Profissões do futuro e o mundo do trabalho

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A sociedade vive momentos de grandes transformações, a concorrência e a competição são as grandes molas do capitalismo contemporâneo, o mundo corporativo domina a sociedade internacional e transforma todas as relações sociais em negócios, compramos e vendemos mercadorias e serviços a todos os momentos, obrigando-nos a uma constante reestruturação sob pena de exclusão de uma sociedade baseada no hedonismo, no prazer imediato e no consumo exacerbado, comprar e consumir da prazer, nos alegra e faz com que nos afastemos de todos os vestígios de depressão e ansiedade.

O trabalho é uma das áreas que mais se transforma na sociedade atual, somos passageiros de um mundo onde as novas tecnologias estão moldando o conjunto da sociedade e modificando as relações sociais, nesta nova sociedade, a internet é uma realidade imprescindível, a conexão em banda larga nos abre uma imensa janela de oportunidades, a comunicação se tornou instantânea e imediata e, pela primeira vez, os limites de tempo e espaço estão sendo reduzidos, obrigando os indivíduos a transformações jamais vistas anteriormente, vivemos em um mundo excitante e, ao mesmo tempo, assustador.

Desde a revolução industrial os trabalhadores convivem com tecnologias que alteram o mundo do trabalho, de produtores individuais até a produção em série, as forças produtivas se alteram com rapidez e geram oportunidades variadas e ao mesmo tempo inseguranças e instabilidades, o resultado é uma busca constante por inovação e capacitações constantes, inovar e se reinventar são duas palavras que estão redesenhando e moldando o futuro do trabalho.

No começo do século XXI, os filmes de Hollywood retratavam o predomínio e o crescimento constante dos robôs e da inteligência artificial, os filmes mostravam sociedades dominadas pelas tecnologias e os seres humanos sendo subjugados pelas máquinas, esta sociedade que nos parecia tão distante hoje nos apresenta como uma marca da sociedade contemporânea, o mundo de Hollywood retratado nos filmes e nos documentários se transformou no nova realidade e somos obrigados a nos adaptar  a esta nova organização da sociedade.

Os exigências do mundo contemporâneo são imensamente diferente de sociedades anteriores, de um mundo marcado pela força física e pelo trabalho braçal, onde o paradigma fordista era a melhor forma de preparar os trabalhadores para a produção, na atualidade as demandas são muito diferentes, o trabalho intelectual e o conhecimento ganham força nesta nova sociedade, as emoções, a flexibilidade e a agilidade se transformaram em eixos centrais de organização do mundo do trabalho, sem criação e espírito empreendedor, dificilmente os trabalhadores do século XXI vão garantir espaços saudáveis dentro desta nova sociedade.

Se o mundo do trabalho se transforma tão rapidamente, faz-se necessário que a educação se transforme, as escolas, faculdades e universidades precisam passar por estas transformações, estas instituições não podem perder a vanguarda e a capacidade de construção de novas sociedades, as mudanças no ensino, no aprendizado e do conhecimento são imprescindíveis e todos precisamos nos adaptar a estas transformações.

Segundo o economista José Pastore, professor da USP e especialista nas relações de trabalho, nesta nova sociedade caracterizada como a 4● Revolução Industrial, a capacidade de pensar será fundamental para ingressar ou se manter no mercado de trabalho, e destaca ainda, que essa capacidade deve ser desenvolvida nas escolas, com uma educação de qualidade e que prepare os alunos não apenas para passar nas provas mas, que o auxilie a pensar e refletir em todos os momentos, dando-lhes autonomia e flexibilidade.

Devemos destacar ainda que, embora a presença de robôs deva crescer cada vez mais, só o ser humano possui habilidades sociais, como criatividade, empatia, coragem e toda a parte emocional e afetiva do trabalho e nas relações interpessoais, as máquinas ainda não possuem esta habilidades, diante disso, percebemos que todas as profissões que demandam habilidades empáticas cresçam e ganhem relevância na sociedade.

Outro ponto importante a se destacar é que, nesta nova sociedade, a articulação entre empresas, escolas e governo deve ser aumentada, não sendo mais possível ter inovação do século 21, mentalidade do século 20 e instituições do século 19. As escolas, as faculdades e as universidades precisam ser parceiras das empresas e dos governos e das demais organizações, além de dinâmicas, versáteis, diversificadas e inclusivas.

Esta articulação é muito importante para construção de uma sinergia, as instituições precisam entender que na atualidade, os agentes precisam se integrar e construir os conhecimentos necessários para competir no mercado global, compartilhando ideias e estimulando pesquisas e inovação, as escolas precisam sair dos modelos tradicionais e agregar novas tecnologias, o processo de construção do conhecimento está cada vez mais dinâmico e flexível, os grupos que continuarem investindo no ensino tradicional tende a perder espaço na competição global.

As empresas precisam se abrir para a inovação e se integrarem mais com as escolas e as universidades, no Brasil percebemos uma grande distância entre estas instituições, uma boicotando a outra e evitando que o conhecimento circulo e consolide opiniões novas, a concorrência da economia global tende a acabar com este ranço entre as instituições e abrir espaço para uma atuação em conjunto, afinal todos os agentes tem objetivos comuns e a  integração entre elas é uma forma de vencer os grandes desafios da Indústria 4.0.

As transformações geradas pela Indústria 4.0 estão contribuindo para que a sociedade mundial se transforme de forma acelerada e as profissões sejam alteradas rapidamente, mas devemos destacar ainda, que outros fatores estão alterando a sociedade global, as profissões e o mercado de trabalho, dentre eles podemos destacar as mudanças demográficas, a globalização e a emergência de novos valores culturais.

Pesquisas nos mostram, que nas 20 maiores economias do mundo, as mudanças geradas pelas transformações demográficas estão alterando significativamente o perfil populacional, países como China, Japão, Rússia, Itália, Alemanha estão apresentando um declínio acentuado na população economicamente ativa nas próximas décadas, além de um forte crescimento no número de aposentados, com impactos imensos sobre o mercado consumidor, que passará a priorizar o setor de serviços, como os de assistência médica, em detrimento de bens duráveis, como os automóveis. O contrário pode ocorrer nos países dotados de uma força de trabalho jovem, ativa e em ascensão.

As mudanças geradas pela globalização são positivas, de uma forma geral, mas apresentam alguns desajustes que precisam ser compreendidos e corrigidos, o barateamento dos custos de comunicação e transporte aumentou a integração entre os mercados. Esta integração abre portas para profissionais de determinados perfis, o que é visto como altamente positivo mas, ao mesmo tempo, está gerando uma precarização das condições de trabalho para a maioria da população e uma desindustrialização em muitos países do mundo, com graves impactos sociais e econômico.

As mudanças trazidas pela tecnologia estão criando novas demandas por condições de trabalho mais flexíveis e dinâmicas, entre os jovens percebemos que, cada vez mais, eles querem escolher para quem vão trabalhar, onde, como e em que ritmo, além de buscarem um propósito para seu trabalho, em vez de pensar em como equilibrar a vida pessoal e profissional, agora eles buscam integrar os dois universos – e isso não poderá ser ignorado pelos empregadores.

Todas estas megatendências relacionadas ao mercado de trabalho, além das mudanças específicas de cada área, estão alterando o planejamento de empresas, indústria e setores produtivos e também das instituições de ensino, todas buscando se atualizar para acompanhar as mudanças em curso.

Os cursos estão passando por grandes transformações para acompanhar as mudanças geradas pela tecnologia, nos mais tradicionais como Direito e Administração as alterações são visíveis, no primeiro os futuros advogados já trabalham com contratos automáticos (feitos sem a intermediação humana) e acessam extensos bancos de dados a partir de recursos como o Big Data.

Os profissionais da gestão estão sendo estimulados, nas escolas de Administração, a fazerem as perguntas corretas para poder extrair dos especialistas informações  precisas, o profissional não precisa ser um especialista em algoritmos, mas tem que dominar as estratégias de gestão de pessoas capacitadas a lidar com estes dados. Além disso, as instituições de ensino estão valorizando a versatilidade e os conhecimentos socioemocionais, com disciplinas e cursos de extensão inseridos na grade dos cursos de Administração.

Os gestores de Recursos Humanos acreditam que em muitas indústrias e países, as ocupações mais requisitadas não existiam a dez ou mesmo a cinco anos, além disso, estimam que 65% das crianças que hoje estão iniciando os estudos vão exercer funções que ainda não foram criadas, a grande dúvida que a sociedade ainda não tem elementos para responder com precisão é se estes empregos que serão criados nos próximos anos serão suficientes para empregar esta massa de pessoas que estão sendo dispensadas pelas novas tecnologias que estão transformando o mundo do trabalho.

Em uma pesquisa feita pelo Fórum Econômico Mundial, publicada em 2016, intitulada The Future of Jobs (O futuro do trabalho), elaborado a partir de entrevistas feitas com executivos e gestores de recursos humanos das maiores companhias do mundo, nesta pesquisa estes gestores disseram como estavam se preparando para se adaptar a estas transformações em curso no mercado de trabalho. Os resultados desta pesquisa identificaram que, 59% dos gestores investiriam na reciclagem dos atuais funcionários, 52% incentivariam a mobilidade e a rotação de tarefas, 28% buscariam novos talentos no sexo feminino, outros 28% aumentariam a colaboração com instituição de ensino, 28% atrairiam talentos estrangeiros, 17% buscariam talentos entre as minorias, 14% aumentariam a colaboração com empresas de outros setores e outros 14% ofereceriam oportunidades de aprendizagem.

As respostas corretas para as questões do emprego e da empregabilidade do século XXI são pouco conhecidas, as mudanças são necessárias, imprescindíveis e imediatas, os resultados educacionais brasileiros são vergonhosos, somos a oitava economia do mundo e no exame de PISA estamos atrás de países como Vietnã, Estônia e Indonésia, países com histórico recente de guerras, golpes de Estado e herança comunista, precisamos superar este atraso com urgência, senão seremos condenados a uma condição de subalternidade em uma sociedade onde a concorrência e a competição se transformaram em um dos mantras mais adorados e cultuados de todos os tempos.

As profissões estão se transformando rapidamente e os profissionais também estão em constantes mudanças, a sociedade atual prescinde destas mudanças, todas as áreas estão sendo alteradas pela tecnologia e pela comunicação instantânea, pessoas até pouco tempo desconhecidas passam a condição de celebridade em um curto espaço de tempo, motivados e estimulados pelas redes sociais, o mundo se transformou rapidamente e tudo foi alterado, o profissional contemporâneo deve apresentar empatia, liderança e carisma, além de grande criatividade, dinamismo e capacidade de cooperação, todas estas habilidades são imprescindíveis para o profissional do século XXI, as demandas são muito grandes e variadas e exigem do trabalhador uma capacitação constante e uma atualização diária, vivemos mesmo num mundo assustador, o que está por vir nos próximos anos nos preocupam e nos deixam em polvorosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Nobel de Economia de 2002 – Daniel Kahneman.

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Osmar Freitas Jr.
Revista Isto É – Edição 13/08/2003 – nº 1767

O professor Daniel Kahneman, 69 anos, dividiu com seu parceiro de pesquisas Vernon Smith (Universidade George Manson) o Prêmio Nobel de Economia de 2002. O curioso é que Smith é um economista, mas Kahneman é psicólogo. Está lá em seu currículo, para quem quiser ver: Daniel Kahneman, professor de psicologia da Universidade de Princeton, no Estado de Nova Jersey. Mas este título parece mero detalhe inoportuno para os interlocutores deste israelense formado pela Universidade Hebrew, em Jerusalém – nas cadeiras de psicologia e matemática –, e depois pela Universidade da Califórnia, onde obteve PhD, também em psicologia. Assim como a Academia Sueca de Ciências Econômicas, há quem ache que o trabalho deste homem – nascido em Tel- Aviv, e naturalizado americano – tem muito a ver com a área econômica. O megainvestidor e escritor Nassin Nicolas Taleb, por exemplo, diz: “O professor Daniel Kahneman é um dos dois economistas mais influentes dos últimos 100 anos.”

Parece um certo exagero, mas em escala até que razoável. Afinal, Kahneman – com suas pesquisas de behaviorismo econômico – mudou a relação entre clientes, consultores econômicos e gestores financeiros. Colocou foco revelador sobre fatos desprezados – como a influência psicológica sobre processos decisórios financeiros. Delineou de modo mais claro as premissas que devem nortear os investidores em resoluções monetárias. Mostrou que nós, humanos, temos tendências prejudiciais à nossa capacidade de escolha econômica, principalmente quando colocamos lucro, prejuízo e prosperidade num mesmo saco de gatos.

Todos esses – e muitos outros exemplos – levam a crer que Kahneman é um economista de mão cheia. O que é negado com veemência por este professor simpático e de fala baixa. “Não sou economista. Fui puxado para esta conversa por outras pessoas”, disse a ISTOÉ, na semana passada, na entrevista, em Nova York, que antecedeu sua ida ao Brasil. Num programa de dois dias, à convite do BankBoston, o Nobel de Economia de 2002 vai dar duas palestras – uma privada e outra pública –, deixando um terceiro dia livre para a apreciação do ethos psicológico dos nativos – cuja economia, o visitante confessadamente, não entende nada. E que fiquem avisados os brasileiros: não peçam dicas sobre bons investimentos na Bolsa de Valores. Daniel Kahneman, como deixa
claro a seguir, é psicólogo.

ISTOÉ – Qual o motivo de sua viagem ao Brasil? O sr. conhece o País?

Daniel Kahneman – Vou passar três dias no Brasil, a convite do BankBoston. E minhas atividades vão depender muito daquilo que eles queiram que eu faça. Eles vão me dizer. Acho que desejam
que eu fale em duas conferências – uma delas será mais para o
público em geral, a outra será mais privada, e tenho um terceiro
dia livre. Eu já estive no Brasil há dez anos.

ISTOÉ – O sr. está familiarizado com a economia brasileira?

Daniel Kahneman – Não, não só não conheço a economia brasileira como não sei muito sobre a economia em geral. Eu sou psicólogo.

ISTOÉ – No entanto, o sr. ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002…

Daniel Kahneman – Isso foi consequência do uso de alguns de meus experimentos, que foram depois utilizados por alguns economistas.
ISTOÉ – Como é que o sr. foi levado a trilhar a tortuosa estrada da economia?

Daniel Kahneman –Na verdade, não foi uma decisão minha. Nós não escolhemos o estudo de assuntos econômicos a priori – e quando eu digo “nós” estou me referindo também ao professor Vernon Smith, com quem eu colaborei em 1996, e com quem dividi o Prêmio Nobel. Por causa de nossos experimentos, os economistas nos puxaram para dentro do assunto. Foram eles que “puxaram conversa”. Essa aproximação ocorreu em múltiplas fases. O momento mais importante aconteceu quando um jovem em particular – um brilhante economista – apostou sua carreira, por assim dizer, na idéia de usar a psicologia em teorias econômicas. O nome desse homem é Richard Thaler (professor de economia comportamental da Universidade de Chicago), que desde então se transformou num economista muito importante e também meu amigo particular. Richard é a figura fundamental no campo da chamada “Behavior Economics” (“economia comportamental”). Foi quem deu os passos essenciais nessa área. Assim, como você vê, eu não sou um “economista comportamental”: sou um psicólogo. Como disse, fui puxado para dentro desta conversa e desse modo publiquei trabalhos em conjunto com economistas.
ISTOÉ – Mas seus experimentos alicerçaram esta área. O sr. poderia nos descrever um experimento típico, conduzido em seus estudos?

Daniel Kahneman – Bem, eis um deles: dá-se a um grupo de pessoas um objeto de algum valor. Digamos uma condecoração. Num grupo grande
de estudantes de uma classe, metade das pessoas recebe uma dessas condecorações. A outra metade não ganha nada. Para aqueles contemplados é dito que eles podem levar o objeto para casa ou trocá-lo por dinheiro. Pergunta-se a essa gente: caso aceitem a troca, por quanto estariam dispostos a vendê-lo? Nós vamos decidir por quanto será feita essa venda. Perguntamos se eles venderiam a peça por US$ 10. Depois perguntamos se venderiam por US$ 9,50, e vamos baixando o preço até uma base de 50 centavos de dólar. Já aqueles que não ganharam a condecoração – e não têm nada – sabem que alguns de seus companheiros de classe receberam o prêmio. A estes foi dito: vocês têm a chance de receber a condecoração – como os outros – ou receber uma quantia em dinheiro. Novamente fazemos ofertas: US$ 10; US$ 9,50, baixando até os 50 centavos e fixando uma quantia mínima para a venda. O que essa gente toda está fazendo é calculando quanto vale aquela peça. E se você pensar bem as opções colocadas diante dos dois grupos são idênticas. Uns ganharam a condecoração e podem trocar por dinheiro, outros não ganharam, mas podem recebê-la ou trocar por dinheiro, do mesmo modo. Basicamente, as situações dos dois grupos são semelhantes. Mas verificamos que as pessoas que já tinham em mãos a peça pediram o dobro em dinheiro. A média foi o preço de US$ 7 para aqueles que tinham ganhado a condecoração e US$ 3,50 para o outro grupo. Esse é um experimento típico realizado por mim.
ISTOÉ – E o que isso vem a provar?

Daniel Kahneman – O que se vê nesse experimento é que as pessoas que são as vendedoras – aquelas que já têm o objeto – olham para sua posse como algo de que eles teriam de abrir mão. E as pessoas simplesmente odeiam ter de abrir mão de qualquer coisa: imaginam a transação como uma perda, mesmo recebendo em troca um valor em dinheiro. Já aqueles que não tinham o item em mãos não reagem dessa forma. Eles veem o objeto como algo que podem receber, não têm nada a perder. As atitudes dos dois grupos são diferentes. As pessoas têm reações muito distintas quando recebem algo e quando não recebem nada, mas contemplam a possibilidade do recebimento. Este é um dos experimentos típicos, que foi combinado com outros para formularmos teses.
ISTOÉ – O sr. poderia dar um outro exemplo de experimento que se complemente a este?

Daniel Kahneman – Como complemento a este experimento que citei nós fizemos outro. Em termos psicológicos, os dois exemplos estão relacionados. Essa nova experiência envolve um jogo de “cara e coroa” com uma moeda. Estipulamos que, se a moeda lançada caísse no lado “cara”, a pessoa perderia US$ 10. Caso contrário – caindo em “coroa” –, a pessoa iria receber uma quantia “X”. Perguntamos, então, qual seria a quantia mínima de “X” para que a pessoa aceitasse participar do jogo. A maioria das pessoas pediu entre US$ 20 e US$ 25. Novamente, a quantia pedida corresponde ao dobro do valor da perda ou duas vezes aquilo que poderiam perder. Trata-se de nova constatação de que as pessoas dão muito maior valor àquilo que podem perder do que àquilo que podem receber. Assim, em ambos os experimentos verificamos este padrão.
ISTOÉ – Em termos de teoria econômica, o que esses experimentos provam?

Daniel Kahneman – Estabelece-se que as pessoas não costumam pensar em termos de prosperidade, mas sim de lucros e prejuízos.

ISTOÉ – Explique melhor essa conclusão. As pessoas comuns fazem uma grande conexão entre lucros, perdas e prosperidade, não é verdade?

Daniel Kahneman –Vamos explicar isso com um exemplo: imagine que você investiu uma certa importância agora. O investimento tem o prazo de
um ano e você não sabe exatamente o que irá acontecer ao final desse tempo. Como se dá seu mecanismo de pensamento? Você pensa em quanto dinheiro irá ganhar no próximo ano nesse investimento no futuro. Mas pensar em termos de prosperidade é algo totalmente diferente. Nesse caso, calcular prosperidade é se perguntar: qual minha riqueza agora (ou quanto dinheiro eu tenho no total neste momento) e quanto dinheiro eu terei no próximo ano se o investimento que fiz der certo ou der errado? Essa última linha de pensamento segue uma análise sobre prosperidade: é quando se consideram todas as probabilidades para calcular a extensão de sua riqueza num futuro determinado. A riqueza
do momento e a futura são colocadas na balança.
ISTOÉ – Qual a diferença entre esse cálculo e aquele que as pessoas fazem quando têm como foco principal as considerações sobre perdas e ganhos?

Daniel Kahneman – Quando as pessoas pensam mais em perdas – enfocando o raciocínio em termos de prejuízos possíveis –, elas têm reações mais conservadoras. E, como vimos, as pessoas odeiam perder algo, mais do que ganhar alguma coisa. Mas quando elas pensam em termos mais gerais, mais globais, em prosperidade, são mais receptivas à aceitação de riscos. Quando se tem a prosperidade como foco principal, a pessoa fica mais confortável com a idéia de arriscar.

ISTOÉ – O sr. já declarou que superconfiança tem enormes implicações em termos econômicos. O que isso significa?

Daniel Kahneman – A idéia geral é a de que as pessoas parecem agir na crença de que conhecem uma situação, estão por dentro dos fatos, quando na verdade não sabem tanto quanto pensam. No mercado de ações, por exemplo, muita gente acredita que sabe o momento em que deve parar de investir, ou vender suas ações, ou aumentar seus investimentos, quando, na verdade, essas pessoas não sabem. Não têm informações suficientes para tomar essas decisões com a segurança que pensam possuir. Desse modo, pode-se afirmar que as pessoas em geral são muito superautoconfiantes. Esta característica tem enormes efeitos no comportamento do mercado.
ISTOÉ – Em qual área de investimentos o sr. acredita que esses padrões de comportamento econômico têm maior impacto?

Daniel Kahneman – Acho que esses padrões levantam sérias questões sobre a sabedoria – ou o bom senso – das pessoas ao investir. Principalmente levando-se em consideração que elas estão no mercado financeiro, competindo contra grandes corporações, as consequências das decisões individuais são enormes e trazem grandes impactos. Acho que o estudo do behaviorismo econômico será cada vez mais importante para explicar e apontar fundamentos básicos para se aumentar a poupança dos indivíduos e da população em geral. Uma das grandes preocupações econômicas hoje em dia trata da questão das poupanças individuais. Acho que nossos estudos vão ter implicações imediatas para as pesquisas neste campo. Por outro lado, existem instituições financeiras que usam as teorias e estudos de comportamento econômico para apostar contra o mercado em geral. Um exemplo disso: existe um fenômeno no qual quando se olha um grupo de ações, um fundo de investimento que perdeu dinheiro por um longo período de tempo, em geral esse fundo se torna uma boa aposta futura. O valor das ações que têm perdido dinheiro por muito tempo é muito baixo. Um portfólio desse tipo de ações geralmente vai ter melhor performance do que o restante do mercado. A isso se chama aposta contra a corrente, e as grandes instituições financeiras se aproveitam dessa tática.
ISTOÉ – Suas teorias têm validade multicultural, ou seja, elas representam tendências humanas globalizadas? Pessoas na França, Nigéria, Cingapura ou Brasil agem da mesma forma em experimentos semelhantes àqueles feitos pelo sr. nos Estados Unidos?

Daniel Kahneman – Nós realmente não sabemos com certeza. Não há uma quantidade grande de estudos internacionais nessa área. Mas, pelo
que vimos em algumas pesquisas, nossas descobertas principais são provavelmente bastante universais. É claro que também existem muitas diferenças culturais. Mas ainda não foi estudado e qualificado qual o
peso dessas diferenças nas decisões feitas em experimentos iguais
aos nossos em outros países. Aquilo que nós aprendemos veio de experiências nos Estados Unidos.

 

ISTOÉ – Tempos atrás o sr. escreveu que aparentemente as pessoas são mais felizes na Califórnia. O que o levou a essa conclusão?

Daniel Kahneman – Na verdade, o ponto principal deste texto é que elas não são mais felizes que pessoas em outras partes. O que acontece é que em outras partes todo mundo acredita que os californianos são mais felizes. Mas isso é uma impressão errada. E tenho certeza de que neste momento, com o enorme déficit orçamentário (US$ 36 bilhões) e outros problemas no Estado, os californianos não estão muito felizes.

 

ISTOÉ – O sr. poderia dar alguma dica de investimentos futuros?

Daniel Kahneman – Eu não seria tolo a ponto de dar qualquer dica nessa área.

 

ISTOÉ – Alguns analistas vêem em seus estudos a validação do mercado financeiro. Outros acreditam que suas pesquisas mostram que o mercado não funciona. Quem está certo?

Daniel Kahneman – Novamente devo dizer que está fora de minha alçada, mas em todo caso posso opinar que o mercado financeiro funciona bem – ainda que tenha imperfeições –, mas está provado que é muito, mas muito difícil ganhar dinheiro nele. Não é para qualquer um.
ISTOÉ – Como o sr. acha que os investidores vão se comportar em 2004, nos Estados Unidos:

Daniel Kahneman – Não tenho a menor idéia. Não sou economista.

Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras?

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Em entrevista, presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação) afirma que população não conhece pesquisas que mudaram a realidade social do país

Apesar dos altos investimentos, a população não consegue citar dez trabalhos da USP que tenham mudado a realidade social. E isso vale praticamente para quase todas as universidades, aponta Antonio Freitas, pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da FGV e presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Em sua opinião, para alterar isso é preciso fazer amplas mudanças no sistema educacional, começando pela revisão dos gastos governamentais para priorizar a educação básica. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

O senhor defende a realização de pesquisas mais relevantes, tanto para a sociedade como para a academia. Por que? 

