotados de inteligência artificial poderiam ameaçar a sobrevivência de humanos.

Quanto a isso, assim como em relação à ameaça do crescimento sem empregos, a situação também termina em paradoxo. Uma empresa ou um país que resolver frear o desenvolvimento tecnológico para evitar uma catástrofe —tanto quanto para evitar a extinção de postos de trabalho— acabará perdendo competitividade nacional e internacional.

Como consequência, essa empresa ou esse país se verá às voltas com o desemprego (fruto da diminuição da fatia de mercado decorrente da menor competitividade) e não terá interrompido a escalada tecnológica de outras empresas ou outros países.

Apesar de todos estes aspectos assustadores, o que há de pior para um país é não discutir o assunto. E é justamente isso o que acontece no Brasil, mesmo neste ano eleitoral.

Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP,

Professor visitante da Pécs University (Hungria) e autor do livro “Robô: Ruim com ele, pior sem ele”.

Obsessão espiritual e desajustes emocionais na sociedade contemporânea

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A sociedade contemporânea nos impõe inúmeros desafios e oportunidades, dentre eles destacamos a influência de espíritos descritos popularmente como obsessores que, buscam constantemente, desviar as pessoas de sua vida normal, gerando constrangimentos variados e desestruturando sua caminhada, seus projetos, seus comportamentos, seus hábitos e costumes do cotidiano.

Todos estamos sujeitos a algum tipo de influência destes irmãos sofredores, uns os atraem com mais facilidades enquanto outros conseguem se estruturar e dificultam a chegada destes espíritos mas, no cotidiano, todos estamos em condições destes ataques feitos por irmãos que, por um ou por outro motivo, querem nos causar graves distúrbios ou constrangimentos, sendo que a influência de alguns pode levar o indivíduo a cometer crimes dos mais terríveis possível, alguns chegam ao suicídio, que se intensificam com grande rapidez na sociedade.

Muitas são as causas destes desequilíbrios em uma sociedade em forte transformação, a competição crescente em todas as regiões do mundo, a busca por emprego e colocação profissional além de capacitações e qualificações constantes acabam gerando, nas pessoas, vários eixos de desajustes emocionais, além disso, podemos citar as decepções amorosas e os relacionamentos frustrados que destroem sentimentos e levam pessoas as depressões e crises emocionais, com graves constrangimentos na vida material e no mundo espiritual.

Gostaria de destacar, que temos três tipos de obsessão segundo a lógica espírita: as de encarnados para encarnados, as de desencarnados para desencarnados e as de encarnados para desencarnados, todas elas geram graves constrangimentos aos atores envolvidos neste processo, acumulando traumas, dores e desequilíbrios generalizados, neste artigo vamos enfatizar a última, a de encarnados para desencarnados ou vice versa.

Outro ponto que devemos destacar é que, segundo a Doutrina dos Espíritos, no Livro dos Médiuns (capítulo XXIII) podemos dividir os processos obsessivos em: obsessão simples, fascinação, subjugação e possessão. Na obsessão simples, o obsediado tem consciência da interferência de um espírito enganador, e este, por sua vez, não se disfarça, não esconde suas intenções e desejos. Na fascinação, as consequências são mais graves, é uma influência, sutil e pertinaz, traiçoeira e quase imperceptível, que Espíritos vingativos exercem sobre os indivíduos.  A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, controlando a vontade e o levando a tomar decisões absurdas e comprometedoras.  A última delas é a possessão, nela acontece a imantação do espírito a determinada pessoa, dominando-a física ou moralmente.

Vivemos em uma sociedade doente, todas as estruturas estão degradadas e em fortes transformações, as pessoas vivem correndo atrás de trabalhos e ocupações no cotidiano, se matam para ganhar mais dinheiro e melhorar sua posição social, nesta luta constante do cotidiano acabam destruindo sua saúde física e precisam gastar tudo que conquistaram para reencontrar com a saúde, além disso, esta correria acaba gerando fortes desequilíbrios emocionais, segundo estudiosos temos hoje, na sociedade contemporânea, mais de 350 milhões de pessoas sofrendo com as dores da depressão, o número pode ser maior e mais perigoso, destacamos ainda o incremento assustador dos suicídios, morrem hoje no mundo uma pessoa a cada 40 segundos vitimadas pelo suicídio, gerando desajustes, preocupações e desesperanças generalizadas, o mundo sofre de problemas patológicos terríveis, são as contradições do capitalismo contemporâneo, de um lado as riquezas crescem de forma acelerada e de outra, a pobreza, a miséria e a indigência aumentam de uma forma jamais vista na sociedade.

