Democracia e autoritarismo no Brasil contemporâneo  

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A sociedade brasileira está envolta em mais uma campanha presidencial, onde os candidatos fazem as mais mirabolantes promessas para conquistar os corações dos eleitores e garantir adesões que se transformem em votos e chances reais de vitória ou de seguir para o segundo turno, estamos próximo de decisões que podem comprometer nosso futuro imediato ou abrir novos espaços de crescimento e recuperação econômicas, com novos investimentos e políticas sociais ativas e eficientes.

Vivemos uma crise econômica das mais severas e agressivas, depois de um período de forte crescimento econômico, o país voltou a se encontrar com o chamado stop in go, um movimento de crescimento econômico alternado com redução, um verdadeiro sobe e desce que nos assusta e inviabiliza toda e qualquer política mais efetiva de construção de um país moderno, dinâmico e empreendedor, sonho de todos que se locupletam com o trabalho e a meritocracia.

Neste embate eleitoral encontramos os mais variados candidatos, desde os mais ortodoxos religiosos que, mesmo na campanha eleitoral, se retiram do pleito e se refugiam em locais de meditação e reflexões religiosas, até candidatos presos e condenados que insistem em fazer campanha mesmo sabendo que seu nome não mais vai constar nas urnas na data da eleição e, destacamos ainda, os candidatos internados, fruto do ambiente de agressividade, de intolerância e de violência reinantes, vivemos um momento sui generis que nunca vivemos em terras brasileiras.

As eleições presidenciais no país ofuscam, infelizmente, as eleições para senadores e deputados, uma eleição fundamental, já que são estes parlamentares que aprovam ou desaprovam os projetos do Executivo, e colocam na berlinda os presidenciáveis cujas propostas são um misto de desinformação e de prepotência, mostrando que o futuro do país pode ser muito pior do que o presente, gerando mais desesperança e indignação para a população e inviabilizando novos investimentos e a recuperação econômica.

Alguns intelectuais e jornalistas temem pelo democracia brasileira, vendo em alguns candidatos riscos concretos de fragilizar as bases democráticas da sociedade brasileira, outros acreditam que tais candidatos tem todas as condições necessárias para retirar o país da crise e injetar no povo brasileiro mais ânimo e esperanças, depois de uma forte recessão que consumiu mais de 9% do produto interno bruto do país, estas indagações são bastante relevantes, as dúvidas existem e só poderão ser respondidas com o passar do tempo, antes disso tempos apenas especulação.

O país precisa de mudanças estruturais, somos um país com grande potencial de crescimento na renda e melhoria nos indicadores sociais e econômicos, somos dotados de recursos naturais altamente ricos e fomos agraciados com recursos hídricos e energéticos que poucos países ou regiões do mundo podem se vangloriar de possuir estas reservas naturais e estratégicas, mas, mesmo diante de tantas riquezas, somos um país que apresenta uma pobreza abissal, nossas riquezas são extraídas e levada para as mais variadas regiões do mundo, transformando-nos no eterno país do futuro.

Economistas liberais e intervencionistas se matam em uma discussão insana, os primeiros defendendo o mercado como o grande agente do desenvolvimento enquanto os últimos acreditam que todo e qualquer desenvolvimento deve ser feito e estruturado com bases no Estado nacional, discutem ideias e teses importantes mas esquecem que na economia do conhecimento faz se importante que Estado e Mercado estejam juntos e interligados, onde os rancores deem espaço para a integração e a sociedade perceba que esta dicotomia apenas retarda o desenvolvimento do país e geram instabilidades e incertezas crescentes.

Liberais defendem uma privatização generalizada enquanto os mais intervencionistas acreditam que todo desenvolvimento econômico deve ser sustentado pelo investimento estatal, por isso, as eleições presidenciais se transformam em um verdadeiro palco de teses e antíteses, onde cada grupo busca exemplo em países com características por eles defendidas, argumentando e se utilizando de cálculos econométricos sólidos para defender seus pensamentos.

Na sociedade encontramos problemas dos mais primitivos, desde as deficiência da educação básica e fundamental mostradas recentemente pelos dados divulgados pelo MEC, passando pelas agruras da segurança pública, somente em 2017 foram mortos mais de 63 mil pessoas, as deficiências do sistema de saneamento básico que levam mais de 30 milhões de residência a sobreviver com grandes toneladas de esgotos e produtos degradados, cujos impactos sobre a saúde do cidadão se agravam de forma permanente e irreversível.

O desemprego é um dos maiores nos últimos anos, temos hoje mais de 13 milhões de pessoas desempregadas, se somarmos os que perderam as esperanças de conseguir uma nova ocupação, estes números dobram e nos levam a preocupações das mais variadas, sem emprego não se tem salários e rendas, sem estes não aumentamos o consumo e não abrimos espaços para os novos investimentos produtivos, somente estes podem impulsionar a economia do país.

As cidades estão em momentos de grande degradação, as finanças públicas estão destroçadas e o planejamento urbano inexiste, os grandes grupos econômicos dominam as estruturas estatais e impõem aos cidadãos políticas acertadas em gabinetes e sem a conversa com os indivíduos e representantes da população, criando novas possiblidades de ganhos e fragilização nas estruturas de decisão, gerando impactos imediatos sobre a democracia e a participação popular.

Este ambiente leva a inúmeras indagações e reflexões, a Democracia Representativa está fragilizada e enfraquecida na sociedade internacional, autores como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt que publicaram recentemente Como as democracias morrem, mostrando que estamos em um momento delicado na sociedade internacional, as bases que estruturaram o crescimento econômico do pós segunda guerra mundial estão ruindo e gerando contestação e desesperança.

Segundo os autores, as origens desta crise remonta a alguns anos, a ascensão do poder do capital e o entrelaçamento entre o dinheiro e a política, na atualidade a ameaça as democracias não mais se concentram em golpes de Estado e regimes de exceção que são constituídos de forma violenta e agressiva, as ameaças estão naqueles que ganham eleição e se utilizam deste poder para impor novas sanções sociais, transformando-se em verdadeiros ditadores eleitos democraticamente, citamos como exemplo o presidente turco Recep  Tayyip Endorgan e o venezuelano Nicolás Maduro, entre outros, eleitos democraticamente e seduzidos por um governo forte e autoritário, cujo poder oprime a população e compromete o futuro da sociedade.

O Brasil, para muitos analistas, corre sério risco de perder seu status de democracia, a sedução de um discurso autoritário está levando muitos eleitores, das mais variadas classes sociais, mas com predominância para os de renda mais alta, a apoiarem candidatos truculentos e autoritários, acreditando, com isso, que estes terão as condições de resolver os problemas nacionais e acabar com a insegurança e a violência que se arrastam pela sociedade brasileira, segundo estes cidadãos, o Brasil precisa de um governo forte que aja com mais força para evitar que o país descambe para a anarquia, com isso apoiam o porte de armas, a liberdade de policias atirarem para matar afinal, bandido bom é bandido morto.

Analisando as propostas econômicas percebemos uma conversão ao pensamento liberal, estas ideias defendem um Estado menor e mais preocupado com o clima jurídico e institucional e um Mercado mais atuante, as privatizações seriam uma das formas de combater a corrupção generalizada que se instalou no país e ao alienar o patrimônio público, usar estes recursos para reduzir os estoques de dívida pública, abrindo espaço para uma redução generalizada das taxas de juros que teriam um efeito direto sobre a atividade econômica e os investimentos, reanimando todo o sistema econômico e produtivo.

As ideias acima são sedutoras, encantam muitas pessoas e fazem com que muitos grupos sociais decidam votar nestes candidatos, embora entendamos que a privatização, no caso brasileiro, deve ser bem vinda e tem potencial de alavancar a economia do país, acreditamos que o histórico das votações e do comportamento parlamentar do candidato nos leva a colocar em dúvida a defesa destas teses liberais, isto porque, em quase trinta anos como parlamentar, todas as propostas liberalizantes foram por ele rechaçadas, desde o Plano Real, as concessões, as privatizações, entre outras.

Outro ponto de destaque, é como garantir governabilidade com um partido tão fraco no Congresso Nacional? Se temos um presidencialismo de coalizão que prescinde de, no mínimo 308 deputados e 49 senadores, para fazer as grandes mudanças nacionais que nos mostrem os caminhos para o crescimento econômico e as melhorias sociais, como a Reforma de Previdência, a Reforma Tributária, a Reforma Política, etc… todas necessitam de um alto apoio político, como conseguir tal apoio em ambiente partidário tão fragmentado e desorganizado como o brasileiro?

Outros candidatos se colocam na disputa com uma procuração nas mãos, suas ideias repetem o mantra que levou o país a esta situação de semi-estagnação que vivemos na atualidade, votar neste mesmo grupo social me parece preocupante, além disso, insistem em não assumir suas culpas e insistir em colocar a responsabilidade da crise nacional no colo dos outros, sem auto crítica o que podemos esperar destes que pregam as mesmas coisas e se esquecem dos resultados anteriores, o país precisa construir pontes entre os grupos sociais e políticos e deixar de lado os confrontos degradantes e mentirosos, o Brasil precisa de decência e compromisso com um futuro e não compromissos com o poder e a acumulação.

Todas estas questões são importantes e devem ser respondidas a contento, o voto deve ser visto como o início de uma cidadania mais ativa, as redes sociais impulsionaram esta cidadania e, principalmente, esta discussão política e institucional, muitos perceberam a relevância da política na sociedade e a necessidade de participar ativamente destas discussões, somente assim a coletividade vai conseguir atuar como um agente mais ativo e participativo nas grandes transformações sociais e garantir uma sociedade mais justa e meritocrática num futuro próximo.

O Brasil tem escolhas sérias a serem feitas imediatamente, divulgar Fake News e denegrir as ideias daqueles que pensam contrariamente aos nossos pensamentos é intolerância e ignorância, pouco sabemos e precisamos ter consciência disso, as redes sociais são instrumentos importantes e poderosos para melhorar nossa cidadania mas, ao mesmo tempo, como destacou Umberto Eco, deu voz a muitos idiotas, e abriu espaço para que todos se achem no direito de falar, de escrever e de opinar sobre todos os temas, a ignorância esta dominando o mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Imortal: Cairbar Schutel

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Uma homenagem ao bandeirante do Espiritismo brasileiro, Cairbar Schutel, leitura imprescindível para todos que queiram compreender um pouco mais de um dos grandes divulgadores do espiritismo, responsável pela criação do jornal O Clarim e a Revista Internacional de Espiritismo (RIE).

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“O ajuste leva ao estancamento’ segundo Joseph Stiglitz.

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O economista Joseph Stiglitz foi a estrela e a ovelha negra da Conferência de Prêmios Nobel na Ilha de Lindau, ao sul da Alemanha, que terminou no sábado. O professor daUniversidade de Columbia faz parte de um reduzido grupo entre os 17 condecorados que participaram do encontro, que não reclamam publicamente medidas de austeridade, mas maiores estímulos fiscais para enfrentar a crise e reduzir o desemprego.

Enquanto os jovens economistas e jornalistas o rodeiam em cada oportunidade, seus pares o olham com receio. As declarações que faz sobre o fracasso e a incapacidade das ideias econômicas dominantes para compreender e oferecer uma ruptura à crise se chocam com a visão que os outros Nobel possuem. Estes especialistas consideram que o marco teórico não teve nenhuma responsabilidade, posição compartilhada por muitos dos 373 economistas de todo o mundo que fazem parte do evento e discordam das críticas de Stiglitz.

Depois de várias tentativas interrompidas poucos minutos antes de começar, o ganhador do Prêmio em 2001 concedeu uma entrevista ao Página/12 durante uma caminhada do centro de conferências até a ópera da ilha, onde devia participar de uma reunião a portas fechadas. Ao longo do trajeto, o economista destacou o desempenho dos “países emergentes” e assinalou que a Argentina deve aprofundar a industrialização, já que “as commodities não são suficientes para o desenvolvimento”, assim como fortalecer o mercado interno. Antes de terminar a reportagem, perguntou: “Parece que vai ser reeleita, não?”, em referência a Cristina Fernández de Kirchner. E depois adiantou que “ainda não está confirmado, mas me parece que vou retornar à Argentina em dezembro”.

A entrevista é de Tomás Lukin e está publicada no jornal argentino Página/12, 28-08-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Por que considera os planos de ajuste fiscal errados?

Essas políticas levam ao estancamento; são necessários mais planos de estímulo fiscal para recuperar o crescimento e alcançar níveis menores de desemprego nos Estados Unidos e na Europa. A política monetária hoje não é efetiva. Os primeiros pacotes de estímulo fiscal, em 2008, funcionaram bem. Do contrário, o desemprego teria sido muito maior. Ao mesmo tempo, essa expansão gerou importantes déficits orçamentários. A melhor forma para enfrentar esses déficits é com maior gasto, a austeridade vai na direção contrária. É uma visão equivocada, é a mesma receita que o FMI aplicou na Argentina. Sabemos o que acontece: a economia se desacelera, depois entra em recessão e finalmente termina com uma depressão. Sem crescimento não é possível sair da crise. Quanto mais demorara o resultado político maiores serão a instabilidade e os custos.

Os argumentos contra os estímulos fiscais sustentam que essas medidas aprofundarão ainda mais os déficits.

O problema não são os déficits orçamentários, nem sequer a recessão; o problema é o déficit de emprego que há. Atualmente, nos Estados Unidos temos 14 milhões de desempregados, mas na realidade são 25 milhões as pessoas que não podem conseguir um emprego de tempo completo. Esta situação só vai piorar com os planos de austeridade. A melhor forma de enfrentar a crise é criar postos de trabalho. A teoria econômica tradicional fracassou. Há um princípio muito simples chamado “multiplicador orçamentário”: caso se arrecadar impostos e gastar o dinheiro de forma balanceada de tal forma que o déficit não cresça, a economia crescerá. No médio prazo, essa política tende a reduzir o déficit e assegura a sustentabilidade da economia porque o PIB crescerá e a dívida e o déficit serão menores em termos relativos. Caso se desenhar bem o multiplicador, o estímulo fiscal pode ser muito grande. Nesse sentido, nos Estados Unidos se pode cobrar impostos do 1% mais rico que concentra 25% do ingresso e gastar o dinheiro em investimentos que garantem maior crescimento. Essa dinâmica é uma forma de resolver este dilema.

A crise estrutural na Europa desencadeará a desintegração da união monetária?

Será preciso mais dinheiro para que o euro funcione, assim como também será preciso mais dinheiro para que deixe de fazê-lo. De uma forma ou de outra, a Alemanha vai perder muito dinheiro. Há vida após o default e após abandonar um sistema de câmbio fixo. Na Argentina, o fim da paridade cambiária e o default tiveram um alto custo. Depois de um período de queda, a Argentina começou a crescer muito rapidamente, inclusive na ausência do que muita gente considera as “melhores” práticas econômicas, com boas políticas, mas não perfeitas. Eu creio que é muito difícil voltar a juntar um ovo quebrado, me parece que o euro é uma iniciativa muito boa. Por isso, não creio que seja necessário que nenhum país abandone o euro. Como disse antes, é necessário impulsionar planos de estímulo. Para isso se pode injetar mais recursos no Fundo de Estabilidade Financeira Europeia para fazer frente aos problemas da região. Também é possível emitir eurobônus.

O aprofundamento da crise nos Estados Unidos e na Europa atingirá os países em desenvolvimento?

Em 2010, o crescimento global foi bom. Até agora, os países emergentes foram bem, essa é uma grande notícia. Muitos se recuperaram com força, como a China e o Brasil. Mas se a recessão se aprofundar nos Estados Unidos e na Europa, as economias emergentes terão dificuldades. Creio que vão poder enfrentar uma queda nas exportações, mas é necessário que fortaleçam a demanda interna. Embora uma diminuição do crescimento chinês pressionasse os preços das commodities para baixo e isso atingiria a Argentina, considero que a China vai poder driblar a crise e manter assim os níveis de demanda destes produtos.

O bom desempenho das economias como a argentina responde somente às exportações de bens primários e aos elevados preços internacionais?

Não, essa situação vai beneficiar a América Latina e outros países dependentes das exportações de commodities. Mas essas exportações não são suficientes para garantir o crescimento sustentável e a redução do desemprego. Os países da região como a Argentina têm que diversificar suas estruturas produtivas, investir em setores de alta tecnologia. É um processo demorado. Os países como a Argentina, Brasil e China implantaram políticas macroeconômicas muito boas. Compreenderam a importância de um estímulo keynesiano bem desenhado para escorar a economia e garantir que o desemprego não se alastre. Há um conjunto de aspectos que permitem que os países emergentes não se vejam diretamente afetados pela crise. Por exemplo, as regulações bancárias em muitos países são muito melhores, de melhor qualidade, que as dos Estados Unidos e da Europa. Em alguns casos isso se deveu ao fato de que os países já haviam atravessado grandes crises. A Argentina fez as coisas muito bem nos últimos anos para garantir um forte crescimento a taxas muito altas e controlar a inflação.

 A inflação é um problema para as economias emergentes?

A Argentina enfrenta, como muitos países emergentes, o desafio de controlar a inflação em um mundo em recessão. É um tempo muito difícil para levar adiante essa tarefa porque se experimentam choques negativos de demanda e choques inflacionários externos. Não há uma forma simples para atravessar ambos os desafios. O foco excessivo dos bancos centrais em controlar a inflação é um erro, mas também é um erro ignorar o fenômeno. A estabilidade financeira, o crescimento e o emprego também têm que fazer parte de seus objetivos. A baixa inflação não garante o crescimento sustentado. Na Europa, a preocupação do Banco Central com os aumentos de preços é um dos fatores que debilita a economia. Por sua vez, o Brasil conseguiu crescer, mas seu excessivo enfoque na inflação deu como resultado taxas de juros muitos elevadas, entre as mais altas do mundo.

O que quer dizer quando afirma que a teoria econômica tradicional fracassou?

Os modelos utilizados pelos bancos centrais, economistas, os banqueiros, criaram um marco de política que esteve no epicentro da crise. Diziam que não era necessária a regulação, que os mercados eram eficientes por sua conta ou que a baixa inflação era suficiente para garantir um caminho de crescimento. A macroeconomia não se auto-regula e não leva ao pleno emprego. O problema não é a simplificação à qual os modelos recorrem, a questão é que estes modelos dizem que a crise não podia acontecer. Se os modelos não contemplam os bancos então não existe o crédito. Como é possível pensar em estratégias para impulsioná-lo? Em matéria laboral, a teoria assinalava que um dos problemas era a rigidez no mercado de trabalho. Mas os países onde hoje se aprofunda o problema do desemprego são aqueles que mais desregularam esse mercado. Ao contrário, onde essas políticas não foram aplicadas o desemprego é menor. Um dos principais problemas em nossa sociedade é a crescente desigualdade, essa situação diminui a demanda agregada e a brecha que se gerou foi coberta por uma bolha bancária de consumo artificial que impulsionou a instabilidade. A agenda da economia ignorou isto e acreditava que a alcançava com aumentos de produtividade. Os modelos dominantes tradicionais não se faziam as perguntas adequadas.

 

Safatle: Ataque a Bolsonaro despolitiza debate e põe esquerda no alvo

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por Sérgio Lirio— publicado 07/09/2018

A exploração política do episódio, diz o filósofo, tende a esvaziar a discussão de propostas e abre espaço para o candidato ampliar o eleitorado

Em março, quando a caravana de Lula foi alvejada por tiros e uma parte dos brasileiros, entre eles Jair Bolsonaro, aplaudiu o ataque, o filósofo Vladimir Safatle alertou em entrevista a Carta Capital para a escalada de violência. “Vivemos uma fase cada vez mais explícita de guerra civil. A sociedade brasileira caminha para os extremos da radicalização política”.

A previsão se confirma com a agressão a Bolsonaro em Juiz de Fora, Minas Gerais. Com quais consequências? A despolitização da campanha eleitoral e o fim do debate das ideias, o que, segundo Safatle, favorece a quem almeja colocar no Palácio do Planalto a junção de extrema-direita com neoliberalismo.

Carta CapitalQuais as consequências político-eleitorais da agressão ao candidato Jair Bolsonaro?

Vladimir Safatle: Em hipótese alguma Bolsonaro conseguiria vencer uma eleição. Seu teto eleitoral foi alcançado há meses. Ele está faz tempo estacionado no mesmo patamar de intenções de votos e representa um setor bastante minoritário da população. Por isso não teme em flertar com a ditadura, com a aceitação do passado autoritário, e cuja política econômica é simplesmente delirante, um neoliberalismo puro e duro que em nenhum lugar foi aplicado da forma como os assessores dele propõem. Nos locais onde foi em parte aplicado, os resultados têm sido catastróficos.

Só mesmo com um fato novo uma candidatura como esta poderia conseguir agregar eleitores para além do seu setor de representação social. É óbvio que haverá uma instrumentalização política. E é óbvio que, de uma maneira ou de outra, o episódio irá influenciar o processo político-eleitoral. O que acontece no Brasil é significativo em relação ao contexto mundial. O País tende a se tornar um laboratório de um modelo de aplicação do neoliberalismo ainda não testado. Seria uma junção da extrema-direita, com traços fascistas, e neoliberalismo. A extrema-direita na Europa não é neoliberal. Ela é antiliberal. Por isso, inventaram por lá uma outra configuração, como no caso da França, uma tentativa de criar um neoliberalismo com “rosto humano”.

CCO senhor acredita em uma escalada da violência na campanha?

VS: A campanha se demonstrava muito violenta desde o início, desde os tiros disparados contra a caravana do Lula e das declarações de estímulo aos ataques, inclusive do próprio Bolsonaro. O candidato externou recentemente a ideia de “metralhar” os opositores, os petistas. Um elemento como este só potencializa o fato, em relação ao qual deveríamos estar cientes: a sociedade brasileira entrou em conflito aberto. Não há mais condições para certos setores encontrarem um campo político comum. Isso só vai ficar cada vez mais explícito.