A inovação é um ponto fraco dos países em desenvolvimento, incluindo Brasil. Entrando especificamente do campo das pesquisas, há um índice que afere o impacto delas. A média mundial é 1, enquanto a taxa do Brasil é 0,86, o que indica que as nossas pesquisas são pouco citadas.

O Brasil tem alguns centros de excelência na aeronáutica e na agricultura, por exemplo, mas, em geral, nossas  pesquisas não têm relevância – e  também não têm impacto social.

Contudo, isso deveria ser diferente, pois o dinheiro do contribuinte, que paga a universidade pública, o Fies, o ProUni, deveria ter retorno para a sociedade. Hoje a pesquisa fica encapsulada na universidade.

Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras? Você não consegue citar dez pesquisas da USP que tenham beneficiado a sociedade, apesar dos altos investimentos que ali são feitos.

Há também pouco incentivo para os brasileiros trabalharem com pesquisadores de outro país. O Ciência sem Fronteiras deveria ter investido nisso.

Voltando ao índice de impacto, o fator de impacto da Suécia é 1,16, que é acima da média, enquanto o nosso é de 0,86. Porém, considerando os 2,6 mil trabalhos conjuntos de brasileiros e suecos, temos o fator 4,19.

O trabalho em parceria, além de motivador, enriquece a pesquisa, visto que o problema passa a ser visto de diferentes perspectivas.

Como poderíamos reverter essa situação?

Um problema grande que temos é a má gestão da educação em todos os níveis, mas principalmente na educação básica. Por que o Rio de Janeiro investe o dobro do Piauí na educação e está com notas piores no Ideb?

Por causa da má gestão. E sem melhorar a educação básica, não vamos avançar no ensino superior e tampouco conquistar centros de pesquisa relevantes.

Em vez de investir 70% dos recursos na educação superior e 30% na educação básica, deveríamos inverter isso, tal como fez a Coreia do Sul. Também temos de usar leis, como a Lei Rouanet, para permitir às empresas investir diretamente na educação.

E o que as instituições de ensino superior poderiam fazer?

Em geral, as instituições de ensino preparam as pessoas para o mercado de trabalho, mas alguns poucos indivíduos têm interesse em fazer pesquisa.

Esse grupo deve receber atenção e, acredito, não faltam empresas que desejam apoiar esses indivíduos. Além disso, os alunos dos cursos mais concorridos da USP e de outras universidades públicas deveriam pagar pelo ensino, pois certamente eles podem fazer isso.

Essa mudança permitiria dar aos pobres não apenas a gratuidade do ensino, mas todo o auxílio de que eles necessitam para se manter e estudar.

Eles devem ter bolsas de estudo para estudar e pesquisar com tranquilidade e sair dessa condição em que estão hoje, trabalhando o dia todo para conseguir estudar à noite.

O senhor é favorável a uma mudança radical em nosso sistema de ensino.

Sim. O Brasil precisa de mudanças radicais em muitos setores, inclusive na educação. A postura do MEC também tem de mudar, pois acho que a posição do MEC deveria ser semelhante à de um pai diante de uma escola que está em dificuldade.

Em vez de fechar essa escola, ele deveria ajudá-la. As melhores universidades públicas também poderiam ajudar, dando assistência a outras instituições. E na educação básica, poderíamos aceitar a participação da iniciativa privada para gerenciar as escolas.

Hoje, os diretores das escolas públicas são definidos a partir de conchavos políticos. Diria ainda que as IES públicas são muito mal gerenciadas.

Como seria essa ideia de uma instituição de ensino superior pública supervisionar outras instituições?

Elas podem ajudar na atualização dos professores das escolas privadas que são contratados em regime parcial. Muitos deles trabalham em alguma empresa e dão aula de noite.

Eles têm o conhecimento prático, mas eventualmente não estão acompanhando a evolução do conhecimento em suas áreas. Também poderia haver um suporte para aprimorar o uso de técnicas de ensino e até para estruturar algumas instalações, como laboratórios e grupos de pesquisa.

O CNE está renovando as diretrizes de muitos cursos. Quais mudanças podemos esperar nas engenharias?

Nesses cursos, as diretrizes estão sendo renovadas com a participação de docentes, do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), de pesquisadores engenheiros do ITA e de muitas empresas.

A primeira versão já está disponível para consulta na internet. O objetivo das mudanças é criar pesquisas relevantes e formar profissionais transdisciplinares, ou seja, aptos a trabalhar em equipe com especialistas de outras áreas.

As novas diretrizes também estão sendo pensadas para dar mais liberdade às IES para escolher o caminho que querem seguir, ou seja, se querem ser fortes em engenharia automotiva, em engenharia aeronáutica, em resistência dos materiais,  e assim por diante. Pretendemos relatá-las em outubro.

E a renovação das diretrizes do Direito?

O caso do Direito é o mais complicado, porque a OAB é muito conservadora.  Levamos cinco anos, de 2013 a 2018, para reelaborar as diretrizes, que também serão relatadas em outubro, conforme previsão.

Definimos os conteúdos que todos os alunos terão de estudar e um conjunto de disciplinas optativas que serão escolhidas pelas IES conforme a especialidade que querem conferir aos seus cursos, se ambiental, cibernético, eleitoral.

Todos os cursos querem imitar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas as novas diretrizes estão sendo pensadas para mudar isso.

 

Brado pela eficiência – Ricardo Paes de Barros

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ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201 Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um …

ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201

Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um tempo e condicionado ao atingimento de metas

por Rubem Barros

São quase 18h30 de uma sexta-feira. Pelo corredor da sede do Instituto Unibanco, Ricardo Paes de Barros vem ao encontro da reportagem, desculpando-se pelo atraso. Acabou uma reunião de avaliação de projetos com um grupo de economistas e estudantes. Apesar disso, não se furta a uma longa entrevista em que, muitas vezes, começa as respostas protelando-as, ganhando tempo para pensar sobre a questão.

Paes de Barros, hoje identificado como o cérebro por trás do Bolsa Família, tem longa trajetória na reflexão sobre desigualdades sociais e educação. Pupilo de Carlos Langoni  (ex-presidente do Banco Central), ex-orientando do Nobel de Economia de 2000, James Heckman, em doutorado na Universidade de Chicago, foi ainda diretor do Ipea entre 1999 e 2008. Atualmente, é titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna, no Insper.

Ao olhar para a educação brasileira, diz que é preciso que os investimentos sejam efetivos, e não apenas ancorados em promessas que não se cumpram. E alerta para a acentuada queda dos ganhos por anos de escolaridade básica no mercado de trabalho.

Ensino Superior: Mais anos de estudos diminuem a desigualdade social. Quanto mais dessa desigualdade poderia ter sido diminuída com melhor qualidade educacional?
Ricardo Paes de Barros: A educação é um instrumento poderoso para reduzir desigualdades. Mas, por mais que a redução que conseguimos nos últimos anos esteja relacionada às reduções das desigualdades educacionais e de renda que vêm da educação, muito mais poderia ter sido feito. Devemos ter em mente que a probabilidade média de uma criança de boa condição socioeconômica completar o fundamental na idade certa pode ser cinco vezes maior do que a de uma criança pobre. Ou seja, a desigualdade de oportunidades é gigantesca no Brasil. O ex-ministro Cristovam Buarque sempre chama a atenção para o fato de que, ao visitar o interior do Nordeste, precisou ir à Caixa Econômica e se deu conta de que a agência era idêntica à do Lago Sul, em Brasília. Mas foi visitar uma escola de ensino fundamental, e era completamente diferente de outra escola pública do Distrito Federal. Que estranho país é esse que consegue padronizar agência bancária e deixa que a qualidade de uma escola pública seja completamente diferente de outra, dependendo de aonde a criança vá estudar? Daí a importância de toda a essa discussão sobre qualidade mínima no Brasil. O Fundeb está longe de equalizar o custo por aluno no país. É claro que ainda temos um sistema educacional muito desigual. Mas o quanto mais daria para reduzir a desigualdade não sabemos ao certo, exigiria um trabalho mais delicado.

Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Educação, em especial sobre os 10% do PIB?
Não tenho muita ideia de como o Brasil conseguirá gastar 10% do PIB em educação tendo demandas crescentes com o envelhecimento da população, na área de saúde etc. Se são 10% para sempre é um erro meio grosseiro, pois a população em idade escolar está diminuindo. É certo que temos um problema educacional gravíssimo, temos de dar um salto. Se tivermos um plano para, excepcionalmente, passar um momento em que vamos gastar 10%, que se gaste. Mas temos de demonstrar à população e aos outros setores que serão sacrificados – infraestrutura, saúde, assistência social, previdência, algo será sacrificado para isso – que temos um plano convincente de uso eficiente desses recursos. E nossa história não está mostrando isso, pois das metas do Todos pela Educação a única que foi cumprida foi a de gastos. Metas de resultados não estamos cumprindo.

Mas o PNE traz metas e estratégias.
Tem a meta e as estratégias, mas não tem avaliação nenhuma e não estão articuladas de maneira que permita saber que vão entregar aquilo que elas dizem que vão entregar. Não estamos cumprindo nem as metas do ensino médio do Ideb. Estamos aumentando sistematicamente os gastos sem garantir compromissos com os resultados. Precisamos de mais governança para entregar esses 10%. Precisamos que a Presidência da República, o MEC ou quem for venha a público garantir que atingiremos os resultados aliados ao plano e evidências que o sustentem. Precisamos saber o que irá acontecer se após um ano a meta não for cumprida. Isso está faltando. É como se a missão das autoridades educacionais brasileiras fosse tentar fazer algo, quando a missão é efetivamente entregar esse algo.

Qual a sua opinião sobre o modelo do Fies?
Não há país que não tenha um sistema de financiamento da educação superior, não há dúvida sobre sua importância. A questão são as regras para fazer isso funcionar, como torná-lo sustentável, como recuperar o investimento, quais profissões devem ser mais subsidiadas, como a formação de professores é mais subsidiada no mundo inteiro. Outras áreas, como administração e economia, por exemplo, não é preciso subsidiar.

No novo modelo privilegia-se formação docente, saúde, engenharia…
Precisamos ajustar esses detalhes de tal maneira que realmente funcionem, que o dinheiro vá para quem precisa do crédito e que viabilizemos a sustentabilidade disso, que as pessoas que recebem o Fies terminem de fato a universidade e paguem o empréstimo contraído, com um nível aceitável de taxa de juros.

Qual seria esse nível?
Para um financiamento de longo prazo, temos de trabalhar muito mais para assegurar que todos paguem. Se reduzirmos a inadimplência, talvez consigamos baixar a taxa de juros. Mas a taxa para um investimento desses, que tem uma tremenda externalidade para a sociedade brasileira, deveria ser baixa. Não conheço a questão tão de perto, mas deveríamos pensar, por exemplo, qual taxa de juros estamos usando no Minha Casa, Minha Vida. Não poderia ser mais alta. Não poderíamos financiar moradia a uma taxa de juros e investimento em capital humano com um valor mais alto. Deveria haver uma equiparação com investimentos similares – estradas, infraestrutura pública, eletricidade, telecomunicações – ver a que taxa de juros estamos usando recursos públicos para financiar essas atividades.  Por exemplo, qual  taxa de juros usamos para o Pronaf, de agricultura familiar? Deveríamos trazer a realidade do Fies para algo similar.

Como você vê o papel do ensino superior privado?
A instituição privada deveria estar em todos os níveis da educação, e o financiamento público deveria aumentar para alunos no setor privado. Vamos ter de expandir a educação superior de várias formas, não necessariamente de quatro ou cinco anos, mas de dois, três anos, educação tecnológica etc. A participação do setor privado é mais do que bem-vinda, temos de aumentar ProUni, Fies, não há outra alternativa.

Isso aliado à melhora da Educação Básica, para termos alunos em condições de chegar ao ensino superior…
Sem dúvida. Mas hoje já há uma demanda potencialmente reprimida pela educação superior por falta de acesso de uma forma ou de outra, insuficiência de alocação de recursos públicos na educação superior. Se tem uma coisa que diferencia o Brasil de vários países é a parcela pequena da população que conclui o ensino superior.

O grande número de aquisições e fusões do setor privado é sustentável?
Vejo o setor privado como uma indústria onde o setor público vai comprar o serviço, nunca parei para olhar como negócio e em que medida há sobrevalorização ou subvalorização nessa indústria. Mas ela tem um papel muito importante para a sociedade brasileira, e espero que tomem decisões adequadas e que tenhamos um setor privado forte, competitivo, produzindo educação de boa qualidade a um preço aceitável, de tal maneira que o setor público possa usar esses serviços em quantidade. Obviamente, se o preço do setor privado for muito alto, o setor público não poderá comprar serviços dele, vai ter de criar novas universidades públicas. Então, quanto mais o setor privado demonstrar que é capaz de produzir boa qualidade a preços inferiores ao custo do setor público, maior será a capacidade de expandir-se e absorver recursos públicos.

Os economistas têm tido grande centralidade na discussão de políticas públicas de educação nos últimos anos. Quais foram suas maiores contribuições?
A economia teve e tem um papel – como o do [ex-presidente do Banco Central Carlos] Langoni – fundamental para mostrar a importância da educação para todas as dimensões do desenvolvimento do país, o crescimento, a igualdade, a produtividade. Contribuíram até para mostrar que a educação é um direito humano básico e um instrumento para as pessoas garantirem o acesso à mais ampla variedade de direitos humanos.

Mas os economistas pensam de um jeito diferente dos educadores.
É onde eu estava querendo chegar. Há o lado de mostrar que a educação é muito importante. Precisamos de mais educação do que temos. Com a que temos, estamos fazendo um milagre de ter o PIB e a competitividade que temos. Nisso, os economistas são muito bons. Outra área é aquela que diz: “Tá bom, educação é importante, mas como é que a gente produz isso? Como fazemos as escolas funcionarem?”.
Os educadores acham que, para isso, os economistas buscam uma variável mágica, única, para um problema multifatorial.
Todo mundo entende bem o que é uma derivada parcial, que se você mexer uma coisa e mantiver o resto constante, vai ter uma mudança; se mexer em dez coisas vai ter outra mudança. O fato de muitas vezes os economistas trabalharem com o impacto de uma variável e não de 10 variáveis não quer dizer que não entendam isso. Mas a economia e os modelos econômicos são bem-sucedidos em demonstrar a importância da educação e relativamente bem-sucedidos em mostrar que uma certa intervenção educacional tem impacto. São muito poderosos em dizer como a escola ou a política educacional deveria ser. Têm menos capacidade de desenhar uma escola efetiva, embora sejam muito capazes de dizer “olha essa escola é efetiva e a educação é importante”. Com economia, consigo saber que educação é importante, que o Pronatec tem tal impacto sobre a economia, mas tenho dificuldade em saber como desenhar o Pronatec. Os economistas entraram muito nisso, dizendo qual deve ser o tamanho da sala de aula, a escolaridade do professor etc., ou seja, como deveria ser produzida a educação. Aí o instrumento econômico é meio frágil. Não sei o quanto os economistas conseguiram ajudar. Eles tentaram.

Se tivesse de aconselhar jovens economistas interessados em educação, qual ou quais seriam os temas que estão esperando por bons pesquisadores no momento?Há muitas coisas. Uma delas é entender a aparente rejeição do jovem à escola. Corremos o risco de gastar uma quantidade enorme de dinheiro, produzir a escola e o jovem continuar se evadindo. Hoje, no ensino médio, temos perto de 700 mil alunos que começam um ano letivo e não terminam. Muito disso tem a ver com a escola não ser atrativa, ser chata. Mas no Chile ou na Coreia a escola também é chata e o cara fica. Temos muitos trabalhos mostrando a importância de outras habilidades além do cognitivo – sociais, emocionais, ligadas à criatividade e protagonismo –, que, se a escola utilizá-las, podem ter um enorme impacto na participação do jovem. Ter o engajamento maior do jovem pode ser fundamental para o Brasil avançar. O baixo engajamento pode vir do fato de a escola não ser dos jovens, para os jovens. Ceará, Rio de Janeiro têm feito grandes avanços para tornar a escola um lugar da juventude. Saber quanto essa mudança de cara da escola resolverá o problema da evasão não só no ensino médio, mas também no fundamental 2, é uma grande questão de pesquisa.

E há algo que relacione mais educação e economia?
Outra questão fundamental é que o impacto da educação sobre os salários, a relação entre educação e renda está cada vez mais tênue. Cada vez mais, um ano a mais de educação dá um aumento menor em termos de remuneração, o que é excelente. Sem isso, não teríamos reduzido desigualdade. Mas o valor de um ano a mais de educação em termos de remuneração está despencando no Brasil.

Em relação a todos os níveis educacionais?
Na educação superior, ainda não. Mas no ensino médio caiu à metade. Fazer o ensino médio aumentava o salário em 40%, 50%, agora aumenta 20%. Isso em dez anos. Ainda é uma tremenda vantagem, mas precisamos entender por que isso está despencando. Se cair um pouco mais será bom, mas muito mais será problemático.

Essa queda pode estar relacionada à baixa qualidade da educação?
Sim. Pode também estar relacionada ao aumento sistemático do salário mínimo, há várias explicações possíveis. É como a taxa de juros: muito alta, horrível; se cair demais, ficar negativa, é um problema. Juro real negativo é um problema para promover poupança etc. A taxa de retorno da educação no Brasil já caiu muito, o que é bom, permite que muitas famílias pobres tenham acesso a serviços que envolvem pessoas com maior escolaridade, torna a sociedade mais justa. Mas há uma hora em que essa queda desmotivará as pessoas a estudar. Entender essa queda é um desafio extremamente importante neste momento.

 

Forças ocultas na política terão que se civilizar, diz Giannotti

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Professor de filosofia diz que não se governa com ameaças e que vitória de Bolsonaro levará conservadores a moderação

16.out.2018 às 2h00 – Folha de São Paulo

Mario Cesar Carvalho                                

SÃO PAULO

A eventual eleição de Jair Bolsonaro (PSL) vai jogar conspiradores e golpistas na dança política, afirma José Arthur Giannotti, 88, um dos mais influentes professores de filosofia do país, que já deu aulas na USP, da qual se aposentou, e na Universidade Columbia, em Nova York.

E essa é uma boa notícia, segundo ele. “A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas”, disse à Folha. “Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem
se mostra publicamente como bandido. Eles serão obrigados a se civilizar.”

Um dos primeiros intelectuais a dizer que os tucanos caminhavam para a morte, em 2014, Giannotti afirma que não há chance de renascimento do PSDB, partido do qual já foi considerado um ideólogo informal. Mas defende que um partido de centro é essencial. “Para conter o discurso e a prática velha do PT. E para conter essa onda que acredita na violência pela violência.”

Ele elogia o desmonte do sistema político provocado pela onda conservadora por achar que ela abrirá a estrutura extremamente fechada. Ele nem esperou o repórter perguntar para começar a falar.  

Nós estávamos numa negação política. O Congresso fechado nele mesmo, armado para se reproduzir. O governo isolado, incapaz de enfrentar as crises econômicas e sociais. Estávamos num fechamento total. E a Lava Jato denunciando, num processo jurídico-político, na medida em que atua juridicamente mas com intenções políticas. Sua intenção é jogar uma bomba atômica no processo político.

Por que a polaridade PT-PSDB foi varrida? Foi varrida porque ao PSDB faltaram lideranças, faltou se renovar. Quando você chega ao João Dória, que é pura aparência, é o fim. Nós vivemos numa sociedade do espetáculo, mas com o Doria você só tem espetáculo, não tem conteúdo político. O PSDB ficou dividido entre o Alckmin e o Dória. Do outro lado, o PT levou o país a uma recessão brutal por causa de uma série de equívocos econômicos. Esta eleição recupera e amplia 2013 (movimento contra a alta de tarifas de transportes) que depois começou a questionar a agenda dos partidos e a eficiência do Estado].

O que o sr. achou do resultado das eleições? Estou contente porque esse movimento antidemocrático, que é profundo e ocorre no mundo inteiro, representa o capitalismo atual, que é o capitalismo de conhecimento. Isso exige uma universidade que faça pesquisa, e o lulismo transformou a universidade num processo de ascensão social: você sai de secretária 3 para secretária 1. Os tucanos também fizeram isso em SP.

A eleição trouxe essa violência toda para o jogo político. Nós temos uma violência insustentável: morre mais gente aqui do que na guerra da Síria. A eleição foi um banho de soda cáustica revelando as nervuras da real luta política.

Essa onda conservadora tem relação com a violência? Evidente. Mas é também uma reação violenta. Não esqueça também que o PT achava todo mundo que não fosse petista um canalha, golpista. A violência na política não está apenas no lado fascista, mas está do lado do populismo. Ao trazer a violência para a disputa, você traz inclusive os milicos para a política. Em vez de ficarem conspirando entre eles, uma parte da conspiração vai para a política. Porque a conspiração vai continuar.

Há perigo de golpe? Esse perigo diminuiu. Agora tem menos risco de golpe porque as pessoas que eram golpistas encapuzadas passaram a ser golpistas dentro da dança política. Viraram parte da instituição. O golpe pode vir no impeachment do Bolsonaro. Em seis meses ele não vai ter essa aprovação que tem porque não vai resolver a crise econômica. Está todo mundo assustado, mas o resultado é bom.

Não há razão para susto? Pelo contrário. Temos que fincar as nossas razões democráticas e começar a combater as causas dessa violência toda. O país está se preparando para sair da crise com crescimento de 1,5%, como se estivéssemos no século 19. Quais são essas causas? O petismo imaginou que existia um capitalismo brasileiro com características diferentes do mundial. Isso não dá num capitalismo de conhecimento.

O PSDB pode renascer? Não. O fundamental é que renasça o centro. Porque não existe política sem centro. Para conter o discurso e a prática velha do PT. E, por outro lado, para conter essa onda que acredita na violência pela violência.

Por que o voto nos extremos? O eleitor foi para os extremos porque ele raivosamente se apegou às promessas do PT, que foram frustradas. Essa raiva faz parte da tradição política, mas ela piorou. Nunca vi tanta violência, nem em 1964. Porque agora há muito ódio. E a violência está dos dois lados. Muitas vezes os que são contra Bolsonaro têm uma violência bolsonarista.

Há outras razões para o voto nos extremos? Há. O eleitor vive num mundo violento e acha que só a violência resolve. Para acabar com a violência, ele acha que é bandido na cadeia ou morto. Isso não funciona no mundo real. Você só resolve isso criando instituições democráticas. Você tem de criar empregos, tem de esclarecer como será a reforma da Previdência e acabar com vantagens.

Quais vantagens? As vantagens do funcionalismo, como auxílio-moradia. Quando você tira as vantagens, dizem que estão tirando direitos. Desculpe, mas estão tirando vantagens. Sou beneficiário disso também. Todos nós tivemos aposentadoria integral na USP. Eu me lembro quando estava construindo esta casa, eu peguei o [o filósofo francês Michel] Foucault e ia levá-lo para a faculdade [de Filosofia], mas tive que passar na obra. O Foucault perguntou: “Você tem bens pessoais, herança? Porque um professor na França jamais faria uma casa desse tipo”. Todo mundo tinha esses privilégios na USP. Há benefícios para militares, professores e juízes que nenhum país do mundo tem. Isso tem de acabar.

Dá para pacificar o país? A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas. Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem se mostra publicamente como um bandido. Eles serão obrigados a se civilizar. Não dá para ter também um país tão pobre. Isso não é mais tolerável.

Bolsonaro ataca mulheres, negros, gays e indígenas. Isso significa um retrocesso comportamental ou ele fala por um Brasil que é conservador mesmo? Uma parte do país é conservadora. Mas esse discurso é uma estratégia, uma forma de se mostrar como durão. Isso pode ter repercussões muito ruins. Uma coisa é um deputado dizer que não estupra uma deputada porque ela é feia. Se um presidente disser isso, sofre impeachment. Esse comportamento é inaceitável para um presidente. Ou ele muda ou cai. Na eleição tínhamos que escolher entre duas crises.

Quais? A crise que vem junto com Bolsonaro, com violência e não democracia, ou o impeachment por estelionato eleitoral do PT. Tudo indica que, pelo plano de governo que o Lula tinha montado, não daria para cumprir as promessas. O Brasil está encalacrado e só vai desatar quando o sistema político ficar mais moderno e democrático. Antes estava inteiramente fechado. Agora desarrumou tudo. Que bom!

 

Ascensão chinesa e a nova configuração geopolítica mundial

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A economia internacional vem passando por muitas transformações nos últimos trinta anos, a economia mundial centrada no Oceano Atlântico vem perdendo espaço para a ascensão asiática, quem vislumbra uma nova configuração de poder centrada no oriente e fortemente concentrada no Oceano Pacífico, os países asiáticos ganham força em detrimento da Europa e das Américas.

Dos países asiáticos, faz-se importante destacar a ascensão da economia chinesa, de um país intermediário no cenário internacional, a China se transformou, num curto espaço de quarenta anos, na segunda maior economia do mundo, perdendo apenas para a economia norte-americana, com isso, destacamos a previsão feita por Napoleão Bonaparte no começo do século XIX quando profetizou: “Quando a China acordar, o mundo vai tremer”.

