Marx e a financeirização, por Renildo Souza.

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Renildo Souza – A Terra é Redonda – 27/08/2024

A ancestralidade teórica marxiana da finança

Introdução

Nas três últimas décadas, o tema da financeirização tem sido abordado insistentemente, sobretudo por autores marxistas.  Mas quais são algumas pistas da financeirização da lavra do próprio Marx? O objetivo deste artigo é escavar a ancestralidade teórica marxiana da finança. A análise se restringirá à Seção V do livro III d’O capital. Marx, no caso desse livro, explica o nível concreto da distribuição da mais-valia, nos marcos da enormidade e variedade de fenômenos e contingências da vida social em seu conjunto no capitalismo.

Problemas diversos como a crise de 2008, as políticas de austeridade fiscal, as ameaças neofascistas, as catástrofes ambientais e a espoliação social, bem como a reestruturação tecnológica e produtiva das cadeias de valor, intensificaram o debate sobre a financeirização. As finanças tornaram-se onipresentes na contemporaneidade. Essa constatação, com ares de consenso entre marxistas, é, porém, desafiada pelas dificuldades teóricas em se apreender a natureza e o alcance do fenômeno.

Como explicar a financeirização, como superar seus desafios de sua interpretação? A financeirização é mero aumento, mudança quantitativa nos ativos financeiros, mais do mesmo, sobretudo por conta dos volumes exponenciais do capital fictício atualmente? A mencionada onipresença e o seu próprio processo de transformações aceleradas dificultam a consolidação interpretativa sobre a financeirização.

A partir da tautologia de que tudo faz parte de tudo e tudo importa, corre-se o risco de se embaralhar a compreensão de fenômenos distintos. A aproximação de alguns traços estruturais comuns entre diferentes objetos do capitalismo contemporâneo tende a confundir, de certa forma, o caráter da financeirização, uma lógica transformada de acumulação de capital, com o neoliberalismo, uma doutrina política e ideológica. Nesse mesmo sentido, as abordagens conceituais sobre a digitalização da economia, uma transformação tecnológica contemporânea central, podem também dificultar a identificação da qualidade própria das finanças hoje.

Do muito que Marx elaborou, o traço mais distintivo é a acumulação de mais-valor. Lênin disse que o principal traço distintivo da fase imperialista do capitalismo, desde o fim do século XIX, eram os monopólios. E agora, sem prejuízo da centralidade do pensamento de Marx e de Lênin, o que dizer? Na arena das interpretações gerais, mais globais, não faltam exemplares na praça. A qualificação de capitalismo neoliberal é centrada na crítica à desregulação institucional e desestatização, na denúncia da voracidade do mercado. A noção de capitalismo especulativo parasitário reflete aspectos cruciais e verdadeiros, mas especulação e parasitismo são as entranhas da lógica e da vida do capital. A proposição do tecnofeudalismo parece ser uma fetichização dos monopólios tecnológicos.

Centralidade financeira

Em outro âmbito, a abordagem do tema do capital financeiro é também sobrecarregada de problemas, cuja fonte é a economia vulgar, como protestava Marx. A finança é embrulhada nas mais variadas visões e justificativas. É um campo minado de interesses do capital. Tem impacto apologético avassalador propagado pelos meios de comunicação de massas. A má-fé dos banqueiros, como dizia Marx, é uma cavalaria de assalto permanente sobre as mentes e os corações da população, através da mídia e dos governos.

A época atual, marcada pela centralidade financeira, enseja estímulos adicionais para a confusão e a falsidade das ideias acerca do dinheiro e do capital. Diante da maré montante de mistificação neoliberal, torna-se necessário aguçar a crítica e repisar a compreensão da economia monetária do capitalismo. Voltar ao básico, o qual, em vez de negado, está sendo reafirmado, sob transformações, pelo capitalismo financeirizado. E voltar à história. Neste sentido, Marx tem algo de fundamental a nos dizer neste século XXI.