CC: Ainda vê risco de as eleições não acontecerem?

VS: Sim, mantenho a minha avaliação de que não teríamos eleições em 2018. Há várias formas de ela não acontecer. Não há nenhuma condição, em uma situação normal, de que esta política econômica implementada por Michel Temer e defendida por vários candidatos, entre eles Bolsonaro, saia vencedora das urnas.

É uma pauta claramente rechaçada pela maioria da população. Por isso é preciso criar situações artificiais, distorcendo o sentido da eleição, para que essa pauta tenha alguma possibilidade de ser chancelada. Não falo aqui da agressão a Bolsonaro, mas dos movimentos para barrar a legitimidade da disputa. Quem fez o que fez nos últimos dois anos, quem deu um golpe parlamentar, não tem disposição de aceitar um resultado diferente daquele projetado. Não há possibilidade de um candidato com uma pauta de esquerda, mesmo se vitoriosa nas urnas, assumir. Como vai acontecer, quais os elementos serão mobilizados, é imprevisível. Essa eleição está esvaziada desde o início.

CC:  A esquerda tende a ser criminalizada depois do episódio?

VS: Essa será a retórica mobilizada daqui para frente. Mesmo que o responsável pela agressão seja um indivíduo com traços claramente esquizofrênicos, delirantes… Ele disse ter atacado a “mando de Deus”. Pouco importa. A narrativa está criada. A esquerda, de uma forma ou de outra, seria a responsável, embora seja muito bom lembrar que ela tem sido a principal vítima durante todo esse processo e nunca respondeu. Foi alvo de provocações do próprio Bolsonaro. Agiu de forma contida. Mas nada disso vai ser levado em conta.

O jogo retórico para forçar ligações que não existem está em curso. É o esperado. A esta altura, o Bolsonaro é o único candidato viável para a direita. E vão tentar de tudo para que ele vença. A despolitização completa da campanha é a última cartada. Ela precisa seguir por outro lado, longe das discussões de propostas e ideias. E o episódio infelizmente serve a este propósito.

Desde o retorno das eleições diretas, o consórcio que promoveu o golpe de 1964 nunca havia conseguido comandar um processo eleitoral. Esteve sempre à reboque, aliado a outros projetos. Com a falência da Nova República, o esvaziamento da dicotomia PT-PSDB, esse consórcio (militares, empresariado, setores conservadores da Igreja e da mídia) enxergam a possibilidade de voltar ao poder sem intermediários.

 

Chico de Oliveira: ‘Não há lugar para propostas extremadas no Brasil’

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Amanda Massuela – 14 de maio de 2018

Nem tanto à esquerda, nem tanto à direita: para o sociólogo Francisco de Oliveira, 84, é preferível que se acerte um programa consistente de centro-esquerda para o país do que se iniciem “aventuras esquerdistas” por aqui. “Esse movimento de ida para o centro encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não tem mais sustentação social”, afirma à CULT em entrevista por e-mail.

Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e crítico tenaz dos governos Lula, Chico diz se identificar “com essa espécie de água com açúcar que é o PSOL”, partido que, em sua opinião, não será capaz de ocupar o lugar do PT dentro da esquerda brasileira.

“O PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil”, afirma o sociólogo, que admite ter menosprezado as direitas brasileiras ao afirmar, em 2015, que o impeachment não passava de “fogo de palha”.

Chico usa a mesma imagem para definir Jair Bolsonaro, ainda que o pré-candidato apareça em primeiro nas pesquisas eleitorais. Para ele, o deputado “se faz de extremista para poder entrar no jogo político”. “Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama”, diz.

O sociólogo, que recentemente teve seus ensaios reunidos na compilação Brasil: uma biografia não autorizada (Boitempo), não trabalha em novos textos – seu “xodó foi e continua sendo” o ensaio Crítica da razão dualista, com o qual se lançou à academia, em 1972. Nesta entrevista, ele comenta o cenário eleitoral, a ascensão de Bolsonaro e a organização do campo da esquerda.

CULT – Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2015, o senhor afirmou que a concentração da crítica em Dilma era “fogo de palha” e que a discussão do impeachment “não iria para frente”. Acredita que tenha menosprezado as forças de direita do país?

Chico de Oliveira – A gente sempre menospreza. Pelo menos quem está do lado de cá. Acho que eu subestimei a força da direita naquela ocasião.

O senhor também afirmou que a sociedade brasileira é “muito diversificada e não comporta uma direita extremada”. Como explicar, então, a popularidade de Jair Bolsonaro, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas em um cenário sem Lula?

Mesmo sem Lula ele não ganhará eleição nenhuma. O Jair Bolsonaro é uma espécie de fogo de palha. Ele parece ter uma estrutura capaz de levá-lo à Presidência, mas não tem. Ele é tipicamente o fogo de palha e vai fazer estrago só no primeiro turno.

Após a segunda vitória de Lula, o senhor escreveu que poderíamos estar assistindo a uma “hegemonia às avessas”: uma dominação burguesa “descarada” enquanto as classes dominadas tomam apenas a direção moral da sociedade. Não é possível imaginar um governo de esquerda, no Brasil, que fuja deste arranjo?

Não, não é. Não é possível porque o Brasil é a sexta economia mundial. Não se brinca com isso. A direita não está brincando com isso, e a esquerda não tem propostas. Quer dizer, o que é que se faz com a sexta economia mundial de um ponto de vista de esquerda? Nada. Não pode fazer. O Brasil é muito importante no cenário mundial para qualquer orientação esquerdista. Veja que todas as grandes orientações esquerdistas mundiais não naufragaram, mas converteram-se em fiadoras do capitalismo. É o caso da social-democracia europeia, sobretudo a social-democracia alemã, que deu as cartas para a esquerda não comunista durante décadas e hoje é indistinguível de qualquer partido de centro. O Brasil é uma grande potência. Como dizia Nelson Rodrigues, nós temos espírito de vira-lata – e não percebemos que o Brasil é a sexta economia mundial. Quer dizer, passamos a Itália e a Inglaterra. Se alguém muito pirado dissesse isso 50 anos atrás, ia logo para o hospício.

À CULT, em 2010, o senhor disse que “ao incorporar as lideranças dos movimentos sociais, o PT esvazia o potencial crítico e transformador desses próprios movimentos”. A mesma lógica se aplicaria à relação entre PSOL e Guilherme Boulos?

Mais ou menos. Eu até sou inscrito no PSOL, mas o PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil. Isto é uma sociedade de classe média poderosa, porque é a sexta economia mundial. Ninguém brinca com isso, nem à esquerda, nem à direita. O que o PSOL tem que fazer é permanecer crítico, mas sem tentar atrair para si forças que são completamente piradas. Não tem chance nenhuma de levar o Brasil para uma posição extremada. Seria um equívoco do PSOL. Eu sou inscrito no PSOL e não apoio isso.

Então, você pode perguntar: o senhor apoia a espécie de água com açúcar que é o PSOL? Apoio. Eu também sou água com açúcar. Não tem lugar para propostas extremadas. A sociedade brasileira não é uma sociedade subdesenvolvida com espaço para propostas do tipo que o PT fez no passado e não faz mais. É conformismo? Não. É melhor acertarmos um programa de centro-esquerda e sermos consistentes com ele do que tentarmos aventuras esquerdistas. O Brasil é muito sério, muito importante para a gente tentar propostas que não têm apoio social.

Um discurso extremado de esquerda ou de direita não cola. Isso a gente pode ver pela experiência internacional. O PT nasceu como uma espécie de social-democracia mais radicalizada. Ele foi indo para a direita, no sentido de uma social-democracia. O PT é o partido social-democrata brasileiro. O Fernando Henrique pensou que dar o nome de social-democracia ao PSDB converteria os tucanos em social-democratas. Mas não é verdade. Aí ele foi mau sociólogo. Ele foi bom político, mas mau sociólogo. Não existe essa história de você se deslocar nominalmente para a esquerda como uma social-democracia. Quais são as bases populares dos tucanos? Social-democracia não é um apelido, a social-democracia foi uma tendência das classes sociais no sistema capitalista, não fora do sistema capitalista. O que era fora do sistema capitalista eram certas reivindicações de Karl Kautsky, por exemplo, um grande político social-democrata dos séculos 19 e 20, um alemão que fez o aggiornamento [atualização] do marxismo para o centro. Ele é o grande ideólogo desse aggiornamento, que na verdade é uma “direitização”. Ele é o grande autor. Ele e o [Eduard] Bernstein, que foi um social-democrata importantíssimo. O Bernstein era desprezado pela esquerda.

Então, esse movimento de ida para o centro é um movimento que encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não, não tem mais sustentação social. O Brasil é uma sociedade ainda pobre, não está no nível da Europa ocidental, mas se aproxima. O consenso social é formado por uma grande classe média que dá apoio a propostas que eram da tradição socialista, mas não dá apoio à socialização dos meios de produção. Na grande tradição social-democrata, o que sobrou, com muita força, nos países da social-democracia ocidental, foram os direitos sociais. Mas nada além disso. A social-democracia foi muito avançada, mas não foi além disso.

As esquerdas parecem ter crescido em países nos quais “radicalizaram” suas pautas; é o argumento usado por Vladimir Safatle, por exemplo, para defender essa posição mais “radical” para a esquerda brasileira. É o caminho que deveria ser seguido por aqui?

O verbo talvez esteja bem aplicado. Deveria, mas não vai ser. Exatamente pelas razões que Safatle aponta. Não se chega a essa posição na economia mundial para ressocializá-la. Isso é excesso de otimismo. A questão é a seguinte: não foi a esquerda em termos partidários que se orientou para a direita, foi a sociedade. A sociedade não comporta mais os extremos de pobreza que o Brasil conheceu. Se você sair fazendo inquérito, todo mundo hoje vai se considerar de classe média. Isso é importante, porque dirige a opinião das pessoas quanto ao regime e ao sistema. De fato, não tem oposição ao capitalismo no Brasil. Nós somos muito parecidos, mas somos uma social-democracia subdesenvolvida.

Não é possível que haja uma renovação na política brasileira?  

Não, não é. Isso é otimismo. Não há nenhuma renovação no sentido de levar a sociedade e os partidos mais à esquerda, com a visão mais aberta, mais progressista. Pelo contrário, o risco é de uma maior direitização da política. Jair Bolsonaro não está aí à toa. Ele representa, de fato, embora partidariamente isso seja muito complicado, uma classe média majoritária que não quer saber de extremismos. Ele se faz de extremista para poder entrar no jogo político, porque ele não era nada. Ele é um ex-militar do Exército. E não tinha nada. Olhem nossos jornais de 30 anos atrás para ver se o nome do Bolsonaro estava lá. O do Lula já estava.

Bolsonaro representa de fato uma classe média. Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama. Ele é uma espécie de Trump brasileiro: arrogante e com propostas que são mirabolantes do ponto de vista do sistema. Quando chegou lá, o que é que o Trump fez? Esses políticos de extrema direita na verdade são idiotas, porque se o Trump pensa que pode modificar a economia dos Estados Unidos é porque ele nunca leu nada. O mundo gira em torno da economia dos Estados Unidos. Ele não pode fazer nada. Ele pode arrotar… e gogó todos nós temos. O Bolsonaro é um Trump brasileiro, evidentemente muito rebaixado, porque o Brasil não tem a importância dos Estados Unidos. Mas ele não vai fazer nada. Quando você tem uma proposta como essa, uma das coisas a reformar são os meios de comunicação. O que é que ele fará contra a Globo? É risível. Ele é um idiota. Perigoso, porque vai levar a sociedade, com a sua liderança, para posições perigosas. Ele não fará nada, entretanto. No discurso ele incita. Isso é perigoso. Mas ele, como o Trump, não fará essencialmente nada nesse sentido. Para isso, seria preciso mudar a posição do Brasil na economia mundial. E isso não tem ninguém que faça.

Para dizer de forma sociológica, a sociedade brasileira é de centro-esquerda. Ninguém quer a volta da truculência militar, mas também ninguém quer que a esquerda faça nada radical para mudar a estrutura das forças sociais no país. O Brasil realiza um programa social-democrata, com uma grande classe média, que está no centro do sistema. Ela não toma nenhuma medida radical. Por isso o Bolsonaro é só um extremismo eleitoral. Ele não tem substância nenhuma para uma mudança radical no Brasil. É tudo gogó.

 

“Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a inclusão à sério”: Dani Rodrik.

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O economista turco diz que as sociedades, para não caírem nas mãos dos demagogos, precisam estar atentos para superar as divisões econômicas e sociais causadas pela globalização.

Por Guilherme Evelin

Em 1997, no auge do consenso a favor dos benefícios da globalização, o economista turco radicado nos Estados Unidos Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard, publicou um pequeno livro que ia contra a corrente. Em A globalização foi longe demais? (Editora Unesp), Rodrik divergia da maior parte de seus colegas economistas, para quem a globalização, com a desregulamentação e a redução das barreiras para o livre-comércio e o livre trânsito de capitais financeiros, só tinha méritos e só traria benefícios, tanto para países ricos quanto para países pobres — os consumidores dos países ricos teriam acesso a bens e mercadorias mais baratos produzidos nos países pobres, enquanto as economias dos países pobres cresceriam com a maior demanda por suas exportações. No livro, Rodrik apontava os altos custos políticos e sociais da globalização, menosprezados por seus colegas.

A obra causou alvoroço entre os economistas. Rodrik contou mais tarde ter sido, uma vez, abordado por Paul Krugman, o economista americano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008, que o advertiu de que seu livro fornecia “munição para os bárbaros”. A crise financeira internacional de 2008, a fragilidade do euro, a votação dos britânicos a favor do Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia —, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, a ascensão política de populistas xenófobos em vários países da Europa mudaram o curso da conversa. A crítica de Rodrik passou a ser vista como presciente. No ano passado, o último livro de Rodrik, Straight talk on trade(numa tradução livre, Papo reto sobre comércio), com mais ataques à “hiperglobalização” e aos economistas que abandonaram suas dúvidas para atuar como meros ideólogos, foi escolhido como uma das melhores obras de 2017 por Martin Wolf, comentarista do jornalFinancial Times. Wolf era, ele próprio, um dos maiores entusiastas da globalização.

Num livro anterior, The globalization paradox (O paradoxo da globalização), Rodrik cunhou o “trilema da globalização”. “Não é possível ter hiperglobalização, democracia e soberania nacional ao mesmo tempo”, escreveu. Para ele, para preservar a democracia, é preciso dar alguns passos atrás na integração da economia internacional. O economista está longe de ser, porém, um defensor do nacionalismo econômico iracundo de Trump. Rodrik acha que é possível ter uma globalização mais inteligente e flexível — como a que prevaleceu nos tempos de vigência do Gatt, o acordo geral de tarifas e comércio anterior à criação da Organização Mundial de Comércio (OMC). “O objetivo do Gatt nunca foi maximizar o livre-comércio, mas alcançar o máximo de comércio compatível com diferentes nações fazendo suas próprias coisas.”

Rodrik respondeu, por e-mail, a perguntas de ÉPOCA sobre populismo, Donald Trump, a ameaça de guerra comercial no mundo e a crise brasileira. Em relação ao Brasil, ele disse que o país precisa antes de tudo resolver sua crise política interna para retomar um projeto de crescimento econômico. Em relação ao mundo, apesar de Trump, ele se mantém otimista. Num artigo deste ano para o The New York Times, ele lembrou que um surto populista anterior nos Estados Unidos, no final do século XIX, contra os efeitos perversos da globalização da época acabou resultando, na década de 1930, no New Deal de Franklin Delano Roosevelt e na correção de vários problemas do capitalismo.

A seguir, Rodrik responde às nove perguntas de ÉPOCA.

  1. Depois da imposição de tarifas pelo governo Donald Trump a produtos chineses e da retaliação da China a importações americanas, o mundo está caminhando para uma guerra comercial global?

Muito vai depender de como a Europa e a China responderão. Se eles forem contidos em sua retaliação — e eles têm bons motivos para agir desse modo —, terminaremos bem aquém de uma guerra comercial. Guerra comercial não é um desfecho inevitável. E, se ela ocorrer, a China e a Europa deverão dividir a responsabilidade com os Estados Unidos por ela.

  1. As medidas protecionistas, as tensões comerciais crescentes e a eleição de governos populistas significam que estamos entrando em uma era de “desglobalização”?

Acho que também está muito cedo para falar em “desglobalização”. Certamente, uma verdadeira guerra comercial impactaria a globalização. Mas não chegamos lá ainda.

  1. Acredita que a reação populista à globalização, representada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, pode levar a um aperfeiçoamento da globalização?

Essa certamente é minha esperança. É uma oportunidade para as forças progressistas e para a esquerda oferecerem uma resposta programática genuína — e mostrarem que as queixas que trouxeram Trump à Presidência são reais, mas que há melhores maneiras de responder a elas do que por meio do chauvinismo e do unilateralismo.

  1. O senhor vê a ascensão do populismo, o descontentamento com a globalização nas sociedades ocidentais e a crise das democracias liberais como provas de seu famoso trilema, segundo o qual não é possível compatibilizar democracia, soberania nacional e hiperglobalização?

Isso ocorreu mais na Zona do Euro do que nos EUA, porque foi na Europa que a hiperglobalização foi mais longe. Os EUA poderiam ter evitado a reação populista se tivessem melhores redes de segurança social e se os acordos comerciais assinados pelo país não fossem tão unilaterais, com vantagens tão exageradas. Mas, tanto na Europa como nos EUA, houve um erro crucial: o aumento da globalização aprofunda as divisões econômicas e sociais dentro das sociedades e, a menos que estejamos atentos à superação dessas divisões, os demagogos aproveitam-se do fracasso do centro político.

  1. O senhor é um crítico duro de seus colegas, os economistas, a quem responsabiliza por muito da confusão política e econômica do mundo. Acha que estão prontos para rever seus pontos de vista sobre a liberalização e a desregulamentação das últimas décadas?

Estou otimista com a variedade de ideias políticas que estão surgindo da profissão econômica no presente. Há uma tendência a pensar que o neoliberalismo e a economia mainstream são a mesma coisa. Na realidade, o neoliberalismo foi uma perversão da economia. Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a desigualdade, a mobilidade social e a inclusão a sério.

  1. Se houver uma escalada das medidas protecionistas e tivermos uma reversão da liberalização comercial e financeira das últimas décadas, como um país como o Brasil, que experimentou um crescimento lento desde a década de 1980 e não obteve grandes ganhos com a globalização, pode ser afetado?

Em última análise, o que acontece em casa é mais importante do que esses desenvolvimentos globais — especialmente em um país tão grande como o Brasil. É claro que, se os preços das commodities caírem e os mercados globais começarem a fechar, haverá custos para o Brasil, como em outros países. Mas a prioridade número um do Brasil deveria ser superar a crise política doméstica e ter um programa econômico sério em vigor.

  1. Em seu livro mais recente, o senhor escreveu que um dos fenômenos econômicos mais importantes de nosso tempo é “desindustrialização prematura” — em parte por causa do avanço da automação, em parte em virtude da globalização. Esse é o caso do Brasil, que se tornou principalmente um exportador de commodities nas últimas décadas?

O Brasil sofreu com isso, assim como muitos outros países de renda média. Não vejo uma maneira fácil de reverter a desindustrialização, infelizmente.

  1. Pode algum país vencer o desafio do crescimento sem indústria forte?

Sim, mas terá de ser um caminho diferente de crescimento, uma partida histórica. Parte disso é investimento em pessoas e infraestrutura física. Parte disso é uma estratégia coerente de conectar os setores e empresas mais avançados da economia com os setores e regiões mais atrasados — tanto em serviços quanto em indústria. E tudo isso tem de ser feito sem pôr em risco os equilíbrios macroeconômicos.

  1. Qual é a política inteligente a ser perseguida por qualquer país para vencer o desafio do crescimento em tempos de globalização com tantos paradoxos? A China pode ser uma inspiração ou não?

É difícil copiar diretamente a China e fazer exatamente o que esse país fez. As circunstâncias são muito diferentes. Mas a mensagem geral que o sucesso da China envia ainda é útil: para alavancar sua economia, como a China fez, você precisa de uma estratégia de crescimento interno que se concentre em investimento doméstico, aquisição de tecnologia e diversificação. Você precisa fazer sua própria lição de casa antes que a globalização possa ajudá-lo. A segunda mensagem é: não se deve ficar muito apaixonado por projetos ocidentais ou pelas chamadas “melhores práticas”; uma economia orientada para o mercado pode ser dirigida com diversos arranjos institucionais, e uma certa quantidade de experimentação e heterodoxia é inevitável.

 

Morre Zygmunt Bauman. Leia entrevista inédita em que ele defende a redenção pelo diálogo

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O prolífico sociólogo polonês, célebre por teorizar sobre a “modernidade líquida”, faleceu nesta segunda-feira (9), aos 91 anos

GUILHERME EVELIN E RUAN DE SOUSA GABRIEL – 09/01/2017

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman morreu nesta segunda-feira (9), em Leeds, na Inglaterra, aos 91 anos. A morte de Bauman foi noticiada por jornais poloneses e confirmada por Anna Zejdler-Janiszewska, professora de filosofia da Universidade de Varsóvia e amiga pessoal do sociólogo. Bauman foi um dos pensadores mais celebrados das últimas décadas e escritor prolífico e popular de livros como Modernidade líquidaCapitalismo parasitário e Modernidade e holocausto, publicados no Brasil pela Zahar. Bauman analisou a “modernidade líquida”, característica do mundo pós-globalização, onde a fluidez da tecnologia digital também define as identidades e as relações sociais. O resultado de tanta “liquidez” é um mundo cada vez mais atormentado por ansiedades e inseguranças. Bauman não era um intelectual dos mais otimistas.