Uma das marcas da Doutrina Espírita é o estudo sistemático da obsessão, que pode ser descrita como um processo em que uma pessoa influencia outra, muitas vezes levando-o a fazer coisas que, muitas vezes, não faria se estivesse em condições normais. O estudo nos leva a compreender muitos dos motivos que levam pessoas a tentar prejudicar outros indivíduos via obsessão, neste terreno encontramos espíritos que se refugiam na imaterialidade para prejudicar seus inimigos ou adversários, usando métodos reprováveis para causar constrangimentos aos encarnados, atrapalhando, gerando discórdia, violência e  desagregação.

Destacamos ainda, espíritos que, no mundo espiritual, são destacados para obsediar pessoas que nunca viram, são espíritos infelizes que “ganham a vida” destruindo outros que nem conhecem, fazem isto em troca de ganhos imateriais e para desfrutar de prazeres sensoriais, gerando uma leva de pessoas que se prestam a este tipo de serviço em troca de benesses e prazeres imaginários.

A Doutrina Espírita nos mostra que estes irmãos que se comprazem com a obsessão devem ser descritos como irmãos necessitados, precisam de auxílio, de esclarecimento, gastam seu tempo com atividades desnecessárias e sentem prazer com gestos ou atitudes depreciativas, para auxiliá-los fazem-se necessário um misto de oração, conversa e conscientização.

Nas reuniões mediúnicas temos a oportunidade de conversar com estes irmãos, descobrir os motivos que os levam a tomar esta atitude insana, entender sua história, seus sentimentos e desejos, nesta conversa conseguimos mostrar a estes irmãos como a vingança, o ódio e o ressentimento desgastam os relacionamentos e geram vínculos cada vez maiores entre obsessor e obsidiado.

Muitas das conversas são marcadas por palavras rudes e agressivas, estes irmãos percebem suas dificuldades e limitações e passam a atacar verbalmente, blasfemar e ameaçar, criando sérios constrangimentos para todos os integrantes da conversação, tentam mostrar que são poderosos, mas se esquecem que o poder emana de Deus, somente ele pode nos proteger e nos dar o auxílio, todos que trabalham para Jesus e se comportam a contento recebem a proteção dos trabalhadores da seara do bem.

Encontramos nestas reuniões irmãos sofredores que, muitas vezes, querem deixar este mundo de vinganças e ressentimentos, são espíritos infelizes que querem largar os trabalhos de obsessão mas não sabem como devem se comportar, tem medo de seus algozes, sentem-se inseguros e, com isso, continuam a obsediar e aumentam sua dependência, criando uma dependência daqueles que os pagam para fazer o trabalho sujo, mal sabem eles que num determinado momento serão obrigados a responder por isso pois as leis são inexoráveis e implacáveis.

A Doutrina Espírita nos mostra que, durante muitos anos, uma grande quantidade de pessoas sofreram traumas e sofrimentos generalizados, muitos foram internados em manicômio, foram torturados, sofreram até sessões de choques elétricos que acabaram gerando os mais intensos constrangimentos físicos e espirituais, o conhecimento das questões espirituais nos descortina um novo mundo e uma nova sociedade, abrindo espaços para novos estudos, desafios e oportunidades.

Os trabalhos mediúnicos são instrumentos centrais e fundamentais para diminuir os desajustes criados pelos irmãos obsessores, este encontro nos ajuda a conversar com estes irmãos que são trazidos para as reuniões pelos amigos espirituais, que se desdobram para nos auxiliar e nos proteger dos ataques e embates com os irmãos obsessores, a diminuição deste espaço gera graves constrangimentos para a comunidade, pois os obsessores conseguem gerar desequilíbrios constantes em várias famílias, levando pessoas variadas ao suicídio ou ao manicômio, passando por humilhações imensas além de serem “tratados” como loucos e desequilibrados.

Outro ponto a se destacar é que, em séculos passados, muitos eram os relatos de pessoas que viviam em sítios e fazendas no meio rural, que viam imagens esquisitas, vultos e espíritos, além de ouvirem vozes e chamamentos estranhos, gerando medos e intensas preocupações, eram espíritos querendo se comunicar, muitos deles assustados com os fenômenos que sentiam e buscavam explicações de encarnados, o surgimento dos Centros Espíritas contribuiu para que estes irmãos desencarnados buscassem o apoio necessário nas reuniões mediúnicas, sendo esclarecidos e conscientizados de sua condição no mundo espiritual.