As explicações de Marx sobre o capital portador de juros e o capital fictício estão concentradas na mencionada seção V. Cabe ressalvar, desde logo, que há uma inestimável contribuição de Friedrich Engels, responsável pela edição do livro III (também do livro II), 11 anos depois da morte de Marx, o qual tinha deixado esboços, como se sabe.

Engels lamentou: “A dificuldade principal se deu na seção V, que também trata do assunto mais intricado de todo o livro. (…) Não temos aqui, portanto, uma primeira versão acabada nem sequer um esquema cujos contornos se pudessem completar, mas apenas um começo de elaboração que, em mais de uma oportunidade, desemboca num amontoado caótico de notas, observações e materiais em forma de extratos”. Após três tentativas fracassadas de preencher lacunas e desenvolver fragmentos apenas indicados, Engels decidiu apenas “ordenar o máximo possível o material existente e fazer os acréscimos mais imprescindíveis”.

Apesar de todos os percalços, a mencionada seção V, com seus 16 capítulos, fornece o ponto de partida e algumas pistas tanto teóricas quanto metodológicas para a abordagem do capitalismo financeirizado dos nossos dias. Marx expõe e critica as falsas teorias monetárias, recorrendo às disputas entre os autores (muitos deles, banqueiros) do currency principle (escola das contrapartidas metálicas) quanto do banking principle (escola bancária). A elaboração de Marx, desde a Inglaterra, baseia-se tanto nos fatos econômicos, nas fases do ciclo industrial e nas crises, quanto na crítica ao discurso de banqueiros e economistas em depoimentos nas Comissões de Inquérito do Parlamento.

Na citada seção V, Marx discute as relações e a unidade entre as esferas da circulação e da produção. Esclarece os aspectos imanentes e os externos do processo de valorização no capitalismo. Faz, em referência às partes e ao todo, as distinções entre transações individuais e isoladas e as situações globais, coletivas, inclusive para os ganhos e perdas de valor. Esclarece a importância e as implicações das distintas formas de valor. Demonstra a evolução, as contradições e as tendências do sistema de crédito. Insiste sempre na análise centrada nas circunstâncias históricas, identificando etapas e fases.

Explica, considerando a aparência e a essência da realidade, o fetichismo do dinheiro e a natureza capitalista do modo de produção. Expõe, pela interação e desdobramento dos fenômenos, como o capital portador de juros impulsiona tanto a acumulação quanto a especulação e as crises. Elabora, dialeticamente, o conceito do capital fictício como ilusão e existência. Reafirma, com toda força, sem tergiversar: apenas o trabalho vivo cria valor e mais-valor.

A financeirização tornou a relação capitalista ainda mais exterior e mais fetichista, além do que Marx já se assombrava com a forma capital portador de juros. Em vez de relação social, o capital aparece ainda mais despudoramente como simples coisa. O conceito de capital fictício, especialmente, alcançou relevância extrema nas condições em que se configura o capital desde as duas últimas décadas do século XX.

Capital portador de juros

Se o dinheiro é convertido em capital portador de juros, ele passa a ser uma mercadoria especial, que é emprestada, em vez de vendida por um valor equivalente, ao capitalista em função. Essa mercadoria sui generis tem o valor de uso de permitir, como capital, a geração de lucro decorrente da mais-valia. Com o capital portador de juros, a forma dinheiro corresponde ao conteúdo de capital. Ele teve que ser desembolsado como capital em funcionamento na compra de meios de produção ou de mercadoria, respectivamente pelo capital industrial ou comercial. Pelas mãos do prestamista, não há metamorfose de mercadoria nem reprodução do capital.

Esses processos dependem do prestatário do capital portador de juros, ou seja, o capitalista em atividade comercial, em um caso, ou industrial, em outro. Quando passa a ser capital realizado, o dinheiro já rendeu mais-valor ao seu proprietário, porque houve apropriação de uma parte do lucro, a qual é batizada com o nome de juros. Contudo, Marx adverte de que o empréstimo pode “servir também para transações sem qualquer relação com o processo capitalista de reprodução”. É no sentido desta advertência que o capitalismo financeirizado do século XXI exacerbou a autonomia da finança em relação à reprodução do capital.