Nascido em 19 de novembro de 1925, numa modesta família judaica, Bauman buscou refúgio na União Soviética quando as tropas nazistas invadiram a Polônia. Juntou-se ao Exército Vermelho e se dedicou ao estudo do marxismo. A experiência da guerra marcou indelevelmente a vida e o pensamento do sociólogo, que escreveu sobre as ligações entre a modernidade e o Holocausto. Segundo Bauman, o nacionalismo alemão não é suficiente para explicar a barbárie nazista. As complexas burocracias e tecnologias modernas teriam contribuído para o empreendimento nazista ao criarem condições para o desaparecimento da responsabilidade individual. A preocupação com a ética e as responsabilidades morais é central na obra de Bauman.

Finda a guerra, Bauman voltou à Polônia, onde se dedicou à militância comunista e acadêmica. Com o tempo, desiludiu-se com o comunismo soviético, que descambara em totalitarismo. Ao lado de outros intelectuais da Universidade de Varsóvia – e inspirado pelas ideias do comunista italiano Antonio Gramsci – começou a desenvolver um “marxismo humanista”. “Eu descobri Gramsci, e ele me deu a oportunidade de uma libertação honrosa do marxismo. Era um modo de abandonar a ortodoxia marxista, mas eu nunca me tornei antimarxista, como a maioria. Eu aprendi muito com Karl Marx e sou muito grato”, afirmou.

No entanto, o regime comunista polonês não via com bons olhos o socialismo arejado sonhado por Bauman e seus camaradas. Em 1968, depois de um expurgo antissemita na Universidade de Varsóvia, Bauman partiu para o exílio. Depois de uma temporada em Israel, radicou-se na Inglaterra, em 1971, onde passou a lecionar sociologia na Universidade de Leeds e, posteriormente, na London School of Economics. Bauman também apreciava a literatura e era um grande leitor de Jorge Luis Borges Italo Calvino.

Bauman sempre levantou a voz em defesa dos despossuídos, dos refugiados e dos perdedores da globalização. E nunca perdeu a fé no papel do intelectual de intervir na realidade e fomentar ideias para a transformação do mundo: “Por que eu escrevo livros? Por que eu penso? Por que eu sou passional? Porque as coisas poderiam ser diferentes. Meu trabalho é alertar as pessoas dos perigos”, afirmou.

Bauman foi casado por 62 anos com a escritora polonesa Janina Lewinson-Bauman, que morreu em 2009. Ele deixa sua segunda esposa, Aleksandra Jasinska-Kania, filha do ex-presidente da Polônia comunista Bolesław Bierut, três filhas e mais de 50 livros publicados.

Leia abaixo uma entrevista inédita que Bauman concedeu a ÉPOCA em agosto do ano passado, quando foi publicada a edição brasileira de Babel – entre a incerteza e a esperança (Zahar, 154 páginas, R$ R$ 34,90).

ÉPOCA – Na edição brasileira, o nome do seu livro é Babel – entre a incerteza e a esperança. Por que o senhor acha que há um sentimento crescente, ao menos nas sociedades ocidentais, de vulnerabilidade e incerteza com relação ao futuro de nossa Babel?

Zygmunt Bauman – Um primo próximo da incerteza é o sentimento da impotência. As ferramentas que, no passado, se mostraram eficazes para lidar com os desafios da vida individual e coletiva têm sido desacreditadas, tornaram-se infrutíferas e fúteis. Individualmente ou conjuntamente, nós estamos emergindo, de sucessivos testes, desarmados, infelizes, incapazes de lidar com os desafios. Os sábios na ribalta rivalizam uns com os outros. Sugerem soluções para os nossos problemas, como a guerra ao terror, as restrições à migração, incontáveis reformas trabalhistas e educacionais com o objetivo de preparar nossas crianças de forma a atender a suas demandas caprichosas e voláteis. Todas essas aparentes soluções, uma após a outra, falham em cumprir com suas promessas. Junte à incerteza esse desencorajador e humilhante senso de inaptidão e o sentimento é semelhante a gastar a vida num campo minado que nós sabemos estar cercado de explosivos, mas sem termos nenhum indício de onde ou quando essas explosões vão acontecer.

ÉPOCA – O senhor acha que esse sentimento de vulnerabilidade é devido à globalização – o modo como o capitalismo global é organizado – ou à evolução tecnológica que está substituindo o trabalho humano? Ou a ambos?


Bauman –  
De fato, a globalização parece uma das principais culpadas. Como Ulrich Beck (sociólogo alemão, que viveu entre 1944 e 2015), uma das mentes mais brilhantes do nosso tempo, colocou: nós estamos presos em uma “situação cosmopolita”. Nós, os residentes do planeta, somos interdependentes, conscientemente ou não, queiramos ou não. Mas essa situação não está sendo acompanhada pelo desenvolvimento, pela aquisição e aplicação de uma “consciência cosmopolita”. Nós continuamos com os memos instrumentos concebidos no passado para resolver problemas impossíveis de resolver, que emergem das condições de interdependência, erosão e diluição da autonomia territorial e das soberanias nacionais.

ÉPOCA – Esse sentimento de vulnerabilidade inflamou também uma crescente raiva nas sociedades, que passou a ter consequências políticas, como podemos ver na aprovação do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia aprovada em referendo) e na emergência do fenômeno Donald Trump nos Estados Unidos. Como o senhor acha que essa raiva afetará a democracia?

Bauman – O que nós muitas vezes caracterizamos como “crise da democracia” é, na verdade, uma crise das obsoletas instituições dos Estados-nações territorialmente soberanos. Por mais que tentem, os governos desses Estados, devido a um constante déficit de poder, falham em entregar suas promessas. Mais e mais pessoas, desencantadas com essa experiência frustrante, desviam suas esperanças do sistema de partidos políticos para fora do sistema. A diminuição geral de confiança na política corrói a democracia. Muito de nós veem a alternativa sugerida pelos candidatos  autoritários – um governo pessoal e ditatorial, livre das restrições da democracia – como uma tentação difícil de resistir. Estamos todos próximos de cair numa emboscada. O que pode acontecer se a notoriamente fraca governança democrática for substituída por um “homem forte” ou uma “mulher forte” no topo, com capacidade de tirar a responsabilidade de nossos ombros para os seus ombros fortes, em troca de nossa não interferência e submissão incondicional? Lembre-se de que a grande maioria dos nossos contemporâneos nunca experimentou, de primeira mão, os duvidosos encantamentos de viver sob uma ordem autoritária, muito menos uma totalitária.

ÉPOCA – O senhor concorda que a principal divisão nas sociedades ocidentais deixou de ser entre esquerda e direita e passou a ser aquela que opõe os que favorecem as fronteiras abertas contra aqueles que querem fechá-las?

Bauman – A bicentenária divisão entre direita esquerda tem sido sistematicamente e efetivamente erodida pela política de privatização e individualização.  Essa é uma política que gradualmente, mas incessantemente, substituiu um ambiente social hospitaleiro à solidariedade humana por outro gerador de suspeição mútua e competição brutal; um ambiente no qual nós, por bem ou mal, operamos desde o nascimento até a morte.

ÉPOCA – Como conter a ascensão dos neopopulistas e dos neofascistas?

Bauman – Eu não tenho uma receita pronta, nem um atalho. Eu suspeito que nós estejamos passando de uma busca por uma utopia (uma sociedade que ainda não existe em nenhuma lugar) para um retorno a uma “retrotopia” (uma sociedade que não existiu). As presentes gerações estão crescentemente desviando suas esperanças de uma sociedade melhor do futuro para o passado (igualmente imaginário). “Progresso”, que num passado não muito longínquo era associado a uma vida melhor, agora tende a ser associado a mais catástrofes, mais privação e degradação, mais riscos e menos segurança.

ÉPOCA – Na nossa Babel, como transformar incerteza em esperança?

Bauman – Como é da natureza da Babel, a única esperança para as pessoas presas nela é o diálogo – um diálogo contínuo e de boa vontade. Engajar-se no diálogo, como o papa Francisco vive nos lembrando, é confiar nas outras pessoas, por mais diferentes e estranhas, para que sejamos dignos de atenção, de sermos ouvidos, de discutirmos. O diálogo tem de ser sobre a construção de pontes, não de muros. E deixe-me fazer uma advertência: o diálogo não é uma prescrição para soluções rápidas e instantâneas. Mas, sem diálogo, dificilmente haverá futuro para os residentes da Babel que lhes dê tempo para ponderar resoluções e colocá-las em prática. Em outras palavras: o diálogo é o instrumento para tornar o nosso planeta hospitaleiro para resolver os problemas que nós confrontamos conjuntamente e que, uma vez que permaneçam sem solução, podem dar origem a pesadelos apocalípticos.

 

Megatendências: as dez grandes transformações que estão ocorrendo na sociedade moderna

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O livro, escrito no começo dos anos 80, pelo visionário norte-americano John Naisbitt, nos trás grandes revelações de como seria a sociedade internacional no século XXI, uma obra de relevância e de impacto que mostra a importância de se estudar os grandes movimentos da sociedade internacional e seus impactos sobre o indivíduo e para toda a sociedade.

 

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Presidenciáveis repetem erros que geraram a crise, diz economista

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Para José Alexandre Scheinkman, crise fiscal que assola o país vem sendo ignorada na campanha

17.set.2018 – Érica Fraga

SÃO PAULO

Algumas propostas dos candidatos que lideram a corrida à Presidência da República indicam que o Brasil persiste em erros que o levaram à última recessão.

A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenciáveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisador, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.

Na época, a contribuição culminou na elaboração da chamada “Agenda Perdida”, compilação de ideias de vários especialistas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.

Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocadas está a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras.

“Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia”, diz.

Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerá-la inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representaria um formidável retrocesso para o Brasil.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.

Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme “Feitiço do tempo”, em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão? 

Sim. As propostas da campanha presidencial mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.

O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtividade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.

Por que o país não avançou?

O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtividade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.

A quais programas o sr. se refere? 

Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.

O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas? 

Acho que as assessorias econômicas de Alckmin e Marina estão mais conscientes do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.

Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentaria resistência no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdência instituindo o sistema de capitalização.

Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor? 

A reforma da Previdência não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentadoria porque há um problema demográfico.

Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferenciação. Evidentemente, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapartida disso é que vivem mais do que os homens.

E há o problema dos regimes especiais que, essencialmente, se referem a uma parte do funcionalismo público que tem uma aposentadoria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.

Por que a recuperação da economia tem sido decepcionante, apesar de algumas mudanças feitas pela gestão Temer? 

Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhista. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independência. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimento.

O teto dos gastos é um negócio interessante porque supostamente é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmente, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessárias para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimentos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.

Vai ser inevitável aumentar impostos? 

Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalente a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.

Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da “Agenda Perdida”? 

Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economistas ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.

Acho que, evidentemente, as políticas sociais do Bolsonaro representariam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamentar contradiz o seu discurso econômico atual.

Mas vou falar do exemplo da capitalização da Previdência. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuição dos empregados atuais. Se a previdência for capitalizada, essas pessoas não vão contribuir mais.

Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessários impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentação financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidentemente, isso vai completamente contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.

Quanto à capitalização da Previdência, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessárias para entender o problema.

Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso? 

O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalidade.

Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discriminatórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universidade for gratuita.

Como resolver o problema do atraso da produtividade que já era urgente há décadas e só se torna pior? 

Temos de melhorar muito a infraestrutura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuísse mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.

Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológicos entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comercializa muito pouco com o resto do mundo.

Uma grande dificuldade é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrência.

O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.

Agora, qualquer reforma vai encontrar resistência. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhadores até que ocorra uma realocação.

Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: ‘Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo’. Isso é um absurdo, né?

José Alexandre Scheinkman, 70, Doutor em economia pela Universidade de Rochester, é professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA. Atua ainda como pesquisador associado do centro de pesquisa americano Nber

 

Segurança pública: para virar o jogo

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A leitura da obra Segurança pública: para virar o jogo, de Ilona Szabo e Melina Risso, nos auxilia na compreensão dos grandes desafios da segurança pública no Brasil, leitura leve e interessante, vale a pena se enveredar neste assunto tão fundamental para melhorar nossa convivência em comunidade.

 

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A Terra não se regenerará sozinha; essa tarefa é de todos que nela habitam

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Por Sineya Pinto – O Consolador

O pensamento acima é de Rossandro Klinjey (foto), palestrante e escritor bastante conhecido no meio espírita. Psicólogo clínico, mestre em Saúde Coletiva e doutor em Psicanálise, é autor do livro Temas complexos: uma abordagem didática e coautor do livro Educando para a paz.

Foi professor universitário por mais de dez anos, quando passou a se dedicar à atividade de palestrante. Atualmente, atua nas áreas de recursos humanos, motivacional, liderança, perspectivas da educação, relações interpessoais, desenvolvimento emocional, gestão de pessoas, serviço público, cultura de paz, entre outros.

Quando de sua última passagem por nossa cidade, Rossandro concedeu-nos a entrevista seguinte:

Como você conheceu o Espiritismo?

Tenho um irmão que foi morar na Rússia, quando tinha mais ou menos 18 anos. Ele estudou russo lá em Campina Grande e foi morar em Moscou para aprimorar-se no idioma. Passou numa seleção para ir morar em Moscou, onde  era difícil a comunicação por cartas, porque o governo ainda era da União Soviética e a gente não tinha como comunicar-se com ele, pois não tínhamos telefone. Só quem tinha muito dinheiro no passado é que tinha telefone; então minha mãe, com essa dificuldade de comunicação, estava muito angustiada. Ela tinha um amigo cardiologista chamado Fernando Queiroga, que falou que ela poderia ir ao Centro Espírita para obter notícia do filho. Minha mãe, que era uma pessoa muito mística, foi, mas eu não quis ir, porque pra mim centro espírita era uma coisa do mal. Ela, porém, disse: “Vai sim, pois você não pode ficar em casa sozinho; você tem 14 anos e tem que ir comigo, mas não é obrigado a entrar”. Fomos, mas fiquei do lado de fora do centro. Era um centro tão pequenininho, não tem terraço nem nada, de modo que eu não entrei mas escutei a palestra e aí, claro, escutei os argumentos, a leveza, a suavidade do Evangelho. E chegou então a informação: – Seu filho está bem, pegou uma gripezinha na primeira nevasca e está um pouco chateado porque as pessoas que com ele dividem o quarto têm o costume de fritar peixe no quarto, mas está bem e breve se comunicará com você. Eu achei aquilo tão absurdo, com tantos detalhes assim, gente que frita peixe no quarto, algo tão sem propósito, um absurdo, uma viagem… Aí, dias depois, chega uma carta do meu irmão: – Mamãe, estou bem, apenas peguei uma gripe porque a primeira neve, sabe como é, nunca tinha visto; então fiquei descoberto, e aí estou morando com coreanos e eles têm um costume horrível de assar peixe no quarto… Você fica assim… caramba… E o engraçado é que nessa mesma época quando viajou, meu irmão estava muito revoltado com a religiosidade. Certa noite ele pediu a uma moça um livro em português: era uma paulista que também estava em Moscou. Ela lhe disse: – Só tenho um livro em português aqui; se você quiser, chama-se O Livro dos Espíritos. Ele pensou: Uau… esse negócio é do demônio! Ela respondeu: – É o único que tenho em português. Ele então levou o livro e o leu a noite toda, até as quatro da manhã. Todas as questões da vida dele, sobre que tinha dúvidas, ele viu as respostas e foi muito engraçado que, quando ele voltou para o Brasil, eu tinha me tornado espírita e ele se tornou espírita lá, e a gente estava com vergonha de dizer um pro outro que tinha se tornado espírita. A partir disso, obviamente, comecei a estudar… Eu te digo que já fui evangélico, católico, e o que eu aprendi com o Espiritismo é que Deus está em todo lugar. E há uma questão que me chamou muita atenção, porque comumente as religiões  dizem que só elas é que têm a verdade e que as outras até que têm, mas a minha é melhor. Mas no Livro dos Espíritos Kardec pergunta se seria necessário ser espírita pra ter sorte na vida  futura ou uma vida melhor, e os espíritos respondem que, se fosse assim, estariam condenados todos aqueles que não tivessem o ensejo de conhecê-lo, o que seria um absurdo. Somente o bem garante ao homem um futuro melhor e o bem é somente o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza. Então pra mim isso foi um impacto teológico profundo, porque foi a primeira vez que eu vi uma manifestação de espiritualidade dizer que Deus está em todo lugar e que importante é como você é e não o rótulo que você professa. E isso é uma coisa que eu sentia, e foi confirmado ali. Então foi assim que eu conheci a Doutrina Espírita.

O fato de ser assumidamente espírita prejudica ou ajuda a sua condição de psicólogo? Você já sofreu alguma discriminação ou preconceito por isso?

Do ponto de vista humano, às vezes prejudicava, porque muita gente não ia para o consultório porque sabiam que eu era espírita e as pessoas, sei lá, achavam que eu fazia algumas coisas: aquela visão distorcida que as pessoas têm do Espiritismo. Profissionalmente muitas vezes as pessoas disseram que eu não conseguiria fazer sucesso nas palestras profissionais a não ser que eu tirasse todos os vídeos espíritas da internet . Eu disse que jamais faria isso, porque dos muitos defeitos que eu tinha, essa era a virtude que eu tinha: ser espírita, e não ia abrir mão disso nem  negar isso pra ninguém. Mas do ponto vista interno, pra mim isso tem sido uma grande contribuição, tanto nas minhas falas profissionais como nas minhas falas como psicólogo ou como professor quando dava aula. Esse conhecimento espírita respeitoso a todos e que consegue ver o ser humano para além de um caráter material só me enriqueceu. Então, do ponto de vista mais transcendente, ser espírita só me trouxe vantagens. Aliás, perto do testemunho que nossos irmãos no passado do Cristianismo deram ou que os nossos irmãos no início do movimento espírita no Brasil enfrentaram, a gente vive hoje num mar de rosas.

Como foi o convite para sua participação no programa Encontro com Fátima Bernardes?

A verdade é que eu comecei a fazer vídeos na internet com o objetivo de levar um pouquinho daquelas mensagens que havia nas palestras de uma forma mais encapsulada em 4 minutos. Então pegava um vídeo de 4 minutos e jogava na internet, e as pessoas começaram a ter uma receptividade maior do que imaginava. Os vídeos começaram a ter milhares, depois milhões de acessos, algumas palestras foram recostadas como aquela em que contei a história do meu amigo cujos filhos estavam vindo da Disney. Vários trechos sobre a educação dos filhos  tiveram milhões de acesso, rodaram no WhatsApp do mundo todo, até no WhatsApp chinês que é diferente, com tradução em mandarim;  então o que aconteceu é que o pessoal da Globo começou a ver a movimentação nas redes sociais com meu nome e daí me chamaram. A primeira vez pra eu ir lá foi em 2017. Fátima é uma pessoa muito  humana e doce,  e toda a equipe são pessoas muito legais e nunca me pediram pra mudar de opinião, pra não dizer o que eu penso. Tenho, pois, plena liberdade pra dizer o que eu penso claro, mas é claro que estou lá como psicólogo e não como espírita, o que é obvio; é programa laico e ele não tem espaço pra religião específica. Então, depois do terceiro programa que eu fui, eles pediram pra eu ficar fixo no programa, de modo que quinzenalmente, nas sextas-feiras, eu estou lá junto com Bráulio Bessa, que é um ser humano fantástico também, um ser humano que tem uma poesia transformadora, espiritual e é espírita também. A gente tem feito esse trabalho, levando essa mensagem sobre família, valores, comportamento humano, e tem sido uma experiência muito gratificante pra mim.

Como começou sua parceria com o Haroldo Dutra?
Conheci o Haroldo na Paraíba, no congresso espírita paraibano. A gente começou a conversar e já rolou uma sintonia muito grande. Nós temos um amigo em comum chamado José Octávio, que é de Minas Gerais, mas mora em Campina Grande. A gente nasceu no mesmo ano – 1971. Ele é mais velho três meses que eu e temos uma relação muito boa. Tenho uma admiração profunda por ele, pela profundidade dos estudos que ele faz em torno do Evangelho e por suas traduções. De nossas conversas surgiu a ideia das palestras curtas, de 15 minutos, inspiradas nessa nova linguagem do TED TALKS, que vem sendo utilizada no mundo inteiro, em face principalmente do psiquismo da geração atual, que quer um conteúdo mais encapsulado, mais objetivo. Então a gente pensou: – Por que não fazer uma coisa parecida, um evento parecido, e disso surgiu a IDE – Ideias, Diálogos e Espiritualidade. Conversando com o  Haroldo  na semana passada, conversamos sobre fazer um IDE jovem, voltado para os jovens, que pode ser no mesmo dia do IDE normal, algo que certamente faremos em breve. Haroldo é um irmão querido e a gente tem tarefas que se complementam.

Rossandro, que futuro você vislumbra para o Espiritismo no Brasil e no mundo?