Depois de quase trinta anos de sistema comunista, iniciada com a Revolução Socialista de 1949, e depois da morte de seu grande líder, Mao Tsé Tung, a China inicia no final dos anos 70 a construção de um novo paradigma de desenvolvimento econômico, este novo modelo foi construído pelo líder Deng Xiaoping que se destacou como um dos maiores estrategistas da China ao destacar: “Não importa a cor do gato, mas se ele caça o rato”.

As mudanças implementadas no país asiático, no período 1980/2010, trouxeram grande crescimento econômico e inúmeras transformações sociais, na literatura econômica desconhece um modelo que tenha trazido tantas modificações em um país num curto período de tempo e com resultados tão auspiciosos, levando este país a sair de uma situação intermediária para o panteão de segunda maior economia do mundo, com grandes chances de se transformar na maior economia do mundo nas próximas décadas.

A estratégia construída pelo governo chinês era fortemente baseada na intervenção do Estado, que tinha um papel central, não apenas na estrutura econômica, mas em toda lógica política, social e cultural, concentrando, com isso, um grande poder na estrutura social.

Economicamente, cabia ao Estado adotar políticas para fomentar e, ao mesmo tempo, estruturar, fiscalizar e coordenar as grandes alterações na sociedade chinesa, de um país fortemente fechado para uma sociedade mais aberta e cosmopolita, sem perder suas raízes culturais que eram uma das características mais admiradas na sociedade global, integrar a economia chinesa na economia mundial e, ao mesmo tempo, manter as bases culturais do país, este era o grande desafio da sociedade chinesa.

A grande quantidade de mão de obra disponível era um dos maiores ativos da sociedade chinesa, afinal estamos falando de uma sociedade com mais de 1,3 bilhão de pessoas, um contingente imenso que sempre foi visto pelas empresas internacionais como uma grande oportunidade de negócios e investimentos, com forte potencial consumidor e como fonte barata de produção de produtos ocidentais.

O modelo econômico inaugurado na China nos anos 70 estava fortemente atrelado ao comércio internacional, as exportações foram estimuladas como forma de angariar novos recursos monetários e, com isso, garantir uma saúde financeira para financiar as políticas estratégicas do país nas próximas décadas, garantindo condições para melhorar as condições de vida da população e contribuir para o desenvolvimento econômico chinês.

Somente como critério de comparação, no começo dos anos 80, as exportações chinesas eram de US$ 22 bilhões, enquanto as brasileiras eram de US$ 24 bilhões e as coreanas eram de US$ 20 bilhões, em 2010 as exportações brasileiras foram de US$ 250 bilhões, as coreanas de US$ 350 bilhões e as chinesas ultrapassaram os US$ 1,2 trilhão, com estes dados podemos compreender que o paradigma adotado pelo país asiático estava fortemente atrelado ao comércio internacional.

O Estado chinês contribuiu decisivamente para este crescimento das exportações, adotando políticas que contribuíram para a atração de milhares de empresas transnacionais com a criação das Zonas Especiais de Exportação (ZEEs), espaço caracterizado por inúmeros incentivos tributários, financeiros e logísticos para as empresas se instalar, gerar empregos e exportar seus produtos, aumentando a participação das empresas no comércio internacional.

Os investimentos chineses em ciência e tecnologia cresceram de forma acelerada, os produtos oriundos da China ganharam envergadura e conseguiram aumentar o valor agregado de forma crescente, garantindo novos mercados e retornos de escalas consideráveis e impressionantes, transformando o país em um dos líderes no registro de patentes de novos produtos, mercadorias e serviços.

A formação de quadros para a nova estratégia chinesa foi construída no começo dos anos 80, quando o país estimulou e financiou a saída de jovens estudantes para cursos de graduação e de pós-graduação no exterior, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, com o compromisso de se capacitarem para gerenciar as empresas estatais do país, com isso, um grande contingente populacional de pesquisadores altamente qualificados foram absorvidos pelo mercado de ciência e tecnologia, contribuindo para uma nova estrutura produtiva e avanços consideráveis em várias áreas do conhecimento científico, desde a medicina e outras áreas de saúde, a gestão, as engenharias, a física e a biologia.

Empresas de alta tecnologia foram fortemente estimuladas, políticas sólidas garantiram novos investimentos do Estado e de empresas privadas, tudo isso fez da China um dos países que mais ganha espaço neste mercado crescente de tecnologias, inovação e produtos integrados ao setor industrial, a chamada Indústria 4.0, que tende a moldar e a influenciar o novo cenário competitivo internacional.

Outra política adotada pelo governo chinês foi a exigência de uma parceria com empresas locais, ou seja, todas as empresas internacionais que se interessassem em produzir do território chinês, deveriam se associar com uma empresa local, esta associação teria duração de 20 ou 30 anos, e garantiria livre acesso ao mercado e ao consumidor chinês e, ao mesmo tempo, obrigaria a empresa transnacional a transferir tecnologias para a parceira local, auxiliando-a na melhora de seus produtos, dentre as empresas que tiveram que se associar a uma parceira local destacamos a brasileira Embraer, que para ser aceita no mercado teve que se associar com a estatal de aviação Avic 2, mas são inúmeros os casos de empresas transnacionais que aceitaram esta associação.

O governo chinês se utilizou de uma política de câmbio desvalorizado para incrementar suas exportações, esta atuação exigia uma forte intervenção no mercado de câmbio, gerando forte descontentamento dos competidores e dos parceiros comerciais mas, mesmo assim, os governantes do país se utilizaram deste expediente para fomentar os ganhos dos exportadores, aumentar a participação do país no comércio internacional, garantiu uma grande quantidade de dólares para alavancar a economia e melhorar os indicadores sociais, legitimando a estratégia construída pelo governo, estima-se que o governo da China possua investido em bancos estrangeiros um montante de US$ 3,9 trilhões, recursos estes fundamentais para consolidar as estratégias construídas pela China para o século XXI.

O governo chinês está fortemente atrelado ao Partido Comunista Chinês (PCC), que controla toda a estrutura social, cabe ao partido definir as políticas, as diretrizes e as estratégias que serão adotadas, destacando que o PCC controla a sociedade com força e autoritarismo, reprimindo e censurando todos aqueles que se manifestarem contrariamente as suas políticas e levando pessoas e grupos dissidentes à morte, um regime fechado, autoritário, violento e fortemente repressor.

O poder centralizado nas mãos do Partido Comunista Chinês é um dos grandes diferenciais da China, as mudanças feitas no país, num período curto, só foram possíveis graças ao forte poder do Partido, em regimes democráticos estas mudanças para serem feitas demorariam muitos anos, talvez décadas e a resistência da sociedade civil organizada seria muito grande e os entraves levantados seriam enormes.

O modelo foi exitoso em garantir um forte crescimento econômico para a economia chinesa, no período 1949/1980 o crescimento anual foi de 4,9%, no período 1980/2010 este crescimento foi quase o dobro, alcançando mais de 9,5%, levando o produto interno bruto (PIB) do país a dar saltos e levar a economia chinesa ao posto de segunda maior economia do mundo, atrás apenas da economia norte-americana e, para muitos analistas internacionais, até 2030 os Estados Unidos serão ultrapassados pelos asiáticos no posto de maior economia mundial.

A ascensão chinesa gerou uma imensa transformação na estrutura produtiva global, a entrada da China no mercado atraiu milhares de empresas transnacionais para o mercado asiático, muitas delas para a própria China, gerando mais empregos e melhorando a renda agregada do país, contribuindo para a transformação das cidades que passaram a atrair novos contingentes de mão de obra, chineses que sempre viveram no meio rural foram para as cidades e transformaram as cidades do país nas maiores metrópoles internacionais, criando novos desafios e oportunidades para os trabalhadores, uma excelente notícia para um país que precisa gerar milhões de empregos anualmente para evitar uma forte degradação social.

Com a chegada das empresas transnacionais, seus países de origem foram vitimados por um aumento no desemprego e uma forte redução na renda, gerando uma degradação no trabalho e um incremento na pobreza e na marginalidade, transformando cidades antes estáveis e bem organizadas em antros marcados por violência e degradação social, onde os investimentos do Estados passaram a ser mais necessários e urgentes.

Melhorias em um lado e degradação em outro, a ascensão da China e de outros países asiáticos, levou a economia internacional a uma nova configuração de poder, as classes médias ocidentais perceberam uma forte degradação em seus empregos e uma redução considerável em sua renda agregada, criando um grupo conhecido como precariado, que se espalha por todas as regiões do mundo e mostram uma nova cara do emprego e das relações sociais em curso na sociedade global.

A ascensão chinesa culminou no fortalecimento das empresas que passaram a dominar inúmeros setores, se antes o país era conhecido como um país produtor de produtos de baixo valor agregado, atualmente a China possui empresas com grande potencial produtivo em vários setores, destacamos a Alibaba, Lenovo e Tencent, empresas que atuam em um setor altamente competitivo e concorrencial, competindo com gigantes norte-americanas e europeias. No setor automobilístico destacamos a ascensão da Chery e da JAC, empresas que vem ganhando espaço e atraindo os melhores projetistas e engenheiros para seus quadros, vislumbrando novas oportunidades para o século XXI.

A China promoveu grandes avanços na sociedade, mais de 500 milhões de pessoas saíram do meio rural e foram transferidos para as cidades, criando grandes polos urbanos e modernas metrópoles, garantindo uma melhora considerável na vida destas pessoas, nas condições de higiene pessoal, na alimentação, na segurança e no conhecimento, elevando as expectativas de vida da população.

A crise de 2008 gerou novas preocupações para a sociedade chinesa, o incremento do nacionalismo e do xenofobismo, além de uma redução generalizada do comércio internacional, levou o país a repensar seu modelo de desenvolvimento, permanecer dependente das políticas anteriores, centradas no setor exportador se mostraram insuficientes para alavancar o crescimento do país, com isso, um novo modelo surge e passa a ser desenvolvido pelo Partido Comunista, este novo paradigma está centrado no mercado interno e na melhoria das condições de vida do trabalhador chinês, com melhorias sociais, previdência social e políticas públicas.

A adoção deste novo modelo econômico é marcada por inúmeros desafios e oportunidades, mais poder de compra e recursos monetários nas mãos da população pode levar o cidadão a demandas novas e crescentes, dentre estas demandas, os chineses podem demandar mais liberdade e mais benefícios que podem culminar em exigências democráticas, incompatíveis a um regime autoritário e fortemente centralizado.

A adoção de um novo modelo econômico está envolto em inúmeros desafios políticos e econômicos, de um lado o Partido Comunista busca uma forma de criar um novo catalisador para o crescimento do país, diminuindo a dependência do setor externo, que com a crise imobiliária norte-americana se mostrou instável e pouco confiável. Os riscos do novo modelo são muito mais políticos do que econômico, isto porque uma população mais rica e com renda em ascensão, com mais acesso aos mercados globais, ao turismo internacional e aos prazeres do capitalismo, pode demandar muito mais do que produtos e mercadorias, pode demandar mais liberdade, mais transparência e menos censura, gerando constrangimentos futuros para os donos do poder no país asiático.

A dependência do setor exportador se mostrou uma estratégia muito exitosa, num determinado momento garantiu grande crescimento econômico e uma melhoria considerável da economia do país, elevando-o a uma categoria de destaque na sociedade global, de uma economia média a um player de destaque no mundo contemporâneo, o novo modelo tem este desafio, aprofundar os ganhos chineses, melhorar os indicadores sociais e transformar o país na economia hegemônica do século XXI, os desafios são imensos mas se analisarmos historicamente tudo que foi feito no país nos últimos quarenta anos, poucos analistas internacionais duvidam do potencial e da capacidade empreendedora e criativa da população chinesa.

Outro ponto importante a se destacar é que, depois de ganhar mercados na economia internacional e elevar sua participação nas exportações globais, a China angariou aliados e inúmeros adversários e concorrentes, dentre eles destacamos os Estados Unidos, que sob o governo Donald Trump decretou uma verdadeira guerra comercial com o país asiático, onde os lados estão defendendo políticas e pensamentos diferentes, um mais nacionalista e protecionista, e outro mais internacionalista e concorrencial, sendo que os norte-americanos responsáveis por este modelo construído no pós segunda guerra, que pregava a competição e a integração entre as economias, hoje se coloca como nacionalista e fortemente protecionista, são os novos ventos da economia internacional, a China está realmente transformando as estruturas da economia mundial e gerando uma reconfiguração dos espaços de poder político e institucional.

Os impactos desta guerra comercial deverão ser sentidos em todas as regiões do mundo, o cerne desta discórdia entre norte-americanos e chineses é o crescente déficit comercial que o primeiro tem com o país asiático, apenas em 2017, os Estados Unidos exportaram US$ 130 bilhões para a China e importaram US$ 520 bilhões, acumulando um déficit comercial de quase US$ 400 bilhões que, segundo o presidente Donald Trump está relacionado as políticas adotadas pela China, que distorcem as relações comerciais entre os países e geram fortes perdas econômicas para os norte-americanos e como seu lema é “A América Primeiro”, a guerra comercial é a única forma de reverter esta situação e gerar perdas aos chineses.

Um outro ponto de grande preocupação dos analistas internacionais é com o setor bancário e financeiro chinês, o país possui uma dívida acumulada de trilhões de dólares que podem gerar graves constrangimentos no país nos próximos anos, bancos estatais mal administrados podem elevar as dívidas para patamares de insustentabilidade, levando o país a uma crise forte e graves impactos sobre a economia internacional.

O paradigma chinês não se baseia no pensamento liberal como querem os defensores desta ideologia e também não se caracteriza como uma estratégia socialista ou comunista, o modelo criado no país asiático é um grande híbrido que associa uma forte intervenção do Estado na sociedade e um estimulo brutal a concorrência e a competição, o modelo dominante e exitoso no século XXI não pode se basear apenas em ideologias que restringem e limitam a análise e as políticas a serem implementadas, faz-se fundamental a agilidade e a rapidez na adoção de políticas concatenadas e compartilhadas entre Estado e Mercado, como forma de garantir um novo espaço de construção econômica e produtiva para os países num ambiente de grande concorrência e busca por ganhos de competitividade mas com melhorias sociais e novas perspectivas para a comunidade.

 

Que juventude é essa? Marcelo Ridenti

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Diversidade de insatisfações com sinais ideológicos misturados, cada qual identificando no movimento a realização dos próprios desejos

De modo inesperado, tomaram as ruas os netos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964 e da Passeata dos Cem Mil de 1968. Os filhos dos que apoiaram a eleição de Collor em 1989 e dos que se manifestaram por seu impeachment em 1992. Todos contraditoriamente juntos.

Claro, em outro contexto. Diversidade de insatisfações com sinais ideológicos misturados, que se expressam também nas várias interpretações, cada qual identificando no movimento a realização dos próprios desejos e tentando influenciá-lo.

Setores de esquerda encantaram-se com o que lhes pareceu o início de uma revolução espontânea, mas ficaram embasbacados com as hostilidades sofridas, não por parte da polícia, mas de alguns anticomunistas. Adeptos do PT, percebendo que o movimento redunda em questionamentos variados a seus governos, tendem a reduzi-lo ao caráter fascista de certos manifestantes.

Os conservadores –inclusive na imprensa, sobretudo televisiva– ressaltam os protestos ordeiros contra a corrupção, tentando restringir o movimento a um aspecto pontual, como se todas as mazelas da ordem constituída se devessem à malversação das verbas públicas pelo PT.

Por sua vez, os defensores de causas como a tarifa zero sonham que a multidão está envolvida numa nova democracia horizontal e plebiscitária, pacificamente movida a internet, mas também se assustaram com a ferocidade de alguns grupos.

Em todos os pontos de vista, há algo de verdade e mistificação. O enigma começa a ser resolvido com a pergunta: quem se lança às ruas? Ao que tudo indica até o momento, são principalmente setores da juventude, até há pouco tida como despolitizada, e que não deixa de expressar as contradições da sociedade.

Parece tratar-se de uma juventude sobretudo das camadas médias, beneficiadas por mudanças nos níveis de escolaridade, mas inseguras diante de suas consequências e com pouca formação política.

Dados do MEC apontam que há hoje cerca de 7 milhões de universitários. O acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década. Em 2000, eram admitidos anualmente 900 mil calouros. Em 2011, quase 1,7 milhão. Dois terços no ensino privado.

A título de comparação, tome-se a década das manifestações estudantis. Em 1960, havia 35.909 vagas disponíveis no ensino superior, número que saltou para 57.342 em 1964, ano do golpe de Estado, chegando a 89.582 no tempo das revoltas de 1968, a maioria no ensino público. Em termos absolutos, a evolução foi enorme. Não obstante, apenas 15% dos brasileiros com idade para estar na faculdade cursam o ensino superior.

Quanto à origem dos universitários, muitos compõem a primeira geração familiar com acesso ao ensino superior. Outros são de famílias com capital cultural e/ou econômico elevado, atônitos com a ampliação do meio universitário.

No que se refere às expectativas, parece haver o temor de alguns de não poder manter o padrão de vida da família e de outros de não ver realizada sua esperada ascensão social.

Produziu-se uma massa de jovens escolarizados, com expectativas elevadas e incertezas quanto ao futuro, sem encontrar pleno reconhecimento no mercado de trabalho nem tampouco na política. Ademais, detecta-se insatisfação com o individualismo exacerbado.

Em suma, um meio social efervescente em busca de causas na era da i(nc)lusão pelo consumo, em meio à degradação da vida urbana.

E por onde andam os 70% de jovens de 18 a 24 anos que não estão na escola? Alguns, no mercado de trabalho precarizado. Outros compõem o chamado “nem nem”, nem escola nem trabalho. Massa ressentida que em parte também integra as manifestações.

No ano que vem, completam-se os 50 anos do golpe de 1964, cuja bandeira ideológica era o combate aos políticos e à corrupção. O risco está dado novamente? Por sorte, as manifestações trazem também reivindicações por liberdades democráticas, busca de reconhecimento e respeito, tocando num aspecto central: a luta pelo investimento em transporte, saúde e educação, contra a apropriação privada do fundo público.

Chegaram ao limite as possibilidades de mudança dentro das estruturas sociais consolidadas no tempo da ditadura e que não foram tocadas após a redemocratização? Será possível aperfeiçoar a democracia política, também num sentido social? Abre-se um tempo de incertezas.

Folha de São Paulo – 23 de junho de 2013

MARCELO RIDENTI, 54, é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e autor de “O Fantasma da Revolução Brasileira”

 

Precariado: a espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras. Entrevista especial com Giovanni Alves

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 “As sociedades capitalistas vivem hoje sob o pêndulo perverso do capital, oscilando entre uma social-democracia medíocre, incapaz de avançar nas reformas sociais necessárias, e uma direita liberal conservadora que, aproveitando-se da mediocridade da social-democracia, ocupa espaços no jogo político, implementando, quando chega ao governo, suas políticas de desastre social”, constata o sociólogo.

O precariado, formado por jovens-adultos escolarizados, mas com inserção precária nas relações de trabalho e vida social, constitui a “camada média do Subproletariado urbano” e é a “espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras, ocorridos em junho de 2013”, avalia Giovanni Alves em entrevista concedida à IHU On-Line.

Na interpretação dele, os jovens não vivenciam apenas uma “precarização salarial” por conta do desemprego, dos baixos salários e dos contratos salariais precários, mas estão diante de uma “precarização existencial que ocorre com a precariedade dos serviços públicos nas cidades brasileiras – transporte público, saúde, educação, espaços públicos – e o modo de vida just-in-time”.

As manifestações que tomaram as ruas nos últimos dias representam também uma “insatisfação social” com as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano, durante os governos Lula e Dilma. “A frente política do neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma focou o gasto público no subproletariado pobre (por exemplo, aumento do salário mínimo, Bolsa Família, acesso ao crédito), deixando de lado as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano”, salienta em entrevista concedida por e-mail.

Para Alves, as manifestações são “incapazes, em si e para si, de ir além da explicitação cotidiana da inquietação social e carecimentos sociais. O problema dos movimentos sociais é a sua pluralidade setorial que tende a promover a dispersão de sua força social e política. A revolta do precariado manifestou, por exemplo, como Movimento do Passe Livre, explicitando problemas nos transportes públicos no Brasil. Depois foram incluídas outras pautas de insatisfação social – algumas pautas políticas criadas pela imprensa conservadora. Mas, no geral, as demandas sociais inscritas eram difusas”.

Giovanni Alves  é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, no campus de Marília. Livre-docente em teoria sociológica, é mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Atualmente, desenvolve o projeto de pesquisa “A derrelição de Ícaro – Sonhos, expectativas e aspirações de jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil (2003-2013)”.

É autor de, entre outros, Dimensões da precarização do trabalho – Ensaios de sociologia do trabalho (Bauru: Projeto editorial praxis, 2013).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Ao comentar as manifestações que acontecem em todo o país, o senhor diz que se trata da “revolta do precariado”. Pode nos explicar essa ideia? Quem é o precariado e como a precarização do trabalho reflete nas manifestações?

Um misto de frustração de expectativas e insatisfação socialGiovanni Alves – Tenho utilizado o conceito de precariado num sentido bastante preciso: o precariado é a camada média do subproletariado urbano, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados, mas com inserção precária nas relações de trabalho e vida social. O precariado é constituído por um conjunto de categoriais sociais como, por exemplo, estudantes de nível médio ou nível superior, recém-graduados desempregados ou inseridos em relações salariais precárias; ou ainda por jovens empregados precarizados. Portanto, o conceito de precariado como camada social da classe dos trabalhadores assalariados está delimitado pelas variáveis salariais, etárias e educacionais. Esse contingente de jovens-adultos, por serem altamente escolarizados, tende a cultivar um ethos de “classe média” baseado nos anseios de ascensão social por meio da carreira profissional e desejo de consumo. Por isso pertencem às camadas médias do proletariado urbano. Entretanto, tendo em vista a nova dinâmica do mercado de trabalho no Brasil, um contingente de jovens altamente escolarizados estão desempregados ou estão inseridos em relações salariais precárias tendo em vista a degradação do estatuto salarial (por exemplo, contrato precário de trabalho e baixa remuneração salarial).

Por exemplo, segundo o jornal O Estado de São Paulo, de 30-06-2013, o salário médio mensal dos trabalhadores com mais anos de escolaridade recuou entre 2002 e 2011 no Brasil. A média de salário dos profissionais com 12 anos ou mais de estudo caiu 8% nesse período, de R$ 3.057 para R$ 2.821 (a variação já desconta a inflação do período). Isso significa que o poder aquisitivo desse grupo caiu em 10 anos. Na verdade, as camadas mais escolarizadas do mundo do trabalho no Brasil viram aumentar a concorrência na última década. Nos últimos anos, as pessoas ficaram mais tempo na escola, e a oferta de profissionais com ensino médio e superior aumentou. Cresceu a fatia dos trabalhadores brasileiros com ensino médio e superior em andamento ou concluído. O crescimento da escolaridade também foi impulsionado pelo aumento do número de universidades privadas. Enfim, houve mais ofertas de trabalhadores assalariados altamente escolarizados, a maior parte deles jovens recém-graduados. E muitos profissionais podem ter ingressado no nível mais elevado de escolaridade, mas com o mesmo salário, o que reduziu a média de ganho da categoria. Desse modo, o precariado possui, em si e para si, um misto de frustração de expectativas e insatisfação social e, por outro lado, carecimentos radicais que o torna susceptível de atitudes de rebeldia.

A meu ver, o precariado constituiu a espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras, ocorridos em junho de 2013. Na medida em que cresceram por conta da exposição midiática, o corpo das manifestações massivas que atingiram as cidades brasileiras incluiu outras camadas sociais, frações e categorias de classe que ocuparam as ruas. Mas o que eu saliento é que a espinha dorsal da multidão massiva que ocupou as ruas era constituída pelo precariado. De repente, o Movimento do Passe Livre – MPL deu visibilidade nas ruas brasileiras à camada social do precariado, o subproletariado médio das cidades brasileiras.

Por exemplo, no artigo “Que juventude é essa”, publicado no jornal Folha de S.Paulo, de 23-06-2013, o sociólogo Marcelo Ridenti descreveu a juventude que ocupou as ruas nas manifestações do Outono Quente do seguinte modo: “Ao que tudo indica até o momento, são principalmente setores da juventude, até há pouco tida como despolitizada, e que não deixa de expressar as contradições da sociedade. Parece tratar-se de uma juventude sobretudo das camadas médias, beneficiadas por mudanças nos níveis de escolaridade, mas inseguras diante de suas consequências e com pouca formação política” (o grifo é meu). O que Marcelo Ridenti descreve, sem o saber, é o precariado. O corte geracional torna a camada social do precariado susceptível à utilização das redes sociais (Facebook e Twitter).

Ao mesmo tempo, como o precariado nasceu e cresceu na era do neoliberalismo, que aprofundou nas últimas duas décadas, a imbecilização cultural, a despolitização e o irracionalismo social na sociedade brasileira, ele tornou-se bastante susceptível às atitudes anarcoliberais, anarcopunks, neofascistas e esquerdistas tout cort, isto é, atitudes “extremistas”, manipuladas tanto à esquerda como à direita, principalmente numa conjuntura social instável e polarizada politicamente. Na verdade, partidos e sindicatos têm dificuldades em absorver as insatisfações sociais, demandas radicais e formas de organização do precariado.