A forma externa e apartada do refluxo do capital, em face do processo efetivo de mediação no ciclo do capital, é a peculiaridade do capital portador de juros. Aparentemente, dinheiro multiplica dinheiro. Desconsidera-se a mediação, a unidade e o conjunto do movimento real e imanente do capital em seu ciclo completo D – M – D’. O capital portador de juros toma a forma de uma transação jurídica. Como um contrato, aparenta não ser determinado pelo processo de produção.

Assim, a mera forma do capital portador de juros, como D – D’, “é apenas a forma sem conceito do movimento efetivo do capital”. Essa forma do capital denuncia a natureza irracional em que consiste o capitalismo. A forma D – D’ é a “coisificação das relações de produção elevadas à máxima potência”, “mistificação capitalista em sua forma mais descarada”, “forma fetichista mais pura”, nas palavras de Marx.

Determinação do lucro e casualidade dos juros

A compreensão sobre o simples intercâmbio de mercadorias ordinárias não serve para a abordagem dessa mercadoria especial, a forma capital portador de juros. O que é o preço dessa mercadoria? Os juros são preço de quê? Para responder a isso, é preciso tratar das origens do lucro e dos juros e sua interação.

Marx aponta a irracionalidade, contradição e absurdo dos juros como preço do capital, como se vê na superfície e normalidade das transações de mercado. Uma determinada grandeza de capital portador de juros é uma mercadoria em certa magnitude, que tem seu valor e daí o seu preço de mercado. Mas, ao mesmo tempo, aqui no capital portador de juros, há um outro preço, de qualidade distinta, que se chama juros? Como? Por quê? Se é um outro preço, então não é expressão daquele valor do mesmo capital portador de juros. É como se houvesse duplicidade de valor e de preço. Na verdade, ao se impor, o valor de uso deste capital monetário tem esse segundo preço chamado de juros.

O lucro engendrado pelo valor de uso desse capital é repartido, de modo arbitrário e casual, entre ganho empresarial e juros. Aqui, não há qualquer lei econômica para regular essa distribuição, a não ser a concorrência entre os prestamistas e prestatários no mercado monetário. No âmbito dessa forma de transação jurídica, não existem taxa natural de juros, limites naturais de juros, subordinação a prazo de rotação efetiva do capital etc.

Mas a grandeza, o limite máximo e os possíveis cursos dos juros estão condicionados pelo lucro, determinados pela sua taxa geral, em vez de taxas de lucros de ramos específicos ou lucro extra de um capitalista. A taxa geral de lucro, por sua vez, depende da relação entre o mais-valor e o valor do capital total em razão da concorrência, mobilidade e magnitude dos capitais nos diferentes ramos e composições orgânicas.

Os juros não podem ter suas próprias leis gerais de determinação, porque são derivação do lucro médio, conforme o referido incessante movimento de equalização das taxas de lucro particulares. O capitalismo financeirizado do século XXI exacerba a casualidade dos juros, bem como preserva a tendência à taxa geral de lucro, a partir do mais-valor do capital total, conforme a teoria de Marx.

“Portanto, a taxa geral de lucro é determinada por causas totalmente diversas e muito mais complicadas do que a taxa de juros de mercado, que se deve direta e imediatamente à relação entre oferta e demanda (…)”. A graça disso tudo é que os financistas enxergam tangibilidade, inteligibilidade e racionalidade no assim chamado preço do dinheiro, apesar da volatilidade e bolhas, enquanto titubeiam, perplexos, diante do curso da taxa geral de lucro, uma matéria nebulosa aos seus olhos, como já notava Marx.

Condenação meramente moral

Capital portador de juros, como capital usurário, já era a forma, e os juros, já eram a sua subforma, antes do capitalismo. Capital de empréstimo e capital comercial fazem parte da história antediluviana do capital. Marx, para discutir sua época, sentiu necessidade de relembrar a origem antiga do capital dinheiro, bem como de sua condenação moral. As épocas e as formas e a natureza do comércio do dinheiro são muito diferentes na comparação entre os modos de produção.