A doutrina espírita, como sabemos, é imorredoura e grandiosa, mas o movimento espírita, humano, com nossas sombras e falhas, vai passar naturalmente por modificações, por transformações, por aprimoramento e amadurecimento. Em alguma medida eu me coloco nesta análise que vou fazer: todos nós, de um modo geral, com algumas exceções, não estamos conseguindo dar a essa doutrina luminosa a visibilidade que ela merece. Eu acho que nós temos um tesouro gigantesco que responde a parte significativa, senão todas, das angústias humanas e a gente não está conseguindo falar pra todo mundo isso. É preciso gritar, é preciso falar isso. Como diz Emmanuel, a maior caridade que podemos fazer para essa doutrina é a sua divulgação dela, para que ela provoque nos outros  corações o que provocou  no nosso; esse  sentimento de consolação, sentimento de esperança,  de não entrar no fluxo atual do desespero do desengano  e do desencanto,  do nonsense, para a gente saber  que existe um Cristo no leme desta nau chamada Terra, um governador amoroso que espera por nós, por nossos esforços rumo à evolução e desenvolvimento e que  sabe da necessidade das dores no processo de aprimoramento. Precisamos levar esse Evangelho redivivo, essa doutrina, para que outros corações possam ser consolados; precisamos divulgar essa doutrina com a grandeza que ela tem, na dimensão que ela tem. Somos um grupamento que não lida com dinheiro e, portanto, não dispõe de grandes recursos, mas com a evolução tecnológica, graças à internet, ao YouTube e todas essas redes, a gente tem conseguido chegar ao coração das pessoas através de vídeos e palestras. Pessoas que por falta de coragem ou por preconceito não entrariam numa casa espírita escutam as palestras e terminam se desarmando e percebendo que estamos falando do mesmo Deus, pregando o mesmo Evangelho, em busca do mesmo Pai, e isso tem sido algo muito bom e muito novo. Acredito que o movimento do Espiritismo na internet é hoje mais forte que o movimento nas casas, e é uma coisa muito natural porque as pessoas estão consumindo conteúdos em casa, em face da correria que todos enfrentam na vida. Lembro que uma vez eu estava com o Décio Iandoli em Atlanta fazendo uma palestra para umas 50 pessoas e, no entanto, havia 70.000 nos acompanhando pela internet. A gente está aqui falando nesta entrevista, alguém grava e joga no YouTube e explode… Então, para o bem e para o mal, a internet pode reverberar, mas que nós possamos, com esse instrumento, reverberar para o bem essa mensagem luminosa, essa doutrina fantástica, como é feito pela revista O Consolador, que há 12 anos realiza esse trabalho maravilhoso de divulgação espírita pela internet, com esse mecanismo de busca de temas do Evangelho e tantas informações veiculadas graciosamente.

Caro amigo, suas considerações finais.

Na verdade sempre é uma alegria poder falar sobre o que estamos sentindo e experimentando em torno do Evangelho e do Espiritismo em nossas vidas. Obviamente, se você fizer esta entrevista daqui a dois dias, eu iria ter outras coisas pra dizer pelos dois dias a mais de experiência; talvez daqui a 2 anos, mais coisas, o que é muito natural. Nos processos evolutivos a gente tem que  respeitar o nosso momento, o momento dos outros, a compreensão que a gente tem agora com as compreensões que virão amanhã… Que possamos, todos os que ouvirem ou lerem esta entrevista, entender a importância do papel que cada um de nós tem na transformação do planeta. A Terra não se regenerará sozinha; essa é uma tarefa de todos nós, de cada indivíduo que nela habita. Nós temos um dever pessoal de executar transformações, especialmente no campo da ética cotidiana, para que a gente possa transformar este país e cumprir o papel que nos foi designado pelo Cristo, o de sermos o coração do mundo e a pátria do Evangelho e possamos, assim, acolher aqui as pessoas e mostrar-lhes as possibilidades da vivência desse Evangelho, inspirando outros países para a construção  de um tempo novo,  que não será pautado pela quantidade de dinheiro que se tem, pela quantidade de armas que se tem, mas pela disposição  que se tem pra amar, servir e ser fraterno.

“Terceirização vai levar ao fim do emprego da classe média no país” diz Ruy Braga.

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O que acontecerá com o mercado de trabalho a partir da reforma trabalhista e da liberação da terceirização irrestrita? Para ajudar a entender o que virá, o Sul21conversou com Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo. Autor de diversos livros, sendo o último A Rebeldia do Precariado, lançado pela editora Boitempo em 2017, o sociólogo tem se dedicado a estudar o mercado de trabalho e a consequências da precarização que vem ocorrendo em diversos países do mundo, especialmente a partir da crise econômica de 2008.

A entrevista é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul 21, 10-09-2018.

As previsões que Braga faz não são nada favoráveis ao trabalhador. Pelo contrário, ele acredita na proliferação do subemprego, levando ao achatamento da renda das famílias, dificultando a retomada do crescimento e com poucas chances de trazer grandes modificações para o atual cenário de elevado desemprego no país. Além disso, com a generalização da terceirização, o sociólogo acredita estar próximo o desaparecimento do chamado emprego protegido.

“O que a gente vê no horizonte, se essa tendência não for revertida rapidamente, é o fim do emprego de classe média no país. Você não vai ter mais esse último bastião de contratação de classe média, via concurso público, com algum tipo de proteção, carreira ou algo do estilo. O que você vai ter é a generalização da contratação de trabalhadores terceirizados, profissionais terceirizados, PJs, ou via cooperativas ou via empresas de intermediação de mão de obra, empresas de trabalho temporário”, diz.

No lugar da proteção, ele vislumbra a generalização de práticas que são vistas no setor de transporte de passageiros por aplicativo. “Vai ter o Uber do professor, do enfermeiro, do jornalista, do arquiteto, do publicitário. Ou seja, um tipo de emprego precário mobilizado por plataforma digital. Essa é a tendência. Não se paga direito nenhum, não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, ocorre ao sabor do ciclo econômico, ou seja, das flutuações de mercado. É a devastação máxima da proteção via mercantilização do trabalho”, afirma.

Eis a entrevista.

Na última semana, acompanhamos, em Porto Alegre, a demissão de mais de 300 profissionais de um hospital, que logo em seguida foram substituídos por terceirizados. As demissões em massa com substituição por terceirizados é uma realidade que teremos a partir da liberação da terceirização irrestrita?

Sem dúvida, porque, na realidade, o contexto da crise econômica atual favorece medidas de corte de custos pelas empresas e o ajuste está sendo feito sobre o trabalho. Ou seja, muitas empresas estavam simplesmente esperando a pacificação dessa questão pelo Supremo a fim de iniciar esse ciclo de ajuste estrutural dos seus quadros. Como o Supremo eliminou a questão do último dique, a última barreira contra a terceirização – que era a súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho -, agora foi dada a largada para essa mudança estrutural do mercado de trabalho do país. Evidentemente, num contexto econômica, isso vai se dar de forma ainda mais acelerada.

Se nós tivéssemos uma situação relativamente normal da economia, com algum tipo de crescimento, a média que foi no último período de 14, 15 anos atrás, ainda assim haveria um ajuste estrutural do mercado de trabalho brasileiro tendo em vista as taxas de rotatividade históricas. Agora, com esse contexto de crise, esse ajuste vai se dar de forma ainda mais rápida, com a repetição desses exemplos pelo País afora. Ou seja, empresas mais ou menos endividadas irão optar por esse tipo de expediente, que, na realidade, o objetivo essencial é a diminuição de custos.

Eles consideram o trabalho como um custo e naturalmente, do ponto de vista da lógica econômica que guia as escolhas dessas empresas, é o que tem que prevalecer. Então, a gente vai, infelizmente, passar por um momento muito deletério do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores.

trabalho terceirizado é bastante conhecido pela literatura. Recentemente houve uma revisão de mais de 100 estudos, feito pelo pessoal do Dieese, demonstrando que o trabalho terceirizado afasta o trabalhador de direitos ou benefícios oriundos da negociação coletiva, praticamente, não há negociação coletiva, é um trabalho de jornadas mais longas, que remunera menos – em torno de 25% a menos em atividades comparáveis -, é um tipo de trabalho em que você encontra a tendência a um maior adoecimento, que se submete a taxas de rotatividade mais elevadas, é um tipo que a gente costuma chamar de trabalho precário, mesmo que o vínculo seja formalizado. Então, o que a gente espera é um ajuste estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que deve ocorrer num ritmo mais intenso, e uma difusão generalizada da precariedade das condições de trabalho, que evidentemente repercutem nas condições de vida da população.

A grande promessa da terceirização irrestrita, assim como da reforma trabalhista, é de que iria facilitar a contratação. Que impacto tais medidas podem ter na questão do desemprego?

No desemprego, nenhum. O que vai acontecer é um aumento do subemprego. É uma falácia e uma inverdade dizer que reformas da legislação trabalhista que atacam o polo protetivo do trabalho, que de alguma maneira eliminam direitos, criam empregos. Não criam empregos.

O que cria emprego, basicamente, é o investimento, público ou privado. Sem investimento – e a taxa de investimento no Brasil é declinante -, não há criação de novos empregos. O que vai acontecer é uma substituição de empregos mais ou menos protegidos por empregos precários, com uma tendência da estabilização do nível de desemprego nessa faixa que a gente conhece, que hoje está em torno de 13%. E se você somar as demais fatias da questão do subemprego ou do desalento você vai alcançar em torno de 27 milhões de pessoas ou desempregadas ou subempregadas no país. Isso tende a se cristalizar, com o aprofundamento da precarização daqueles que, de alguma maneira, ainda mantém um certo vínculo formal de emprego. Então, não há horizonte por conta de reforma trabalhista para o aumento do emprego.

Essa é uma realidade bastante conhecida, a própria OIT [Organização Internacional do Trabalho] publicou, em 2015, uma análise bastante minuciosa de 61 casos nacionais acompanhando as reformas trabalhistas, que se intensificaram no mundo a partir de 2007 e 2008. Em todos os casos, não houve criação de emprego, o que se verifica é um aumento do subemprego, da informalidade ou do trabalho precário. Com os efeito que são mais do que conhecidos: o aumento da desigualdade social, o aumento da violência. Ou seja, não há muita novidade nessa seara.

Essa precarização pode ter um efeito cascata negativo, de diminuição do poder de compra e sobre o mercado de consumo?

Os dois efeitos principais da generalização da terceirização, tendo em vista o achatamento da renda do trabalhador, são: por um lado, a diminuição do consumo, ou seja a erosão da capacidade de consumo das famílias trabalhadoras, e, por outro lado, efeitos perversos sobre a Previdência. O que a gente está assistindo, na realidade, é um desmanche do pacto distributivo que foi estabelecido com a Constituição de 1988. E essa solidariedade intergeracional tende a se fragilizar a um ponto insustentável num futuro previsível. Não há horizonte de aumento da arrecadação, mas o contrário. Com o achatamento da renda o que você vai ter é uma incapacidade, uma dificuldade muito grande de manter a Previdência num nível sustentável. Até porque, com a generalização da terceirização no setor público, que fatalmente irá acontecer num contexto de teto de gastos, você elimina um dos principais pilares da Previdência, que é a contribuição previdenciária do funcionalismo público, que é algo muito importante para as contas da Previdência.

Os defensores das reformas têm argumentado que contratar no Brasil era muito difícil, engessado, e que era necessário desregulamentar o mercado de trabalho. Uma reforma era necessária?

Em primeiro lugar, é uma falácia considerar que o mercado de trabalho é rígido, porque não é. Basta você ver as taxas de rotatividade no emprego formal. São taxas elevadíssimas para os padrões internacionais, ou pelo menos entre os países comparáveis ao Brasil. Não há propriamente inflexibilidade ou rigidez. A contratação também é muito simples, por uma razão muito evidente: o nível de salário que se paga na entrada do mercado de trabalho é baixíssimo. Se você olhar o emprego criado no ciclo de expansão, de 2003 a 2013, 94% do mercado formal pagava até 1,5 salário mínimo. Hoje em dia, você tem empregos criados, temporários ou contratos de tempo parcial, que pagam menos do que é um salário mínimo. O que se paga hoje na entrada é muito pouco. O nível salarial é o que de fato regula, em última instância, as contratações na entrada. E as demissões são absolutamente fáceis de se fazer no país. Instituiu-se, na verdade, uma prática de não pagar direitos na demissão. É por isso que você tinha até recentemente tantos processos na justiça trabalho. Então, o que se tem é um mercado de trabalho ultra flexível, altamente mercantilizado, em que a CLT, na realidade, era o mínimo do mínimo. Ou seja, algo muito tênue separando a civilização da barbárie de mercado de trabalho. Hoje, você já não tem mais isso, ou seja, vai ter a generalização da barbárie.

Sem dúvida nenhuma, precisávamos de reformas da CLT, principalmente trazendo a CLT para a realidade do tipo de trabalho, por exemplo, sob plataforma digital, que acontece no século XXI, mas no sentido de ampliar a proteção social e facilitar a contribuição previdenciária, de garantir um fortalecimento das negociações coletivas que fosse de fato algo importante, no sentido de organizar melhor o mercado de trabalho, adaptando à realidade do século XXI. O que foi feito foi o contrário: eliminar direitos, mexer em cláusulas que eram mínimas de proteção trabalhista e atacar propriamente qualquer forma de regulação do trabalho que favorecesse o trabalhador. Então, esse tipo de situação coloca o mundo do trabalho brasileiro em uma situação periclitante, em que a degradação das condições tendem a se precarizar ainda mais num futuro previsível.

Por que o presidente Temer segue dizendo que não houve retirada de direitos com as reformas?

Porque o presidente Temer mentiu à nação, é um corrupto que deveria ter sido tirado do cargo há muito tempo. Evidentemente, mentiu para a nação para aprovar essa reforma.

Voltando à questão do serviço público. Podemos ter serviços públicos terceirizados em áreas consideradas essenciais como educação, saúde, quem sabe até na área de segurança?

Na saúde e educação, a contratação OSS (Organizações Sociais sem Fins Lucrativos) para administrar hospitais e escolas já é uma realidade no país. Ainda é uma realidade minoritária em relação ao conjunto das instituições, mas agora, com a liberação da terceirização para atividade-fim, vai se transformar em majoritária.

O senhor acredita que vai haver uma generalização das OSs?

Sim, não tenha dúvida. Agora, o que você vai ter no serviço público é uma contratação via OSS, via empresas de emprego temporário, empresas de intermediação de mão de obra e cooperativas. O que é importante destacar é que, no mundo do trabalho que a gente vive hoje, são poucos os espaços de contratação de profissionais que efetivamente oferecem oportunidade para aquilo que a gente antigamente chamava de carreira. Ou seja, de você progredir funcionalmente no interior de uma instituição. São poucos esses espaços, eles vão se tornando cada vez mais seletivos no setor privado, por conta do achatamento das empresas, por conta do próprio processo de externalização de atividades, de formação de empresas em rede. Então, aquelas camadas médias das empresas vão sendo progressivamente eliminadas. Organizacionalmente e tecnologicamente falando, as funções vão sendo substituídas por sistemas de informação, por exemplo, inteligência artificial, software e assim por diante. Então, você não tem mais nas empresas aquilo que tradicionalmente se podia identificar como sendo empregos de classe média, ou seja, que associavam qualificação, proteção, carreira, progresso e avanço institucional, de renda ou coisa do estilo. Essas camadas estão sendo eliminadas. Onde você ainda tinha isso? Qual é o espaço de sobrevivência de empregos de classe média no sentido mais tradicional? Não há dúvida que o principal espaço é o serviço público, o Estado. Agora, com a liberação da terceirização para atividade-fim, por um lado, e a PEC do teto dos gatos por outro, a gente tem uma combinação explosiva para o emprego de classe média. O que vemos no horizonte, se essa tendência não for revertida rapidamente, é o fim do emprego de classe média no país. Você não vai ter mais esse último bastião de contratação de classe média, via concurso público, com algum tipo de proteção, carreira ou algo do estilo. O que você vai ter é a generalização da contratação de trabalhadores terceirizados, profissionais terceirizados, PJs, ou via cooperativas ou via empresas de intermediação de mão de obra, empresas de trabalho temporário. Vão se multiplicar e vão tomar conta do aparelho do Estado brasileiro, com a formação dos cartéis, das máfias que a gente conhece. Já existem hoje e tendem a se generalizar. Esse é o horizonte. É claro que o judiciário vai se proteger. A elite do serviço público no país, aquele mais bem remunerado, juízes, promotores, vão dar um jeito, pelo peso corporativo que têm, de se proteger. Mas o restante vai ser devastado.

Essa era a minha pergunta: tem algum setor que pode ser protegido?

Juízes e promotores. Eles vão se proteger.

Só esses?

Só, é basicamente isso.

A reforma ainda deixou uma brecha para considerar fraudes quando os empregos são considerados como vínculo empregatício, com subordinação e exigência de frequência. Mas o que pode ser considerado fraude depois da liberação da atividade-fim?

O que eventualmente pode ser considerado fraude é o trabalho de Pessoa Jurídica, mas com vínculo de trabalho subordinado. Ou então essas formas de contratação de trabalho autônomo, mas que, na realidade, é o falso trabalho independente ou trabalho autônomo. Mas não o trabalho terceirizado. Ele foi regulamentado já, pacificado pela decisão Supremo.

Mas o que configura o trabalho subordinado agora?

Se você é contratado via PJ, mas ao mesmo tempo por uma empresa de intermediação do trabalho para prestar serviço para um terceiro, isso pode ser considerado fraude, porque, na realidade, você não é PJ, é um trabalhador subordinado. Mas vão ser casos cada vez mais difíceis de caracterizar, tendo em vista essa legislação.

O que eu lhe pergunto é o seguinte: tem lojas que terceirizam o setor de venda. Essas pessoas, de alguma forma, vão receber ordens dos proprietários, mesmo terceirizadas, ou não?

Claro que sim, mas o trabalho terceirizado é uma das formas mais clássicas do trabalho subordinado. O que não podia acontecer antes era você contratar vendedores numa loja de calçados via empresa de intermediação do trabalho ou empresa de trabalho temporário. Agora, você pode. Não tem fraude, pacificou.

Mas isso não pode ser considerado relação de subordinação?

Vai ser, mas o trabalho terceirizado é subordinado. O que poderia eventualmente criar alguma dúvida é se você tivesse, por exemplo, contratando por uma empresa um PJ, a vendedora cria uma empresa PJ e passa a se subordinar a um único empregador. Então, se você é PJ, a ideia é que você tenha liberdade, escolha diferentes empregadores, porque você é uma empresa. Mas se caracterizar que você é um PJ que só tem um único empregador, um único contratante durante toda a jornada, isso eventualmente poderia ser considerado fraude. No entanto, não é isso que vai acontecer, porque as empresas de comércio e do setor de serviços vão contratar empresas de trabalho terceirizado.

Elas vão contratar o posto de trabalho.

É isso que vai acontecer, e principalmente no setor de serviços. É o setor que vai ser mais rapidamente devastado por essa decisão.

Como o senhor mesmo disse, isso vai baratear os custos paras as empresas e isso tem sido visto como benéfico pelo setor empresarial, que se diz animado, segundo as pesquisas. Mas que tipo de prejuízos a terceirização pode trazer para as empresas?

As empresas ganham numa ponta, que é a ponta do custo do trabalho, e perdem na outra, que é a ponta do consumo. Então, a gente vai ter o que já aconteceu nos países que passaram por esse processo de ajuste: um dos motores do crescimento econômico vai ficar claudicando, que é o motor do consumo das famílias. A renda vai ser devastada e você vai perder um desses motores. Não tem muito segredo, quais são os motores do crescimento econômico: exportação, investimento público, investimento privado, consumo das famílias e endividamento. O que você vai ter agora é que o consumo das famílias não tem mais.

Muito se fala que essa decisão traz segurança jurídica para a volta do investimento. As duas coisas estão ligadas?

Olha, não vejo segurança jurídica na nova CLT, nessa contrarreforma trabalhista. Existem muitas alterações que foram feitas na lei e contradizem a Constituição brasileira. Então, me parece que, por essa via, a gente vai ter problemas. Houve uma pacificação com a decisão do Supremo que é a eliminação da súmula do Tribunal Superior do Trabalho, a 331. Nesse ponto, agora, não há mais dúvidas a respeito de que tipo de atividade pode ser terceirizada. Nesse ponto, houve um reforço da segurança jurídica, mas não me parece que isso é suficiente para criar um meio-ambiente para investimento. Até porque um ambiente para investimento não é criado na oferta de trabalho, ele é criado na ponta da capacidade de produção das empresas, fundamentalmente. Uma empresa não vai, só porque tem condição ótima de contratação, investir na criação de outra fábrica se tem capacidade ociosa instalada na fábrica atual. Então, como a gente tem capacidade ociosa no Brasil hoje, não vai ser devastando o mercado de trabalho que você vai estimular as empresas a investirem.

Dá para dizer que se beneficia as empresas exportadoras e prejudica aquelas que dependem do mercado interno?

Olha, num certo sentido, sim. Mas a nossa pauta de exportação foi se tornando tão monótona, tão concentrada em produtos do setor primário — minério de ferro, soja, carne, enfim –, que são setores que já operam com um tipo de trabalho que é muito barato. Quando se fala em exportação, sim, alguns setores vão ser beneficiados porque vão pagar ainda menos para os seus trabalhadores. Mas, sinceramente, isso não é algo que chama a atenção quando se pensa no nível de devastação do mercado de trabalho que está sendo implementado no país hoje. Mesmo as empresas que exportam, elas, em alguma medida, interagem, fazem parte de grupos que têm pernas no mercado interno de trabalho. Ou seja, não sei se essa é a explicação. Eu acho que a explicação mais clara é a crise econômica e esse raciocínio que todo empresário tem de curto prazo, de pagar no próximo mês. O curto-prazismo faz com que se corte os custos e pressione os políticos que são pagos pelos empresários, notoriamente aqueles que votaram e encaminharam a contrarreforma da CLT.

Uma coisa que pouco se discute é sobre quem são as empresas terceirizadas. Ainda defende-se a terceirização como uma especialização, quando as terceirizadas não são especializadas, mas apenas contratadoras de mão de obra, correto?