Os irmãos obsessores são mestres nos trabalhos de perseguição, atuam com tanta competência que se aproximam das pessoas que querem obsediar, estudam os comportamentos, os hábitos e os costumes destas pessoas, tudo com o intuito de descobrir os pontos de desequilíbrios e fragilidades, tanto os morais como os emocionais, diante disso, atuam para desequilibrar e muitos deles até se esforçam para levá-los à morte, depois disso, os tornam escravos, humilhando-os, maltratando-os e os agredindo constantemente.

Todos temos momentos de desequilíbrios no cotidiano, histórias de vida com complicações, mágoas e rancores em relacionamentos anteriores, traumas e complexos variados, medos e ressentimentos, diante disso, faz-se fundamental um reequilíbrio constante de atitudes e comportamentos, o estudo crítico e reflexivo de nossos desequilíbrios emocionais e espirituais, e uma busca intensa por melhorias significativas nos ajudam a criar uma proteção contra os ataques de espíritos infelizes, ou melhor, de espíritos que no momento se comprazem com a maldade, com o desajuste e com os prazeres materiais do cotidiano, mas que num futuro se conscientizaram de suas atitudes e vão se estruturar para angariar melhorias espirituais significativas.

É importante destacar ainda, que os obsessores só atuam porque conseguem espaço para atuação, se as pessoas conseguissem compreender suas dificuldades e suas dores mais íntimas e lutassem intensamente para reverter tais dificuldades, não abririam campo de atuação para os obsessores, somos totalmente ativos no momento da obsessão, não existem vítimas nesta história, somos todos culpados pelas dificuldades que vivenciamos no dia a dia, nossas atitudes geram a atração ou a repulsa destes irmãos obsessores, vigilância constante e transformação interior são os instrumentos mais efetivos de defesa e proteção contra a atuação destes irmãos.

As casas espíritas na maioria das vezes pouco se dedicam aos trabalhos mediúnicos, a maioria das casas se dedicam aos estudos, aos passes e as palestras públicas, os médiuns de incorporação, muitas vezes, relutam em trabalhar em sessões mediúnicas, alegando que muitos espíritos causam severos constrangimentos no momento da comunicação, escolhem o púlpito e as palestras, os estudos e os passes e se esquecem de atuar mais diretamente na mediunidade ostensiva, nas comunicações diretas e nas conversações do cotidiano com estes irmãos sofredores.

Outro ponto a se destacar é que o Espiritismo é reencarnacionista, estamos em constantes mudanças de planos espirituais, um momento estamos encarnados e no outro estamos vinculados ao mundo espiritual, desta forma podemos compreender que o auxílio é fundamental, hoje estamos auxiliando nossos irmãos desencarnados e depois seremos atendidos e auxiliados por outros irmãos em condições melhores, o intercâmbio é fundamental, a troca de experiência é rica e enriquece a vida de todos, a reencarnação nos mostra que todos estamos em constante evolução, o auxílio mútuo é uma lei verdadeira e universal.

Quando a Doutrina Espírita nos informa que devemos manter uma vida de responsabilidade e respeito para com todas as pessoas e semelhantes, enfatizando que devemos evitar mágoas, rancores e constrangimentos no cotidiano, e que o melhor a fazer é nos confraternizar com todos, indistintamente, não acumular mágoas, não criar constrangimentos e perseguições futuras, pois sabemos que o mundo não termina neste mundo físico, e que nos reencontraremos muito brevemente.

A obsessão é um fenômeno complexo e extremamente atual, todos somos vítimas potenciais deste flagelo que destrói os indivíduos, as famílias e geram desequilíbrios intensos e generalizados, a grande maioria das pessoas desconhece a existência da vida após a morte, muitos acreditam que a morte nos levará a uma condição de sono eterno aguardando o juízo final, desconhecem a existência do mundo espiritual e das verdadeiras leis que embalam o mundo, estas leis são perfeitas e estamos todos vinculados a elas,  fugir delas é impossível, estudá-las e compreendê-las é tarefa fundamental para cada pessoa que, quando desencarnar, não gostaria de ter nenhuma surpresa assustadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As várias encruzilhadas de uma sociedade em constantes transformações

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Nossos últimos anos foram de grande apreensão, medos e escândalos políticos, com seus impactos econômicos gerando uma sociedade apática, assustada e, cada vez mais descontentes, com os rumos que o país está tomando e as perspectivas para os próximos anos, enquanto a sociedade mundial se prepara para mais uma crise econômica e financeira com resultados preocupantes e assustadores para os países da periferia, o Brasil ainda se encontra num turbilhão de mediocridade que nos gera uma desesperança intensa e contagiante.