Entretanto, sempre houve e há uma propensão muito fácil para a condenação meramente moral do negócio com o dinheiro, em face dos privilégios reais desse tipo de negociante. Na Idade Média, é bem conhecida a condenação da usura pela Igreja Católica. Martinho Lutero indignava-se: “Tal usura não haverá de devorar o mundo em poucos anos?”

Os imensos juros usurários arruinaram os donos de terra, ajudaram a expropriar os pequenos produtores – camponeses e artesãos – e levaram à forte concentração de capital monetário. Para Marx, no capitalismo, o sistema de crédito desenvolvido, por meio dos bancos, foi uma resposta, sem conotação moral, contra a usura. Constituiu-se a subordinação do capital portador de juros às exigências das condições do modo de produção capitalista. Já não havia espaço para a voracidade dos juros usurários sobre o mais-valor inteiro. A destinação do dinheiro era para o capitalista explorar o trabalho alheio na produção.

E hoje? A financeirização, correspondente à produção capitalista avançada, já pode expropriar quem já está expropriado, os assalariados. Para isso, criou-se um tipo novo de escravidão por dívida através dos cartões de crédito, das hipotecas, do crédito estudantil, do crédito para o consumo individual, inclusive alimentos etc. Marx reconhecia que a classe trabalhadora era extorquida escandalosamente, por exemplo nos empréstimos para suas casas, mas ele avaliava que essa era uma exploração secundária, ao lado da exploração original, localizada no processo de produção. A usura empobrecia, mas conservava o modo de produção pré-capitalista. A financeirização preserva o capitalismo ao acumular gigantescas massas de riqueza financeira para uma ínfima minoria, englobando, pelo mercado, a tudo e a todos em transações financeiras.

Capitalismo sem juros

Marx, em sua época, criticava a fundamentação equivocada de Proudhon sobre o empréstimo de dinheiro. Os juros eram sobrepostos ao valor da mercadoria, para além dos salários, julgava Proudhon. Ele não atinava para o conceito de preço de produção no processo de concorrência e transferência de valor em função da tendência de formação da taxa média de lucro entre os capitais diversos em composição orgânica, dentro de uma economia em que já existia normalmente o capital portador de juros. Para ele, tratava-se de um acréscimo postiço dos juros. Ele pensava que isso que interditava o acesso dos operários aos frutos do seu trabalho. Era desse modo, ele supunha, que o preço da mercadoria ultrapassava a grandeza dos salários.

Proudhon não percebia que os juros já eram derivação do lucro, decorrente do mais-valor criado pelos trabalhadores na produção das mercadorias. Esse capital de empréstimo já participava do adiantamento para a compra de capital produtivo no processo de reprodução. Proudhon não compreendia o lugar dos salários na forma valor da mercadoria. Ademais, sem entender a forma do capital portador de juros, Proudhon protestava porque o capital emprestado retornava ao seu proprietário e, ainda para piorar, refluía acrescido de juros. Em sua comparação com o comércio de mercadorias, ele não percebia que, no caso do capital portador de juros, o prestamista faz a cessão (temporária) de uma soma de valor, sem a contrapartida do recebimento de seu equivalente, explicou Marx.

Capitalismo sem juros? Produção de mercadorias, mas com crédito gratuito, como queria Proudhon? Capitalismo maduro hoje, sem financeirização? Essa polêmica de Marx com Proudhon ensina muito sobre os desejos piedosos neste século XXI por um tipo de regulação da finança que conduza ao projeto ilusório de um capitalismo humanizado e produtivo.

*Renildo Souza é professor de economia e de relações internacionais na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Autor, entre outros livros, de A China de Mao e Xi Jinping (Editora da UFBA).