Elas fazem a intermediação de postos de trabalho. Essa empresa não é um negócio, é o gato, o atravessador. Elas são desespecializadas, especializadas única e exclusivamente na contratação de força de trabalho. Elas não treinam ninguém.

O importante a destacar é que o mercado de trabalho brasileiro não é caracterizado por trabalho complexo, mas simples. Haja visto o nível de salários que se paga no país. O que se tem são empresas que se especializam no processo de intermediação de força de trabalho, o que significa basicamente que, na relação entre contratante e contratado de força de trabalho, você coloca um intermediador, um gato. É claro que quando você coloca um gato nessa relação direta de contratação, alguma das partes vai ganhar e outra vai perder, porque você não tem condições de colocar um terceiro numa relação, que vai evidentemente ganhar, se não tirar de um dos polos do contrato. Então, na realidade, essas empresas crescem e florescem sobre a devastação da proteção do trabalho. É uma forma de espoliação social. Elas crescem na medida que diminuem as formas de remuneração, os benefícios. Elas ganham porque o trabalhador deixa de receber benefícios, por exemplo, vale-alimentação, algum tipo de benefício concedido na negociação coletiva. A empresa ganha porque o trabalhador perde do ponto de vista do salário, porque vai ter uma jornada mais longa, no processo de espoliação social do trabalhador.

E acontece muito embuste nesse setor, empresas que abrem num dia, fecham no outro, reaparecem com outro CNPJ.

Não tenha dúvida, é outra face da espoliação social. Então, mesmo que a empresa seja formalizada, ela é irresponsável. Ou seja, abre, estabelece contratos, explora a força de trabalho, fecha por questões menores, é muito mais difícil de você fiscalizar, porque são muito mais pulverizadas, e deixam os trabalhadores a ver navios no momento do encerramento do vínculo empregatício. Isso é muito comum, é a regra, na realidade, no mundo das empresas terceirizadas do país. E é a generalização disso que vai acontecer num futuro próximo.

O objetivo das reformas também era a desobrigação de lidar com processos trabalhistas e com essas situações?

Sem dúvida. A despeito de você ainda manter a responsabilidade da empresa contratante, ainda assim o que vai acontecer é que os processos vão se alongar muito mais, distanciando ainda mais o trabalhador dos seus direitos. Hoje em dia, quando uma empresa que contrata diretamente deixa de cumprir com alguma obrigação trabalhista, naturalmente o trabalhador aciona a Justiça do Trabalho. Normalmente, são esses custos rescisórios são garantidos. Agora, você tem primeiro todo o processo contra a empresa terceirizada. Aí, depois que esgotar isso, você vai processar a empresa contratante. Ou seja, você alonga muito esse processo. Com essa contrarreforma trabalhista, você transfere o ônus dos custos processuais para o trabalhador. É ele que, caso perca o processo, vai ter que arcar com os honorários. Diga-se de passagem, é uma decisão contra a Constituição brasileira. Mas, de qualquer forma, quando você olha em uma perspectiva mais ampla, o que você percebe nitidamente é que está se produzindo, fortalecendo um desestímulo ao acesso à Justiça do Trabalho pelos trabalhadores. Eles não vão ter mais a Justiça do Trabalho para recorrer em termos práticos.

Também é uma forma de pressão para que o trabalhador aceite qualquer acordo?

Claro. A tendência é afastar o trabalhador cada vez mais dos seus direitos e, consequentemente, bloquear o acesso à Justiça do Trabalho. Forçar uma aceitação, uma subordinação já na ponta do encerramento do vínculo empregatício.

Como o senhor vê o futuro do mercado de trabalho. Quais são as perspectivas de curto e médio prazo? Algo pode acontecer para reverter o quadro de desemprego atual?

No curto e médio prazo, os próximos cinco anos, o que você vai ter é que, se houver uma recuperação do emprego, vai se dar na base da generalização do subemprego. Ou seja, de um tipo de emprego que remunera muito mal, com jornadas muito longas e distante da proteção trabalhista, dos benefícios da negociação coletiva de trabalho. O que me parece que deve acontecer, acompanhando outros casos internacionais, é uma estabilização do desemprego num patamar muito alto, com uma deterioração das condições de contratação no interior do mercado de trabalho. Por outro lado, isso atinge a renda, o que significa que um dos motores do crescimento econômico vai claudicar, e muito provavelmente vamos manter taxas muito baixas de crescimento econômico, o que repercute sobre a própria questão do investimento e, consequentemente, do desemprego. Finalmente, a questão previdenciária vai estar em risco. Com a deterioração das condições de consumo das famílias trabalhadoras, com a generalização do trabalho terceirizado, que deve se transformar nos próximos cinco anos na forma predominante e hegemônica de contratação no Brasil, e com esse tipo de impacto que vai ter sobre o emprego protegido, em particular no serviço público, a tendência é aprofundar as tensões em termos de financiamento da Previdência pública no país, com efeitos principalmente sobre a velhice. O aumento da pobreza na velhice.

Como o senhor vê o impacto de uma maior automação no mercado de trabalho?

O mundo está vivendo uma revolução 4.0 do ponto de vista da automação, da inteligência artificial, e isso tudo traz um elemento complicador. Os cálculos que são feitos nos países desenvolvidos apontam para uma coisa em torno de 22% dos empregos que seriam direta ou indiretamente atingidos pela revolução da automação 4.0, em particular no setor de serviços. No caso brasileiro, idem. A gente vai ter um impacto nessa direção, com a generalização do tipo de trabalho precário mobilizado por plataforma eletrônica, o que é um pouco o modelo do Uber. Você vai ter esse modelo se multiplicando. Vai ter o Uber do professor, do enfermeiro, do jornalista, do arquiteto, do publicitário. Ou seja, um tipo de emprego precário mobilizado por plataforma digital. Essa é a tendência. Não se paga direito nenhum, não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, ocorre ao sabor do ciclo econômico, ou seja, das flutuações de mercado. É a devastação máxima da proteção via mercantilização do trabalho. Essa é a tendência que a gente percebe hoje no país.

E qual deveria ser um projeto de nação para adaptar o país à realidade da indústria 4.0?

Você tem que investir, basicamente, na qualificação, em setores que ainda conseguem criar empregos de qualidade, reverter completamente, desfazer a reforma trabalhista tal como ela ocorreu. Você tem que propor um aumento da proteção do trabalho e, principalmente, a medida mais importante de todas elas, tem que diminuir a jornada de trabalho sem diminuição de salário. Ou seja, tem que repartir a massa de trabalho existente por aqueles que estão dispostos a trabalhar. Sem isso, não há a menor possibilidade de reverter essas tendências no curto e médio prazo.

 

Lehman Brothers e o desastre do capitalismo financeiro mundial

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Há exatamente dez anos o capitalismo entrou em uma grande crise terminal, com graves desdobramentos em toda a economia internacional, gerando uma quebradeira generalizada, falência de bancos e corretoras, além de levar inúmeras empresas a bancarrota, com desemprego em ascensão, renda em queda e incremento da degradação social, instabilidades políticas e esgotamentos de modelos econômicos e produtivos.

O centro de toda esta degradação econômica e financeira foi os Estados Unidos da América, depois de um forte crescimento no começo do século XXI, os negócios entraram em um ciclo recessivo que se espalhou por todo o mundo, o epicentro do terremoto financeiro foi a crise do mercado imobiliário que culminou em hipotecas não pagas, bancos em crise e população em pânico, obrigando o governo a adotar uma política de socorro generalizado, sob pena de destruição do capitalismo norte-americano, com graves impactos sobre a economia internacional, o resgate foi orquestrado pelo Federal Reserve (FED) e contou com o apoio de outros Bancos Centrais que, para evitar a degradação total foram obrigados a injetar trilhões e trilhões de dólares no sistema financeiro internacional, aumentando a liquidez e socorrendo o setor privado.

O crescimento do mercado imobiliário norte-americano foi bastante acelerado no começo do século XXI, depois de um forte boom na economia somados a um grande desenvolvimento tecnológico, inúmeras famílias refinanciaram suas residências e, com o dinheiro em mãos, foram para as compras, dinamizando a economia do país e garantindo novos ganhos econômicos, o emprego e a renda dos trabalhadores cresceram, os ganhos tributários do governo aumentaram consideravelmente, criando um clima de prosperidade e de euforia, ninguém em sã consciência imaginaria que a economia mundial estava a beira da crise e da bancarrota.

Este boom econômico levou os bancos a aumentarem os empréstimos imobiliários, como o mercado estava bastante aquecidos e a liquidez elevada, as famílias contraíram novas dívidas e adquiriram suas residências, neste ambiente visualizávamos dois grupos de tomadores de recursos juntos ao setor bancário: de um lado encontrávamos os chamados clientes Prime, correntistas com renda e patrimônio condizentes com os empréstimos adquiridos e de outro os clientes subprime, que possuíam renda mas não patrimônio, eram correntistas com histórico de inadimplência e atrasos anteriores mas que, naquele instante, apresentavam condições de tomar recursos para a aquisição da casa própria.

Os clientes subprime são aqueles que contraíram dívidas acima de sua capacidade de pagamento, com as dificuldades do momento passam a atrasar hipotecas e aumentaram a instabilidade do sistema bancário, com medo os bancos contraem os empréstimos e reduziram o financiamento dos imóveis, aumentando a instabilidade e comprometendo todo o setor financeiro. Como as casas foram dadas como garantia para os empréstimos, os bancos começaram a retomar os imóveis, com a crise se alastrando o valor das casas se reduz imensamente, levando os bancos a acumularem graves prejuízos que se espalham para todo sistema econômico e produtivo.

No Brasil, a crise chegou de uma forma mais branda, o país vivia um momento de crescimento econômico e relevância política, era o segundo governo Lula e o país apresentava grande potencial de desenvolvimento econômico, segundo o governo o Brasil foi o último a sentir os efeitos da crise e o primeiro país a sair dela. Os movimentos do governo para debelar a crise foram o velho intervencionismo econômico, redução do IPI dos produtos de linha branca e automobilístico e novos investimentos nos setores produtivos com aumento no emprego e na renda, soma se a isso um forte incremento nos empréstimos que tiveram no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Nordeste e no BNDES seus grandes atores, tudo isso contribuiu para uma melhoria no cenário econômico e uma euforia generalizada.

Os resultados internos foram bastante auspiciosos, a economia continuou seu ciclo de crescimento, o emprego e a renda cresceram e os ganhos políticos do governo foram positivos, culminando em taxas de crescimento econômico em 2010 de mais de 7,5%, garantindo a eleição da representante do governo petista e a continuidade no poder do mesmo grupo político. A economia brasileira vivia um momento de grande euforia, depois de muitos anos de instabilidades e baixo crescimento, o país dava mostras de que tinha alcançado a maturidade necessária para assumir uma posição de destaque na sociedade internacional, para coroar todo o sacrifício a revista britânica The Economist retratou o Brasil favoravelmente e destacou seu forte crescimento econômico, o país do futuro se tornará o país do presente, o Cristo Redentor finalmente decolava.

O governo norte-americano comandado pelo republicano George W. Bush, foi fortemente pressionado pelo setor privado para evitar a quebradeira que se aproximava, as alternativas eram poucas, de um lado o governo deveria escolher entre intervir e evitar a bancarrota de empresas e setores inteiros da economia ou deixar que as empresas pedissem falência, cujo resultado seria uma forte recessão comparável ao acontecido na crise de 1929. Para evitar a quebradeira o governo colocou trilhões de dólares na economia, a seguradora AIG recebeu mais de US$ 100 bilhões e a montadora Chrysler mais de US$ 50 bilhões, um verdadeiro capitalismo de Estado na pátria do Liberalismo econômico.

A crise de 2008 afetou fortemente a imagem do neoliberalismo no mundo, depois de um crescimento avassalador na economia internacional desde o Consenso de Washington, de 1988, as ideias neoliberais perderam força e foram fortemente criticadas pelos teóricos da esquerda, sendo vista como uma fórmula clara e eficiente para levar os países em desenvolvimento para o caos generalizado, com degradação da renda e do emprego e uma forte pitada de desindustrialização, marcas de uma concorrência descrita como desleal com empresas e setores industriais mais fortes e consolidados de países desenvolvidos e industrializados.

A crise levou as duas grandes empresas do setor imobiliário a sofrerem a intervenção do governo norte-americano, as gigantes Fannie Mae e Freddie Mac passaram a ser controladas pelo governo por tempo indeterminado, com substituição de seus principais executivos e com investimentos na casa dos US$ 200 bilhões para evitar que ambas entrassem em insolvência e gerassem um desajuste ainda maior na economia dos Estados Unidos da América, era o Estado socorrendo o setor imobiliário para evitar que os desvarios do setor privado destruíssem o capitalismo norte-americano.

A falência do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, uma instituição antiga, tradicional e consolidada, foi o estopim para a crise de confiança se espalhar como pólvora na sociedade global, se um banco com esta tradição e imagem foi a bancarrota, o que seria de outras instituições menores e com menor tradição? É importante destacar, que os bancos transformam estes empréstimos, ou melhor, estas hipotecas, em papeis e vendem-nas para outras instituições, fazendo com que as perdas se espalhem além da economia norte-americana, levando outros países a sentirem os efeitos desta crise do setor imobiliário de forma mais intensa, como a Espanha, a Itália, a Irlanda e a Grécia.

Alguns dos maiores bancos do mundo, como o Citigroup e o Merril Lynch, perderam mais de US$ 10 bilhões apenas no quarto semestre de 2007, como os Estados Unidos se caracterizam como sendo um dos maiores consumidores do mundo, toda crise que gera desequilíbrios na estrutura da renda, do emprego e do consumo no país, o impacto sobre a economia internacional é imediato, levando a uma retração na demanda agregada de produtos do resto do mundo.

Os efeitos da crise se espalharam para todas as regiões e países da economia internacional, o comércio global se reduziu e os fluxos financeiros também perderam força, a recessão se disseminou para inúmeros países e os obrigaram a adotar políticas fortemente intervencionistas, aumentando a liquidez na economia internacional e reduzindo os juros, com tantos recursos disponíveis, países como o Brasil, passaram a sentir um incremento na entrada de recursos na economia, muitos destes recursos se destinavam a usufruir de nossa alta taxa de juros quando comparada as do mercado internacional, esta atração valorizava o câmbio e contribuía para o controla da inflação mas, ao mesmo tempo, incrementava a desindustrialização do país, fenômeno este que vem acompanhando a economia brasileira desde o começo dos anos 90.

Países como a China perceberam nesta crise um momento de reflexão e reestruturação de seu modelo econômico, não seria mais possível se basear em um modelo fortemente centrado no setor externo, depois de muitas décadas exportando produtos chineses para a sociedade internacional, o país se vê na necessidade de alterá-lo, iniciando a construção de um novo paradigma, baseado no incremento do mercado interno como agente dinamizador do crescimento econômico, desta forma o crescimento seria mais estável e menos dependente dos humores da economia internacional.

O Brasil, inicialmente, sentiu pouco a crise de 2008, as medidas adotadas pelo governo foram certeiras, o crescimento voltou e a economia passou a criar empregos e aumentar a renda, politicamente os ganhos foram consistentes, garantindo a continuidade no poder do mesmo grupo político, é importante destacar ainda que, os crescentes gastos do governo e as políticas desastradas no âmbito fiscal, levaram o país a uma crise generalizada em 2015, com uma recessão bastante sólida que degradou muitas das conquistas sociais que o país se orgulha de ter conseguido acumular e obrigando o país a novos reajustes nas finanças públicas sob pena de levar o Estado brasileiro a uma situação de insolvência.

Com a crise surgiram, nos Estados Unidos, novas leis e instituições para coibir os excessos do sistema financeiro, bancos foram vendidos ou fundidos em um único grupo, empresas foram alienadas e grupos novos surgiram mais fortes e consistentes, aumentando a produtividade do capitalismo norte-americano, tornando o país mais atuante e competitivo no mercado internacional, mesmo assim, percebemos que estas mudanças institucionais foram insuficientes para garantir riscos menores e as possiblidades de uma nova crise estão vivas na mente de todos os gestores responsáveis da sociedade mundial.

Destacamos ainda, os impactos na democracia norte-americana, de um lado percebemos uma fragilização do sistema político, as empresas se utilizaram de seu poderio econômico e político para garantir recursos suficientes para evitar que entrassem em crise, em contrapartida, milhões de cidadãos foram a bancarrota e não receberam um único centavo para se reerguerem mostrando, com isso, como o sistema corporativo dos Estados Unidos são dotados de poder e possuem grupos sofisticados e lobbies poderosos quando querem extrair algo que os beneficie do governo, a chantagem e a pilhagem são instrumentos de políticas adotadas para garantir eternos benefícios para uma elite imediatista e influente nos rumos adotados pela classe política.

A crise jogou na degradação milhões de famílias norte-americanas, empregos foram destruídos e esperanças foram enterradas, a crise abriu espaços para novos grupos políticos, como o Tea Party, nascido dentro do Partido Republicano e com um perfil mais conservador e muitas vezes mais intolerantes com as diversidades existentes na sociedade, tudo isto contribuiu para a ascensão de Donald Trump nas eleições de 2016, num momento que beira a insanidade e a loucura, e faz com que a democracia esteja num momento de grande inquietação, incerteza e instabilidade, o mundo nos últimos anos ficou mais perigoso e mais intolerante.

Os dramas da crise financeira não terminaram depois de passados dez anos, após uma política de forte intervenção do Estado na economia, os governos dos países desenvolvidos buscam uma forma suave de reduzir as perdas acumuladas no período, as ações se valorizaram e os títulos públicos recuperaram seus rendimentos mas, mesmo assim, as perdas acumuladas foram consideráveis, o setor privado se recuperou e estimulou o crescimento da economia norte-americana mas um fantasma ronda as economias, uma nova crise pode gerar uma forte destruição da economia internacional com graves consequências para toda a humanidade, o epicentro desta nova crise ainda é bastante incerto mas todos os especialistas acreditam que as origens desta nova crise, sem dúvida, será a Ásia, com fortes chances de ser uma crise originária na China, o que poderá comprometer as bases da economia internacional e reviver o sonho marxista de superação do sistema capitalista mundial, quem viver verá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘Populismo se nutre da falsa ideia de que mundo vai mal, mas ele vai bem’, diz Steven Pinker

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Psicólogo defende que humanidade está em seu melhor momento, mas pessimismo nos confunde

Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO

Enquanto o noticiário nos apavora com milhões de refugiados, guerras sangrentas e crianças famélicas, o psicólogo e linguista canadense-americano Steven Pinker persiste na cruzada para nos convencer de que o mundo nunca esteve tão bem.

Divulgar o progresso da humanidade, segundo ele, não é só um meio de corrigir uma visão distorcida que as pessoas têm do mundo. É uma urgência neste momento de ascensão do populismo autoritário.

Em seu livro mais recente, “O Novo Iluminismo – Em defesa da razão, da ciência e do humanismo”, que será lançado quinta (6) no Brasil pela Companhia das Letras, Pinker, 63, retoma o projeto de mostrar com dados e fatos que as coisas estão melhorando.

Para o psicólogo cognitivo, é preciso redobrar o foco na razão, na ciência, no humanismo e no progresso para que as coisas continuem a melhorar e para evitar que as pessoas sejam seduzidas pelo discurso catastrofista nostálgico do populismo em expansão.

Quando vemos o noticiário, parece que o mundo está cada vez pior. Mas o sr. argumenta, com dados, que nunca estivemos tão bem. Por que há esse descolamento entre a nossa percepção e a realidade?

Isso decorre da natureza do noticiário e da mente humana. A mente humana avalia risco e perigo por meio de exemplos vívidos, imagens, narrativas.

Não somos intuitivamente estatísticos. Se lemos uma reportagem marcante sobre alguém sendo mordido por um tubarão, um terrorista jogando seu carro no meio das pessoas na calçada, ou um ataque numa guerra, isso nos faz pensar que esse tipo de incidente é extremamente comum.

Nós conseguimos nos lembrar facilmente do que está mais disponível na nossa memória, algo que os psicólogos chamam isso de heurística da disponibilidade. Quanto mais alguma coisa está à mão na nossa memória, mais pensamos que é algo com grande probabilidade de acontecer.

Já o noticiário tem como objetivo apresentar ao público eventos e incidentes. Se qualquer coisa ruim acontece em qualquer lugar do mundo, é garantido que estará no noticiário.

Já os acontecimentos positivos muitas vezes não rendem imagens vívidas, e na maioria das vezes não são coisas que acontecem de repente, portanto eles sistematicamente não estão no noticiário.

Não se noticia o fato de que, nos últimos 40 anos, não houve nenhuma guerra no sudeste da Ásia, uma região onde frequentemente havia conflitos, como o da Coreia, Camboja, Vietnã. Uma região onde não há guerra não é uma manchete, esses são acontecimentos que só podem ser vistos por meio de dados.

Só quando você compila dados, como eu fiz, é que consegue compreender as enormes mudanças benéficas que ocorreram no mundo.

Por exemplo, mortes em guerras: o número de mortes aumentou um pouco nos últimos cinco anos, por causa da guerra da Síria, mas, mesmo assim, está muito abaixo dos níveis dos anos 50, 60 e 70, e mais ainda dos níveis da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Da mesma maneira, os jornais raramente falam que a porcentagem da população vivendo em pobreza extrema caiu de 30% há 30 anos para 10%; e alfabetização aumentou para 90% das pessoas com menos de 25 anos.

Na maioria dos países, a criminalidade caiu. Até no Brasil, um dos mais violentos, houve queda no número de mortes decorrentes de crimes em algumas cidades, como o Rio.

Melhoras que podem ser detectadas nos números, nos dados, quase nunca aparecem no noticiário, por isso as pessoas não sabem que houve progresso.