Precarização existencial

Enquanto camada média da classe social do proletariado, o precariado tem uma cultura e psicologia social própria. Por um lado, seus membros são movidos pela profunda insatisfação social. O que significa que a rebeldia do precariado é expressão das novas dimensões da precarização do trabalho que ocorre no Brasil. Não se trata apenas da precarização salarial, tendo em vista o desemprego, baixos salários, rotatividade do trabalho, contratos salariais precários e frustração de expectativas de carreira profissional; mas trata-se também da precarização existencial que ocorre com a precariedade dos serviços públicos nas cidades brasileiras – transporte público, saúde, educação, espaços públicos – e o modo de vida just-in-time (discuto isso no meu último livro “Dimensões da Precarização do Trabalho no Brasil”). Por outro lado, o precariado é movido pelos carecimentos radicais: a juventude escolarizada torna-se vulnerável ao desalento e angústia intrínsecos ao prosaísmo da vida burguesa e a incapacidade da sociedade das mercadorias em sua etapa de capitalismo manipulatório em dar uma vida plena de sentido. Enfim, o precariado representa, em si e para si, a carência de futuridade intrínseca à ordem do capital. É por expressarem as contradições radicais da ordem burguesa hipertardia que o precariado é suscetível a absorver em suas atitudes sociais, formas de irracionalidade que caracterizam a ordem decadente do capital. É importante salientar que o cerne da radicalidade do precariado é a contradição visceral entre “ideais de classe média”, impulsionados pela educação do capital, além da condição de proletariedade que caracteriza a situação existencial da juventude rebelde. Mas os protestos de rua no Brasil não dizem respeito à revolta da “classe média”. Na verdade, a pobreza heurística do conceito de “classe média” tende a ocultar a condição existencial de classe da multidão insatisfeita das ruas, multidão de jovens-adultos proletários altamente escolarizados insatisfeitos socialmente e carentes de uma vida plena de sentido.

IHU On-Line – O que a “revolta do precariado” demonstra sobre a condução política, econômica e social do país nos últimos anos, especialmente em relação à ascensão da classe C via consumo, à expansão econômica via crédito, ao aumento do salário mínimo e às políticas públicas sociais de distribuição de renda?

Giovanni Alves – A curta década de 2000 foi marcada pela ascensão e impasses do neodesenvolvimentismo no Brasil. O projeto lulista ou projeto de desenvolvimento burguês redistributivista, com foco no subproletariado pobre (a dita “Classe C”), adotou a linha de menor esforço do redistributivismo de renda, privilegiando, desse modo, a formação de “sujeitos passivos” da agenda governamental (Bolsa Família). Na verdade, por trás do realinhamento eleitoral do PT em 2008, constatado por André Singer no livro “O sentido do lulismo” (o PT tornou-se o partido dos pobres), está à opção política pela linha de menor esforço do redistributivismo de renda – o “reformismo fraco”. Enquanto o neoliberalismo da década de 1990 sucateou os serviços públicos, o neodesenvolvimentismo da década de 2000 não os recuperou efetivamente. Na verdade, a frente política do neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma focou o gasto público no subproletariado pobre (por exemplo, aumento do salário mínimo, Bolsa Família, acesso ao crédito), deixando de lado as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano – o precariado, imerso na dupla dimensão da precarização do trabalho: precarização salarial e precarização existencial.

Demandas sociais

Entretanto, tratar das demandas sociais do precariado significaria enfrentar efetivamente o capital financeiro, tendo em vista que a linha de menor esforço do redistributivismo do capital significa, em si e para si, renunciar a enfrentar os constrangimentos do orçamento estatal pela dívida pública nas mãos do capital financeiro que impede, por exemplo, investimentos de maior porte nos serviços públicos. A direita neoliberal, sedenta em manipular a revolta do precariado, oculta a radicalidade das demandas sociais das manifestações das ruas e suas implicações políticas. Por exemplo, quem financiaria a melhoria efetiva dos serviços públicos? Em que medida a melhoria dos serviços públicos significaria alterar o modelo de controle social, propriedade e gestão da coisa pública no Brasil? Etc. Portanto, surgiram impasses sociais e políticos e explicitaram-se os limites radicais do neodesenvolvimentismo com a ascensão das camadas médias do subproletariado urbano, que cresceu na última década devido à renovação geracional do mercado de trabalho e ao aumento do perfil de escolaridade da massa proletária urbana (por exemplo, o acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década.

O precariado como subproletariado urbano

Em 2000, eram admitidos anualmente 900 mil calouros. Em 2011, quase 1,7 milhão. (Dois terços no ensino privado.) Enfim, cresceu o precariado como subproletariado urbano, inserido na condição pós-moderna no sentido de rompimento dos parâmetros da modernidade fordista baseada nos ideais de educação como capital humano, emprego como carreira profissional e consumo/família como realização pessoal; uma condição pós-moderna que possui também um caráter cultural caracterizado pela corrosão do caráter, valores do individualismo e sentimento de “presentificação crônica”. Enquanto o neodesenvolvimentismo interpelou o subproletariado pobre como “sujeitos passivos” da agenda governamental, o precariado que se manifesta hoje nas ruas aparece como “sujeitos ativos” da insatisfação social com os limites do neodesenvolvimentismo e portadores de carecimentos radicais intrínsecos da ordem burguesa hipertardia. Na verdade, o precariado expõe os limites radicais do neodesenvolvimentismo como modo de desenvolvimento capitalista incapaz de dar resposta às necessidades sociais das cidades como espaço público.

Insatisfação acumulada

As causalidades imediatas dizem respeito à insatisfação social acumulada nas últimas décadas de democracia brasileira com a precarização do trabalho em sua forma de precarização salarial e precarização existencial, onde a critica da qualidade dos serviços públicos é um traço crucial: saúde, educação, transporte público e espaços públicos urbanos. Por isso, a rebeldia do precariado nasceu com o MPL, que depois se transfigurou como movimento social permeado de um complexo de demandas sociais acumuladas insatisfeitas pelo neodesenvolvimentismo burguês. Mas o movimento do precariado no Brasil e no mundo expõe no século XXI os carecimentos radicais das camadas médias do proletariado – o subproletariado médio – sedento de uma vida plena de sentido no interior da ordem estranhada do capital.

IHU On-Line – Em artigo recente, ao mencionar a participação dos jovens nas manifestações, o senhor afirma que a “condição social de estudante é hoje uma condição precária”. O que isso revela sobre as políticas públicas educacionais adotas no país?

Giovanni Alves – É importante salientar que o estudante de ensino médio e ensino superior é uma das categorias sociais que compõe, em sua ampla maioria, a camada média do subproletariado urbano. Na verdade, os estudantes são trabalhadores assalariados em formação, sendo virtualmente trabalhadores precários in fieri tendo em vista as próprias condições estruturais do mercado de trabalho hoje. Eles sofrem no ambiente escolar a condição de proletariedade no sentido do modo de vida just-in-time e frustração das expectativas. Por outro lado, enquanto a juventude está exposta aos carecimentos radicais da ordem burguesa. Escolas e universidades como organizações burocráticas reproduzem a experiência da empresa capitalista que, hoje, está imersa no espírito do toyotismo. Nas salas de aula, verdadeiros locais de trabalho do estudante, temos a pressão contínua pelo comprimento de metas, assédio moral e, até, o crescimento de adoecimentos psicológicos tal como ocorre com o mundo do trabalho (o aumento de suicídio entre jovens é uma realidade no Brasil neodesenvolvimentista).

As requisições estranhadas do trabalho abstrato virtual estão presentes no metabolismo social escolar. Por isso, cresce na juventude, o uso de bebidas e drogas como formas espúrias de resistir ao estranhamento (no sentido utilizado por Georg Lukács). Portanto, é isto: a condição existencial do estudante é uma condição precária, tal como a do empregado e operário. Mas é importante salientar que não se trata apenas de investir em educação. Mas, nas condições históricas em que vivemos, é importante e fundamental, mas não o suficiente – por exemplo, Portugal nos últimos vinte anos investiu pesadamente em educação, mas só criou uma superpopulação relativa altamente escolarizada, porém desempregada e precária. É importante criar condições econômicas e sociais capazes de realizar as possibilidades reprimidas de realização profissional e humana. É claro que o Brasil precisa crescer, mas também mudar o sentido da macroeconomia do crescimento. Depois, numa perspectiva estratégica, é importante alterar o modelo de desenvolvimento e modo de produção da vida social (o que vai exigir a formação de sujeitos históricos capazes de “negação da negação”, um desafio imenso hoje, tendo em vista o capitalismo manipulatório exacerbado no Brasil, com seus mass media imbecilizantes e alienados e a crise dos intelectuais orgânicos de esquerda).

IHU On-Line – O senhor também comenta que a voz das ruas exige avanços sociais. O que isso demonstra sobre a gestão do PT no país? É possível vislumbrar a retomada desses avanços?

Giovanni Alves – É claro que a voz das ruas exige mais avanços sociais. Não que não tenham ocorrido avanços sociais nos governos do PT. Pelo contrário, o livro “Lula e Dilma – 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil” é a prova irrefutável de que, nos últimos 10 anos de neodesenvolvimentismo, os indicadores sociais melhoraram bastante no país. Neodesenvolvimentismo não é a mesma coisa que neoliberalismo, embora seja também um projeto de desenvolvimento capitalista constrangido pelo bloco histórico neoliberal no plano do mercado mundial. O problema dos avanços sociais necessários para satisfazer as demandas do precariado não se trata meramente de problemas de gestão, mas sim de opções políticas. É preciso alterar a direção política e cultural do neodesenvolvimentismo, promovendo não apenas políticas de crescimento da economia, redução das desigualdades sociais e investimentos nos serviços públicos de qualidade, por exemplo, mas implantando o controle social dos meios de comunicação de massa e promovendo uma reforma política que permita a constituição de uma nova frente política neodesenvolvimentista comprometida com reformas sociais; e num segundo momento, last but not the least, colocar no horizonte estratégico o socialismo como projeto de civilização.

É ilusão acreditar que o capitalismo tenha futuro como modo de civilização. Talvez como modo de produção de riqueza abstrata, principalmente em sua forma fictícia, o sistema capitalista demonstre hoje um notável sucesso. Mas, cada vez mais, o desenvolvimento capitalista implica insatisfação social e carecimento radicais explícitos. Enfim, precarização do trabalho como precarização salarial e precarização existencial. A esquerda social-democrata, incluindo a direção hegemônica do PT, perdeu o horizonte estratégico de crítica do capitalismo. Pelo contrário, o horizonte intelectual-moral de políticos e intelectuais da maioria do PT é tão somente “humanizar” o capitalismo. A crise europeia é a demonstração histórica candente de que o capitalismo é irreformável no sentido de humanizá-lo de forma sustentável, tendo em vista a própria crise estrutural do capital. A revolta do precariado é um sinal das ruas que precisa ser decifrado, não apenas em sua forma contingente, mas também em sua dimensão necessária. Enfim, é importante decifrar o enigma do precariado (este é o título da Parte 3 do meu último livro).

IHU On-Line – Em 2011, comentado os movimentos como Occupy Wall Street (dos EUA) e o 15M (da Espanha), o senhor afirmou que, apesar das manifestações massivas que propõem, eles “são incapazes, em si e por si, de ir além”. Por quê? O senhor mantém a mesma avaliação acerca das manifestações que estão acontecendo no Brasil?

Giovanni Alves – A revolta do precariado como movimento social é incapaz, em si e para si, de ir além da explicitação cotidiana da inquietação social e carecimentos sociais. O problema dos movimentos sociais é a sua pluralidade setorial que tende a promover a dispersão de sua força social e política. A revolta do precariado se manifestou, por exemplo, como Movimento do Passe Livre, explicitando problemas nos transportes públicos no Brasil. Depois foram incluídas outras pautas de insatisfação social – algumas pautas políticas criadas pela imprensa conservadora. Mas, no geral, as demandas sociais inscritas eram difusas. Enfim, os movimentos sociais, como o sindicalismo, tendem a operar com a dialética entre valor e limites. Eles têm um valor – expõem as necessidades sociais e os carecimentos radicais da multidão, do povo e da classe social do proletariado no plano da vida cotidiana, mas possuem limites irremediáveis no sentido da operação política das demandas sociais e seus encaminhamentos no quadro da institucionalidade democrática. Para isso, torna-se fundamental o partido (ou frentes de partidos), operador ontológico da práxis política capaz de dar direção intelectual-moral e política ao movimento social diante do Estado político do capital. Os partidos devem ter uma relação orgânica com os movimentos sociais – evitando instrumentalizá-los – e devem ouvi-los e traduzir em pautas políticas mais gerais no interior da institucionalidade democrática, visando alterá-la, aperfeiçoá-la ou mesmo refundá-la na perspectiva da sociedade autorregulada.

IHU On-Line – Entre os discursos dos manifestantes, há uma crítica a todos os partidos políticos, que é interpretada de diferentes maneiras por eles. Alguns militantes e políticos do PT criticam as manifestações e dizem que elas são um golpe da direita. Outros, por sua vez, utilizam-se de tais manifestações para fazer propaganda política. Que avaliação o senhor faz dessas interpretações, especialmente acerca da posição do PT?

Giovanni Alves – Quem tenta despartidarizar os movimentos sociais e quem identifica neles apenas golpes da direita são aqueles que têm medo da democratização radical da sociedade brasileira. Por um lado, a direita liberal reacionária critica os partidos políticos visando esterilizar o movimento social para torná-lo manipulável tendo em vista os interesses políticos do verdadeiro partido da direita neoliberal no Brasil: os mass media, meios de comunicação de massa, a grande imprensa sob controle da oligarquia liberal; por outro lado, a esquerda social-democrata de cariz burocrático aquartelada hoje, nos governos Lula e Dilma, nas entranhas do poder do Estado político do capital, sente-se inquieta com a insatisfação social e os carecimentos radicais da multidão do precariado vendo nela um “golpe da direita”. Uma parte significativa do PT perdeu a capacidade política de ouvir os movimentos sociais e traduzir em pautas políticas para além da linha de menor esforço da redistribuição de renda no interior da ordem do capital. É claro que a direita oligárquica no Brasil possui uma sanha golpista e procura manipular os movimentos sociais. O espectro do “golpe de direita” sempre ronda governos de esquerda no Brasil – desde Getúlio Vargas em 1951. Mas não atentar-se para o significado radical dos protestos de rua é inadvertidamente colaborar com a estratégia golpista da direita liberal.

Não é à toa que as sociedades capitalistas vivem hoje sob o pêndulo perverso do capital, oscilando entre uma social-democracia medíocre, incapaz de avançar nas reformas sociais necessárias, e uma direita liberal conservadora que, aproveitando-se da mediocridade da social-democracia, ocupa espaços no jogo político, implementando, quando chega ao governo, suas políticas de desastre social. Esta é a verdadeira crise da democracia representativa e seus sistemas políticos esvaziados de sensibilidade social.

IHU On-Line – Diante das manifestações, o governo propõe um plebiscito com perguntas diretas sobre reforma política. Como avalia essa proposta e a condução do governo federal diante das manifestações?

Giovanni Alves – O governo Dilma surpreendeu-se com os movimentos sociais, sendo despertado do “sono dogmático” das políticas redistributivistas focalizadas no subproletariado pobre. Diante da pressão do precariado e suas demandas radicais, a presidente Dilma adotou uma postura progressista: convocar um plebiscito popular visando à reforma política. Como governo social-democrata, apostou-se na linha contingente da contradição social, colocando na pauta política o tema necessário da criação de institucionalidade político-democrática capaz de implementar a mudança do padrão do neodesenvolvimentismo. É a saída progressista possível no interior da ordem democrático-burguesa.

Na verdade, o obstáculo para a satisfação das necessidades sociais e, até, dos carecimentos sociais do precariado é, no plano imediato, um obstáculo político-institucional. A revolta do precariado desvelou uma crise político-institucional no Brasil. As instituições democráticas e suas representações políticas estão aquém das demandas radicais da sociedade brasileira – mas isso obviamente não surgiu com as manifestações do Outono Quente. É importante salientar que o mesmo ocorre também na velha Europa com a crise da democracia representativa burguesa insensível às reivindicações sociais.

Mas com respeito à proposta do plebiscito popular visando à reforma política, existem nuances político-jurídicas decisivas que podem tornar a proposta do governo tão inócua quanto dispersiva. Por ouro lado, a direita liberal está intrigada com o movimento do xadrez político e arma-se para evitar que o povo entre na cena política – e nesse caso, não se trata apenas do precariado. Obviamente vai tentar esvaziar a proposta do plebiscito sobre reforma política, tornado-a inócua, como tentou fazer com os protestos de ruas, manipulando-as apenas para desgastar o governo Dilma. Caso não consiga manipular, procure esvaziar, tornando inócuo; ou então, reprima violentamente – eis a estratégia do partido da direita no Brasil.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Giovanni Alves – Conheçam meu último livro intitulado “Dimensões da precarização do trabalho”. Nele discuto a precarização existencial e o enigma do precariado. Convido também a conhecerem meus projetos de extensão universitária – www.telacritica.org www.projetocinetrabalho.org. Eles representam tentativas de formação da consciência crítica utilizando filmes do cinema mundial e iniciativas de produção audiovisual que buscam dar visibilidade ao mundo do trabalho. Enfim, na era da crise estrutural do capital, a formação de sujeitos conscientes torna-se uma tarefa política radical indispensável e urgente.

Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

(Por Patricia Fachin – 02 Julho de 2013)

 

Haddad precisa representar mais que o seu partido, diz Marcos Nobre

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Filósofo diz que único caminho para o ex-prefeito é abrir mão do protagonismo petista e atrair adversários para seu governo

Patrícia Campos Mello

Marco Rodrigo Almeida

Folha de São Paulo – 15 de outubro de 2018

SÃO PAULO

Há apenas um caminho para Fernando Haddad (PT) conseguir o feito improvável de derrotar Jair Bolsonaro (PSL) na eleição: mostrar que ele, Haddad, não é o candidato do PT, mas sim o de uma frente democrática.

Palavras, porém, não bastarão para convencer o eleitor e possíveis aliados de que o governo dele seria radicalmente diferente de qualquer governo anterior do PT: o partido terá de ceder poder e fazer gestos concretos, adverte o professor de filosofia da Unicamp Marcos Nobre.

Na avaliação de Nobre, o primeiro passo de Haddad deveria ser abrir mão de se candidatar à reeleição, caso eleito, e afirmar que Ciro Gomes (PDT) será o candidato dessa frente democrática em 2022.

O segundo passo seria incorporar pontos do programa de outros candidatos, de forma unilateral, sem exigir apoio em troca. Isso valeria para qualquer legenda que não tenha anunciado apoio a Bolsonaro, como a Rede de Marina Silva e o PSDB.

O PT também deveria renunciar a uma candidatura à presidência da Câmara, embora tenha a maior bancada, e integrar a sua campanha nomes como Nelson Jobim, para a pasta da Segurança, Joaquim Barbosa, sinalizando um compromisso com o combate à corrupção, e Marina no Meio Ambiente.

“Se quiser ser o candidato do PT, Haddad vai perder, e o peso de uma possível regressão autoritária ficará sobre as costas do PT; o partido tem uma tarefa histórica e, se jogar fora essa chance, as pessoas vão perguntar: por que então não deixaram o Ciro? ”

O senhor falou em artigo recente que, mais uma vez, o PT tem uma chance de renascimento. Qual seria o caminho para o candidato Haddad vencer as eleições, com essa vantagem tão grande para Bolsonaro?

Se quiser ganhar, Haddad tem que ser o candidato de uma frente de defesa das instituições democráticas. Se quiser ser o candidato do PT, vai perder. E o peso de uma possível regressão autoritária vai cair sobre as costas do PT.

E como construir essa frente? 

Haddad deveria sinalizar claramente para o eleitorado que o governo dele será radicalmente diferente de qualquer governo anterior do PT.

A primeira coisa é chamar Ciro Gomes e dizer: “Eu abro mão de me candidatar à reeleição se for eleito e acho que nessa frente que montamos Ciro deveria ser nosso candidato em 2022”. Com isso, afasta-se o medo que as pessoas têm de que o PT vai se perpetuar no poder.

A segunda coisa é tomar pontos programáticos não só dos partidos que apoiarão Haddad, como PSOL, PDT e PSB, mas também tomar de outras candidaturas, de maneira unilateral, sem ter o apoio deles. De todas as forças políticas que disseram que não votam no Bolsonaro, ele tomaria unilateralmente os pontos do programa , sem negociar, sinalizando: “eu quero você dentro do meu governo”.

Poderia adotar, por exemplo, a agenda ambiental de Marina Silva, a proposta de Alckmin de criação de uma força de segurança nacional. Precisa abrir espaço para que Marina e Ciro participem. Deveria chamar uma figura como Joaquim Barbosa para representar, dentro do governo, o combate à corrupção. Chamar Nelson Jobim para ser responsável pela segurança pública.

Haddad precisa fazer movimentos nesse sentido. Se não fizer, não estará querendo de fato ampliar a sua base, não mostrará empenho em fazer um governo diferente.

É um desafio histórico, uma oportunidade de refundação. Para sair das cordas, o PT precisa de ajuda. E o PT pedindo ajuda, precisa também distribuir poder, de verdade.

Mas lideranças como Ciro, Marina e Fernando Henrique Cardoso têm se mostrado resistentes a um apoio aberto a Haddad…

O que acabei de dizer significa fazer gestos concretos na direção dessas pessoas. Não é apenas, “eu quero conversar com você”. Palavras não bastam.

São gestos concretos para se formar uma frente. Uma frente não se forma apenas porque do outro lado há um risco à democracia. “És responsável pelo segundo turno que conquistas” —o “Pequeno Príncipe” aplicado à política.

Não pode simplesmente dizer, “perdemos”. Pode perder, evidentemente, mas tem que de fato tentar.

Pelo que conhecemos do DNA do PT, vê alguma chance de isso realmente acontecer?

Quando se tem uma tarefa histórica na sua frente, as pessoas e as instituições mudam. A situação é completamente diferente da de qualquer outra eleição. Se Haddad jogar essa chance fora, carregará esse peso. Vão perguntar: “por que, então, não deixou o Ciro ir?”.

Então Haddad deveria dizer ao eleitor: “Eu proponho essa frente e quero te convencer de que esse governo será muito diferente de todos os outros, que o PT não terá o protagonismo que teve nos governos anteriores. Então quero que seu voto, que hoje é de Bolsonaro, venha para mim. Mas se isso for impossível para você, se sua ojeriza ao PT é superior a qualquer outro sentimento, então, por favor, não vote em Bolsonaro”. Isso ele poderia dizer ao eleitor do PSDB.

Se FHC se mantiver neutro, isso mancha a biografia dele?

Se queremos formar uma frente que tenha por princípio aceitar toda e qualquer pessoa que defenda as instituições democráticas, não pode ter pedágio. O primeiro pedágio é começar a acusar as pessoas.

A formação dessa frente é uma dança, e cabe a Haddad dar o primeiro passo. São vários passos simultâneos.

Por enquanto, parece que a abordagem do PT tem um pedágio, usa a mensagem de “ou você nos apoia, ou apoia o fascismo”…

Também não digo que essa seja a abordagem do PT. Não quero botar pedágio nem de um lado, nem do outro. Cabe a Haddad, não ao PT, dar o primeiro passo.

Isso são sinais para o eleitorado, as pessoas têm que perceber isso. Haddad tem que dizer: “Há duas possibilidades. Eu proponho que esse sistema funcione de maneira diferente. Meu adversário quer que esse sistema seja destruído. Isso é que está em jogo”.

O senhor sente um movimento de setores da sociedade e da imprensa para normalizar Bolsonaro, ou existe de fato um exagero nessa ideia de que ele fará um governo autoritário?

A normalização está sendo feita há muito pela mídia tradicional e pelo mercado. No momento em que ficou claro que as forças anti-PT e antissistema confluíram para a candidatura dele, passaram a tentar civilizar Bolsonaro.

Mas Bolsonaro já deixou absolutamente claro que é incivilizável. Há uma ilusão da elite pensante de que é um candidato controlável. Pergunto: se o New York Times fosse um jornal brasileiro, o que teria feito com Bolsonaro?

Bom, mas existe a discussão sobre o posicionamento do NYT em relação a Trump, que seria panfletário e enviesado, em comparação, por exemplo, com o Washington Post, que adotaria postura crítica, mas com maior distanciamento…  

O NYT tomou uma decisão: Trump não é um candidato normal, as instituições estão em risco, e nesse momento as regras mudam. O WP resolveu tratar Trump como um candidato normal. A imprensa brasileira foi WP, não o NYT. Acho a posição do WP equivocada.

E não estou aqui comparando Trump a Bolsonaro. São incomparáveis. Um dos movimentos mais fortes de normalização de Bolsonaro é compará-lo a Trump.

Nunca houve uma ditadura militar nos EUA. Nunca o cara que ganhou uma eleição nos EUA apoiou uma ditadura militar. As instituições americanas têm uma solidez que aguenta o Trump. Imagine um presidente autoritário no Brasil, com instituições em colapso, como são as nossas? Não há instituição democrática que aguente Jair Bolsonaro.