Neste momento de campanha eleitorais, encontramos candidatos cheios de “boas intenções” fazendo discursos acalorados e sendo cortejados por variados setores da sociedade, desde industriais passando por sindicatos, encontramos inúmeros militares querendo comandar os rumos políticos do país, ambientalistas temerosos de uma crise ecológica, empresários descritos como esclarecidos, sindicalistas assustados com as mudanças no mundo do trabalho, intelectuais gastando seus recursos para tentar compreender para onde o país está se dirigindo e quais as perspectivas para os próximos anos.

O país vive um momento de grandes medos, as eleições se aproximam e todos sabemos da importância do voto embora, uma parcela relevante da população preferisse abrir mão de votar, pois acredita que seu voto não vai alterar nada nas condições de um país que vive mergulhado em uma situação econômica letárgica, onde as classes mais favorecidas lucram valores absurdos com a exploração da dívida pública e os mais pobres vegetam na indigência, na mendicância e na obscuridade, uma situação próxima do caos generalizado.

Os grupos empresariais, cansados de financiar a classe politica optam por uma nova estratégia e se embrenham de cara na eleição como candidatos a cargos públicos, os setores mais tradicionais da classe política se voltam para conseguir sua reeleição, continuando como representantes dos grupos sociais que sempre  representaram e ampliando suas bases de poder em suas comunidades, enquanto isso, as camadas mais pobres se voltam para seus problemas cotidianos, tais com: trabalho, contas, estudos, violências, instabilidades, medos e religião.

Vivemos uma fase de apreensão com a modernidade contemporânea, os modelos de família tradicional estão sendo destruídos e os indivíduos se assustam com a nova configuração nascente, em vez do modelo anterior encontramos variadas formas de família, com seus desafios, oportunidades e novas configurações, as mulheres ganhando mais importância e se empoderando e os homens diminuindo sua importância, perdendo status quo e centralidade, as famílias patriarcais perdem espaço para um novo modelo, mais democrático, dinâmico e condizente com a situação atual do mundo.

Diante destes desafios, esperamos a construção de uma sociedade mais aberta e dinâmica, onde os desajustes se reduzam e as oportunidades entre os indivíduos aumentem, abrindo novas chances para todos aqueles que almejarem novas carreiras e são dotados de grandes talentos como atores, dançarinos, escritores e atletas, além de novas oportunidades para todos aqueles que sonham com as carreiras tradicionais, como médicos, professores, advogados, economistas, engenheiros, agrônomos e administradores.

A educação deve acompanhar esta mudança, o mundo da tecnologia prescinde de pessoas que entendam de máquinas, equipamentos e novas tecnologias mas precisam ainda de homens e mulheres que saibam dominar os conhecimentos mais íntimos que trazemos dentro de nossa intimidade, se nos dedicarmos apenas ao mundo digital vamos, cada vez mais, nos tornarmos seres frios, calculistas, dotados de grandes conhecimentos em algoritmos, de cálculos e finanças e vamos nos perder nos sentimentos, na ansiedade, nos medos, na obesidade, na depressão e na desesperança generalizada.

A sociedade moderna precisa construir indivíduos mais equilibrados, mas para isso, precisamos falar de valores para nossas crianças, estamos deixando a televisão educar nossas filhos e estamos nos esquecendo de nossos deveres enquanto pais, sabemos que este desafio, na sociedade contemporânea, é bastante complexo e desafiador, mas só vamos conseguir construir uma nova sociedade se nos debruçarmos na construção de um homem novo, mais sensível, mais equilibrado, mais decente e honesto com relação a seus sentimentos e consciente de suas responsabilidades imediatas.

No Brasil atual estamos mergulhados em um imediatismo assustador, nossos projetos estão sempre sendo reduzidos ao agora, a educação se baseia em ideais utilitaristas, as profissões exigem dos profissionais formação complexa e integral, se recusando ao treinamento e a maturação do tempo, querem um profissional pronto e disponível durante as 24 horas por dia para o trabalho e o pior, querem que estes aceitam uma baixa remuneração e com poucas perspectivas de ascensão dentro da empresa ou organização.