As pessoas reagem com ceticismo quando o senhor tenta convencê-las de que o mundo está melhorando? 

Sempre. Quando elas veem dados, elas ficam surpresas e mais receptivas —por isso eu conto a história do meu livro por meio de 75 gráficos, e, no livro anterior (“Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, Companhia das Letras, 2017), eu usei 100 gráficos, porque sabia que, se as pessoas não vissem os números, não acreditariam.

O sr. mostra no livro que, além da mídia, as pessoas têm a tendência de focar o lado negativo das coisas...

Há estudos bem conhecidos mostrando que o ruim é mais forte que o bom; do ponto de vista psicológico, estamos mais preocupados com o que pode dar errado do que com o que pode dar certo.

Temos a tendência de nos lembrar melhor de acontecimentos negativos do que positivos, quando são recentes. Mas é diferente quando se trata de coisas que aconteceram há muito tempo. Nós lembramos das coisas boas e ruins, mas tendemos a esquecer quão ruins foram os acontecimentos negativos.

De certa maneira, as pessoas nascem nostálgicas, daí porque temos livros com títulos como “os bons tempos eram péssimos” e “a melhor explicação para os bons tempos é a falta de memória”.

Mas, em geral, acontecimentos negativos deixam um impacto psicológico maior. E isso tem mais uma consequência: normalmente, levamos muito mais a sério as pessoas que nos alertam para o que pode dar errado do que as pessoas que identificam o que está dando certo.

É aquele ditado: sempre parece que os pessimistas querem nos ajudar, enquanto os otimistas querem nos vender alguma coisa.

No livro, o sr. fala da maneira pessimista com que encaramos o futuro e a nossa atual situação. Por exemplo, quando se pergunta a alguém quantas coisas boas poderiam acontecer hoje, a pessoa pensa em algumas; mas se perguntam quantas coisas ruins poderiam acontecer, ela pensa em um milhão…

Bom, isso não é apenas um efeito psicológico, é a realidade. Há realmente um número muito maior de coisas que podem dar errado do que podem dar certo, essa é a natureza do universo.

Aliás, acho que é por isso que somos tão despreparados para dar valor ao nosso progresso, porque durante a maior parte da história não houve progresso nenhum ou foi muito lento. Foi só a partir da revolução científica que o progresso se tornou uma realidade.

De que maneira os valores do iluminismo contribuem para a melhora de nossas vidas? 

Quando falo em valores do iluminismo me refiro a razão, ciência, humanismo e progresso. Razão no sentido de não confiarmos em dogmas ou autoridade, devemos sempre ser céticos e tentar descobrir as coisas usando a lógica e as provas.

Ciência é a aplicação da razão ao mundo natural. Humanismo é o princípio de que é o bem estar dos seres vivos que é o maior valor moral, e não a glória de uma tribo, nação, ou lei religiosa. E progresso é usarmos razão e ciência para alcançarmos o bem estar dos seres vivo.

Isso não significa que teremos um mundo perfeito, isso é impossível, mas pode, sim, haver uma melhora gradual.

O sr. afirma que o populismo autoritário é um dos movimentos de reação contra o iluminismo. A ascensão desse populismo é preocupante? 

Muito preocupante, porque o progresso não é automático, nem inevitável, ele depende dos ideais do iluminismo. Portanto, se um movimento contra o iluminismo se torna dominante, isso pode desacelerar o progresso ou levar a retrocesso.

Já houve várias fases de retrocesso na história, por exemplo, durante a ascensão do fascismo nos anos 30 e 40, que levou o mundo a se voltar contra a democracia liberal.

No livro, eu discuto como os movimentos atuais contra o iluminismo são uma continuação de movimentos do século 19 que glorificavam nação, raça ou religião, em vez de focar os indivíduos, e que olhavam para o passado como uma era de ouro em vez de tentar resolver problemas e fazer um futuro melhor que o presente.

Ao dizer sempre que as coisas nunca estiveram tão boas não estamos adotando uma visão de elite? Sim, tudo está ficando melhor para você, mas não para o pessoal passando fome em favelas, na guerra da Síria, etc...

Na realidade, os dados que eu uso se referem ao mundo inteiro. Claro que as pessoas que mais sofrem ainda estão em uma situação péssima, mas o fato de a guerra ter sido debelada ou evitada em outros lugares aumenta nossa confiança de que podemos trazer paz para partes do mundo que estão sofrendo.

O oposto, pensar que sempre houve guerras, é da natureza humana, e não há nada que possamos fazer, nos torna insensíveis.

Se você pensa que todo mundo no Oriente Médio sempre está se matando, você será fatalista e cínico. Se você pensa que o Sudeste Asiático teve guerras sangrentas por 70 anos e agora tem a paz, podemos pensar que isso pode acontecer no Oriente Médio também.

O sr. afirma que as políticas identitárias também são inimigas dos valores iluministas. Por quê? 

Política identitária é uma teoria de que a humanidade é dividida em grupos baseados em raça, gênero, e orientação sexual, que sempre estão brigando por poder.

É a teoria de que precisamos lutar para que um grupo tenha menos poder, para que o outro possa ter mais. Isso é contrário à ideia de que todos os humanos têm a possibilidade de prosperar e sofrer, e que podemos ser engenhosos descobrindo soluções que vão melhorar a vida de todo mundo, não só de determinados grupos.

Da mesma maneira que é errado discriminar alguém por causa de raça ou gênero, é errado tentar virar a mesa e fazer outra raça ou gênero superior. Igualdade significa que todos têm direitos iguais, independentemente de raça, gênero ou orientação sexual.

Mas e quanto a corrigir injustiças ou desequilíbrios históricos? 

É possível que existam legados históricos de discriminação, e é legítimo ajudar pessoas que foram discriminadas, é o princípio da justiça. Mas isso não se aplica a todas as pessoas de uma determinada raça.

Então usar políticas raciais acabaria discriminando contra alguns indivíduos, e isso geraria ressentimento e reação —que é o que estamos vivendo nos EUA hoje.

O aumento na desigualdade de renda é visto como um sinal de que o progresso é limitado, e a vida não melhorou para todos da mesma forma. Mas o sr. diz que igualdade econômica não é um componente fundamental do bem estar. 

A pobreza é um componente fundamental do bem estar, igualdade econômica não é.

Em qualquer economia onde haja livre mercado é inevitável que surja desigualdade econômica. Como aconteceu com a revolução industrial do século 19, e agora com a revolução eletrônica, é inevitável que algumas pessoas aproveitem melhor que outras as novas oportunidades econômicas.

Sou a favor de políticas que tentam ajudar os mais pobres, como tributação progressiva, mas apenas quando o objetivo é melhorar a vida dessas pessoas, e não igualar a vida de todo mundo.

No seu dia a dia, o sr. reclama bastante da vida? 

(Risos) Acho que sim. Mas tento me lembrar sempre de quão sortudo eu sou por viver em uma democracia liberal —por enquanto, pelo menos, ainda é uma democracia liberal.

Tento por minhas queixas cotidianas em perspectiva, eu sou muito sortudo por ser um professor e escritor.

É muito útil pensar em como as coisas eram piores para os meus pais e meus avós, apreciar o progresso que tivemos, não para sermos complacentes, pelo contrário, para nos estimular a buscar mais progresso.

Por que seu livro precisava ser escrito neste momento? 

O mundo precisa de uma narrativa que se contraponha ao populismo autoritário.

As pessoas não valorizam as conquistas da democracia liberal, não há muita gente disposta a defendê-las.

Há pessoas carismáticas e apaixonadas defendendo o populismo autoritário e a religião, mas o projeto iluminista carece de defensores. Não sou um líder carismático, mas espero dar munição e argumentos para pessoas que possam ser.

Vivemos em uma era em que é possível acessar dados que costumavam ser obscuros e difíceis de encontrar, então podemos documentar o progresso e isso muda nossa compreensão das coisas.

As pessoas parecem estar imunes a dados e fatos ultimamente. 

As pessoas sempre foram imunes a dados e fatos, é assim que a mente humana funciona.

Algumas pessoas estão dispostas a aprender, duvidar de suas intuições e essas pessoas podem usar esses dados para repensar suas crenças. Isso pode motivar pessoas que são comunicadores eficientes a usar fatos positivos para se contrapor à narrativa populista.

Não deveríamos combater a propaganda com propaganda, mas propaganda amparada em fatos vale a pena espalhar.

 

Brasil precisa sair da tormenta sem eleger um autoritário, diz professor de Harvard

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Autor do livro ‘Como as Democracias Morrem’, Steven Levitsky afirma que cenário brasileiro inspira preocupação – Marco Rodrigo Almeida – Folha de São Paulo – Agosto de 2018.

 

SÃO PAULO

Nada de tanques nas ruas, conspirações militares, palácios em chamas. Nas últimas décadas, dizem os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblat, a maior parte dos políticos autoritários chegou ao poder pelo voto dos eleitores.

Nesse cenário, a democracia é corroída aos poucos, muitas vezes de maneira quase imperceptível. Os cidadãos continuam a votar, Constituições e instituições permanecem vigentes, mas os líderes encontram brechas para aumentar seus poderes, alongar mandados, enfraquecer órgãos de controle, intimidar oponentes e cercear a imprensa.

É o que ocorreu, com diferentes graus de retrocesso, em países como Venezuela, Peru, Rússia, Hungria e Nicarágua.

No livro “Como as Democracias Morrem”, Levitsky e Ziblat, ambos professores da Universidade Harvard, estudam esses casos e dão um passo além: sistemas constitucionais mais tradicionais também estão sujeitos a riscos.

Há razões para alarme nos Estados Unidos, argumentam, uma vez que a polarização partidária extrema entre os partidos Democrata e Republicano desgastou as normas democráticas, processo que teria se acelerado com a eleição de Donald Trump em 2016.

“Nenhum outro candidato presidencial decisivo na história moderna dos Estados Unidos demonstrou um compromisso público tão frágil com direitos constitucionais e normas democráticas”, afirmam os acadêmicos.

Na semana passada, Levitsky veio ao Brasil para divulgar o livro, cujo lançamento será em setembro pela editora Zahar. Em entrevista à Folha, diz que a democracia brasileira também inspira preocupação: a convergência de recessão e escândalos de corrupção favorece a ascensão de políticos demagogos e potencialmente autoritários. Para o autor, este seria o caso de Jair Bolsonaro (PSL).

O senhor diz no livro que o sistema político dos EUA já sobreviveu à Guerra Civil, à Grande Depressão, à Guerra Fria e a Watergate, mas que não tem tanta certeza de que sobreviverá a Trump. Ele é o maior perigo que o país já enfrentou?

Eu diria que é a primeira vez que elegemos alguém tão pouco compromissado com as normas constitucionais e democráticas. A combinação de um presidente demagogo e um quadro de polarização extrema, como o dos EUA, causa grande preocupação.

Muitas propostas de Trump foram barradas por outros Poderes. Isso não prova que a democracia está funcionando? 

Depende de que parte. Há instituições que funcionam bem e outras que funcionam menos bem. Eu diria que o Poder Judicial até agora está funcionando bem. O Congresso, como o tempo, tornou-se menos ativo, está controlado pelo partido de Trump, o Republicano.

Cada republicano que enfrentou Trump nos últimos dois anos foi destruído politicamente. Então, com o tempo, o Partido Republicano se converteu em um instrumento de Trump. O Congresso controlado por um partido que se tornou trumpista já não é um Poder independente.

Instituições fortes e tradicionais, como a dos EUA, não são suficientes para controlar líderes autoritários?

Eu diria que instituições bem desenhadas não necessariamente são suficientes. Precisam ser complementadas por normas democráticas informais, não escritas. Focamos duas no livro. A tolerância mútua, o entendimento de que as partes se aceitem umas às outras como rivais legítimos, e a reserva institucional, a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prorrogativas institucionais.
Isso é o que torna forte uma instituição. O problema é que essas normas vêm perdendo força com a polarização.

Houve uma mudança no sistema de seleção de candidatos. Historicamente os líderes partidários selecionavam os candidatos. Era um processo pouco transparente, pouco democrático, no qual os líderes mais importantes negociavam as candidaturas. Isso durou do princípio do século 19 até 1968.

A partir da eleição de 1972, introduzimos um sistema totalmente distinto de primárias, que é muito mais democrático, mais transparente, mais participativo, mas que limita o poder dos líderes partidários e dá muito poder aos votantes de cada partido.

O velho sistema tinha um monte de defeitos, mas funcionava muito bem como filtro para prevenir a chegada de figuras extremistas ou autoritárias. O novo sistema é mais democrático, mas sempre há o risco de que alguém famoso ou rico, como Trump, seduza o eleitorado.

É perigoso dar muitos poderes aos eleitores?

Precisamos distinguir a democracia dentro dos partidos e fora dos partidos. Obviamente a democracia não existe se as eleições não estão nas mãos dos eleitores. Temos que confiar nos eleitores. No entanto, a respeito da decisão de quem será o candidato há um debate. Em muitas democracias no mundo, sobretudo na Europa ocidental, não ocorrem primárias, não há democracia dentro dos partidos. Os candidatos são escolhidos pelos caciques. Há aspectos muito positivos na democracia interna, mas também riscos.

O livro aponta um paradoxo. A estabilidade política dos EUA, do fim da Guerra de Secessão aos anos 1980, foi alcançada às custas da exclusão racial. A luta dos direitos civis nos anos 1960 expandiu a democracia, mas provocou uma polarização social que hoje desafia o sistema. A democratização tornou-se uma ameaça à democracia? 

Sim, esse é um paradoxo trágico. Nos EUA não houve o que chamamos de plena democracia até os anos 1960, quando os negros obtiveram o direito de votar em todo o país. Essa democratização é que iniciou a lenta polarização que há hoje entre os partidos Democrata e Republicano

Quais são os caminhos para diminuir a polarização?

O Partido Republicano tem um grande paradoxo também. Nasceu no século 19 sendo um partido antiescravidão, pró-direitos civis. Um século mais tarde, termina sendo um partido que basicamente representa brancos que temem a perda de sua maioria. É um partido branco, cristão e reacionário. Continuando assim, teremos um ambiente ainda mais dividido.

É necessário que o Partido Republicano decida ser mais diverso, decida atrair pessoas que não são brancas nem cristãs. Precisa falar com o país inteiro, e não apenas com uma parte dele.

O bipartidarismo do modelo político dos EUA favorece essa polarização? O número não necessariamente afeta a polarização. O Brasil se polarizou, apesar de ter 35 partidos. Uma certa fragmentação de poder político certamente é salutar para a democracia. No entanto, vemos que geralmente em países com muitos partidos quase todos são frágeis. Assim um líder populista acumula muito poder.

A vantagem dos EUA é que o Partido Democrata é uma oposição forte, tem cerca de 40% dos votos em todas as eleições, tem ativistas em todos os estados, tem verba. Uma das razões de tantos autoritários se consolidares no poder é a existência de uma oposição muito fraca.

O senhor cita no livro alguns critérios que permitem identificar um político autoritário.  Algum dos candidatos à Presidência no Brasil se enquadra nessa categoria? 

Não sou especialista em política brasileira, mas fizemos uma investigação e constatamos que sim, que Jair Bolsonaro (PSL) se revela como potencialmente  autoritário.
Ele já se manifestou a favor da ditadura militar, já pediu o fechamento do Congresso, disse que pretende governar com as Forças Armadas, questionou a legitimidade do sistema eleitoral. Para mim, são evidências de que não está comprometido com as regras democráticas.

O que explica o apelo popular de tantos líderes autoritários?

O Brasil é um bom exemplo. Vocês enfrentam ao mesmo tempo uma tremenda crise econômica e a pior crise de corrupção que já se viu numa democracia. É uma tempestade perfeita.
Em momentos assim é muito comum a aparição de populistas que prometem limpar o sistema, combater a classe política. Resulta atrativo para a população. O desafio do Brasil é sobreviver à tormenta sem eleger um autoritário.

Aqui também criou-se grande polarização com o impeachment de Dilma Rousseff. Que avaliação faz desse episódio? 

Não diria que foi um golpe de Estado, não compartilho da posição do PT. Foi um processo legal, constitucional. Mas diria que foi algo politizado. Parece-me que o governo violou a lei, mas utilizaram isso como desculpa para justificar um ato essencialmente político. Embora seja legal, constitucional, o ato pode ser danoso à democracia.

Agora vocês têm um partido importante, o PT, que pensa que o outro lado está jogando sujo. Isso foi reforçado, claro, pela prisão de Lula. Então o PT, corretamente ou não, avalia que foi ilegitimamente removido do poder em 2016 e que agora seus rivais utilizam medidas antidemocráticas para evitar que voltem ao poder, destruindo seu candidato mais popular.

Não digo que o PT tenha razão. Entretanto, quando um dos principais partidos do país tem a percepção de que seus rivais estão jogando sujo, e parcela significativa da população pensa o mesmo, temos um problema de legitimidade bastante forte.

O que fazer nesse cenário?

Não há uma só receita. A recuperação da saúde em uma democracia é inevitavelmente um processo lento. Alguns passos já podem ser tomados: os grandes partidos, PSDB e PT, têm que voltar a um lugar em que estavam entre 1994 e 2010, onde competiam, aceitavam-se mutualmente como rivais legítimos, podiam sentar, falar e negociar.

Não há saídas rápidas na democracia. Todos os processo são lentos, de construção de alianças. Tudo requer muito trabalho político.

Isso gera impaciência , pessimismo e certa nostalgia do autoritarismo. A democracia é sempre lenta, imperfeita, é um processo de negociação. Num país tão grande e heterogêneo como o Brasil, tudo inevitavelmente é super lento.

O problema é que alguns grupos ficam impacientes e tentam uma saída autoritária.

O senhor está otimista em relação aos EUA?

Acreditamos que nossas instituições democráticas são fortes. Não somos Rússia, Turquia ou Venezuela.
A nossa democracia é muito mais dura de matar. Mas há razões para nos preocuparmos. Não somos pessimistas, mas sim preocupados.

E em relação ao Brasil?

Sou mais otimista que muitos brasileiros [risos]. Creio que o regime democrático brasileiro na época pós-Collor, de 1994 a 2013, representou uma ampliação de direitos como poucas vezes se viu na América Latina.
É fato que hoje tudo parece estar na merda [risos], mas isso não significa que todas as conquistas anteriores estejam perdidas. Como nós nos EUA, aqui também vocês precisam ser bastante vigilantes.

Steven Levitsky
Professor de ciência política da Universidade Harvard, tem 50 anos. Desenvolve pesquisas sobre América Latina, sistemas políticos, democracias e ditaduras. Escreveu, com Daniel Ziblat, o livro “Como as Democracias Morrem”, que sai em setembro no Brasil.

4 SINAIS PARA RECONHECER UM AUTORITÁRIO
Segundo Levitsky, devemos nos preocupar quando políticos:

1) Rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo

2)Negam a legitimidade dos oponentes

3)Toleram e encorajam a violência

4) Dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia

AUTORITÁRIOS QUE CHEGARAM AO PODER ELEITOS PELA POPULAÇÃO

Casos citados no livro de Steven Levitsky

Hugo Chávez 

Após comandar tentativa de golpe frustrada em 1992, elegeu-se presidente da Venezuela em 1998. Nos anos seguintes, alterou a composição e aparelhou a Suprema Corte, fechou emissora de TV, prendou ou exilou oposicionistas e eliminou barreiras que limitavam a ampliação de seus mandatos

Alberto Fujimori

Venceu nas urnas o escritor Mario Vargas Llosa em 1990, em meio ao colapso da economia peruana, prometendo renovação e combate à corrupção. Inábil para a negociação política, atacava publicamente políticos da oposição e juízes. Em abril de 1992 dissolveu o Congresso.

Recep Tayyip Erdoğan

Depois de tentativa de golpe contra seu governo, o presidente turco declarou estado de emergência e lançou mão de onda maciça de repressão, com o expurgo de cerca de 100 mil funcionários e funcionários públicos, o fechamento de jornais e mais de 50 mil prisões.

Donald Trump

Tentou punir ou expurgar agências que atuavam com independência e reescrever regras eleitorais de identificação de eleitores para favorecer seu partido

 

O sono nas reuniões espíritas

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Todos nós sabemos da necessidade do sono para o refazimento do nosso organismo físico. No entanto, é preciso que se atente para o fato de que nem sempre nos é adequado fazer uso dessa bênção para nos restabelecer o equilíbrio, havendo mesmo ocasiões em que ele pode até se tornar fatal para nossas vidas.

Há momentos em que não se pode admitir que alguém possa estar dormindo como, por exemplo, na hora do trabalho remunerado, que pode lhe custar até mesmo a demissão por justa causa; ou quando estiver com a responsabilidade de cuidar de uma criança; ou ainda no trânsito ao volante de um veículo nas rodovias brasileiras. Imagine um médico dormindo ou mesmo cochilando, durante uma cirurgia delicada, etc. etc. Assim, podemos afirmar que “o sono exercido à hora em que se solicita a vigília, pode tornar-se inimigo cruel e implacável”.

Alan Kardec nos esclarece a respeito da utilidade do sono conforme segue:

 

À hora de dormir

“O sono tem por fim dar repouso ao corpo; o Espírito, porém, não precisa de repousar. Enquanto os sentidos físicos se acham entorpecidos, a alma se desprende, em parte, da matéria e entra no gozo das faculdades do Espírito. O sono foi dado ao homem para reparação das forças orgânicas e também para a das forças morais. Enquanto o corpo recupera os elementos que perdeu por efeito da atividade da vigília, o Espírito vai retemperar-se entre os outros Espíritos. Haure, no que vê, no que ouve e nos conselhos que lhe dão, ideias que, ao despertar, lhe surgem em estado de intuição. É a volta temporária do exilado à sua verdadeira pátria. É o prisioneiro restituído por momentos à liberdade.