O fato de o PSL, o partido de Bolsonaro, ter feito a segunda maior bancada da Câmara, e que provavelmente será engordada com deputados de partidos nanicos que devem migrar para ele, isso não significa que haverá governabilidade?

O partido com a maior bancada, o PT, tem apenas 11% da Câmara. A fragmentação é gigantesca. Você precisa ter uma capacidade de articulação, de reorganização do sistema, que o Bolsonaro não tem. A única resposta que poderá dar é truculência. Ele não tem equipe, nenhum requisito para reorganizar o sistema. Reorganizar o sistema não tem nada a ver com ter maioria parlamentar.

O risco de que o sistema político não consiga se reorganizar é muito alto. E, se não se reorganizar, a hipótese de um golpe volta à mesa.

Quando o senhor menciona a possibilidade de golpe, estamos falando de um golpe clássico ou algo mais insidioso, os golpes graduais, em sistemas com eleições, que vêm ocorrendo em países como Turquia e Venezuela?

Seria uma mistura de Filipinas com Turquia. Nas Filipinas, virou uma coisa do tipo: você tem algum problema para resolver com seu vizinho, com lideranças indígenas, pode resolver que o Estado não vai mais arbitrar. O Estado deixa de arbitrar conflitos violentos na sociedade.

O senhor vê isso como uma possibilidade no Brasil?

Isso já está acontecendo e vai piorar. Se Bolsonaro tivesse alguma responsabilidade, iria para a TV e diria para essas pessoas: parem. Só que ele tem um problema. Se disser para essas pessoas pararem, está aceitando que é responsável por essa violência. Então temos um impasse. Esse é o lado Filipinas. O outro lado é o de estrangular as liberdades, como é no caso da Turquia.

Como sabemos, a mídia tradicional está em crise profunda. Caso ele ganhe, teremos um presidente com tendências claramente autoritárias num momento em que a imprensa está com dificuldades enormes. Então é a receita para ter restrição, para o governo ir para cima da imprensa.

Você elege seus próprios canais oficiais, segue com campanha em redes sociais, em que não há nenhum controle, e diz : “não acredite em nada que a mídia tradicional diga”.

RAIO-X

Marcos Nobre, 53, é professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap. É mestre e doutor em filosofia pela USP. Escreveu os livros “Imobilismo em Movimento” (Companhia das Letras, 2013) e “Como Nasce o Novo” (Todavia, 2018)

 

O mal-estar docente e a educação na sociedade do conhecimento

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Vivemos numa sociedade marcada por inúmeras transformações conjunturais e estruturais, a tecnologia vem destruindo as bases da sociedade industrial e construindo uma nova sociedade, os relacionamentos estão sendo repensados, a economia está alterando seus paradigmas, a produção de riqueza está passando por mudanças, as famílias estão em constantes modificações depois de séculos de modelos centrados no paternalismo e na figura do homem como agente central, a educação se modifica e os professores, mesmo ganhando um novo status nesta nova sociedade, se encontram marcado por novos traumas e desafios transformadores, o sonho de reflexão crítica e construtiva vem sendo repensado pelas novas forças que comandam a sociedade de consumo, as forças do capital, da acumulação e do poder financeiro.

Despois de séculos vendo a educação ser tutelada por interesses políticos mesquinhos e imediatos, inicialmente centrados nos poderes da religião e de um Deus materializado, marcados pela força de uma Igreja retrógrada e interessada nos recursos financeiros destinados pelos nobres e imperadores, a educação passa a ser utilizada como forma de construção de uma força de trabalho especializada, onde os indivíduos são reduzidos apenas a uma formação mercantil, se contentando com um aprendizado técnico e medíocre, baseado na reprodução dos lucros e interesses das camadas mais aquinhoadas da sociedade, os capitalistas.

Este modelo educacional contribuiu decisivamente para o fortalecimento e consolidação do capitalismo industrial, auxiliou no crescimento das cidades e melhorou as condições sociais da sociedade, desenvolvendo a ciência e construindo a figura dos pesquisadores, dos cientistas e da união entre o capital e a ciência, união esta fundamental para a descoberta de novas tecnologias, remédios e produtos de grande relevância para os indivíduos.

As mudanças no capitalismo contemporâneo, de bases industriais para uma sociedade centrada no conhecimento e na informação, gerou grandes indagações e preocupações, nesta nova sociedade o conhecimento se transformou no ativo central para os indivíduos e para as nações, obrigando as empresas e os governos a investirem mais recursos na capacitação e qualificação dos trabalhadores, sem estes investimentos os países tendem a perder espaço nesta nova sociedade.

A nova sociedade exige novos trabalhadores, mais rápidos e flexíveis, dotados de uma grande capacidade de aprender, de buscar novas informações, de empreender e de criar, gerando novos negócios e empreendimentos, estas habilidades exigem dos novos trabalhadores uma formação diversificada, estudar uma área específica e depois buscar conhecimentos em outras áreas é essencial, com tudo isto, o papel do professor passa a ser, cada vez mais estratégico, na sociedade do conhecimento o professor se torna um ativo fundamental, cabe a ele estimular os alunos a busca constante dos conhecimentos, cabe a ele a busca constante por qualificações, cursos e aprendizados, exigindo uma boa remuneração e uma boa dose de amor e dedicação.

Depois de mais de duas décadas participando ativamente da educação superior, como professor e pesquisador, algumas informações relevantes conseguimos angariar, a educação apesar de fundamental para o futuro da sociedade, os brasileiros ainda não perceberam o senso de urgência de investir nesta área estratégica para o mundo contemporâneo, inúmeros são os desafios, desde uma péssima qualificação dos professores e coordenadores, passando por salários baixos e cargas de trabalho extenuantes e desgastantes, até cobranças excessivas e desmotivadoras, o cérebro da revolução do século XXI, os professores, estão em grave crise de identidade afetando, com isso, as escolhas e os projetos do país na sociedade do conhecimento.

Enquanto o tema educação é discutido exaustivamente nas campanhas eleitorais em países desenvolvidos e civilizados, já que são discussões estratégicas para a sociedade contemporânea, no Brasil as discussões giram em torno de questões pouco importantes e desnecessárias, tais como as discussões de gênero, liberalização do porte de armas e  redução da maioridade penal, discussões também importantes, mas que devem ser feitas em contextos específicos e engajar os vários grupos sociais, sem ressentimentos e rancores políticos e ideológicos.

O professor no Brasil contemporâneo perdeu status e relevância social, antigamente os filhos das classes médias eram recrutados para a tarefa de ser professor, os salários eram atrativos e os estudos eram estimulantes e extenuantes, obrigando-os a uma constante dedicação e disciplina, pessoas com base cultural oriundas de setores culturalmente mais sólidos abraçavam a docência com esmero e com sentimentos nobres, vendo-a como um eixo fundamental para a consolidação das futuras gerações, atualmente a docência atrai apenas os grupos sociais menos dotados de conhecimento e estrutura cultural, o salário é baixo e a carga horária excessiva, além de todos estes percalços, os professores do Brasil contemporâneo ainda precisam fazer uma gama variada de serviços, desde trabalho não remunerado de secretaria, passando por atendimentos psicológicos e emocionais e ainda mediação de conflitos entre famílias desequilibradas e desajustadas e professores despreparados e desanimados, um verdadeiro universo que consome uma parte considerável de seu tempo e energias, levando-os a dedicar uma pequena parte de seu tempo para seus filhos e familiares e, com isso, vendo sua família corroída por desequilíbrios e desajustes modernos e variados.

Os baixos rendimentos obrigam os professores a se desdobrar em várias escolas, obrigando-os a perder uma parcela de seu tempo se locomovendo de uma instituição para outra, muitos saem de casa ao amanhecer e voltam no final do dia, levando-os a perder um período importante do tempo com seus familiares e amigos próximos, aumentando as dores emocionais e os medos contemporâneos.

A busca constante por qualificação os obriga a cursos variados, especializações, MBAs, mestrados e doutorados, as instituições querem os profissionais prontos e dedicados, capacitados para as atividades docentes, serenos e dedicados aos alunos  e abertos ao conhecimento, as exigências são imensas e variadas, querem muito e não estão interessados em pagar os salários que estes profissionais merecem, muitos deles deixam de fazer mestrados e doutorados por medo de serem desligados destas instituições que usam como critérios apenas valores monetários e deixam de lado a contribuição destes profissionais para a formação dos alunos e o nome da instituição.

Os alunos entram nas faculdades e universidades deslumbrados, muitos acreditam que só de adquirir um diploma de nível superior seu emprego estará garantido e seus problemas profissionais e financeiros estarão resolvidos, são alienados e despreparados para a vida, querem estudar, mas não muito, querem se divertir e muito, querem um emprego que pague bem e traga reconhecimento e não querem desembolsar uma mensalidade alta, obrigando as instituições a buscar, sem encontrar, o equilíbrio entre educação de qualidade e mensalidades baixos, mais uma dos trabalhadores e estudantes brasileiros que adoram cultuar a cultura do auto engano, somos campeões mundiais do jeitinho, acreditamos efetivamente que estamos a enganar os outros e demoramos muito para perceber, que os verdadeiros enganados somos sempre nós.

Recebemos alunos que terminaram o ensino médio em péssimas condições acadêmicas, a educação pública se encontra deteriorada, os conhecimentos são frágeis e a bagagem educacional é cada vez mais deficitária, com isso, percebemos que as faculdades e universidades particulares acrescentam pouco a este público mas, mesmo assim, conseguem agregar algum conhecimento a estes estudantes, tendo um papel social bastante considerável, embora sejam sempre contestadas e chamadas de fábrica de diplomas, o maior gargalo do ensino brasileiro está no início, nos ensinos médio e fundamental, estes setores recebem os menores investimentos do Estado e contribuem para a perpetuação do péssimo ensino que temos no Brasil, ensino este que nos condena a uma posição de pouca relevância da sociedade do século XXI.

O ambiente de  trabalho é marcado, na maioria das vezes, por uma competição exacerbada, aplaudimos em grupos de whatsApp as conquistas de outros profissionais mas, na maior parte das vezes, estamos nos remoendo de inveja e de ressentimentos, somos pouco afeitos as publicações científicas, escrevemos pouco ou quase nenhum artigo científico, participamos marginalmente de debates, projetos acadêmicos, iniciação científica e conversas mais estruturadas, gostamos mesmo é de conversar sobre motivos fúteis e pouco edificantes, principalmente quando falamos de futebol e política, onde todos são corruptos e despreparados,  criticamos a tudo e a todos e pouco falamos sobre nossa tendência a acomodação e a inércia destrutiva.

Vivemos em uma equação difícil de equilibrar, precisamos de alunos e precisamos tratá-los da melhor maneira possível, perdê-los pode nos levar ao desemprego e a redução de nossos rendimentos, levando-nos a uma condição de subalternidade aos nossos clientes, este é o novo status que os alunos conseguem nas escolas, o mérito e a eficiência acadêmica e a capacidade empreendedora  é deixada de lado e somos condenados a uma mediocridade cada vez maior e mais estruturada.

O Mal-estar docente é crescente, a remuneração cai consideravelmente, as perspectivas são desanimadoras, o crescimento do ensino a distância gera medo e preocupação, as regras ditadas pelo capital são alteradas todos os dias, o que valia ontem não mais é interessante, o Ministério da Educação (MEC) se exime das responsabilidade fiscalizadores e reguladoras e entrega seu poder para os grandes grupos privados, nacionais e estrangeiros, que crescem aceleradamente e dominam a educação brasileira, seu enfoque é o lucro imediato e suas preocupações estão limitadas aos seus ganhos financeiros e ao preço de suas ações negociadas nas Bolsas de Valores nacionais ou internacionais, mais uma vez estamos condenados a um futuro nebuloso, a educação vista como a solução dos graves problemas nacionais se transformou em uma grande fonte de ganhos, de lucro e de acumulação.

Diante deste ambiente degradado, o mal-estar docente do século XXI cresce de forma acelerado, percebemos uma classe cada vez mais desmotivadas e desanimada, trabalhasse cada vez mais e ganhasse cada vez menos, as exigências denigrem as atividades docentes e fazem com que os melhores alunos e melhores profissionais busquem novas ocupações, antigamente os melhores eram assediados e contratados pelo mercado financeiro, que os atraia com salários vultosos e condições de trabalho interessantes, na atualidade os melhores buscam inovar e construir suas próprias empresas, com isso as startups crescem de forma generalizada e ganham, cada vez mais, espaço na sociedade.

O Brasil precisa definir o que quer ser quando crescer, se pretende continuar como um país produtor de produtos primários de baixo valor agregado ou se pretende dar passos mais consistentes, a sociedade do conhecimento exige uma centralidade maior da educação, os modelos tradicionais centrados na robotização dos trabalhadores e na ausência de pensamento crítico perdeu relevância, a educação do século XXI exige um profissional mais dinâmico e empreendedor, dotado de rápido raciocínio e reflexão, os modelos tradicionais não mais respondem de forma assertiva estes desafios, a construção deste novo modelo será um dos maiores desafios na atualidade, sem este estaremos condenados a uma vida centrada na subalternidade e na mediocridade, onde a desigualdade tende a aumentar de forma exponencial e acelerada.

O professor pede socorro, a educação brasileira pede socorro, os modelos criados e mantidos pela sociedade perpetuam uma marginalidade crescente e uma desigualdade que coloca em xeque a profissão docente e a educação para o século XXI, estas indagações devem ser feitas e são salutares mas, é fundamental que, mesmo sabendo que os custos educacionais são altos e os resultados são demorados, faz-se importante entender e refletir, como disse o presidente da Universidade de Harvard, Derek Bok: “Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”

 

 

 

 

 

 

Destravar a economia do conhecimento – Ricardo Abramovay

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A inovação tecnológica atual, longe de ampliar as oportunidades criativas das pessoas, tornou-se vetor de redução de salários e de concentração de riqueza

Sem aumento na produtividade do trabalho não há como compatibilizar o tamanho do sistema econômico com a preservação e a regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos. O problema é que, nos países que lideram as mais importantes inovações tecnológicas atuais, a produtividade do trabalho está praticamente estagnada. Entre o início dos anos 1990 e 2005 ela cresceu 2,4% ao ano, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Na década seguinte, porém esta taxa caiu a 0,5%.

A recuperação econômica global da crise de 2008 é marcada por aumento dos empregos, mas por queda na produtividade, como mostra um trabalho recente da consultoria global McKinsey. Claro que ampliar os empregos é positivo. Esse aumento, porém, concentra-se hoje em ocupações com remuneração minguada e imensa distância entre as práticas produtivas dominantes e a economia do conhecimento.

As sociedades contemporâneas vivem uma espécie de dualização da vida econômica, em que um punhado de empresas (e de empregos) surfa na onda do que o Fórum Econômico Mundial chama de 4ª Revolução Industrial, enquanto a esmagadora maioria nem chega perto dessas inovações.

Essa é uma das mais preocupantes consequências dos rumos tomados pela atual economia do conhecimento. É verdade que cada um de nós tem um conjunto imenso e crescente de dispositivos digitais que fazem parte de nossas vidas, de nossas relações sociais, de nosso corpo e cada vez mais de nossa própria identidade. Mas esta difusão massiva é paradoxalmente concentrada quando se examina a oferta de bens e serviços e os mercados de trabalho.

A inovação tecnológica atual, longe de ampliar as oportunidades criativas das pessoas, tornou-se vetor de redução de salários e de concentração de riqueza. Pelos cálculos da McKinsey, na Europa Ocidental, somente 12% dos potenciais da revolução digital atingem a vida econômica. Nos Estados Unidos, a proporção é um pouco maior: 18%.

Roberto Mangabeira Unger, em livro a ser lançado ano que vem (e do qual uma primeira versão encontra-se disponível na internet), resume a questão: a economia do conhecimento, mesmo nas sociedades mais ricas e educadas tornou-se um arquipélago de ilhas alheias ao teor principal da vida econômica que as cerca.

Essa é a razão principal que explica a conversão da renda básica de cidadania em verdadeiro mantra do Vale do Silício: as oportunidades de participar da criação da imensa riqueza do mundo atual se reduzem e isso deveria ser compensado por meios institucionais que garantissem a todos, ao menos, sua sobrevivência.

Mangabeira Unger não se opõe, claro, a mecanismos de proteção dos mais pobres. O que ele critica é a ideia de que a concentração de renda, de poder e de oportunidades seja uma consequência natural das próprias tecnologias digitais.

Na verdade, a internet tende a suprimir aquilo que os economistas costumam enxergar como o inevitável trade-off entre equidade e eficiência. Ela abre o caminho para que meios técnicos radicalmente descentralizados, poderosos e operando em rede ofereçam possibilidades inéditas de invenção e criação de bens e serviços. Mas estas possibilidades só se realizarão se forem corrigidos os rumos atuais da economia do conhecimento.

Nosso desafio não está em remediar ex-post os produtos de uma estrutura econômica que reduz as chances de os indivíduos participarem de atividades criativas e socialmente úteis. O desafio maior está em fazer do combate às desigualdades o vetor fundamental para que as bases sociais da inovação se ampliem e, por aí, para que o sentido do crescimento econômico (e, em última análise, do próprio trabalho) se altere.

A ideia de que o trabalho é um fardo do qual nos emanciparemos tão logo a abundância o permita tem tanto em Marx como em Keynes alguns de seus principais defensores. Mas a economia do conhecimento abre a possibilidade, inédita, de que se estabeleça um vínculo orgânico entre a produção de riqueza e sua distribuição, que no capitalismo tipicamente industrial era inconcebível.

Esse vínculo apoia-se no que Mangabeira Unger chama de “vanguardismo inclusivo”, em que as mais avançadas tecnologias possam servir não apenas para ampliar a oferta de bens e serviços, mas sobretudo para converter em protagonistas a esmagadora maioria dos atores econômicos, as micro, pequenas e médias empresas e os próprios indivíduos.

Combater as desigualdades não é apenas um imperativo ético em torno de valores centrais como a liberdade, a autonomia e a dignidade humana. Este combate é também o meio mais promissor de estimular a inovação e colocar a economia do conhecimento a serviço do desenvolvimento sustentável.

Página 22 – 11 de outubro de 2018

 

O Império dos monopólios – Joseph Stiglitz

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“Setor após setor, assistimos a um crescimento da concentração de mercado; setor após setor, assistimos a um crescimento da margem de lucro bruta (a diferença entre preços e custos de produção). Não só aumentou o poder de mercado das empresas, mas também diminuiu o poder de mercado dos trabalhadores.”

A opinião é do economista estadunidense  Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia de 2001 e professor da Columbia University.

O artigo foi publicado por La Repubblica, 22-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Muitos países avançados estão lidando com uma síndrome que parece sugerir uma “economia doente”: desigualdade elevada, baixo crescimento, investimentos escassos, crescimento da produtividade atrofiado. É desconcertante a fraqueza dos investimentos, considerando-se os lucros elevados e o baixo nível das taxas de juros. É um quebra-cabeças particular aquilo que está acontecendo nos Estados Unidos: teoricamente, são o país mais inovador do mundo, mas os dados indicam um crescimento medíocre da produtividade e um ritmo baixo de criação de novas empresas.

Há também outros enigmas: enquanto, historicamente, os salários aumentaram paralelamente à produtividade, nos últimos anos a conexão entre os dois indicadores implodiu, com salários parados, apesar do crescimento da produtividade.

Estudos recentes sugerem uma resposta simples: a crescente concentração do poder de mercado. O poder de mercado leva a lucros elevados, mas as empresas monopolistas estão conscientes de que, ao investirem para expandir a produção, fariam cair os preços dos seus produtos e, assim, limitam os investimentos, apesar dos lucros recorde e das taxas de juros baixas.

Esses monopolistas fazem todo o possível – e conseguem – para criar barreiras na entrada, a fim de manter estáveis os seus lucros: daí o baixo nível de novas empresas. Por fim, com a propriedade concentrada nas mãos dos ricos, o aumento dos lucros monopolistas se traduz em uma maior desigualdade.

Essa visão é suportada por uma grande quantidade de dados: setor após setor, assistimos a um crescimento da concentração de mercado; setor após setor, assistimos a um crescimento da margem de lucro bruta (a diferença entre preços e custos de produção).

Não só aumentou o poder de mercado das empresas, mas também diminuiu o poder de mercado dos trabalhadores. Por causa do declínio dos sindicatos, de uma mudança na estrutura da contratação, da normativa sobre o trabalho e da interpretação que lhe é dada pelos tribunais e da globalização. As empresas podem ameaçar os trabalhadores que não aceitam um corte nos salários ou nas indenizações por transferir a produção para outro lugar, com os acordos bilaterais sobre os investimentos que garantem direitos de propriedade mais seguros no exterior do que na pátria.

Com efeito, basta dar uma olhada nos dados para ver que não é apenas a cota do trabalho que recua (especialmente se excluirmos da conta o 1% mais rico), mas também a do capital. A única que cresce é a cota das rendas, que inclui não apenas as rendas monopolistas, mas também as associadas à propriedade intelectual e aos imóveis.

Um modelo de economia em que as rendas desempenham um papel central se afasta do modelo de economia competitiva ilustrado nos manuais, e são diversas as implicações políticas. Pensem no impacto de um aumento do imposto sobre o lucro das empresas. No modelo do manual, a preocupação é que tal incremento possa desencorajar os investimentos, prejudicando a produtividade e os salários.

No novo “modelo”, o incremento da alíquota afeta os lucros monopolistas e outras rendas. A alíquota mais alta pode até desencorajar a busca de renda, levando a um aumento da eficiência. Além disso, com uma diminuição do valor capitalizado dos lucros monopolistas líquidos e de outras rendas, haverá um aumento dos investimentos reais, já que, antes, lucros e rendas anteriores “expulsavam” os investimentos produtivos.

Os efeitos também são sentidos do lado da demanda: com o dinheiro se deslocando para a cúpula da pirâmide econômica e com uma redução do dinheiro destinado aos consumos, a demanda agregada enfraquece. E a fraqueza da demanda desencoraja os investimentos, inclusive aqueles em pesquisa e desenvolvimento. Põe-se em movimento um círculo vicioso.

Tudo isso está ligado ao debate sobre reforma tributária, nos Estados Unidos, mas não só. Se essa nova teoria estiver correta, as propostas de Trump, centradas em uma redução do imposto sobre os lucros empresariais, se adotadas, acabariam por frear o crescimento e aumentar a desigualdade. Um pequeno país poderia esperar atrair investimentos às custas de outros países, reduzindo os impostos (a clássica corrida ladeira abaixo), mas, para os Estados Unidos, as margens são limitadas. Ou, melhor, com o sistema territorial, pelo qual a produção realizada fora não é taxada pelo governo estadunidense, a “reforma” tributária encoraja as empresas a localizarem a produção no exterior.

Um governo normal não proporia aumentar os impostos para a classe média para financiar uma redução dos impostos para as grandes empresas, especialmente em uma época em que o crescimento da desigualdade é um problema central. Mas estes não são tempos normais, e Trump não é um presidente normal.

Há outro círculo vicioso: a desigualdade econômica determina uma desigualdade política, especialmente nos Estados Unidos, onde a Suprema Corte removeu as barreiras democráticas à influência do capital na política. Os ricos veem o mundo através de uma lente particular. Controlam grande parte da mídia e usam o poder de infectar a visão geral da situação.

Em suma, a mídia e os políticos de direita vão propagandear as reformas fiscais sob a bandeira da trickle-down economics, um reavivamento das teorias econômicas reaganiano-thatcherianas, já desacreditadas. Essas políticas não produziram uma aceleração do crescimento, ao contrário. A trickle-down economics não funcionou: a renda dos 90% mais pobres da população permaneceu parada lá embaixo, só os muito ricos se beneficiaram com ela.

Mas 2017 é diferente de 1980: agora, temos uma sociedade mais desigual e uma economia menos competitiva. Os cortes de impostos de Trump em favor de bilionários e de grandes empresas serão piores do que os de Reagan: o orçamento do Estado sofrerá uma queda mais pesada do que Trump admite, o crescimento a longo prazo será comprometido, e o problema central da sociedade, a desigualdade, vai se agravar ainda mais.

 

Há emprego que não vale a pena salvar, diz historiador Yuval Harari

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Para autor de “Sapiens”, certas funções não devem ser preservadas com a automação.

Francesco Marconi – Folha de São Paulo, 08/10/2018

NOVA YORK

A ficção científica está repleta de histórias sobre uma inteligência artificial que desenvolve consciência e parte para a destruição da humanidade.

Na verdade, a ameaça é muito menos dramática, mas igualmente assustadora, de acordo com o historiador Yuval Noah Harari, que prevê desordenamento na força de trabalho, nos governos mundiais e na nossa vida emocional.

Harari criou uma base mundial de fãs com “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, em 2001. O best-seller questionava a interpretação convencional sobre a origem das espécies.

Em 2017 ele seguiu esse trabalho como “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”.

Em “21 lessons for the 21 st Century” (21 lições para o século 21), publicado em setembro, o pesquisador israelense oferece conselhos sobre como enfrentar as questões mais prementes do amanhã, da tecnologia da informação ao terrorismo.