As empresas brasileiras reclamam do governo, reclamam da classe política, se acreditam ética e moralmente responsáveis, sonegam impostos, fazem pagamentos suspeitos, corrompem fornecedores e, mesmo assim, acreditam ter uma forma de sucesso para tirar o país da crise, julgam necessário um pulso maior dos governantes, alguns defendem o retorno dos militares ao poder, como muitos fizeram nos anos sessenta e depois se assustaram com o monstro que criaram, o país se perde em pensamentos imediatistas e sonhos ridículos, um curso intensivo de história do país poderia auxiliar muitas pessoas a entenderem melhor nossa nação, nossos desafios, nossas heranças e as nossas perspectivas, somos um país novo, marcado por privilégios de poucos grupos sociais, adoramos louvar o que vem de foram e nos esquecemos de compreender a riqueza que temos em nosso interior, somos uma sociedade bastante paradoxal, somos ricos, complexos e bastante interessantes, mesmo tendo graves problemas e contradições fundamentais.

Somos descritos, por muitos, como um povo pacato e ordeiro, um país de veia empreendedora, os executivos e os jornalistas internacionais quando aqui residem se encantam com as facetas inovadoras da sociedade e dos trabalhadores, somos um povo criativo e com espírito empreendedor, embora tenhamos alguns traços obscuros que não queremos demonstrar em público, somos agressivos e nos odiamos em muitos momentos, em períodos de fúria nos matamos e lutamos defendendo ideias, teses e pensamentos conservadores, pouco respeitamos as minorias e adoramos retratá-los de forma depreciativa, somos um país paradoxal, nada temos de santinhos e muitos temos de diabinhos, somos na verdade seres humanos longe da perfeição que um dia almejamos ser.

Neste momento de indefinição, muitos acreditam que um salvador está a caminho, como filhos de portugueses estamos eternamente esperando Dom Sebastião, embora nosso futuro líder tenha se ausentado no final do século XVI, acreditamos que muito brevemente ele deve retornar para salvar o país da destruição em curso, se acreditamos em salvadores da pátria devemos esperar sentados, porque se ficarmos em pé vamos ter problemas físicos generalizados.

Nossas escolhas em outubro tendem a definir quais os rumos que queremos para nosso país, se estamos querendo abrir mão da liberdade acreditando que precisamos mesmo de segurança e pulso firme devemos pegar um caminho que se desnuda muito claramente, a grande indagação é saber, se estes que prometem uma sociedade mais segura tem mesmo a condição necessária de nos entregar o que nos propõem nas eleições, esta é uma pergunta que deve ser feita por todos nós antes de votarmos nas próximas eleições.

Outros propõem medidas mais suaves e reformas mais tranquilas, acreditam ou dizem acreditar, que precisamos de reforma na estrutura da sociedade, as chamadas reformas estruturais, e estas serão feitas ao seu tempo, nada de forma radical e no afogadilho, onde todos os grupos serão chamados a dar suas contribuições, uns mais do que outros, mas todos serão abordados e terão a oportunidade de colaborar, a grande pergunta que fica é: porque que, quando este grupo estava no poder não fizeram estas mudanças e, ao contrário, porque estando no poder se venderam aos grandes grupos econômicos do país em troca de uma governabilidade que levou a economia do país a ruína, com graves reflexos sobre as condições sociais da população.

Temos outros que se dizem modernos e trazem para a campanha os vermes mais antigos e traiçoeiros da política tradicional, pessoas acostumadas ao poder que fazem da política uma atividade profissional, se locupletando dos recursos e do poder do Estado, será que estes grupos terão condições de fazer as reformas que pregam se estão aliados e trazem a tiracolo o que há de mais atrasado, corrupto e mesquinho da política tradicional?

Neste ambiente encontramos mais dúvidas e preocupações, nossas capacidades de escolhas são limitadas, os candidatos que se colocam não representam os anseios da sociedade, as mudanças propaladas pela globalização e pelas novas configurações de poder da sociedade atual, está distante de chegar a política local, pouco renovamos da classe política e pagamos um alto preço por esta incapacidade de atrair pessoas capacitadas e honestas para este ambiente, a renovação tanto pedida nos parece distante e acreditamos que todo o sistema foi construído para não ter esta renovação, muito pelo contrário, este modelo foi construído para ter a perpetuação dos mesmos grupos dominantes, todos os novos que teimam em entrar são dissuadidos a abandonar ou são atraídos para este ambiente de pobreza moral e interesses mesquinhos, onde poucos dominam os rumos da sociedade, que aceitam sem reclamar e pouco compreendem sua força e importância estratégicas.