Mas, como se dá com o presidiário perverso, acontece que nem sempre o Espírito aproveita dessa hora de liberdade para seu adiantamento. Se conserva instintos maus, em vez de procurar a companhia de Espíritos bons, busca a de seus iguais e vai visitar os lugares onde possa dar livre curso aos seus pendores.

Eleve, pois, aquele que se ache compenetrado desta verdade, o seu pensamento a Deus, quando sinta aproximar-se o sono, e peça o conselho dos bons Espíritos e de todos cuja memória lhe seja cara, a fim de que venham juntar-se-lhe, nos curtos instantes de liberdade que lhe são concedidos, e, ao despertar, sentir-se-á mais forte contra o mal, mais corajoso diante da adversidade.” ¹

Nas reuniões espíritas, sejam nas palestras, nos grupos de estudos, nas reuniões mediúnicas, ou outra qualquer, não se pode admitir que o trabalhador espírita dê menos importância aos labores da Seara do Mestre de Nazaré, que, nos afazeres normais do seu dia a dia, visto que, em sendo ele admitido para essas tarefas na seara da mediunidade, acredita-se que esteja consciente de sua responsabilidade nas referidas atividades da Casa Espírita que frequenta.

Temos visto muitos companheiros, alistados nas tarefas das cassas espíritas, que são protagonistas de situações realmente desagradáveis, por se entregarem ao sono nas reuniões doutrinárias, que normalmente já chegam atrasados com a intenção única de dar passes no final das palestras, para que sejam observados por todos como tarefeiros passistas de suas instituições. Quando se veem chamados a dar algumas explicações sobre o sono que lhes domina, saem com as maiores e mais absurdas desculpas tais como:

1- Estou sendo utilizado pelos Espíritos para ceder fluidos para ajuda ao orador;

2- Estou trabalhando em parcial desdobramento;

3- Alguns chegam a afirmar, que aprendem muito mais desdobrados que em vigília, etc.

Claro que esse desculpismo, infundado e sem lógica doutrinária, é natural naqueles que se julgam mais sabidos que os outros, mas, que na verdade em nada condiz com alguém que conhece os preceitos de uma Doutrina clara e lógica como a nossa. Sabemos que o cansaço físico de um dia atribulado no trabalho profissional, aliado à falta de motivação e a monotonia de determinados oradores, muito pode contribuir para a sonolência de quem já tem o mau hábito de dormir nas atividades espirituais da Casa Espírita.

Mas, esses fatores predisponentes aqui citados, não representam a verdadeira causa do adormecimento nesse tipo de reunião, que, na sua grande maioria, se processa pela interferência de mentes viciosas do mundo espiritual inferior, que operam magneticamente à distância, com a finalidade de não permitirem que o indivíduo adormecido se beneficie do tema edificante da palestra.

“Sobre o assunto, vejamos o que diz o assistente “Aulus” para André Luiz: “(…) Os expositores da boa palavra podem ser comparados a técnicos eletricistas, desligando «tomadas mentais», através dos princípios libertadores que distribuem na esfera do pensamento.

Sorriu bem-humorado e prosseguiu:

— Em razão disso, as entidades vampirizantes operam contra eles, muitas vezes envolvendo-lhes os ouvintes em fluidos entorpecentes, conduzindo esses últimos ao sono provocado, para que se lhes adie a renovação”.2

Irmã Zélia também confirma a ação perniciosa dos desencarnados infelizes que se aproveitam da invigilância de certos tarefeiros, que, imprevidentes e despreparados para os misteres da mediunidade, se deixam envolver por essas influências negativas conforme narra a Otília Gonçalves:

“Alguns – prosseguiu – penalizada-, embora libertados momentaneamente das expressões obsedantes, penetram o recinto, com desrespeito e indiferença, entregando-se, durante o trabalho, ao sono reprochável, resultante da intoxicação mental de que são portadores ou se deixam conduzir pelos pensamentos habituais, refazendo as ligações mentais e ameaçando o serviço venerando, pela possibilidade de invasão intempestiva dos seus algozes revoltados, constrangidos, na retaguarda, e que, destarte, encontram brechas no conjunto que deve ser protegido e defendido por todos.” 3

Dessa forma, é de suma importância que nos preparemos adequadamente para exercer as atividades no labor mediúnico, em nossas Casas Espíritas, observando alguns ensinos ministrados pelos amigos espirituais dentre os quais destacamos:

a- Quando possível, fazer um pequeno relaxamento físico e mental, antes de se dirigir ao trabalho espiritual da Casa Espírita;

b- Evitar alimentação exagerada e de difícil digestão;

c- Dedicar-se com alegria e empenho às atividades espirituais, por saber que estamos representando Jesus ante o necessitado que O busca;

d- Evitar conversas negativas, como críticas, comentários sobre doenças, queixas, etc., portando-se de forma mais digna exigida para um trabalhador da Seara do Mestre de Nazaré;

e- Manter-se em sintonia elevada, orando e vibrando positivamente, contribuindo para o êxito do trabalho.

Precisamos atentar para o fato de que somos os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos e não podemos ficar acusando este ou aquele indivíduo ou este ou aquele motivo para nos desculpar dos nossos insucessos perante as tarefas de cunho espiritual a nós confiadas pela Espiritualidade Maior. Sobre esse assunto, observemos o que nos escreve André Luiz:

“Não acuse os Espíritos desencarnados sofredores, pelos seus fracassos na luta. Repare o ritmo da própria vida, examine a receita e a despesa, suas ações e reações, seus modos e atitudes, seus compromissos e determinações, e reconhecerá que você tem a situação que procura e colhe exatamente o que semeia”.4

Que Jesus nos guarde em sua paz, e que não sejamos nós os responsáveis pelo fracasso das atividades de intercâmbio nas tarefas a que nos candidatamos por livre e espontânea vontade.

Francisco Rebouças – Mundo Espírita

Fontes:

1) E.S.E. – Cap. XVIII, item 38.

2) Livro: Nos domínios da mediunidade , 23ª edição– Cap. 4, pag. 39.

3) Livro: Além da Morte , 9ª edição – Cap. XVI, pag. 239.

4) Livro: Agenda Cristã – Cap. 18.

 

 

“Vivemos um momento de grandes equívocos na sociedade…”

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A revista eletrônica “O Consolador”, redigida especialmente para circular na internet, ofereceu ao jornal “Mundo Espírita”, na íntegra, a entrevista concedida pelo médium e conferencista Divaldo Franco, por ocasião do primeiro aniversário da Revista. É a soma dos esforços de líderes espíritas de todo o Brasil, entre eles José Passini, Ricardo Baesso de Oliveira, Arthur Bernardes de Oliveira, Jorge Hessen, José Carlos Munhoz Pinto, Orson Peter Carrara e Astolfo O. de Oliveira Filho, todos residentes no Brasil, e as confreiras Elsa Rossi, Claudia Werdine e Kátia Fabiana Fernandes, radicadas na Europa.

A entrevista foi dividida em três blocos: temas de natureza doutrinária, questões e problemas da atualidade e assuntos pertinentes ao Movimento Espírita. Neste número, publicamos a primeira parte e, no número de agosto próximo, a parte final.

Ei-la, a seguir, na íntegra:

O Consolador – Nossos animais de estimação ficam por algum tempo numa espécie de erraticidade, no chamado mundo espiritual, ou são de imediato encaminhados a uma nova encarnação? 

O egrégio Codificador do Espiritismo informa-nos que o período em que os animais se demoram na erraticidade é breve, logo retornando à reencarnação. Nada obstante, a mediunidade vem demonstrando que ocorrem períodos mais longos, conforme encontramos narrações nas obras ditadas pelo Espírito André Luiz ao venerando médium Francisco Cândido Xavier, assim como Charles à nobre médium Yvonne do Amaral Pereira. Essas informações não colidem com a palavra do mestre de Lyon, porque o desdobramento dos estudos doutrinários estava previsto por ele, ampliando as informações contidas nas obras básicas.

Recordo-me, por exemplo, de Sultão, o cão que acompanhava o padre Germano, conforme narrado nas Memórias do Padre Germano, de Amália Domingo Soler, e da vida de Dom Bosco, que era defendido por um cão, nas diversas vezes em que atentaram contra a sua vida.

Pessoalmente, já tive diversas experiências com animais, especialmente cães desencarnados, que permanecem na erraticidade há algum tempo.

O Consolador – Para haver gravidez, independentemente do desejo dos pais e do reencarnante, existe necessidade de autorização das autoridades espirituais?

Certamente que sim, porquanto no mapa da reencarnação dos futuros pais já se encontram delineados os filhos que devem, que podem ou que queiram ter. Graças a isso, ocorrem as facilidades na concepção ou os grandes impedimentos que vêm sendo vencidos pela ciência, através dos tempos, facultando a ocorrência, sempre sob supervisão espiritual.

O Consolador – Você acha válida a proposta de Kardec pertinente à atualização periódica dos ensinamentos espíritas, tendo em vista o avanço da Ciência? Se acha válida, como devemos implementar essa medida? 

Creio que o pensamento do preclaro Codificador encontra-se firmado no seu bom senso e na percepção dos notáveis avanços que teriam a ciência e a tecnologia do futuro, conforme vem ocorrendo. Em razão disso propôs que, pelo menos uma vez em cada quarto de século, fosse realizada uma atualização dos ensinamentos espíritas. Nada obstante, também me pergunto como isso seria realizado, por exemplo, na atualidade, com tantas correntes dissonantes em nosso Movimento, pelo menos no Brasil…

O Consolador – Em sua opinião, os Espíritos desencarnados mantêm relações sexuais tal qual se verifica na crosta? 

Conforme a questão nº 200 de O Livro dos Espíritos, o Espírito é, em si mesmo, assexuado, sendo-lhe a anatomia uma contribuição para o fenômeno da procriação. Ao desencarnar, no entanto, o Espírito mantém as suas tendências, especialmente aquelas de natureza inferior às quais aferrou-se em demasia, prosseguindo com as construções mentais que lhe eram habituais. Como resultado, acreditam-se capazes de intercursos sexuais nas regiões inferiores onde se encontrem, como efeito da condensação das energias viciosas no perispírito. Frustrantes e perturbadoras, essas relações são degradantes e afligentes, porquanto são mais mentais que físicas, dando lugar a processos de loucura e de perversão…

O Consolador – Como deve posicionar-se um casal espírita diante do diagnóstico de anencefalia no filho que se encontra na fase de gestação. 

Espírita ou não, o casal que gera um filho anencéfalo e cuja anomalia é detectada ainda na vida fetal, deve amar a esse Espírito que irá reencarnar-se com a problemática a que faz jus em razão de atos praticados anteriormente e que lhe modelaram a forma atual. A vida fetal não pode ser interrompida, senão quando a gestante encontra-se ameaçada.

Diversos anencéfalos, mesmo diante dos prognósticos médicos de que não sobreviveriam ao nascimento, demoram-se despertando mais amor até o momento em que concluem o período de que necessitam para a libertação.

O Consolador – Qual deve ser, à luz do Espiritismo, a posição de uma jovem e sua família diante de uma gravidez originada de um estupro?

Embora lamentável e dolorosa a circunstância traumática da ocorrência, é dever da jovem e dos seus familiares manterem a gravidez, auxiliando o Espírito que se reencarna em situação aflitiva e angustiante. Compreende-se a dor da vítima e dos seus familiares, no entanto, não se tem o direito de matar o ser reencarnante que necessita do retorno naquela maneira, a fim de crescer para Deus. Não raro, esses seres que renascem nessa conjuntura tornam-se amorosos e profundamente agradecidos àqueles que lhe propiciaram o recomeço terrestre: a mãe e os familiares.

“A culpa, consciente ou não,  desempenha na depressão um papel de alta relevância”

O Consolador – Como sabemos, a depressão é um problema que aflige muitas pessoas nos dias atuais. Em uma obra espírita recente lemos que a depressão, em qualquer de suas variantes, é sempre consequência da posição de arrogância cultivada pelo ser na aventura de superar a si mesmo e aos semelhantes. É verdade essa informação? 

Sem dúvida, anuímos que não há enfermidades, mas enfermos, isto é: o Espírito é sempre o incurso no processo de evolução, trazendo as marcas do passado que se  manifestam como enfermidades ou processos outros degenerativos de que necessita para resgatar os comportamentos equivocados e infelizes. A culpa, consciente ou não, desempenha na depressão, entre outros fatores endógenos e exógenos, um papel de alta relevância. No entanto, centrar todas as causas na posição de arrogância do Espírito parece-me algo desproposital. Esse conceito deve ter as suas raízes na opinião dos estudiosos que afirmam tratar-se a depressão de um conflito que se deriva da necessidade de impor-se, de dominar, e, não conseguindo, o indivíduo tomba na armadilha do grave transtorno.

O Consolador – Se é verdade que o advento do mundo de regeneração está tão próximo, qual será a situação dos nossos amigos terrenos que ainda vivem tão primitivamente em tribos existentes em muitos lugares do mundo?

É verdade, sim, que o advento do mundo de regeneração está próximo, mas não imediato, e aqueles Espíritos que ainda se encontram em fase primitiva estão tendo a oportunidade de despertar para a realidade, dando continuidade ao processo evolutivo em outro planeta, caso não logrem fazê-lo aqui mesmo, qual ocorre periodicamente com as grandes migrações de um para outro sistema, conforme ensina a Doutrina. 

O Consolador – Se a Terra está em evolução, por que ainda tantos crimes hediondos acontecem, especialmente com crianças? Como explicar tantas atrocidades? 

Vivemos o momento da grande transição de mundo de provas e de expiações para mundo de regeneração, que ainda se demorará ocorrendo por algum tempo na Terra.

É natural que estejam reencarnando, neste período, Espíritos inferiores que estavam retidos em regiões punitivas desde há muito, em face da crueldade de que são portadores. Muitos deles fizeram parte das tribos bárbaras que invadiram a Europa: hunos, godos, visigodos, normandos e que, agora, estão sendo beneficiados pela oportunidade de optar pelo Bem. Permanecendo vinculados ao primarismo em que se comprazem, serão exilados para outros planetas na escala dos mundos inferiores, a fim de se depurarem, retornando oportunamente, porque “o Pai não deseja a morte do pecador mas sim a do pecado”, conforte acentuou Jesus.

As atrocidades que sucedem amiúde, especialmente com crianças – Espíritos velhos em reencarnação libertadora – são também um convite à reflexão das demais pessoas, que marcham indiferentes aos acontecimentos dolorosos em relação ao seu próximo…

Resgatando os seus graves delitos, esses Espíritos não necessitariam que outros fossem o instrumento da sua libertação, pois a Divindade possui mecanismos especiais que dispensam o concurso desses infelizes, mas se utiliza do seu estado primitivo para que se executem as propostas do progresso.

O Consolador – Como você vê a oficialização do casamento entre homossexuais e a adoção de filhos por parte deles? 

A questão é momentosa, em face das ocorrências desse gênero que não mais podem permanecer ignoradas pela sociedade. O homossexualismo sempre esteve presente no processo histórico, aceito em um período, noutro combatido, desprezado em uma ocasião e noutra ignorado, mas sempre presente… Penso que se trata de uma conquista em relação aos direitos humanos a legalização de algo que permanecia à margem, dando lugar a situações graves e embaraçosas.

Quanto à adoção de filhos, penso que, do ponto de vista psicológico, será gerado algum conflito na prole em relação à imagem do pai ou da mãe, conforme o caso, que se apresentará confusa e perturbadora. O tempo demonstrará o acerto ou o equívoco de tal comportamento.

O Consolador – Qual deve ser o posicionamento dos espíritas em relação às pesquisas com células-tronco embrionárias? 

A reencarnação, conforme nos ensina a Doutrina Espírita, tem início no momento da fecundação do óvulo, a  partir de cujo momento passa a existir vida, seja pelo processo biológico natural, seja in vitro. Qualquer tentativa de interrupção do desenvolvimento do futuro zigoto, que é o ser humano em formação, constitui um crime.

As pesquisas com as células-tronco embrionárias são de resultado ainda incerto, embora se apresentem teoricamente positivas, porquanto não está comprovado que os resultados sejam os anelados, mesmo porque existe alto risco como a geração de tumores, provável rejeição…

Em face dos bons resultados conseguidos com as células-tronco adultas, é mais válido que se prolonguem as experiências, com menores risos e excelentes resultados em doenças como a leucemia, o acidente vascular cerebral, etc.

Continuando os esforços dos pesquisadores, certamente hão de surgir alternativas tão benéficas como as que se esperam das células-tronco embrionárias.

“Nunca será demais que os  dirigentes espíritas e todos nós estejamos vigilantes”

O Consolador – O terrorismo vem causando muitos males em todos os cantos da Terra. Muitas vidas foram e continuarão sendo ceifadas em nome do fanatismo religioso. Como entender que alguém possa morrer e matar em nome de Deus? 

Infelizmente, o fanatismo de qualquer natureza responde pela predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual do ser (questão 742 de O Livro dos Espíritos), dando lugar a atrocidades inimagináveis. Entretanto, o suicídio através de bombas e de outras formas hediondas constitui o mais degradante processo de conduta em relação à dignidade humana, porque a vida física é sublime dom concedido por Deus, que ninguém tem o direito de interromper, porque faculta o desenvolvimento intelecto-moral do Espírito.

Tal comportamento demonstra o estágio primário em que ainda se reencarnam muitos Espíritos desvairados sem possibilidade de manter o equilíbrio…

O Consolador – Qual deve ser a atitude dos dirigentes espíritas relativamente a essa enxurrada de obras mediúnicas de origem duvidosa que tem infestado o mercado de publicações espíritas nos últimos tempos? 

Vivemos um momento de grandes equívocos na sociedade, em face do tumulto que ocorre em toda parte. Nesse sentido, há uma grande busca por notoriedade, pela fama. Pessoas imprevidentes, portadoras ou não de mediunidade, são tomadas de improviso por tais inquietações e, porque entraram em contato com o Espiritismo, logo se acreditam portadoras de faculdades extraordinárias, em razão do campo fértil para a credulidade e tornam-se, de um para outro momento, psicógrafos, expositores, debatedores de relevo. Nunca será demais que os dirigentes espíritas e todos nós estejamos vigilantes, observando as recomendações da Doutrina, mantendo critérios cuidadosos, a fim de não sermos enganados nem enganarmos a ninguém. Por outro lado, Espíritos perversos, adversários do Bem, aproveitam-se do descalabro existente e inspiram pessoas invigilantes, presunçosas, falsamente humildes, mas prepotentes, tornando-as portadoras de mensagens destituídas de autenticidade, que geram confusão e dificuldades no Movimento Espírita. Alguns desses descuidados irmãos auto-elegem-se herdeiros de personalidades históricas e missionários do amor, utilizando-lhes indevidamente o nome, apropriando-se da sua herança para o exibicionismo no banquete da fatuidade, o que é realmente lamentável.

O Consolador – Como resgatar as velhas e boas sessões práticas de doutrinação de Espíritos desencarnados que tantos benefícios trouxeram a companheiros em dificuldade, na carne ou fora dela, em face da penúria de bons medianeiros com que se vêm defrontando nossos centros espíritas?                                                                    

Penso que se torna inadiável o dever de voltarmos à simplicidade e à humildade, evitando-se as complexidades que ora se apresentam em torno da mediunidade, exigindo-se estudos úteis, indiscutivelmente, mas que se prolongam por vários anos, evitando-se o treinamento edificante e salutar.

Por outro lado, um expressivo número de pessoas recusa-se a servir de instrumento aos sofredores, aspirando ao contato com os anjos e serafins, sem se recordar de que a mediunidade está a serviço da consolação e da iluminação de consciências.

No silêncio do anonimato nas instituições espíritas, sem alarde nem divulgação, devem ser instalados os grupos sinceros de devotados servidores de Jesus, a fim de trabalharem em favor da doutrinação dos irmãos em sofrimento, por cujo meio ascendemos na direção do Servidor Incessante, que é Jesus.

O Consolador – Como despertar o interesse de jovens e adolescentes para o estudo da Doutrina Espírita? 

O Espiritismo é, essencialmente, uma doutrina para jovens e adolescentes, tendo em vista o seu conteúdo iluminativo, de fácil aplicação no cotidiano e libertador de tabus e influências perniciosas. Esclarecendo a mente e confortando o sentimento, o Espiritismo fascina as mentes juvenis, convidando-as a reflexões demoradas e a comportamentos saudáveis.

Infelizmente, o exemplo dos pais no lar, nem sempre compatível com as lições ministradas pela Doutrina Espírita, constitui um grande impedimento para o estudo e a vivência dos postulados espiritistas por esses candidatos juvenis.

Tomando conhecimento da filosofia espírita e da necessidade de aplicação em todos os momentos, os jovens decepcionam-se no lar, quando verificam a diferença de comportamento dos pais, no que se refere àquilo em que dizem crer e a maneira pela qual se conduzem.

Desse modo, o exemplo no lar é de fundamental importância para o despertamento dos jovens e adolescentes para o estudo e a vivência do Espiritismo, ao mesmo tempo em que instrutores jovens e sinceros tornem-se líderes em relação aos demais membros do grupo juvenil.