Harari, 43, fala sobre quem deve sair ganhando e quem deve sair perdendo com a revolução da automação sobre como a inteligência artificial poderia ajudar ditaduras a superar as democracias e sobre a ascensão de máquinas que demonstrarão mais simpatia do que os seres humanos.

Não valerá a pena salvar a maioria dos empregos

“A revolução da automação fará com que muitos empregos desapareçam. A questão é se poderemos sustentar as vidas das pessoas e seu desenvolvimento espiritual e emocional sem esses empregos.
Muitos empregos —talvez até a maioria— que existem hoje não merecem ser defendidos.

O que precisamos proteger são os humanos.

No sistema político e econômico atual, se você quer que suas necessidades básicas sejam atendidas e, para muitas pessoas, se você deseja que sua vida tenha significado e propósito, é preciso ter um emprego.

Se fôssemos capazes de atingir esses outros objetivos sem um emprego, então seria desnecessário proteger muitos dos empregos existentes. Muitos empregos são difíceis demais, tediosos demais, insatisfatórios demais.

As pessoas os têm porque precisam, não porque seu sonho seja realmente trabalhar como caixa ou dirigir caminhões.

Se você puder ser libertado dessas horas de trabalho, talvez seja capaz de desenvolver seu potencial humano de maneira muito mais plena. Nesse sentido, você estará se tornando mais humano.”

A automação pode aumentar a desigualdade mundial

“As pessoas que falam em renda básica universal em geral querem dizer renda básica nacional. Acreditam que tributaremos o Google e o Facebook na Califórnia para sustentar mineiros de carvão na Pensilvânia e taxistas desempregados em Nova York.

O problema verdadeiramente grande surgirá em lugares como Honduras ou Bangladesh. Você realmente acredita que o governo tributará as empresas e usará o dinheiro para desempregados em Bangladesh ou Honduras?

Parece muito, muito improvável. E esse é o verdadeiro problema do desemprego. A revolução da automação tende a enriquecer algumas áreas e a destruir completamente a economias de outras.”

A inteligência artificial centralizará o poder

“A democracia processa informação de maneira distribuída. Distribui informações e o poder de tomar decisões a muitas instituições, organizações e indivíduos. Ditaduras concentram toda a informação e poder em um só lugar.

Dada a tecnologia do século 20, isso era muito ineficiente. Ninguém era capaz de processar as informações em velocidade suficiente para a tomada de boas decisões, e essa é uma das principais razões para que a economia da União Soviética em geral fosse muito inferior à dos Estados Unidos.

A inteligência artificial e o aprendizado de máquina podem conduzir o pêndulo na direção dos sistemas centralizados. Pense na revolução da genética. Os EUA talvez não sejam autorizados a criar um banco de dados médicos com informações sobre todos os seus cidadãos, por razões de privacidade e direitos humanos.

Não seria um empecilho para a China, que pode criar um banco de dados genético nacional e incluir nele todos os seus registros médicos, educacionais e tudo mais sobre o povo do país. Isso poderia permitir grandes avanços na pesquisa genética.”

Nós nos adaptaremos a robôs simpáticos

“Quando você entra em um consultório, o médico não sabe como você se sente. Ele talvez tenha acabado de brigar com sua mulher e não esteja nem aí para você.

Mas o médico de inteligência artificial monitorará o paciente por meio de sensores biométricos e saberá melhor até do que a pessoa se ela está incomodada, com medo ou irritada.

O computador não tem mulher ou marido. Seu foco é dirigido 100% ao paciente, e o computador reage a este da melhor maneira possível, ou ao menos da melhor maneira que as teorias científicas atuais apontam.

Nós nos acostumaremos a essas máquinas maravilhosamente simpáticas. Nós nos tornaremos muito menos tolerantes com os seres humanos que não compreendem como nos sentimos —e tampouco ligam para nós.”

A vigilância não será completamente ruim

“Um cenário é que sensores biométricos de inteligência artificial sejam usados para vigiar as pessoas e serviço do governo e que o governo monitore aquilo que você pensa, faz e sente e o puna ou restrinja por qualquer coisa que contrarie a política ou as metas do governo.

A mesma tecnologia poderia ser usada para vigiar o governo em seu serviço às pessoas, para garantir que todos os funcionários públicos estejam fazendo o que deveriam.

Você poderia vigiar a você mesmo, em seu próprio benefício. Todas as informações e compreensão sobre o que acontece dentro de você, em seu cérebro, poderiam ser usadas para permitir que você conhecesse suas fraquezas de uma maneira que não era possível no passado.”

Traduzido por Paulo Migliacci

 

Eleições 2018: Intolerância, xenofobia e sectarismo

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Estamos saindo de uma eleição presidencial marcada por muitos extremos, conflitos e desentendimentos, desde a democratização nunca tivemos uma eleição presidencial marcada por tantos contrastes, confrontos aberto e intolerância, onde a violência se transformou em regra e a civilidade foi deixada de lado, estamos num momento de grandes descobertas e transformações, nossas decisões atuais nos ajudarão na construção de um país melhor, mais justo e inclusivo ou, regredimos de forma acelerada para a barbárie, onde o confronto se generaliza e os fins passam a justificar os meios.

Depois de sete eleições presidenciais, sendo que a maioria delas foi marcada por conflitos ideológicos e políticos entre dois partidos e visões diferentes de país, onde o Partido dos Trabalhadores (PT) foi vitorioso em quatro e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) saiu vencedor em outras duas, o confronto deste segundo turno mudou, sai da disputa os tucanos e ascende o, até então nanico, Partido Social Liberal (PSL), capitaneado pelo capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, carregando na bagagem um arsenal de ideias e pensamentos liberais, marcados pela privatização, abertura econômica e redução do papel do Estado na economia, um verdadeiro confronto de extremos.

O Partido dos Trabalhadores (PT) emerge como uma fênix e retorna para mais um segundo turno, os anos posteriores ao impeachment foram muito negativos para o partido, além de perderem grande espaço no cenário político depois das eleições municipais de 2016, o partido viu inúmeros quadros de destaque do partido serem presos ou processados por corrupção, dentre eles o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que mesmo preso foi o grande artífice da candidatura de Fernando Haddad, que ora disputa o segundo turno com o candidato Bolsonaro.

Neste clima de confrontos e de acusações variadas, marcado por Fake News nas redes sociais, onde a honra das pessoas é agredida diuturnamente como forma de denegrir, humilhar e gerar constrangimentos, onde o debate saudável e salutar é substituído por conversas superficiais e fúteis, é neste ambiente que as eleições brasileiras transcorrem.

Infelizmente, o país, neste momento de eleições presidenciais, perde uma grande oportunidade de discutir assuntos mais importantes e urgentes, dentre eles, é fundamental que discutamos os rumos da sociedade brasileira, o que queremos ser num futuro muito próximo? Quais os pontos fortes que temos e quais os pontos fracos que precisam ser repensados e reestruturados para que consigamos nos transformar em um país do futuro?

Todos sabemos que vivemos um momento único da sociedade brasileira, muitas das sujeiras estão vindo á tona, pela primeira vez políticos importantes estão sendo presos e condenados, empresários milionários estão sendo conduzidos de forma coercitiva e presos, o país está vivendo um momento de depuração e todos precisamos nos conscientizar, num primeiro momento a degradação precisa vir á tona para que possamos construir uma sociedade com bases mais sólidas e consistentes.

Embora tenhamos muitas coisas para comemorar, é fundamental que entendamos, que todo este processo demanda tempo e trabalho árduo, as mudanças virão mas ainda vai demorar um tempo considerável e a classe política percebeu que a população está de olho nos passos de seus representantes e não vai titubear em cobrar e exigir mudanças consistentes nos serviços públicos e na transparência no uso dos recursos pagos via impostos, taxas e contribuições, a sociedade civil está viva e exige mudanças generalizadas.

Neste clima de confrontos e enfrentamentos, percebemos que, muitos grupos são tomados pela intolerância e pelo sectarismo, colegas de sala, amigos de longa data, familiares e até casais de namorados estão se digladiando na defesa de seus grupos políticos e interesses ideológicos,  estas brigas geram uma forte desagregação social, as redes sociais contribuem para incendiar estes conflitos, muitas pessoas se escondem no anonimato, mentem e caluniam para constranger os adversários, distantes de um debate civilizado, marcados pela moderação e pelo bom senso, muitos se entregam ao extremismo e a violência.

Depois das eleições, os jornais trouxeram estampados nas páginas principais, o assassinato de um mestre de capoeira que ousou vestir a camisa de seu candidato a Presidência da República, que colocou a camisa estampando o 12 de Fernando Haddad e foi tomar uma cerveja em um bar próximo de sua residência, neste momento foi golpeado com cinco facadas e morreu no local, a intolerância mata mais uma pessoa no país, deixando em seu lar esposa, filhos, talvez netos, e amigos chorando pela sua memória.

Colegas que sempre se deram bem, que conversavam sobre futebol outros temas, e nestas conversas nunca se enfrentaram, passaram a se tornar inimigos, um defendendo suas ideias e renegando o pensamento do outro, o sectarismo é tanto que o meu pensamento é correto e o dos outros é equivocado, todos que discordarem de mim estará errado e deve ser punido, as bases do pensamento conservador, autoritário e intolerante repousa no Brasil, mas dá sinais claros de que seu período de hibernação se encontra próximo do fim, as bases da democracia está ameaçada e não apenas no Brasil, mas em vários países e regiões do mundo.

Enquanto outros países estão preocupados com os impactos da quarta revolução industrial sobre o emprego e o trabalho de uma forma geral, os brasileiros estão discutindo questões de gêneros, enquanto o mundo inteiro está discutindo os impactos das mudanças climáticas na sociedade, estamos discutindo medidas para liberar o porte de armas para que o cidadão possa se “defender” dos ataque de marginais, somos um país estranho, paradoxal e extremado, e como disse Tom Jobim: “O Brasil não é para principiante”

Neste ambiente, precisamos ter em mente que podemos e devemos discutir sobre todas as coisas, desde religião, futebol e até política mas, que tenhamos claros de que esta conversa deve ser marcada pelo respeito entre os indivíduos, muitos querem conversar e ao mesmo tempo, ambicionam em converter seu oponente, usam todas as suas armas para tentar doutrinar e, com isso, acaba gerando constrangimentos, brigas e ressentimentos, levando amizades antigas e estruturadas a naufragar nas águas do desentendimento.

Política é uma ciência fundamental para a sociedade, discutir sobre política, conversar sobre ideologias e analisar ideias fazem parte da democracia, o debate é algo inerente ao processo democrático e todos devemos estar conscientes desta conversa, agora, faz-se fundamental o respeito e a moderação, pois quando estas acabam a barbárie e a intolerância estão construindo as bases para o conflito, para a guerra e para a violência.

No Brasil contemporâneo percebemos que as divergências são imensas, o modelo de homem cordial defendido anteriormente se mostrou ultrapassado, somos um povo marcado pelo pensamento autoritário e conservador, nos anos anteriores percebemos que novos assuntos foram trazidos para o campo da política, grupos antes marginalizados e deixados a margem da sociedade foram incluídos e suas demandas foram incorporadas, gerando desconforto e sectarismo de outros grupos que se sentiram ameaçados, o campo da política é o único espaço legítimo e democrático para consolidar esta discussão e superar estes constrangimentos.

As eleições mostraram um Brasil mais conservador, a população está dando um recado claro para a classe política e para a sociedade de uma forma geral, muitos coronéis da política foram apeados do poder, desde oligarquias como a de José Sarney e Edson Lobão no Maranhão, até governadores que eram considerados fortes, influentes e invencíveis em seus estados, como Marconi Perillo e Beto Richa, perderam eleições consideradas fáceis, a população está dando mostras que cansou dos políticos tradicionais e quer um novo grupo político ditando os rumos da política nacional.

A intolerância existe e está sendo estimulado pelos dois lados da disputa, desde as provocações dos grupos à esquerda até as respostas dos grupos à direita, depois de uma eleição desastrosa em 2014, marcada por mentiras generalizadas e degradação da honra e da conduta pessoal do outro candidato, onde o vencedor foi “obrigado” pelas circunstâncias políticas e econômicas a adotar as medidas que sempre rechaçou e criticou quando foram adotadas pelos oponentes, com isso, percebemos que, mais uma vez, estamos deixando passar um momento crucial de discutirmos nossos verdadeiros problemas, os custos desta postergação teremos que discutir num outro momento de nossa história.

A política é importante, e refletir sobre tudo isto é fundamental, o brasileiro cada vez mais está se conscientizando da importância das questões políticas para sua vida cotidiana, desde os recursos que faltam para suprir as demandas em saúde, educação e segurança até a ineficiência das políticas públicas que são oferecidas pelo Estado, marcadas pela burocracia e pela inconstância, toda esta descoberta por parte da população deve ser comemorada, tudo é positivo e fundamental para que construamos um futuro melhor e mais igualitário.

Nesta situação, onde o debate se extrema e a violência cresce, levando pessoas a atitudes extremadas e autoritárias, faz-se fundamental que entendamos que para construir um país melhor e mais justo, que além do governo e dos governantes de plantão, é importante que todos os cidadãos assumam suas responsabilidades e aceitem participar ativamente desta construção, que exige esforços, dedicação, espirito crítico e paciência, pois um país melhor dificilmente será visto por esta geração, mas visitará o país num período de algumas décadas.

 

 

Eleições nacionais e o recado do eleitor brasileiro

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As eleições nacionais são sempre um momento de grande apreensão para a sociedade, ainda mais quando nos debatemos sobre várias escolhas diferentes, desde Presidente da República, passando por Senadores, Deputados e Governadores, o leque de votação é imenso e o desafio da escolha é sempre bastante desafiador afinal, a escolha atual recai sobre quatro anos ininterruptos, os erros tem preços altíssimos e resultados assustadores.

Nestas últimas eleições percebemos um recado claro dos eleitores para a classe política, de um lado percebemos uma busca por nomes novos e desvinculados com denúncias de corrupção e desmandos com o dinheiro público, uma forma clara de protesto contra uma classe política acostumada ao enriquecimento ilícito e a mal utilização do dinheiro público, e de outro uma mudança para um perfil mais centro direita, um comportamento mais conservador por parte do eleitor, que depois de eleições votando em candidatos mais à esquerda, opta por uma mudança mais forte e estruturada para a direita e para o conservadorismo.

Neste ambiente, percebemos muitos políticos tradicionais que foram derrotados nas urnas, desde a família Sarney, passando pelos ex-governadores Beto Richa, Marconi Perillo e Fernando Pimentel, pela ex-presidente Dilma Rousseff que buscava uma vaga no senado por Minas Gerais, pelo ex-senador e atual vereador paulistano Eduardo Suplicy e pelos atuais senadores Romero Jucá, Edison Lobão, Eunício Oliveira, Magno Malta e Ricardo Ferraço que não conseguiram se reeleger, todos e muitos outros foram desaprovados pelos eleitores, políticos importantes e com grande força nos seus estados e com influência na política nacional.

Os eleitores estão mostrando para a sociedade um descontentamento generalizado com a classe política, depois de séculos de desmandos e pouca transparência, a população está se manifestando de forma direta e exige da classe política uma postura diferente, depois de três anos de recessão e baixo crescimento econômico, que fez a renda da população ser reduzida a números próximos ao encontrado em 2013, a população exige mudanças substanciais tanto no trato da coisa pública como no desempenho e na performance das políticas públicas, um desafio e tanto para uma classe política amadora e marcada por indicações baseada em critérios políticos e eleitorais.

Partidos tradicionais perderam espaço no poder, os tucanos que nas últimas cinco eleições presidenciais foram para o segundo turno, nesta eleição ficaram em quarto lugar, com seu candidato angariando menos de 5% dos votos, a menor quantidade de votos do partido em todos os tempos, um recado claro de que a sociedade não mais aceita o seu jeito titubeante de atuação e sua postura omissa e inconsequente, a população está demonstrando que tem memória e sabe, muito bem, que as atitudes desconectadas serão rejeitadas num futuro muito próximo.

Outro partido que sai menor das eleições de ontem foi o Partido dos Trabalhadores (PT), embora tenha conseguido votos suficientes para levar seu candidato ao segundo turno, dificilmente conseguirá reverter a situação que ora se construiu, seu discurso dúbio centrado em uma moral inexistente e sua prática econômica intervencionista, tão deletéria e negativa, contribuiu decisivamente para jogar o país na situação econômica vivida pelo país na atualidade, embora neguem e prefiram colocar a culpa nos outros, suas políticas públicas, principalmente no governo Dilma Rousseff, contribuíram para a degradação econômica atual que estamos vivendo.

Ambos os partidos saem menores destas eleições, reduziram suas bancadas e viram seus ideários serem mitigados por outros grupos políticos que crescem com suas ruínas, a ausência de uma auto-crítica consistente e verdadeira reforçam a percepção de que, infelizmente, a sua debacle abre oportunidades para novos grupos sociais, mais conservadores nos costumes e liberais na economia, o fortalecimento do conservadorismo é cada vez maior e mais consistente.

Na esteira destes grupos políticos que perderam força, destacamos o crescimento de partidos como o Partido Social Liberal (PSL), que até esta eleição tinha apenas 1 parlamentar e passa a ocupar na próxima legislatura, mais de cinquenta cadeiras no legislativo federal, mostrando a força do grupo liderado pelo candidato Jair Messias Bolsonaro que, cada vez mais, se cacifa para ser o próximo Presidente do país.

A eleição presidencial será decidida em segundo turno, os candidatos escolhidos terão mais alguns dias para mostrar suas principais propostas, os debates mostrarão o mais preparado na visão dos eleitores mas, mesmo assim, percebemos que nesta nova eleição se contrapõem duas visões diferentes de sociedade, uma mais liberal na economia e conservadora nos costumes e outra mais desenvolvimentista na economia e mais liberal nos costumes, são pensamentos diferentes que empolgam alguns setores e geram ojeriza em outros, criando instabilidades, incertezas e espaços crescentes de especulação e notícias falsas, as chamadas Fake News.

Percebemos nesta eleição, uma forte tendência ao conservadorismo político, grupos mais conservadores ganharam fortes espaços nos cargos eletivos, discursos mais liberais na economia ganharam espaço na mente dos eleitores, todos sabemos que as condições fiscais e financeiras do Estado Brasileiro são ruins e exigem medidas corretivas fortes e com impactos negativos em toda a sociedade, todos sabemos que estes esforços exigem racionalidade e sabedoria na gestão da coisa pública, todos sabemos que o país tem pressa e as medidas precisam ser iniciadas o mais rápido possível.

Os analistas políticos e os economistas destacaram muito uma forte tendência de fragilização da democracia, este governo descrito como do povo está em franco enfraquecimento em muitas regiões do mundo, em alguns países percebemos um forte pendor autoritário dos governantes, como os da Rússia, da Turquia, da Venezuela, da Áustria, dentre outros, ventos estes que podem afetar países como o Brasil, como destacam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, na recomendadíssima obra Como morrem as democracias.

Segundo os autores, a democracia está em risco na sociedade global e seus detratores não mais se ocupam de golpes militares para tomar o poder, como era feita a tempos atrás, na atualidade, os governantes eleitos se utilizam deste poder e legitimidade concedidos pelas eleições e passam a doutrinar as instituições políticas, se utilizando de seu poder para nomear ministros de tribunais superiores e, com isso, introduzindo leis e instrumentos legais para sua perpetuação no poder, com isso, criam um verdadeiro regime de exceção com nuances democráticos.

A democracia está fragilizada na sociedade mundial porque, dentre outras coisas, nos anos 90 foi muito atrelada ao pensamento neoliberal, que defendia a globalização e viam nesta a panaceia do mundo, as promessas feitas pelos artífices do globalismo neoliberal se mostraram frágeis e inconsistentes, as benesses prometidas não foram efetivadas e as esperanças construídas se mostraram frágeis e limitadas, garantindo a uns poucos os avanços da globalização e a uma parte considerável da sociedade internacional ansiedades, medos, instabilidades e inseguranças.

As demandas da população cresceram de forma generalizada, o cidadão passou a exigir políticas públicas consistentes para reduzir os desgastes gerados nos sistemas econômicos com a abertura defendida por setores neoliberais, de um lado os Estados Nacionais eram pressionados para socorrer os grupos que perdiam espaço e, de outro, as empresas transnacionais exigiam subsídios e isenções fiscais que aumentavam os buracos fiscais e levaram a uma degradação dos serviços públicos gerando, em contrapartida, uma situação social preocupante, com um incremento na violência urbana e nos conflitos sociais urbanos.

De outro lado a sociedade percebe os gastos com juros da dívida pública crescendo e a ineficiência das políticas públicas aumentando, gerando um mal estar sobre todos os grupos sociais, um aumento do desemprego e uma queda da renda e do salário, gerando uma recessão generalizada e perspectivas sombrias para todos os setores da sociedade, principalmente os mais vulneráveis e necessitados de serviços públicos, grupos estes que aumentavam rapidamente em consequência da recessão econômica e degradação dos canais de comunicação política.

A corrupção generalizada, os bilhões de recursos desviados para as campanhas políticas e para o bolso de políticos sem escrúpulos, cidadãos sem serviços públicos mínimos, obras deixadas ao relento e hospitais e escolas sendo degradados pelo conluio entre empreiteiras e partidos políticos, um judiciário leniente com toda esta estrutura de desmandos e corrupção, sem falar das brigas e dos constrangimentos impostos pela Suprema Corte, onde os ministros se comportam como crianças mimadas e despreparadas para julgar e institucionalizar a sociedade, estamos num momento de grande inquietação e as decisões tomadas vão definir o futuro do país.

O sentimento contra a corrupção é generalizado no país, os cidadãos estão cansados destes desmandos e exigem medidas corretivas imediatas, tudo isto é bastante importante e necessário na construção de uma verdadeira nação, mas é importante destacar que a grande corrupção não deve ser tolerada mas que a pequena também deve ser evitada para que de pequena se transforme em casos clássicos de corrupção com impactos generalizados para a sociedade.

Na reta final da disputa os candidatos buscam apoios na sociedade, as promessas crescem e as alianças aumentam, grupos políticos que se engalfinhavam a dias buscam fazer as pazes para garantir seus interesses imediatos, a pequena política ainda sobrevive e mantem seus tentáculos sólidos e  abertos, buscando novos espaços políticos e cargos bem remunerados para a manutenção de seu status quo, é neste ambiente que a classe política se mostra por completo e nos deixa claro quais estão preocupados com os rumos do país ou apenas com seus interesses mais mesquinhos.

As eleições são festejadas como o coroamento da democracia e um fortalecimento dos laços de participação política da sociedade, o Brasil vem escolhendo seus próprios governantes deste 1990, desde então escolhemos quatro presidentes, sendo que dois deles sofreram impeachment e foram retirados do cargo, um número alto e preocupante para uma jovem democracia como a brasileira, a estabilidade do sistema é fundamental para que possamos construir políticas de longo prazo, investir em educação e estruturar uma melhor performance em ciência e tecnologia, pré-requisitos importantes para tirar o país desta inércia econômica e construir um país mais inclusivo, com menos injustiças sociais e mais espaços para transformar seu potencial em crescimento econômico e desenvolvimento social concreto.

Pela primeira vez em eleições presidenciais dois candidatos que representam tão claramente os dois grupos políticos e ideológicos dominantes, Direita X Esquerda, se encontram nas urnas, o resultado dependerá dos ânimos da população, neste primeiro turno o resultado foi amplamente favorável ao primeiro grupo, no segundo turno as coisas podem se alterar, embora acreditemos que as mudanças sejam difíceis, sabemos que, o mais importante é que o país que sairá das urnas no dia 28 de outubro será mais consciente de seu papel social e sua população mais ciente de que o progresso social e econômico de uma nação prescinde da participação e do engajamento de todos os grupos e classes sociais, somente desta forma vamos construir um país melhor, menos desigual e mais vocacionados para o desenvolvimento social.

 

 

 

 

Crianças, Adolescentes e adultos na sociedade liquida

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Vivemos em uma sociedade que transforma tudo em mercadoria, somos bombardeados todos os instantes por propagandas de empresas nacionais e internacionais, vendendo os mais variados tipos de produtos, desde os mais supérfluos aos mais interessantes e necessários, vivemos em um mundo de faz de contas onde o parecer ter ganha espaço nas mídias e nas redes sociais e se alastram como pólvora, transformando ideias tolas em negócios promissores e milionários.

Neste ambiente dominado pelos negócios, pelo dinheiro e pela aparência física, o ser humano está cada vez mais esquecido, lembram-se dele nos momentos das compras, dos gastos e do consumo, mas quando a questão central são suas demandas íntimas e pessoais, seus conflitos e dificuldades interiores, são relegados a consultórios de psiquiatras ou a clínicas de terapeutas, escondem-se dos outros indivíduos chamados “normais” e pregam nestes a pecha de anormais e esquisitos, marginalizando-os e praticando um bullyng escancarado.