Os debates são momentos interessantes e oportunos para escolher seus candidatos para cargos do executivo, embora saibamos que muitas coisas são feitas para alavancar algumas candidaturas, o melhor dos instrumentos em momentos de eleição e propagandas políticas é o estudo sistemático da vida, das obras, das votações, das falas e dos pensamentos de seu escolhido, somente assim podemos nos desiludir menos no momento atual, sempre tendo a convicção de que o salvador da pátria não existe, nosso voto não vai mudar o país individualmente mas vai nos levar a conhecer um pouco mais os meandros da política, suas falhas e omissões mas, acima de tudo entender que, apesar dos equívocos da política, ela é uma das formas mais claras e clássicas de fazermos o bem e auxiliarmos os grupos menos favorecidos e os setores que vivem privações primárias.

Depois de uma eleição presidencial marcada por achaques, estelionatos e mentiras generalizadas, onde a ganhadora deixou de lado seu programa econômico e passou a adotar o discurso de seu maior rival, onde a presidente e candidata a reeleição faz um discurso de que a situação do país era favorável, enquanto todos os comentaristas econômicos destacavam um ambiente bastante diferente que a leva, ao se reeleger, a adotar de uma política fortemente restritiva, marcada por um ajuste fiscal rigoroso que conta com a nomeação de um economista liberal para o Ministério da Fazenda, tudo isto leva a política brasileira a perder sua credibilidade, onde as classes sociais, principalmente as mais frágeis financeiramente, são as mais afetadas e sentem na pele os custos do ajuste, aumentando o desemprego e reduzindo a renda, depauperando os grupos que anteriormente tinha acumulado ganhos econômicos consistentes.

São vários os desafios em curso na sociedade brasileira, alguns antigos que como não foram equacionados, se tornam cada vez mais prementes e exigem uma política consertada entre os grupos econômicos e políticos dominantes e outros desafios, mais modernos e que exigem uma nova consciência da sociedade e das classes políticas, estes nos parecem maiores, isto porque os grupos que dominam o Estado sabem que, ao encarar estes desafios estará abrindo espaços para o surgimentos de novos grupos sociais que, muitas vezes vão disputar a hegemonia social nos próximos anos, o Brasil tem, diante de si, obstáculos e desafios que podem definir os rumos de sua sociedade no século XXI, desafios imensos e fortemente complexos para uma sociedade que ainda não conseguiu se transformar, efetivamente, em uma sociedade sofisticada e emancipadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“A doença do Brasil é o ódio de classe”

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Jessé Souza, Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e professor da UFABC, Jessé Souza, 58 anos, é um dos mais polêmicos intelectuais brasileiros da atualidade.

Seu último livro, “A Elite do Atraso — da escravidão à Lava Jato” (Editora Leya), tem se mantido no topo das listas dos mais vendidos há oito meses. Nele, o autor defende que o problema principal do Brasil não é a corrupção no Estado, mas a desigualdade, herança direta da escravidão.

O livro é também uma resposta crítica ao clássico “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, e ao conceito de homem cordial — o brasileiro patrimonialista que não vê distinção entre o público e o privado.

Para Souza, o patrimonialismo é um problema secundário. “Mais de 50% dos brasileiros exercem atividades semi-qualificadas. E essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram”, disse Souza nesta entrevista à ISTOÉ.

Depois de relançar “Subcidadania Brasileira: para entender o País além do jeitinho brasileiro”, de 2003, o autor agora se debruça sobre os conflitos e privilégios da classe média, tema de seu próximo livro, “O espelho da classe média brasileira” (Editora Sextante), previsto para outubro.

Por Vicente Vilardaga – 17/08/2018

O Brasil vive hoje uma crise profunda. Ela tem uma causa específica?

A característica dessa crise tem a ver com o fato de o Brasil até hoje não ter conseguido incluir a maior parte da sua população nas benesses do mundo moderno. O problema é a desigualdade. Obviamente esse é o grande ponto. E tem uma mentira aí: a que diz que a grande questão que impede que o Brasil seja uma nação desenvolvida e rica, como as nações europeias ou a norte-americana, é a corrupção do Estado. Essa é a principal mentira. Isso foi construído por ideias, por intelectuais, aqui em São Paulo, desde a década de 1930, quando a elite local ficou sem o poder político. Essa elite já era a mais forte, era proprietária das indústrias, das fazendas de café — a semente do que hoje seria o agronegócio. Sem poder político, essa elite precisava criminalizar e estigmatizar o Estado, sobre o qual havia perdido o controle.