 

Prosperidade e pobreza

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Nesta semana foi divulgado os nomes dos laureados com o Prêmio Nobel de Economia, Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson receberam o prêmio “por seus estudos sobre a formação das instituições e sobre como elas afetam a prosperidade”. Os dois primeiros ganhadores da láurea são professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. James Robinson é professor da Universidade de Chicago, também nos Estados Unidos.

Neste espaço, gostaria de comentar o livro “Porque as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza”, escrito pelos economistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que investigou profundamente as causas da prosperidade e da pobreza entre diferentes países, centrada na importância das instituições políticas e econômicas.

O conceito central do livro de Daron Acemoglu e Simon Johnson é a distinção entre instituições inclusivas e extrativas, onde as primeiras são aquelas que promovem a participação ampla dos cidadãos na economia e na política, com ampla garantia de direitos de propriedade, justiça e oportunidades econômicas. Com isso, cria-se incentivos para inovação, educação, empreendedorismo e o desenvolvimento econômico. Já as instituições extrativas concentram o poder político e os benefícios econômicos em uma elite, explorando a maioria da população e inibindo o crescimento econômico de longo prazo.

Uma vez que um país é dominado por instituições extrativas, como exemplo, os autores analisam a América Latina, é difícil romper esse ciclo. As elites políticas e econômicas têm pouco incentivo para mudar as regras que lhes permitem manter o controle, garantindo grandes retornos econômicos e financeiros, o que perpetua a desigualdade e a pobreza. Neste cenário, as revoluções políticas ou grandes crises às vezes podem proporcionar novas oportunidades de reformas que criam instituições mais inclusivas. No entanto, essas mudanças não são garantidas e dependem de forças políticas específicas que sejam capazes de redistribuir o poder.

As instituições políticas são o alicerce das instituições econômicas. Para que uma economia floresça, é necessário que as instituições políticas garantam distribuição de poder e representatividade. Quando o poder está concentrado nas mãos de poucos, como regimes autoritários, ditaduras ou sistemas oligárquicos, as instituições econômicas tendem a ser extrativas, impedindo o desenvolvimento econômico, perpetuando uma situação de degradação social, desigualdades crescentes e o incremento da desesperança.

Para construir suas hipóteses, os autores da obra fizeram uma grande reflexão histórica, pesquisando várias regiões, analisando modelos de desenvolvimento econômico entre a Coréia do Sul e a Coréia do Norte, além de um mergulho numa comparação crítica entre os Estados Unidos e a América Latina, desta forma demonstraram como as instituições moldaram o sucesso ou o fracasso das nações, enriquecendo países ou perpetuando as desigualdades.

Outro assunto muito discutido na obra está relacionado as questões geográficas e culturais das nações, vistas como insuficientes para o desenvolvimento econômico, ou seja, os países que possuem boa geografia e cultura consistente podem auxiliar, mas não leva uma nação ao desenvolvimento econômico, para isso, faz-se necessário a construção de instituições sólidas e consistentes. Quem sabe está na hora da elite nacional ler obras como essa e compreender a importância de instituições sólidas e consistentes para alcançarmos o desenvolvimento econômico.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

 

 

 

 

 

 

Dominação e desigualdade, por Fernando Rugitsky

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 Fernando Rugitsky – A terra é Redonda – Introdução à reedição do livro de Paul Singer 16/10/2024

Paul Paul Singer, a desigualdade e o subproletariado

O livro Dominação e desigualdade tem lugar de honra entre os clássicos do pensamento crítico brasileiro. Publicado originalmente em 1981, é um dos grandes marcos da revisão crítica do desenvolvimentismo deflagrada pela ruptura histórica de 1964. Ao mesmo tempo, o livro inaugurou uma tradição de interpretação que ainda pode dar muitos frutos. Combinando uma meticulosa análise crítica das estatísticas socioeconômicas brasileiras com um esforço de renovar a interpretação marxista sobre as transformações do capitalismo no Brasil, Paul Singer produziu uma obra que merece ser amplamente lida e discutida. A presente reedição vem, assim, a calhar.