Neste ambiente paranoico, onde as cobranças se acentuam com grande rapidez, obrigando os indivíduos a se adaptar a esta nova realidade, sob pena de não ser absorvido pelo sistema e ser relegado a exclusão social e a marginalidade, todos buscam se adaptar, seguindo as regras vigentes e cumprindo o mesmo figurino criando, com isso, autômatos robotizados e controlados por uma lógica financeira e imediatista que aos poucos está destruindo os laços sociais mais sólidos e criando cisões irreversíveis na sociedade contemporânea.

O ideário da produtividade e da competição estão dominando as mentes e os corações das pessoas, buscamos todos os dias maximizar nossos recursos econômicos e financeiros, buscamos produtos baratos que aliem preço e qualidade, queremos uma colocação de destaque na sociedade e no mercado de trabalho e nos esquecemos dos estudos e da capacitação que nos parece imprescindíveis, exigimos serviços públicos de primeiro mundo, que é fundamental, e nos esquecemos dos deveres que precisamos desempenhar para a boa e saudável convivência em sociedade, queremos uma sociedade equilibrada e competitiva e nos esquecemos de qualificar nossas crianças e jovens, não apenas com conteúdo técnico e profissional, mas com um sólido conteúdo emocional e psicológico.

Nos anos 80 encontrávamos inúmeros espaços de lazer e de convivência para os jovens e para as crianças, estes ambientes são fundamentais para a consolidação de grupos sociais mais integrados e interdependentes, marcados pela flexibilidade e pela convivência saudável, atualmente as cidades se perderam nestas demandas, os bairros mais afastados estão sem espaços públicos, os parques e praças estão degradados e tomados por matos e bichos peçonhentos, as regiões mais afastadas estão dominadas por traficantes e marginais, locais onde o crime domina e os órgão do Estado não se aproximam com medo da marginalidade, da violência e da insegurança pública generalizada.

Com este ambiente público degradado, onde nossos espaços de convivência se transformaram em verdadeiros locais de degradação e marginalidade, como prover serviços públicos e espaços de lazer para uma juventude cheia de energia e entusiasmo? O que estamos legando de futuro para estes jovens, futuros cidadãos, que muito brevemente serão os responsáveis pelos rumos de nossa nação? Todas estas questões devem ser discutidas na atualidade, a ausência desta discussão nos legou a situação degradadas que estamos vivendo, a discussão atual deve nos abrir novas oportunidades e perspectivas, contribuindo para virar um jogo que estamos perdendo de forma vergonhosa.

Além de não criar as condições essenciais para reconstruir a sociedade e abrir novas oportunidades para a infância e para a adolescência, estamos deixando estes indivíduos na mira dos grupos marginalizados, a atração pelo crime organizado deste contingente é bastante sedutora numa sociedade onde os valores são marcados pelo hedonismo e pelo materialismo, onde os conceitos de ética e de moral são desconhecidos por todos os grupos, desde a classe política e empresarial envoltas em corrupção e sonegação, até as fileiras mais ilustres da religião, marcadas por pedofilia e pelos acobertamentos nefastos de crimes sexuais, todos buscando o gozo terrestre e se esquecendo dos castigos divinos.

As cobranças são tão severas aos jovens e aos adolescentes que, desde pequenos são retirados das atividades lúdicas, o brincar na natureza com produtos naturais, a corrida na grama e a vista fulgurante do pôr do sol são raridades cada vez mais desconhecidas, em contrapartida, encontramos estes manejando tablets, computadores, smartphones e poderosos jogos eletrônicos, muitos mergulham nestes aparelhos horas e horas e são esquecidos pelos seus pais, na maioria das vezes envoltos em mais atividades profissionais, o mundo do trabalho contemporâneo exige que a classe trabalhadora trabalhe intensamente vários turnos, dias e semanas de forma ininterruptas, sob pena de ser substituídas por outros trabalhadores ou, como na atualidade, por máquinas ou robôs dotadas de inteligência artificial, o que anteriormente era visto como apenas um sonho, na sociedade contemporânea este futuro chegou e esta transformando a sociedade.

Podemos chamar este momento fantástico que estamos vivendo de um Novo Iluminismo, como definiu Steven Pinker, ou Quarta Revolução Industrial, como alguns economistas e sociólogos, o nome pouco importa, o que mais impressiona é o impacto disto tudo na sociedade e suas consequências sobre os indivíduos.

Neste ambiente de cobranças, os jovens se encontram perdidos, a busca por qualificação, a escolha da carreira, os desejos sexuais pulsantes, as transformações bruscas no corpo, a rebeldia da idade, as indagações e as preocupações constantes, tudo isto o leva a grandes dúvidas e medos, antigamente o porto seguro para os esclarecimentos eram as famílias e a religião, na atualidade as famílias se encontram em estágios avançados de degradação e a religião se converteu ao mundo dos negócios e, com isto, vem perdendo relevância e expulsando os jovens de suas fileiras, a saída encontrada está nas drogas, na depressão e nos casos mais extremados de suicídio, antes pouco comentados, agora se transformaram em um caso grave de saúde pública, exigindo esforços de todos os grupos da sociedade.

O suicídio vem crescendo de forma acelerada, nos últimos anos tivemos uma média de 800 mil casos no mundo, o problema é mundial e não mais se restringe a fronteiras de um único país, atinge a todos os grupos e as faixas etária que mas preocupa é a dos jovens e adolescentes, pessoas entre 15 e 29 anos, que estão se suicidando com mais facilidade, e os motivos são pouco discutidos pelas autoridades, muitas vezes os maiores motivos estão ligados a dinâmica do capitalismo contemporâneo, centrado na concorrência, na competitividade e na busca constante por mais lucros, recursos e produtividade.

A educação que foi criada como um instrumento de conscientização social e capacitação para o mercado, se concentra cada vez mais nas demandas do mercado, buscam formar consumidores, o poder do dinheiro se infiltra na estrutura destas organizações e passa a ser comandada pela busca constante por recursos financeiros, na atualidade, percebemos que os fundos de investimentos investem cada vez mais na compra de instituições de ensino, inicialmente as de nível superior, criando estruturas gigantescas com mais de 1 milhão de alunos e, posteriormente, na aquisição de escolas de ensino médio e fundamental, é o capital fortalecendo sua estrutura e reafirmando seu poder sobre as bases da sociedade contemporânea.

Os relacionamentos são cada vez mais líquidos, como destacou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, as pessoas querem se relacionar mas tem medo de se apegar e de se frustrar, com isso, buscam ficar aqui com uma e acolá com outra, os relacionamentos esporádicos propiciam gozos variados e prazeres diversificados, homens e mulheres se misturam em busca de algo que transcenda, uma busca constante de prazer para fugir das mazelas de uma sociedade vazia e imediatista que o capitalismo contemporâneo, o materialismo e a ambição humana construíram e esforçam por manter.

O crescimento da tecnologia, das máquinas e dos equipamentos, tendem a incrementar esta situação de solidão e de desesperança, muitos jovens conseguem angariar milhões de “amigos” nas redes sociais e se orgulham deste feito, conversam com pessoas nas mais variadas regiões do mundo mas, ao mesmo tempo, se encontram sozinhas e infelizes, querem falar sobre suas desesperanças e de seus medos e não encontram ninguém para ouvi-los, o mundo do prazer a qualquer preço e do hedonismo não aceita discussões marcadas por contestações e reflexões, o capitalismo contemporâneo só pensa em prazer, empreendedorismo, consumo e um hedonismo exagerado.

Nas classes econômicas mais abastadas, onde os recursos financeiros abundam, as famílias se encontram em situação de grande inquietação, nestes ambientes percebemos jovens cada vez mais fúteis e imaturos, acreditando que seus recursos amoedados compram a tudo e a todos, onde estes adolescentes sabem que os produtos e as mercadorias tem seus preços, mas infelizmente desconhecem seus valores e tudo que está por trás da produção e da distribuição destas bens, são consumidores mas nem de longe se encaixam na definição de cidadãos, carecemos de cidadãos em nossa sociedade, formamos cada vez mais consumidores que sabem seus direitos na ponta da língua mas desconhecem a contrapartida dos deveres, com o crescimento destas escolas e universidades dominadas pelo capital e pelo interesse financeiro, a educação para a cidadania estará mais ameaçada do que nunca, condenando as escolas a formação generalizada de pseudo cidadãos ou analfabetos políticos diplomados.

Destacamos ainda, nas famílias mais abastadas, as dificuldades dos pais para aceitarem o crescimento e a maturidade de seus filhos, muitos os trancam em uma redoma de vidro, querendo proteger e evitar frustrações, controlam suas vidas, vigiam seus passos e acabam gerando indivíduos fracos, imaturos e inseguros, legando a sociedade adultos desequilibrados e com graves problemas emocionais, espirituais e sentimentais.

Nesta sociedade percebemos um descaso com os jovens e com os adolescentes, seus conflitos e sentimentos são ignorados, os crimes contra as crianças estão aumentando exponencialmente, gerando graves constrangimentos futuros, maus tratos e negligências estão nas raízes dos conflitos emocionais em curso nesta nova sociedade, será que ainda não percebemos que estes jovens compõem o futuro da sociedade brasileira? Parafraseando Dostoievski, um dos maiores escritos mundiais, percebemos a civilidade de um povo quando observamos como este povo trata as suas crianças, sendo assim, nossa sociedade está muito distante da civilidade.

 

 

 

 

 

 

Vivemos em uma sociedade que transforma tudo em mercadoria, somos bombardeados todos os instantes por propagandas de empresas nacionais e internacionais, vendendo os mais variados tipos de produtos, desde os mais supérfluos aos mais interessantes e necessários, vivemos em um mundo de faz de contas onde o parecer ter ganha espaço nas mídias e nas redes sociais e se alastram como pólvora, transformando ideias tolas em negócios promissores e milionários.

Neste ambiente dominado pelos negócios, pelo dinheiro e pela aparência física, o ser humano está cada vez mais esquecido, lembram-se dele nos momentos das compras, dos gastos e do consumo, mas quando a questão central são suas demandas íntimas e pessoais, seus conflitos e dificuldades interiores, são relegados a consultórios de psiquiatras ou a clínicas de terapeutas, escondem-se dos outros indivíduos chamados “normais” e pregam nestes a pecha de anormais e esquisitos, marginalizando-os e praticando um bullyng escancarado.

Neste ambiente paranoico, onde as cobranças se acentuam com grande rapidez, obrigando os indivíduos a se adaptar a esta nova realidade, sob pena de não ser absorvido pelo sistema e ser relegado a exclusão social e a marginalidade, todos buscam se adaptar, seguindo as regras vigentes e cumprindo o mesmo figurino criando, com isso, autômatos robotizados e controlados por uma lógica financeira e imediatista que aos poucos está destruindo os laços sociais mais sólidos e criando cisões irreversíveis na sociedade contemporânea.

O ideário da produtividade e da competição estão dominando as mentes e os corações das pessoas, buscamos todos os dias maximizar nossos recursos econômicos e financeiros, buscamos produtos baratos que aliem preço e qualidade, queremos uma colocação de destaque na sociedade e no mercado de trabalho e nos esquecemos dos estudos e da capacitação que nos parece imprescindíveis, exigimos serviços públicos de primeiro mundo, que é fundamental, e nos esquecemos dos deveres que precisamos desempenhar para a boa e saudável convivência em sociedade, queremos uma sociedade equilibrada e competitiva e nos esquecemos de qualificar nossas crianças e jovens, não apenas com conteúdo técnico e profissional, mas com um sólido conteúdo emocional e psicológico.

Nos anos 80 encontrávamos inúmeros espaços de lazer e de convivência para os jovens e para as crianças, estes ambientes são fundamentais para a consolidação de grupos sociais mais integrados e interdependentes, marcados pela flexibilidade e pela convivência saudável, atualmente as cidades se perderam nestas demandas, os bairros mais afastados estão sem espaços públicos, os parques e praças estão degradados e tomados por matos e bichos peçonhentos, as regiões mais afastadas estão dominadas por traficantes e marginais, locais onde o crime domina e os órgão do Estado não se aproximam com medo da marginalidade, da violência e da insegurança pública generalizada.

Com este ambiente público degradado, onde nossos espaços de convivência se transformaram em verdadeiros locais de degradação e marginalidade, como prover serviços públicos e espaços de lazer para uma juventude cheia de energia e entusiasmo? O que estamos legando de futuro para estes jovens, futuros cidadãos, que muito brevemente serão os responsáveis pelos rumos de nossa nação? Todas estas questões devem ser discutidas na atualidade, a ausência desta discussão nos legou a situação degradadas que estamos vivendo, a discussão atual deve nos abrir novas oportunidades e perspectivas, contribuindo para virar um jogo que estamos perdendo de forma vergonhosa.

Além de não criar as condições essenciais para reconstruir a sociedade e abrir novas oportunidades para a infância e para a adolescência, estamos deixando estes indivíduos na mira dos grupos marginalizados, a atração pelo crime organizado deste contingente é bastante sedutora numa sociedade onde os valores são marcados pelo hedonismo e pelo materialismo, onde os conceitos de ética e de moral são desconhecidos por todos os grupos, desde a classe política e empresarial envoltas em corrupção e sonegação, até as fileiras mais ilustres da religião, marcadas por pedofilia e pelos acobertamentos nefastos de crimes sexuais, todos buscando o gozo terrestre e se esquecendo dos castigos divinos.

As cobranças são tão severas aos jovens e aos adolescentes que, desde pequenos são retirados das atividades lúdicas, o brincar na natureza com produtos naturais, a corrida na grama e a vista fulgurante do pôr do sol são raridades cada vez mais desconhecidas, em contrapartida, encontramos estes manejando tablets, computadores, smartphones e poderosos jogos eletrônicos, muitos mergulham nestes aparelhos horas e horas e são esquecidos pelos seus pais, na maioria das vezes envoltos em mais atividades profissionais, o mundo do trabalho contemporâneo exige que a classe trabalhadora trabalhe intensamente vários turnos, dias e semanas de forma ininterruptas, sob pena de ser substituídas por outros trabalhadores ou, como na atualidade, por máquinas ou robôs dotadas de inteligência artificial, o que anteriormente era visto como apenas um sonho, na sociedade contemporânea este futuro chegou e esta transformando a sociedade.

Podemos chamar este momento fantástico que estamos vivendo de um Novo Iluminismo, como definiu Steven Pinker, ou Quarta Revolução Industrial, como alguns economistas e sociólogos, o nome pouco importa, o que mais impressiona é o impacto disto tudo na sociedade e suas consequências sobre os indivíduos.

Neste ambiente de cobranças, os jovens se encontram perdidos, a busca por qualificação, a escolha da carreira, os desejos sexuais pulsantes, as transformações bruscas no corpo, a rebeldia da idade, as indagações e as preocupações constantes, tudo isto o leva a grandes dúvidas e medos, antigamente o porto seguro para os esclarecimentos eram as famílias e a religião, na atualidade as famílias se encontram em estágios avançados de degradação e a religião se converteu ao mundo dos negócios e, com isto, vem perdendo relevância e expulsando os jovens de suas fileiras, a saída encontrada está nas drogas, na depressão e nos casos mais extremados de suicídio, antes pouco comentados, agora se transformaram em um caso grave de saúde pública, exigindo esforços de todos os grupos da sociedade.

O suicídio vem crescendo de forma acelerada, nos últimos anos tivemos uma média de 800 mil casos no mundo, o problema é mundial e não mais se restringe a fronteiras de um único país, atinge a todos os grupos e as faixas etária que mas preocupa é a dos jovens e adolescentes, pessoas entre 15 e 29 anos, que estão se suicidando com mais facilidade, e os motivos são pouco discutidos pelas autoridades, muitas vezes os maiores motivos estão ligados a dinâmica do capitalismo contemporâneo, centrado na concorrência, na competitividade e na busca constante por mais lucros, recursos e produtividade.

A educação que foi criada como um instrumento de conscientização social e capacitação para o mercado, se concentra cada vez mais nas demandas do mercado, buscam formar consumidores, o poder do dinheiro se infiltra na estrutura destas organizações e passa a ser comandada pela busca constante por recursos financeiros, na atualidade, percebemos que os fundos de investimentos investem cada vez mais na compra de instituições de ensino, inicialmente as de nível superior, criando estruturas gigantescas com mais de 1 milhão de alunos e, posteriormente, na aquisição de escolas de ensino médio e fundamental, é o capital fortalecendo sua estrutura e reafirmando seu poder sobre as bases da sociedade contemporânea.

Os relacionamentos são cada vez mais líquidos, como destacou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, as pessoas querem se relacionar mas tem medo de se apegar e de se frustrar, com isso, buscam ficar aqui com uma e acolá com outra, os relacionamentos esporádicos propiciam gozos variados e prazeres diversificados, homens e mulheres se misturam em busca de algo que transcenda, uma busca constante de prazer para fugir das mazelas de uma sociedade vazia e imediatista que o capitalismo contemporâneo, o materialismo e a ambição humana construíram e esforçam por manter.

O crescimento da tecnologia, das máquinas e dos equipamentos, tendem a incrementar esta situação de solidão e de desesperança, muitos jovens conseguem angariar milhões de “amigos” nas redes sociais e se orgulham deste feito, conversam com pessoas nas mais variadas regiões do mundo mas, ao mesmo tempo, se encontram sozinhas e infelizes, querem falar sobre suas desesperanças e de seus medos e não encontram ninguém para ouvi-los, o mundo do prazer a qualquer preço e do hedonismo não aceita discussões marcadas por contestações e reflexões, o capitalismo contemporâneo só pensa em prazer, empreendedorismo, consumo e um hedonismo exagerado.

Nas classes econômicas mais abastadas, onde os recursos financeiros abundam, as famílias se encontram em situação de grande inquietação, nestes ambientes percebemos jovens cada vez mais fúteis e imaturos, acreditando que seus recursos amoedados compram a tudo e a todos, onde estes adolescentes sabem que os produtos e as mercadorias tem seus preços, mas infelizmente desconhecem seus valores e tudo que está por trás da produção e da distribuição destas bens, são consumidores mas nem de longe se encaixam na definição de cidadãos, carecemos de cidadãos em nossa sociedade, formamos cada vez mais consumidores que sabem seus direitos na ponta da língua mas desconhecem a contrapartida dos deveres, com o crescimento destas escolas e universidades dominadas pelo capital e pelo interesse financeiro, a educação para a cidadania estará mais ameaçada do que nunca, condenando as escolas a formação generalizada de pseudo cidadãos ou analfabetos políticos diplomados.

Destacamos ainda, nas famílias mais abastadas, as dificuldades dos pais para aceitarem o crescimento e a maturidade de seus filhos, muitos os trancam em uma redoma de vidro, querendo proteger e evitar frustrações, controlam suas vidas, vigiam seus passos e acabam gerando indivíduos fracos, imaturos e inseguros, legando a sociedade adultos desequilibrados e com graves problemas emocionais, espirituais e sentimentais.

Nesta sociedade percebemos um descaso com os jovens e com os adolescentes, seus conflitos e sentimentos são ignorados, os crimes contra as crianças estão aumentando exponencialmente, gerando graves constrangimentos futuros, maus tratos e negligências estão nas raízes dos conflitos emocionais em curso nesta nova sociedade, será que ainda não percebemos que estes jovens compõem o futuro da sociedade brasileira? Parafraseando Dostoievski, um dos maiores escritos mundiais, percebemos a civilidade de um povo quando observamos como este povo trata as suas crianças, sendo assim, nossa sociedade está muito distante da civilidade.

 

 

 

 

Tanto Haddad quanto Bolsonaro vão levar país para o brejo, diz José Padilha

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 José Padilha – Folha de São Paulo, Caderno Ilustríssima, 30/09/2018

[RESUMO] Diretor de “Tropa de Elite” e “O Mecanismo” rejeita os candidatos do PSL e do PT e afirma ver ambos, que têm chances de disputar o segundo turno, como expoentes de extremos políticos capazes de levar o Brasil ‘para o brejo’

Muito provavelmente as próximas eleições presidenciais brasileiras serão decididas no segundo turno, em uma disputa entre Jair Bolsonaro (PSL), um candidato da extrema direita, e Fernando Haddad, um candidato do PT e da extrema esquerda.

Bolsonaro baseia a sua campanha nas mesmas ideias tacanhas que balizaram toda a sua carreira política e em uma suposta guinada intelectual na área econômica. Ao se associar ao professor Paulo Guedes, doutor pela Universidade de Chicago, Bolsonaro tenta se apresentar como paladino do liberalismo, de uma linha de pensadores que vai de Adam Smith a Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.

De minha parte, nada tenho contra a aplicação de parte das ideias destes pensadores à economia brasileira. Acho que o Brasil precisa reduzir o tamanho do Estado, que é caro, ineficiente e corrupto. Acho isto apesar de não comprar totalmente as teses do liberalismo austríaco. Todavia, não consigo acreditar que Bolsonaro vá aplicar as teses de Paulo Guedes à economia brasileira, mesmo que tenha maioria parlamentar para isso.

Bolsonaro, como quase todos os militares e como a esquerda brasileira, sempre defendeu políticas desenvolvimentistas estatizantes, semelhantes às dos militares e às de Dilma Rousseff e diametralmente oposta às ideias liberais. Políticas estas que nunca funcionaram no longo prazo e que jogam o país em recorrentes crises econômicas, mantendo seu índice de crescimento muito abaixo do que poderia ser.

Pior ainda, o conservadorismo de Bolsonaro com relação ao comportamento humano invade liberdades e direitos individuais básicos, tais como a prerrogativa de cada pessoa em decidir como lidar com seu próprio corpo tanto no caso das opções sexuais quanto do aborto. Além disso, Bolsonaro não reconhece, como fazem os liberais, que os indivíduos precisam ter garantias constitucionais que os defendam de possíveis violências do aparato repressivo do Estado.

Duas frases resumem claramente as posições de Bolsonaro: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”; e “Eu seria incapaz de amar um filho homossexual; prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Estas declarações mostram que Bolsonaro acredita que o Estado deve ter poder sobre as escolhas básicas e sobre o corpo dos cidadãos. O candidato do PSL é, portanto, para usar uma expressão comumente aplicada a Donald Trump, eticamente “unfit for office.”

Haddad, por sua vez, representa o PT, um partido que traiu os cidadãos brasileiros de forma vergonhosa. Lula, José Dirceu, Antonio Palocci, Dilma Rousseff e companhia mentiram descaradamente ao povo brasileiro, apresentando-se como paladinos e guardiões da ética e da moral, enquanto se associavam ao PMDB e às elites empresariais monopolistas do país —em particular aos grandes bancos comerciais e às grandes empreiteiras— e montavam um projeto de poder que não só reproduziu o mecanismo de corrupção e de expropriação dos cidadãos pela classe política que existia antes da sua chegada ao poder, como também fortaleceu esse mecanismo, aumentando-o em escala.

Não é à toa, portanto, que ao final do quarto governo da dupla PT/PMDB o país esteja falido, e a renda per capita tenha regredido a níveis anteriores aos do primeiro mandato de Lula. No frigir dos ovos, o PT atrasou o desenvolvimento do Brasil por 12 anos.

Além disso, o partido de Haddad tem posições a respeito da liberdade individual quase tão retrógradas quanto as de Bolsonaro. Disse Lula sobre Fidel Castro, ditador cubano que executou milhares de inocentes para chegar ao poder e que governou Cuba por mais de 40 anos sem realizar uma única eleição: “Para os povos de nosso continente e os trabalhadores dos países mais pobres, especialmente para os homens e mulheres de minha geração, Fidel foi sempre uma voz de luta e esperança”.

Lula disse isso sabendo que o governo de Fidel Castro perseguiu homossexuais —exatamente como Bolsonaro promete que vai perseguir no Brasil. Além disso, são recorrentes os elogios do líder petista aos venezuelanos Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

O PT não apenas abriu as portas dos esquemas de corrupção da Odebrecht para ajudar que eles se perpetuassem no poder, mas também o próprio Lula gravou mensagens de apoio a Maduro, recentemente denunciado na ONU por prender, torturar e matar oposicionistas e jornalistas. Está claro, portanto, que, por representar Lula, Haddad também é “unfit for office”.

Sobre Haddad, além disso, pesam ainda acusações diretas de corrupção e de envolvimento no mecanismo que PT e PMDB operaram por 12 anos. Existem até suspeitas de que Haddad estaria usando, ainda hoje, caixa dois do Petrolão. (Antonio Palocci afirmou à PF, segundo fontes da corporação, que os US$ 15 milhões apreendidos com a comitiva de Teodorin Obiang, filho do ditador da Guiné Equatorial, provavelmente tinham como destino o caixa dois petista.)

A esta altura, você deve estar se perguntando se eu estou sugerindo que o Brasil vai para o brejo. A resposta é: sim, é exatamente isto que estou sugerindo. Um dos dois candidatos acima descritos, ambos eticamente inviáveis, será eleito. E isto equivale a jogar o país nas trevas.

Além disso, mesmo que se tornem santos de um dia para o outro, nenhum dos dois conseguirá maioria para governar. (O que pode até ser uma boa notícia.) Se Haddad for eleito, seu governo vai ter que trabalhar, necessariamente, para obstruir a Justiça, revogar a prisão em segunda instância, manter o foro privilegiado e dar cargos a políticos corruptos.

Isto posto, me parece que restam ao Brasil duas tarefas hercúleas: (1) sobreviver aos próximos quatro anos, não sei como, sem descambar para uma situação social e econômica catastrófica como a da Venezuela, e (2) aprender com os erros do passado para não repetí-los no futuro.