Mas o brasileiro não é, de um modo geral, patrimonialista, sempre misturando o público e o privado?

É claro que essa história de patrimonialismo tem um grão de verdade. O grão de verdade é que se rouba no Estado também, ainda que este roubo seja a gorjeta dos donos do mercado. Mas todo o resto é mentira e essas abstrações jurídicas do privado e do público não explicam coisa alguma. A gente está montando uma concepção vira-lata sobre o nosso próprio povo, agindo contra nós mesmos. Olha como nossos políticos são corruptos, então vamos logo entregar a Petrobras de mão beijada para as petroleiras europeias e americanas porque os estrangeiros são honestos. Basicamente a coisa funciona assim.

Então a corrupção não é nosso problema principal?

A corrupção no Estado nunca foi o nosso problema principal. É claro que existe, é claro que se rouba no Estado. Mas se você compara a merreca que a Lava-Jato diz ter recuperado para os cofres públicos com o que realmente se rouba no mercado, é ridículo. Cinco anos passando um scanner na corrupção da Petrobras e você recupera menos do que a empresa pagou de multa para os americanos. As isenções fiscais para latifundiários somam dezenas de bilhões todos os anos. Para os bancos ainda mais. Sem contar a dívida pública, Selic etc. A corrupção feita pela elite de proprietários, pelo agronegócio e pelos bancos e grandes empresas é mil vezes maior, é um milhão de vezes maior do que o roubo do aviãozinho do tráfico, que é como eu chamo o roubo do político.

“A elite do atraso” afirma que a Lava Jato é um embuste. Por quê?

Embuste total. Porque ela serve exatamente para esse tipo de coisa, para denunciar esse roubo da política para tornar invisível o grande assalto do mercado e dos bancos. Por exemplo, quando o Palocci quis falar dos crimes do mercado financeiro, isso não interessa, não interessa ao mercado.Mas os crimes do mercado financeiro são os mais importantes. Isso explica que os bancos tenham os maiores lucros de sua história, com um juro de 6,5% ao ano e o país na maior miséria.

Existe a ideia de que o país sairá melhor da Lava Jato, com uma diminuição da corrupção sistêmica.

Eu não vejo nenhum aspecto positivo na Lava Jato. Inclusive, a maior parte das pessoas, mesmo de esquerda, via de modo ambivalente a Lava Jato, achava que aquilo poderia ter algum aspecto positivo, até porque a esquerda também é dominada por essa coisa do patrimonialismo. Eu não concordo. A corrupção sistêmica está no mercado financeiro.

A esquerda perdeu o atributo da honestidade?

Eu vejo de outro modo. Eu acho que o monopólio da honestidade ninguém tem. É um negócio absurdo achar que porque é de esquerda você tem o monopólio da virtude. Esse é um negócio idiota. O problema é que o tema da corrupção entre nós e agora na América Latina vira uma histeria. A Alemanha ou os Estados Unidos combatem a corrupção de modo cotidiano, sóbrio, é um crime como outro qualquer.

A escravidão persiste no Brasil?

Ela persiste de novas formas. Ela persiste no sentido de que você tem aqui uma multidão, mais de 50% da população brasileira, exercendo atividade semiqualificada. É trabalho manual, é trabalho sem grande incorporação de conhecimento, exatamente como o trabalho escravo. Essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram. Você pode matar um pobre no Brasil, que não acontece nada. A polícia mata com requintes de crueldade e ninguém se comove porque os pobres são percebidos de modo desumanizado, como os escravos eram. A escravidão perpassa o núcleo da sociedade brasileira. E boa parte da classe média tem preconceitos de senhor de escravo e da elite com relação a esse povo. O que eu tento mostrar é como essa escravidão se torna a base e o centro de tudo que a gente está vivendo hoje. Nós somos filhos da escravidão, isso nunca foi percebido. É como se fosse uma coisa que aconteceu há muito tempo e não tenha mais nada a ver hoje. É o contrário. A escravidão continua. Para mim, essa desigualdade doente de hoje vem da escravidão.

A desigualdade é que cria o subcidadão brasileiro?