 

‘Religião e política se misturam desde sempre’, afirma teólogo

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Autor iraniano-americano Reza Aslan demonstra o quanto Deus é a mais sofisticada criação humana

Ronaldo Bressane*, Especial para o Estado

08 Setembro 2018

Quando Reza Aslan respondeu a esta entrevista sobre seu novo livro, Deus – Uma História Humana (Zahar, trad. Marlene Suano), estava em plena Terra Santa. E não muito satisfeito: o parlamento de Israel havia acabado de declarar o país “a terra dos judeus” – excluindo o território, ao que parece, da presença de muçulmanos, cristãos, ateus ou representantes de outras crenças. “Israel vem se tornando cada vez mais radicalizado e menos democrático”, afirmou Aslan, um iraniano-americano de 46 anos. “Esta lei é nada menos do que uma declaração oficial de apartheid. É o prego que faltava para colocar no caixão da democracia israelense”, detonou o teólogo e sociólogo, presença constante na mídia dos EUA por conta de seu carisma e suas formulações claras e nada partidárias a respeito de qualquer religião. Autor de Zelota – A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, em seu novo livro Aslan tece, em linguagem elegante e bem-humorada, uma complexa rede de conhecimentos para mostrar como a ideia de “alma” já era acalentada antes do Homo sapiens, e como as religiões, na realidade, foram concebidas à imagem e à semelhança do ser humano.

O teólogo e sociólogo iraniano-americano Reza Aslan Foto: Zahar

Nascido em Teerã, em uma família muçulmana, Aslan converteu-se ao cristianismo, depois ao sufismo – e hoje se assume como um panteísta: professa a fé de que Deus é todo o universo. Nesta conversa com o Aliás, o teólogo – que hoje realiza o fantástico projeto Volta ao Mundo em 80 Dias com a mulher e os três filhos, justamente para mostrar aos pequenos a diversidade religiosa da Terra –, falou sobre como religião e política se misturam desde sempre; comentou as disputas religiosas no Rio de Janeiro do bispo Crivella e do evangelizado Comando Vermelho; e afirmou que até mesmo as inteligências artificiais podem vir, um dia, a acreditar em Deus. Em tempos de fundamentalismo religioso e político, ouvir o livre-pensador Aslan é como ser ungido com um bálsamo – nem é necessário ser crente para admirar seu profundo conhecimento em religião, conforme atesta este jornalista ateu.

Por que, em pleno 2018, uma religião pretende ser monoteísta? É uma disputa mercadológica pela alma?

Esta é uma questão interessante. Talvez uma das maiores surpresas sobre a qual escrevo neste livro é sobre quão impopular o monoteísmo foi ao longo de toda a história das religiões. De fato, quando você olha os milhares de anos na história da espiritualidade humana, o conceito de deus único só esteve aí por uns 3 mil anos. A mente antiga simplesmente não conseguia abraçar a ideia de que um deus único poderia ser responsável pelo bem e pelo mal, pela escuridão e pela luz, pelo céu e pela terra. Fazia mais sentido um deus separado para cada um dos nossos diversos atributos – um deus para representar cada uma de nossas emoções. Isso não quer dizer que o conceito de deus único não tenha aparecido de tempos em tempos – no livro escrevo sobre as duas tentativas de estabelecer o monoteísmo no Egito e no Irã. Foi só como resultado da crise existencial da fé entre os antigos hebreus que a ideia de monoteísmo começou a lançar raízes na religião judaica – foi o resultado do que hoje se conhece do exílio babilônico em 586 a.C. Mesmo os cristãos primitivos – cuja vasta maioria era de romanos – também engoliam com dificuldade a ideia de deus único, e por isso eles desenvolveram a ideia de Trindade. O que mais importava não era a teologia do monoteísmo, mas suas práticas políticas. A identidade da Igreja, com seu único bispado em Roma, com a autoridade do Império Romano com seu imperador único, requeriam uma religião com um deus único. Hoje, o monoteísmo é a forma dominante da espiritualidade humana. Talvez seja por causa da história que acabei de traçar. De todo modo, é importante notar que a ideia de deus único é um conceito totalmente diverso do que aparenta ser.

Tudo bem misturar política e religião?

Se você acha que religião é uma experiência privada em que simplesmente um ser humano tem uma conexão com o divino, então não faz sentido misturar religião com política. O problema é que religião não é só isso. Religião é principalmente uma questão de identidade, muito mais do que de fé ou prática. Quando alguém diz “sou muçulmano” ou judeu ou cristão, está formulando tanto uma definição de sua fé quanto uma definição de sua identidade. Está falando sobre quem é, como vê o mundo, como compreende seu lugar nele. Em questão de indentidade, religião é profundamente entrelaçada com todos os outros aspectos da identidade de uma pessoa: cultura, etnia, raça, gênero, orientação sexual, e, claro, orientação política. Então simplesmente não faz sentido divorciar religião da política. Fazer isso não é democrático. É obvio que podem haver problemas, especialmente uma vez que religião diz muito respeito a “mandamentos”, enquanto a política (pelo menos em teoria) supõe-se ser a respeito de compromissos. Mas, se o Estado oferecer liberdade de culto, então não se pode esperar que a religião se separe da política. De todo modo, é preciso assegurar proteções para aqueles que não compartilham da religião majoritária ou que não têm nenhuma religião.

O crime organizado brasileiro é muito próximo dos cultos evangélicos, e existe uma guerra entre estes grupos e pessoas que seguem religiões afrobrasileiras tradicionais, como a umbanda e o candomblé. Estamos vendo uma guerra entre o monoteísmo e o politeísmo semelhante ao que você descrebe em seu livro na história da perseguição do faraó Akhenaton em relação a outros cultos politeístas, no Antigo Egito. Como você vê este fenômeno hoje?

O que você está vendo, não só no Brasil mas também em outros países de maioria cristã, é uma revolta contra a profunda corrupção, manipulação e politização do cristanismo ao prejudicar quem não segue a fé cristã. Nos EUA, o cristianismo se tornou uma ferramenta do partido Republicano. Tornou-se um instrumento para separar as minorias do acesso aos direitos humanos, para proibir mulheres que sofrem e crianças refugiadas de receber asilo e ajuda, para afastar os mais pobres das políticas de bem-estar e acesso à saúde universal e outros serviços para os mais necessitados, e, em lugar disso, empoderam a supremacia branca. Para muitas pessoas, incluindo cristãos, isto é uma traição de tudo o que Jesus pregou, e por isso muitos têm abandonado o cristianismo e procurado formas alternativas de espiritualidade. É exatamente o que vem acontecendo no Brasil. Não é só uma guerra entre monoteísmo e politeísmo. É uma batalha entre o establishment cristão e os que se sentiram abandonados pela igreja. É também uma tentativa de acobertar o que muitos acreditam ser uma espiritualidade mais autêntica, radicada no solo do Brasil, mais do que outras espiritualidades trazidas por estrangeiros e colonizadores.

O que você acha do ensino religioso nas escolas? Funciona? Meu caso: fui criado em uma escola adventista, depois em um colégio jesuíta, então em um colégio católico apostólico romano… e agora você está conversando com este sujeito ateu. Por que não ensinar filosofia às crianças? Ensinar creacionismo em pleno 2018 não seria algum tipo de crime?

Esse é um assunto muito espinhoso, porque ensinar religião para crianças pode facilmente se tornar um tipo de doutrinação. Mas o fato é que a cultura religiosa é incrivelmente importante em nosso mundo. Crianças precisam aprender sobre as religiões do mundo do mesmo modo como precisam aprender sobre as culturas do mundo. Não vejo como seria difícil ensinar religião sem ensinar alguma teologia em particular (mas aqui não defendo ensinar o creacionismo nas escolas, assim como não tem cabimento dar lugar a teorias do tipo “terra plana”). O problema não está nos pais ateus que não querem que seus filhos aprendam sobre religião. O problema são os pais religiosos que sentem que, se seus filhos aprenderem sobre outras religiões, podem questionar a sua própria (aliás é exatamente isso o que a maioria faz). Assim que eles aprendem mais sobre outras concepções religiosas, questionam o absolutismo sobre suas próprias ideias. Diria que é um aspecto positivo, mas entendo por que pais religiosos não o apreciem. De qualquer modo, se você quer criar um cidadão global, você precisa ensinar a suas crianças as múltiplas maneiras que as pessoas têm para pensar sobre Deus e a fé. Minha mulher e eu atualmente levamos nossos três filhos em uma viagem de 80 dias pelo mundo (80-ish.com) precisamente para fazê-los imergirem em diferentes tradições religiosas pelo planeta. Porque não queremos criar só cidadãos dos EUA: queremos criar cidadãos globais.

Acha possível um cruzamento entre o livre-pensar e a aproximação religiosa da descrição da realidade objetiva? Em outras palavras, cientistas têm alma?

Claro que sim! Rejeito completamente a noção de que ciência e religião sejam coisas incompatíveis. Ciência e religião respondem a duas questões fundamentalmente diversas. Ciência trata do “como”. Religião trata do “porquê”. Ciência e religião são duas maneiras diferentes de conhecimento. E talvez enquanto começamos a mergulhar cada vez mais fundo naquilo que verdadeiramente acreditamos ser humano, veremos ciência e religião convergirem em uma só disciplina – uma que reconheça que há mais na realidade objetiva do que aquilo que vivenciamos.

Você se define como um panteísta. É possível um cruzamento entre panteísmo e ateísmo? E qual a sua opinião sobre movimentos ateístas como Ateísmo 3.0 e Novos Ateístas?

Não sou o único que tem descrito os novos movimentos ateístas não como um tipo de ateísmo, mas como um anti-teísmo, nem sou o único que percebeu quão fluidamente o novo movimento ateísta tem se entregue ao racismo e à misoginia. É só você ir a um desses sites e blogs dos novos ateístas e ler os comentários e compreender que eles têm muito menos a ver com uma ausência de crença em Deus do que um novo conceito de fundamentalismo secular – do tipo, eu diria, que tem mais em comum com o fundamentalismo religioso do que eles admitiriam. De todo modo, se estamos falando sobre o ateísmo filosófico, claramente consigo enxergar uma profunda conexão entre panteísmo e ateísmo, na medida em que ambos rejeitam o autoritarismo das religiões estabelecidas e da supremacia dos dogmas.

Já considerou a possibilidade de que a existência da alma seja uma ficção, uma ilusão?

Talvez. Mas é um fato fundamental de que a crença na existência na alma é uma crença universal. É um fato da vida que pode ser encontrado em qualquer cultura, em qualquer parte do mundo, e através de toda a história humana. É nossa primeira crença. A pesquisa histórica tem mostrado que as crianças nascem acreditando na substância dualista – a ideia de que corpo e mente (ou alma) podem ser distintas. Na verdade, conforme conto no livro, a crença em uma alma precede a existência do homo sapiens em milhares de anos. Podemos encontrar evidências dessa crença nos neandertais e mesmo no homo erectus. Assim, talvez toda a humanidade, durante toda a história, tenha sofrido da mesma ilusão. Ou talvez exista realmente algo nessa ideia de alma que a gente devesse prestar atenção seriamente.

No livro A Era das Máquinas Espirituais, o futurista Ray Kurzweil vê os seres humanos divididos entre corpo e alma em analogia aos computadores (hardware e software), e propõe que o advento da Singularidade aconteça quando um ser humano possa fazer um upload de consciência, transferindo seu “software” para um “hardware” mais desenvolvido. Do ponto de vista da alma, como você vê esta possibilidade? Uma inteligência artificial pode evoluir para criar uma alma?

Se podemos ensinar uma inteligência artificial a mimetizar emoções humanas ao manipular um hardware neurológico, e se a fé é o produto de conexões neurológicas, então uma máquina crente não me parece uma ideia tão maluca assim. A verdade mais fundamental e simples a respeito da experiência religiosa é que resulta de reações químicas no cérebro. Em outras palavras, a religião é um fenômeno neurológico. Isso não deslegitimiza a experiência religiosa. Toda experiência é o resultado de reações quimicas cerebrais. Não existe razão para dizer que a experiência religiosa seja diferente. Agora, se você está me perguntando se algum dia poderemos recriar essas mesmas reações químicas em uma inteligência artificial para produzir a experiência religiosa, eu responderia: por que não?

*Ronaldo Bressane é escritor e jornalista, autor do romance Escalpo (Reformatório), entre outros

 

Sexo e Destino

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O livro faz parte da série A vida no mundo espiritual, de André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, onde se retrata as agruras e os emaranhamentos sexuais entre duas famílias no Rio de Janeiro do final dos anos 50, uma obra imperdível para que entendamos as consequências dos desequilíbrios sexuais e do sexo desenfreado.

 

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A ‘guerra civil’ na Igreja Católica que pode abalar pontificado do papa Francisco

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Alessandra Corrêa – De Winston-Salem (EUA) para a BBC News Brasil

Uma guerra ideológica que há anos divide a Igreja Católica deixou os corredores do Vaticano nesta semana para ser travada em público.

De um lado, estão o papa Francisco e aqueles que apoiam sua visão de uma Igreja mais liberal em relação a temas como divórcio e homossexualidade. De outro, conservadores que criticam essa tentativa de abertura e temem um enfraquecimento da religião.

O embate ganhou manchetes com a divulgação, no domingo passado, de uma carta em que o ex-núncio apostólico na capital americana, Carlo Maria Viganò, acusa Francisco de ter acobertado crimes sexuais cometidos pelo ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick, e pede a renúncia do papa.

O documento de 11 páginas, publicado por sites religiosos conservadores nos Estados Unidos, não oferece provas, mas chega em um momento em que fiéis do mundo inteiro estão abalados por sucessivas revelações de abusos sexuais contra crianças cometidos durante décadas por membros do clero em vários países.

A carta foi divulgada enquanto o papa visitava a Irlanda, um dos países afetados. Francisco se reuniu com vítimas e pediu perdão por abusos cometidos por membros da Igreja, ritual repetido em outras viagens. Mas muitos católicos lamentam a falta de medidas concretas e de uma resposta rápida aos escândalos, e alguns chegaram a abandonar a Igreja.

Nesse momento de vulnerabilidade, a sugestão de que o papa seria cúmplice dos abusos pode abalar seu pontificado e expôs as divisões na alta hierarquia da Igreja Católica.

“Essas acusações se tornaram parte de um embate ideológico muito maior. Um dos lados vê Francisco como o papa que finalmente abriu a Igreja a um entendimento mais realista sobre sexualidade, casamento, homossexualidade”, disse à BBC News Brasil o professor de teologia e estudos religiosos Massimo Faggioli, da Universidade Villanova, na Pensilvânia.

“O outro lado acredita que isso significa o fim da Igreja, e está disposto a fazer qualquer coisa para impedir isso. Mesmo que seja o maior tabu, que é pressionar um papa a renunciar, o que não acontece há seis séculos”, ressalta, referindo-se à renúncia de Gregório 7º, em 1415.

Oposição

Desde que foi eleito, em março de 2013, o papa é alvo de oposição por parte da ala conservadora da Igreja, tanto dentro do Vaticano quanto entre acadêmicos, que rejeitam o que consideram um afastamento da doutrina e tentam impedir reformas. No ano passado, dezenas de teólogos chegaram a assinar uma carta em que acusam Francisco de divulgar heresias na exortação apostólica sobre a família Amoris Laetitia, de 2016.

O documento, que é uma tentativa de abrir novas portas para católicos divorciados e tornar a Igreja mais tolerante com questões relacionadas à família, representa um sinal claro de dissidência, que reflete o descontentamento dos setores mais conservadores da instituição.

Apesar de não ter adotado mudanças concretas profundas nos ensinamentos da Igreja, o papa defende uma postura menos rígida e em sintonia com atitudes modernas em relação a fiéis que se afastaram da doutrina, demonstrando tolerância a homossexuais e permitindo que católicos divorciados ou casados novamente recebam a comunhão.

Francisco também deu destaque a questões sociais, incentivando os fiéis a cuidar dos pobres, acolher imigrantes e refugiados e combater mudanças climáticas, e rejeitou alguns privilégios do cargo, optando, por exemplo, por não morar no Palácio Apostólico.

Em sua carta, Viganò não apenas acusa Francisco de acobertamento, mas tenta conectar as críticas que conservadores fazem ao papa, especialmente à postura de aceitação de gays – em referência a uma entrevista dada após viagem ao Brasil, em 2013, quando o pontífice disse “Se um gay busca Deus, quem sou eu para julgar” -, aos escândalos de abusos sexuais, afirmando que “redes homossexuais” dentro da hierarquia da Igreja são cúmplices na “conspiração de silêncio” que permitiu que os abusos praticados por McCarrick e outros continuassem.

A sugestão de que homossexualidade e abusos estejam relacionados é amplamente rejeitada por especialistas, mas ainda persiste em algumas alas da Igreja. Apesar de muitos dos abusos terem ocorrido há várias décadas, durante os pontificados dos antecessores de Francisco, opositores ligam a crise à incapacidade do papa de manter sob controle a homossexualidade entre o clero.

McCarrick, que liderou a arquidiocese de Washington de 2001 a 2006, durante os pontificados de João Paulo 2º e Bento 16, renunciou ao posto de cardeal em julho, após acusações de que teria assediado seminaristas adultos e abusado de um menino durante anos. Ele diz que é inocente.

McCarrick havia deixado a arquidiocese ao completar 75 anos, idade em que os bispos católicos são obrigados a apresentar sua renúncia – que pode ser aceita pelo papa ou não -, mas permaneceu no Colégio dos Cardeais, que aconselha o pontífice.

Viganò alega que vários membros do Vaticano sabiam da conduta imprópria do cardeal havia anos. Segundo a carta, depois que McCarrick deixou a arquidiocese em Washington, Bento 16 havia proibido que ele, que ainda era cardeal, oficiasse missas e vivesse em um seminário, entre outras restrições. Mas Francisco, apesar de saber das acusações, teria levantado essas restrições e até permitido que o cardeal ajudasse na escolha de bispos americanos

Os católicos americanos ainda tentam digerir as revelações divulgadas no início de agosto em um relatório da Suprema Corte do Estado na Pensilvânia. O documento acusa pelo menos 300 padres de terem abusado de mais de mil crianças ao longo de 70 anos e líderes da Igreja de terem acobertado os crimes.

Reações

Apoiadores do papa e alguns sobreviventes de abusos questionam a credibilidade das alegações, apresentadas sem evidências, e acusam Viganò de usar o sofrimento das vítimas para avançar sua agenda política e uma vingança pessoal contra Francisco.

Alguns observam que McCarrick apareceu em vários eventos, inclusive ao lado de Bento, no período em que supostamente estaria sob sanções, e lembram que foi Francisco, ao contrário de seus antecessores, que forçou o cardeal a renunciar.

Também ressaltam o fato de os principais nomes criticados na carta serem liberais e aliados do papa, o que levantaria suspeitas de que as acusações têm motivação ideológica.

“Esse documento não tem o objetivo de proteger crianças, e sim atacar o papa e qualquer um associado a ele”, disse à BBC News Brasil o pesquisador de estudos católicos Michael Sean Winters, colunista do jornal National Catholic Reporter.

Mas alguns bispos conservadores defenderam o ex-núncio como um homem de princípios. Um deles, Joseph Strickland, de Tyler, no Texas, orientou padres de sua diocese a ler durante a missa do último domingo uma declaração em que afirma acreditar nas alegações.

Um dos principais opositores do papa, o cardeal americano Raymond Burke, ex-arcebispo de St. Louis, disse em entrevista à imprensa italiana que, caso as alegações sejam comprovadas, “sanções apropriadas” devem ser aplicadas.

Histórico de polêmicas

Viganò tem um histórico de polêmicas. O italiano de 77 anos trabalhou em missões do Vaticano no Iraque e no Reino Unido, foi núncio apostólico na Nigéria e ocupou altos cargos na Cúria Romana, mas nunca foi promovido a cardeal.

Ele próprio já foi acusado de tentar acabar com uma investigação sobre a conduta sexual de um ex-arcebispo em 2014, segundo documentos relacionados à arquidiocese de St. Paul-Minneapolis. Também foi personagem no escândalo “Vatileaks”, em 2012, em que documentos do Vaticano foram vazados, entre ele cartas em que Viganò sugeria que sua transferência para Washington, em 2011, estaria relacionada aos seus esforços contra a corrupção na Santa Sé.

Em 2015, durante a visita de Francisco aos Estados Unidos, Viganò organizou um encontro surpresa entre o papa e uma funcionária pública que havia se recusado a emitir licenças de casamento para casais do mesmo sexo alegando motivos religiosos. O encontro foi visto como um desafio à mensagem de inclusão do papa e obrigou o Vaticano a divulgar uma declaração se distanciando da funcionária. Pouco tempo depois, Francisco substituiu Viganò.

Em sua temporada em Washington, Viganò cultivou relações com setores católicos conservadores críticos do papa, um grupo que Winters descreve omo “pequeno, mas muito bem organizado e muito bem financiado”.

Segundo Faggioli, desde o início do pontificado de Francisco, círculos conservadores do catolicismo americano deixaram claro que não gostavam do papa e de suas tentativas de reforma. Ele observa ainda que poucos bispos nos Estados Unidos defenderam o papa após a publicação da carta. “A maioria dos bispos está esperando (para de posicionar)”, acredita.

Por enquanto, o papa tem mantido silêncio sobre as acusações de Viganò, limitando-se a dizer que o documento “fala por si próprio”. Segundo analistas, o papa não quer dar mais visibilidade a seus críticos.

Mas no avião ao voltar da Irlanda, ao responder a uma pergunta sobre o que pais deveriam dizer a um filho ou filha que revela ser gay, o papa disse: “Não condene. Dialogue, entenda.”

Faggioli diz acreditar que a carta de Viganò tem inconsistências e “buracos”, mas mesmo assim considera fundamental que o papa e outros líderes católicos respondam a algumas questões, especialmente sobre McCarrick.

“Os católicos americanos, tanto liberais quanto conservadores, querem saber como foi possível que essa pessoa se tornasse um dos mais importantes líderes da Igreja enquanto outros sabiam (dos abusos). Como isso pode acontecer?”