Que erros foram esses? Ao meu ver, essencialmente um: face às revelações da Lava Jato, as forças políticas e os formadores de opinião do país colocaram as suas preferências ideológicas à frente da ética.

A direita apostou em um procedimento de impeachment claramente ilegal e arbitrário, pensando que, com Michel Temer no poder —apesar do seu notório envolvimento com a corrupção sistêmica— poderia defender seus interesses econômicos. E a esquerda, por motivos políticos, tentou fingir que Lula, Dirceu e Palocci não eram tão gângsteres quanto Aécio, Sérgio Cabral e Eduardo Cunha.

Ao tomarem estas posições, tanto as forças da direita quanto as da esquerda colocaram em xeque a Lava Jato, dando margem para que as duas mais importantes cortes do país, o TSE e o STF (que não me surpreenderiam se tivessem membros ligados a esquemas de corrupção, tais como a venda de sentenças), manobrassem para sabotar diversas linhas de investigação da operação que comprometeriam ainda mais políticos do PT, do PSDB e do PMDB, a eles mesmos, além dos grandes bancos comerciais.

Como consequência direta disto, o STF aprovou um impeachment absurdo, e o TSE absolveu a chapa de Dilma e Temer, apesar de esta ter sido comprovadamente eleita com um volume gigantesco de propina. Ambos deveriam ter sido cassados. Foram estes dois acontecimentos históricos que, em ultima análise, viabilizaram as candidaturas de dois políticos claramente comprometidos pela Lava Jato, tais como Haddad e Alckmin, e que deram asas à candidatura de Bolsonaro.

Isto me leva ao tema deste artigo. A história da humanidade demonstra claramente que o primeiro passo na direção da servidão é a opção pela relativização da ética em prol da ideologia. Mao, Hitler, Stálin, Fidel, Franco e vários outros ditadores que cometeram massacres chegaram ao poder porque, em algum momento da história de seus países, parte dos formadores de opinião os apoiou por questões ideológicas —apesar de saberem de seus desvios éticos.

Dois amigos meus, em particular, cometeram este erro crasso. Eu não tenho bola de cristal, mas acho que, se a ética não sobrepujar a ideologia no curto prazo, o Brasil caminha para uma tragédia sem tamanho.

José Padilha é roteirista e diretor de cinema.

 

Democracia é lidar com o embate entre opostos e acomodá-los, diz Luiz Guilherme Schymura

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Para economista, não apenas a campanha, mas a gestão do eleito será marcada por crescente cobrança de diferentes grupos sociais

Alexa Salomão

Para o economista Luiz Guilherme Schymura, o próximo presidente não pode subestimar opositores. Precisa ter consciência de que, mesmo cacifado pelas urnas, vai enfrentar duras resistências de congressistas e da própria população para impor os ajustes que o país precisa.

“Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar”, diz Schymura. E dá exemplo.

“Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. Não deixam.”

Ele também já não está tão certo de que a reforma da Previdência sai na largada do próximo governo: “O sentido de urgência passou”, diz.

 

Quais serão os desafios do próximo presidente na área econômica?

O novo presidente, seja quem for, vai ter enorme dificuldade para apresentar a sua pauta de prioridades ao Congresso. Lá já tem uma fila de temas prioritários. Quatro se destacam.

Vai ter de discutir a nova regra de reajuste do salário mínimo. Vai ter de ver o que faz com o salário do funcionalismo público –ver o que pode dar, porque se não der nada já entra com as corporações pressionando contra. Vai precisar ver o que faz com o teto de gastos, que não fica em pé, mas precisa ser substituído por alguma coisa que dê âncora fiscal. Se tirar o teto e não colocar algo no lugar, o mercado surta. Outro item sensível é a política de subsídio do diesel. Ela acaba em dezembro. O que faz na sequência?

São brigas complicadas. Não é trivial discutir nada disso. É inexorável a queima de capital político já no começo do mandato.

Mas não é o momento certo para enfrentar todas as brigas, uma vez que esse presidente vai estar em início de mandato, cacifado pelas urnas?

Mas será que essas são as prioridades dele? Ele quer se desgastar com esses temas? Não vamos esquecer que o novo presidente vai precisar atender a expectativa dos eleitores. A população não vota em presidente para ele só trazer maldade. O ajuste fiscal, que é o maior desafio hoje de qualquer governante brasileiro, só traz notícia ruim. Mas a população vai esperar boas notícias também. Dizer que a reforma da Previdência, por mais importante que ela seja, vai melhorar a vida da população não cola. Ele vai ter de apresentar outras agendas junto, como melhorar o emprego.

Todos os economistas dizem que a reforma é prioridade e melhora para todos.

As mudanças não se dão como economistas e técnicos desejam, rapidamente. Eu escrevi artigos e dei consultoria propondo novos modelos previdenciários no início da década de 1990. Há 20 anos. Num dado momento, me dei conta que já estava acontecendo uma reforma da Previdência, mas no sentido contrário ao que eu propunha –estava em curso uma que dava mais direitos via aumento do salário mínimo. A reforma foi sendo empurrada. Ela já deveria ter sido feita. Vamos sofrer por retardá-la.

O governo e dezenas de técnicos passaram um ano explicando que a Previdência é um problema para o caixa público, que a conta não fecha. Não ficou claro que ela é prioridade?

O problema em relação à reforma da Previdência não é técnico. Não falta economista para fazer conta e mostrar o problema. A equipe econômica que está aí é excepcional e mostrou isso. O problema é político.

Temos uma sociedade com distribuição de renda horrível e extremamente patrimonialista. Ninguém abre mão de nada. Quanto mais você explica o problema fiscal mais os grupos de pressão se armam para vetar qualquer possibilidade de participação deles no ajuste. Há concordância da necessidade, mas nenhum consenso quanto à forma de fazer. Construir e coordenar com o Congresso um ajuste da dimensão que a gente precisa é um imenso desafio.

As equipes dos presidenciáveis que estão liderando as pesquisas estão preparadas para isso?

Jamais é fácil negociar com o Congresso. Ainda mais no que vem pela frente. Nunca na história desse país –parafraseando o grande líder [risos]– um ministro da Fazenda entrou com tudo travado. Para fazer qualquer gasto adicional, vai ter de ir ao Congresso negociar. E vai precisar compor com o Congresso sem desagradar a população –o que é cada vez mais difícil.

Por que mais difícil?

Vou dar um exemplo. A greve dos caminhoneiros. Essa greve tem um dado novo. Toda vez que uma classe entra em greve, num primeiro momento, cria-se uma expectativa de lado a lado, porque se inicia uma barganha. Um lado pede 100 o outro quer dar zero. A barganha conduz ao meio termo e a greve acaba bem para ambos os lados. Mas nos caminhoneiros isso se complicou porque a população tomou partido. A população mostrou a sua insatisfação junto. Ali a gente viu o que acontece quando o presidente tem popularidade baixa.

A política de reajuste dos combustíveis pelo preço internacional foi um dos pilares da gestão Temer. E ele sacrificou essa política para atender os caminhoneiros porque a população escolheu lado. É preciso entender que esse nosso patrimonialismo, com essa distribuição horrorosa de renda, no mundo contemporâneo, é uma associação explosiva. Os interesses se chocam. Gera atrito.

Temer foi vítima disso?

Temer foi e todos os presidentes serão. Meu colegas costumam acreditar que as soluções na área econômica são técnicas. Não funciona assim. Ouvi muitos colegas dizerem quando Dilma saiu que o problema na economia estava resolvido. Mas eu bati na tecla. Dilma não foi brilhante na economia, mas não foi ela que nos tornou o país vagabundo em termos de condução da economia. Esse problema é histórico. Ela falhou na condução da política.

Quando Temer entrou, meus colegas economistas falaram: agora está tudo resolvido. Eu argumentei que não era bem assim. E não foi. Depois que não deu certo, Temer virou o diabo. Não é culpa de Temer também. O fato é que não existe milagre. Não existe salvador da pátria imune a pressões e cobranças da sociedade.

O candidato Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas, é chamado de mito por seus eleitores. Como o sr. acha que ele vai se sair se ganhar a eleição?

Bolsonaro tem essa aura de salvador, mas por questões subjetivas. Defende segurança, fala contra a corrupção. Eu vou ler uma coisa para explicar o que é isso [pega o celular].

Estou em dois grupos de economistas no WhatsApp. Essa mensagem foi enviada pelos dois grupos. A intersecção entre os grupos é vazia. Os integrantes não se conhecem. Um só tem bolsonarista. O outro é misto. Mas em ambos só tem PhD e ambos enviaram essa mensagem, essa espécie de fábula pós-posse de Bolsonaro. Diz assim:

‘Acabo de chegar do futuro para contar a vocês que a posse do Bolsonaro foi pura emoção. Estou vindo de julho de 2019 e o país já é outro. Gleise e Haddad foram presos e o PT fechou as portas. Lula foi condenado mais duas vezes. O MST se desbaratou e Stédile fugiu para o Uruguai. Boulos foi preso mais uma vez e parece que desta vez o bicho pegou. A economia deu um salto. O desemprego caiu. O estatuto do desarmamento foi revisto e a bandidagem parou de assaltar abertamente com medo de ser alvejada pela população. Não entram mais na casa de ninguém. Gilmar Mendes foi expulso do STF e Toffoli renunciou por denúncia de corrupção. Com a vacância dos dois, o presidente Bolsonaro nomeou para os cargos de ministros do Supremo Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Aliás, a Lava Jato se tornou uma operação de elite permanente. Outra coisa, aluno agora que maltrata professor é expulso e fichado na polícia. A maioridade penal foi votada ontem e agora é de 15 anos. Bolsonaro é ovacionado aonde vai, seja no Brasil ou no exterior. É isso pessoal. Tenham fé. O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.’

O que chama a atenção aqui? Alguém detalhou medidas econômicas? Falam que foi feita a reforma da Previdência, a reforma de não sei de quê? Não. Nada.

São economistas com PhD esperando que se resolva a segurança, que se respeite autoridade do professor. Se fosse um grupo de médicos ou de policiais, eu poderia entender. Mas nem economista com PhD vê Bolsonaro sendo ovacionado porque fez reforma da Previdência. O que vamos esperar? Todas as pessoas no fundo imaginam que é mais fácil do que realmente é.

O sr. está querendo dizer que a reforma da Previdência corre o risco de ser postergada outra vez?

Estou dizendo que há consenso sobre a necessidade dela, mas que o sentido de urgência passou. É difícil você convencer essa figura etérea que chamamos de sociedade de que a reforma da Previdência é urgente se o país voltou a crescer, se a inflação e o juros estão baixos, e o desemprego está alto.

Como vou dizer para quem não tem emprego que ele vai ter de trabalhar mais 10 anos para se aposentar? O cara já não tem trabalho. Dou título de doutorado para quem fizer, de forma clara, a relação entre o desemprego e o problema fiscal do Brasil para gente convencer as pessoas de que vão sair ganhando se o país fizer a reforma da Previdência. Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar.

Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. A inflação da Argentina caminha para 40%, a moeda se desvaloriza, mas ainda assim não deixam ele fazer o ajuste.

Existe um grupo defendendo que, se o presidente eleito concordar, se aprove a reforma da Previdência após a eleição e antes da posse. É viável?

Não há a menor possibilidade, mas vamos supor que desse. Primeiro, teria de negociar com o Temer. O que ele vai pedir em troca? Pode ser um pato manco, mas a caneta está com ele. Vai ter de negociar com os antigos congressistas. Como é o approach com eles? Percebe a dificuldade? É impensável, mas as pessoas podem acreditar no que quiserem. Eu não consigo criar esse cenário.

A marca da eleição é a polarização nos extremos que tem sido considerada nociva. Qual a sua opinião?

Como pai de um jovem estudante de engenharia de 19 anos e de uma estudante de medicina de 22, eu me preocupo com o futuro, com o país que estamos deixando para as próximas gerações. Mas como intelectual, eu considero fabuloso. Democracia é isso: lidar com riscos, com o embate entre opostos e saber acomodá-los.

Alguns defendem que o avanço de um candidato de centro teria sido mais saudável.

Compor é uma segunda etapa. Por experiência, a gente sabe que quem ganha a eleição não entra no governo chutando o balde. Tenta compor. Veja o PT. Já lança nomes de economistas de direita para ocupar a Fazenda. Nem sei se vão ocupar. Mas mostram que, no PT, economistas mais liberais não são leprosos.

Circulou a informação que um dos nomes ventilados é o seu. O sr. foi sondado?

Não. Não teve isso.

O sr. conhece o Haddad?

Nunca estive com ele.

De onde o sr. acredita que saiu essa informação, então?

Não faço a menor ideia. Deve ser porque a gente recebe todas as pessoas aqui no Ibre. Estivemos com todo mundo. Paulo Guedes [economista da campanha de Bolsonaro], Pérsio Arida [de Geraldo Alckmin], Mauro Benevides [de Ciro Gomes]. Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda de Dilma] trabalha aqui com a gente. Mas este é o momento do balão de ensaio. Eles ainda têm uma eleição para ganhar. Os nomes de verdade vão vir depois.

 

Luiz Guilherme Schymura, 57 Diretor do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), cursou Engenharia Elétrica e de Sistemas na PUC-Rio, doutorado em Economia na FGV e pós-doutorado em Economia na The Wharton School da Universidade da Pensilvânia (EUA). De 2002 a 2004, presidiu a Anatel, agência do setor de telecomunicações

 

Patologias Sociais e doenças da alma

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes dores e desesperanças, os indivíduos se perdem nas atividades cotidianas e se esquecem de investimentos mais simples e mais nobres, investimentos nas famílias e nos círculos de amizades mais sinceras, as famílias se encontram em transformações intensas, obrigando os indivíduos a uma busca incessante de algo desconhecido, para isso somos torpedeados por informações, dados e cobranças, na maioria das vezes desnecessárias e pouco construtivas, somos uma sociedade a beira de um grande ataque de nervos.

As atividades profissionais absorvem a maior parte das energias dos trabalhadores, o trabalho do século XXI nos impõem uma constante atualização, somos obrigados a nos qualificarmos cada vez mais, inglês, informática, mandarim, atividades físicas, ioga, cursos e mais cursos nos são oferecidos para que tenhamos o equilíbrio necessário para suportar as dificuldades e as dores do mundo, uma sociedade marcada por um novo iluminismo, onde todos competem com todos, onde os antigos amigos brigam por uma mesma vaga no mercado de trabalho, onde irmãos se digladiam em busca de uma melhor colocação na sociedade e no coração de seus pais, uma sociedade que compete constantemente em busca de um prazer material que logo quando é atingido se mostra ineficiente e limitado, gerando medos, dores e desesperanças.

Somos bombardeados pelas informações trazidas pela televisão, pela internet e pelas mídias sociais, dados, imagens, fotos, comportamentos, curiosidades circulam na sociedade e entram em nossas casas e, mais do que isso, tomam um espaço gigantesco em nossas vidas, muitas vezes nos norteando no cotidiano, somos robotizados para vivermos em um ambiente concorrencial cheio de atividades e cobranças e, automaticamente, compelidos a comportamentos, atitudes e gostos variados criados pelo marketing agressivo que nos leva a comprar mercadorias que pouca efetividade terá em nossas vidas, compramos por impulso e não por necessidade.

Os relacionamentos são marcados pelo interesse imediato e por uma filosofia hedonista, os sentimentos mais sinceros e profundos são deixados de lado, amores mais intensos duram poucos dias e são substituídos por outros rapidamente, as paixões duram instantes e as buscas por novas aventuras e prazeres são cada vez maiores, obrigando as pessoas a investir mais e mais em beleza, em forma física e em elegância, o culto ao corpo se transforma em um grande mantra, não apenas pela saúde física, mas pela presença e pelo impacto da aparência, surge daí uma nova forma de ditadura, a ditadura da beleza, obrigando todos os indivíduos a viver fazendo dietas e cultuando o mundo fitness, muita aparência e pouca essência. Se o indivíduo não atingir este padrão de beleza sofre constrangimentos variados, as operações plásticas crescem de forma aceleradas e a busca pela beleza leva pessoas a recorrer a drogas e comprimidos de emagrecimento, uma busca doentia por um corpo perfeito leva inúmeras pessoas a insanidade, aumentando a ansiedade, a depressão e os complexos.

Observando as mudanças geradas no comportamento humano, percebemos que as pessoas estão, em todas as partes do mundo, assistindo aos mesmos programas, as mesmas séries, os comportamentos e os hábitos são parecidos, em todas as regiões, desde o sudeste asiático até as favelas fluminenses, encontramos pessoas vestindo as mesmas roupas e cultivando hábitos parecidos, uma mostra do poder do marketing global que vende, em todas as regiões do mundo, os mesmos produtos e criando uma cultura global dominante, centrado no poder e na força econômica de grupos altamente poderosos financeira e politicamente, as grandes transnacionais.

As redes sociais tem um papel central neste novo momento de sociedade internacional, ela aproxima as pessoas no mundo virtual e as afasta fisicamente, estamos conectados com “amigos” instantaneamente, conversamos via Skype e nos falamos via Messenger ou whatsApp, estamos próximos mas ao mesmo tempo muito distantes, mais um paradoxo do capitalismo contemporâneo. Como nos diz Zygmunt Baumann, um adolescente disse possuir mais de 2 mil amigos enquanto ele, Baumann, depois de mais de 90 anos de vida, acredita que tem, no máximo uma dezena, neste depoimento percebemos que, para o adolescente, o conceito de amigos é diferente do conceito defendido pelo sociólogo polonês.

O mundo corporativo nos mostra como a competição entre os agentes econômicos é cada vez mais intensa, as organizações se reinventam todos os dias, a concorrência atual obriga as empresas e os funcionários a investirem mais e mais em novas tecnologias, novos cursos e treinamentos, novos produtos e mercadorias surgem e nos obrigam a compreender seu funcionamento sob pena de sermos devorados por este novo produto, a rapidez das novas tecnologias contrasta com a capacidade de reação do organismo humano, gerando mais insatisfação, mais medos e mais instabilidades.

O mundo do trabalho é um grande desafio, os antigos trabalhadores funcionam ainda no modo analógico e precisam pensar no modo digital, os trabalhadores vivem uma das mais severas crises de identidade, o estudo e o diploma profissional que anteriormente era sinônimo de bons empregos e salários empolgantes, na atualidade não mais garante empregos interessantes, muitas vezes servem apenas como um pré-requisito para entrar no mercado de trabalho, além da formação fazem-se necessários mais e mais diplomas e cursos para sobreviver no mercado contemporâneo, mesmo assim, se a economia não crescer e os investimentos não aumentarem, os empregos não mais serão produzidos.

A quantidade de depressivos e ansiosos aumenta em escala exponencial, somente de depressivos encontramos mais de 350 milhões de pessoas no mundo, os ansiosos são em números maiores e atingem a grande maioria dos lares mundiais, os investimentos em pesquisas farmacêuticas e terapias para reduzir este números de patologias crescem de forma acelerada e os resultados imediatos são contestados pelos especialista e pelas autoridades, vivemos num mundo onde as crises são geradas dentro do sistema, o problema é muito maior do que algumas pessoas imaginam, o problema é estrutural e sua superação só será possível quando empreendermos um esforço coletivo envolvendo todos os países, líderes e instituições.

A competição exacerbada entre empresas e governo aumentou a competição entre os seres humanos, os trabalhadores enquanto produtores estão sendo ameaçados por esta competição insana, a adaptação aos desígnios do capital e do lucro exige que as ferramentas da ética e da moral sejam abandonadas e colocadas de lado, é como se tivéssemos duas éticas convivendo lado a lado, são conceitos frágeis que, num futuro próximo, devem aumentar a degradação da sociedade, aumentando os medos e as desesperanças, culminado em xenofobia e extremismos variados que estão se espalhando por todas as partes do mundo, desde os países pobres e subdesenvolvidos até as nações mais ricas e consideradas desenvolvidas.

As pessoas estão assustadas com tantas cobranças, metas e produtividade, as empresas exigem uma performance melhor de seus funcionários e, na maioria das vezes, poucos retornos dão a estes “colaboradores”, as cobranças crescem e os salários diminuem, de um lado percebemos o crescimento dos consultórios de terapias, as pessoas, perdidas como estão, buscam em psicólogos e terapeutas a resposta para suas indagações, se não conseguirem as respostas almejadas partem para terapias alternativas, contratam coachings e, se mesmo assim não conseguirem as respostas partem para as Igrejas evangélicas que crescem de forma acelerada e ganham cada vez mais poderes na política e na economia, isto porque além de inundarem os cargos públicos na últimas eleições, detém grandes somas de recursos financeiros e poderes midiáticos, a religião se transformando, mais uma vez, em um grande negócio.

Neste ambiente os amores estão cada vez mais fragilizados, as mulheres empoderadas buscam uma competição aberta e, muitas vezes, se comportam com uma alta carga de ranço e agressividade, buscam o controle da situação e agem da mesma forma que anteriormente criticava a atuação do homem, criando conflitos e violências constantes, agressões e até crimes, como o chamado feminicídio cresce de forma exponencial, expondo mais uma faceta da crise atual, a intolerância.

O amor romântico perde espaço nesta nova configuração do amor contemporâneo, atitudes vistas anteriormente como carinhosas e românticas, atualmente são criticadas e motivo de escárnio dos grupos sociais, as redes sociais servem para difundir sentimentos duvidosos e mentiras constantes, aparecer para uma sociedade artificial é mais importante do que um autoencontro íntimo e pessoal, mostrar-se por fora é muito mais fácil do que encarar a realidade de se conhecer por dentro.

Os novos modelos de relacionamento contemporâneo estão redefinindo o significado de família, antigamente a família era composta pelos pais e pelos filhos, as famílias eram imensas, muitas vezes com mais de dez filhos por casal, na atualidade encontramos vários tipos diferentes de família, agora bem mais reduzidas, umas compostas por dois homens, por duas mulheres, por mulheres solteiras e independentes, por homens solteiros e independentes, dentre outros modelos, o termo família é algo bastante flexível na contemporaneidade, gerando na cabeça dos filhos e das filhas grandes indagações, medos e preocupações, o modelo tradicional de família encontra-se em clara e nítida extinção ou metamorfose.

A homossexualidade cresce de forma generalizada, homens e mulheres estão se abrindo para novas realidades e experiências, a tecnologia tem um papel central nestas novas mudanças, seu desenvolvimento levou a criação de grupos e comunidades homossexuais, meninos e meninas que desconheciam seus desejos e eram fortemente punidos por uma sociedade castradora e por uma educação  autoritária viu na internet e nas redes sociais novas oportunidades de encontros, conversas e discussões, além de depoimentos e vivências compartilhadas, gerando, com isso, novas formas de maturidade pessoal e institucional.

Vivemos um momento único na sociedade internacional, evoluímos muito nos últimos 30 anos, os avanços muitas vezes são questionados por muitas pessoas, embora estejamos num período difícil e assustador, marcados pelo medo e pela desesperança, sabemos que neste momento precisamos ter maturidade para as discussões, o ser humano deve ser visto muito mais como um agente ativo em seu desenvolvimento do que como um robô, cujos gestos e atitudes são todas previamente acertadas, o ser humano é um agente criador, sua experiência deve ser exaltada e suas habilidades devem ser recompensadas, a era das máquinas está cada dia mais próxima e nós, seres humanos, cada vez menos conhecemos os nossos ideais e objetivos, somos conduzidos pela vida e pelas atividades cotidianas, vivemos enclausurados em um redoma de vidro e nos esquecemos que os maiores prazeres da vida são constituídos em comunidade, servindo, amando e contribuindo para um incremento do amor e da esperança entre os indivíduos, somente assim se constrói uma sociedade sólida e estruturada.

As constantes mudanças estão gerando medos na classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, está assustando os grupos empresariais, que temem não sobreviver neste jogo da competição, se ambos estão assustados e amedrontados, faz-se necessário construirmos pontes entre estes dois grupos sociais, unindo-os em prol de interesses comuns, somente a união e o compartilhamento entre grupos e classes sociais pode interromper as instabilidades e incertezas que dominam a comunidade e impactam sobre todos os indivíduos.

As transformações são intensas e vieram para ficar, um novo iluminismo vai construir novas bases para esta sociedade, o momento é de incertezas e instabilidades, tudo isto é bastante normal, o novo sempre assusta e gera medos generalizados, o importante é que para sermos conhecidos como indivíduos pensantes e criadores precisamos, novamente, ter em mente que uma sociedade melhor só será constituído quando cada pessoa, branco ou preto, rico ou pobre, novo ou velho, oriental ou ocidental, tiverem a consciência de que o mundo novo só vai começar efetivamente quando este novo homem nascer dentro de cada um de nós, não tenhamos medos de nos mostrar como efetivamente somos, pois todos que aqui estão, são seres em evolução e teremos a vida toda para melhorar, basta que comecemos para que nossa caminhada seja mais suave e promissora.

 

 

 

 

 

 

 

 

O som da nova era: O Clarim e seus maestros

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Livro reportagem que conta a história do jornal O Clarim, um empreendimento que comemorou mais de 100 anos e se confunde com a história da cidade de Matão e o Espiritismo brasileiro, leitura de grande relevância.

 

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