O Brasil é um país doente, patologicamente doente pelo ódio de classe. Isso é o mais característico do Brasil: o ódio patológico ao pobre. É a doença que nós temos. A gente nunca assumiu a autocrítica de que somos filhos da escravidão, com todas as doenças que a escravidão traz: a desigualdade, a humilhação, o prazer sádico na humilhação diante dos mais frágeis, o esquecimento e o abandono da maior parte da população. Esse é o grande problema brasileiro. O resto é bobagem.

O complexo de vira-lata é uma dessas bobagens?

Essa história de vira-lata está ligada ao tema da corrupção como sendo a questão mais importante, obviamente. Quem é o vira-lata? É o brasileiro que supostamente herda de Portugal o “vírus cultural” da corrupção, como se fosse uma singularidade nossa e que se imagina, portanto, como inferior em relação aos europeus e americanos tidos como “honestos”. Esse é o “vira-latismo” brasileiro montado pela elite e pelos intelectuais cooptados por ela. Foi dito aos brasileiros que eles são marcados desde o berço pela corrupção. Imagina uma loucura dessas. Claro que você ouviu isso desde os cinco anos na escola, o seu pai contou isso e aí você acredita nessa bobagem. Isso tem a ver com o tema da corrupção só no Estado, claro. Para você montar esse tema da corrupção e aí criminalizar o Estado e a política, quando interessar ao mercado e seus donos. Esse é o ponto. É para isso que a história de vira-lata serve.

E qual é a posição da classe média nessa história?

A classe média é a classe do privilégio. Qual é o privilégio da classe média? O capitalismo tem dois grandes capitais. O dinheiro, obviamente, o capital econômico. E o conhecimento. Não tem nada no capitalismo que se faça sem conhecimento, tão importante como o dinheiro. A produtividade do capitalismo depende do conhecimento, da ciência, da tecnologia. Para exercer qualquer função no Estado ou no mercado você precisa ter conhecimento incorporado. O que explicita a gênese da desigualdade é a reprodução de privilégios, desde a família. A reprodução de privilégios que é feita na classe alta, ou seja, na elite de proprietários, é a reprodução da sua propriedade por amizades, casamentos e relações pessoais. Na classe média você reproduz outro privilégio, que é o conhecimento valorizado, mais invisível que o dinheiro, o qual exige disciplina, capacidade de concentração e pensamento abstrato, que são pré-condições recebidas pelo indivíduo da classe média. É o que as classes populares não têm. Para ter o conhecimento valorizado você precisa também que seu pai tenha algum dinheiro para pagar um colégio bom e para você não precisar trabalhar. Entre nós, as classes populares começam a trabalhar com 12 ou 13 anos.

O brasileiro se coloca numa posição de inferioridade?

Existe um racismo e o racismo não é só a cor da pele. O que é o racismo? É você separar a humanidade em humanos e sub-humanos. É essa operação que faz o racismo. A gente só vê a questão da cor da pele porque é a mais visível. Mas você tem as culturas que são tidas como superiores, como humanas, e as das classes populares, vistas como sub-humanas.

“A elite do atraso” foi tema do enredo da escola de samba Paraíso do Tuiuti. O que você achou da utilização de seu livro para a realização de um desfile de Carnaval?

Fiquei muito contente. Foi uma das minhas maiores alegrias como pesquisador. É claro que outros autores também eram a base do desfile, mas eram autores que só tocavam no período da escravidão. O desfile teve dois passos, duas épocas, a escravidão como um fato histórico e depois como a escravidão vem persistindo até hoje. E como fato histórico ele cita vários autores. Mas o único livro que trata de como a escravidão vem até hoje era o meu. E obviamente isso me deixou muito contente, muito orgulhoso, porque isso é um sonho de todo intelectual engajado como eu.

Você parece fazer uma espécie de sociologia da fúria. Concorda com essa ideia?

Eu concordo, claro. A raiva é a minha energia, mas o que eu fiz foi transformar essa raiva em indignação. Não é uma raiva de você sair por aí batendo nas pessoas, mas é a indignação de um discurso e de uma intelectualidade que sempre serviu aos interesses dos poderosos. Não se trata de usar o seu conhecimento como o rico usa o dinheiro, como enfeite. O interesse é muito maior do que isso. Conhecimento é uma arma extremamente importante. O conhecimento, para mim, é uma arma política. Ele permite chacoalhar, dizer certas coisas para que as pessoas possam se proteger melhor e não ficarem tão indefesas.