Para situar Dominação e desigualdade convém recuar um pouco no tempo e reconstituir, ainda que brevemente, o que estava em jogo quando Paul Singer foi convidado, em meados dos anos 1970, a contribuir com um capítulo para a célebre coletânea A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento, organizada por Ricardo Tolipan e Arthur Carlos Tinelli. O capítulo lançou o autor em um percurso intelectual que o ocuparia por mais de uma década e resultaria em dois livros, reunidos na presente edição: Dominação e desigualdade, já mencionado, e Repartição de renda, publicado pela primeira vez em 1985.

Assim, estão reunidas aqui algumas das respostas de Paul Singer aos desafios ao pensamento crítico nacional colocados pela década de 1970: compreender a derrota de 1964 e a o “milagre econômico” que o sucedeu. Respostas que ainda podem, quase meio século depois, nos guiar no enfrentamento de novos problemas e velhos dilemas.

A controvérsia sobre a distribuição de renda

Na década de 1950, o desenvolvimento econômico consolidou-se como uma das subdisciplinas do campo da economia.2 Os debates na época, oscilando entre conceitos abstratos e análises detalhadas de experiências concretas, foram marcados por uma difusa confiança de que a superação do subdesenvolvimento estava no horizonte. O entusiasmo que permeava o campo era baseado na “ideia implícita de que [a subdisciplina] poderia matar virtualmente sozinha o dragão do atraso”.

A América Latina foi, sem dúvida, uma das regiões que assumiu protagonismo nessas discussões. As teorias formuladas na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) ocupavam lugar de destaque no debate.4 Mesmo economistas do desenvolvimento de fora da região faziam questão de visitá-la para apresentar suas ideias e discutir com seus pares latino-americanos.

Nesse período, a fronteira entre o debate acadêmico e a formulação das políticas econômicas era pouco definida e as teorias eram transformadas pelos governos em projetos de país. No Brasil, caso exemplar de um fenômeno mais geral, o principal economista do desenvolvimento, Celso Furtado, egresso da Cepal, foi convocado para contribuir com o plano de desenvolvimento do governo Juscelino Kubitschek e, alguns anos depois, foi alçado à posição de Ministro do Planejamento no governo João Goulart. A transformação econômica acelerada, estimulada pelo governo, era acompanhada da urbanização vertiginosa da sociedade, ebulição cultural e organização crescente das classes trabalhadoras, no campo e nas cidades.

Contudo, em abril de 1964, o golpe civil-militar representou uma inflexão, desconectando o avanço da acumulação capitalista no Brasil dos sonhos modernos dos desenvolvimentistas. Não se podia mais identificar o crescimento econômico acelerado com a superação do subdesenvolvimento. Nesse sentido, Maria da Conceição Tavares e José Serra afirmaram em 1970 que “enquanto o capitalismo brasileiro desenvolve-se de maneira satisfatória, a nação, a maioria da população, permanece em condições de grande privação econômica”. O próprio Furtado formularia um argumento similar: “taxas mais elevadas de crescimento, longe de reduzir o subdesenvolvimento, tendem a agravá-lo, uma vez que ensejam desigualdades sociais crescentes”.

O golpe no Brasil foi parte de uma série de golpes militares que instauraram ditaduras violentas na América Latina, desde o início dos anos 1960 até meados dos anos 1970, em geral com apoio dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria. Hirschman argumenta que tais “desastres políticos” marcaram o início do declínio do pensamento sobre desenvolvimento econômico que passaria, a partir de então, por um intenso processo de autorreflexão. “Ganhou-se em maturidade o que se perdeu em entusiasmo.”

Um dos principais debates que mobilizou os economistas brasileiros durante esse período tratou da questão da desigualdade. Com a publicação dos dados do Censo de 1970, Rodolfo Hoffmann e João Carlos Duarte mostraram que, entre 1960 e 1970, a desigualdade havia aumentado no Brasil. A pujança então em curso, do tal “milagre econômico”, estava sendo distribuída de forma muito desigual. O argumento poderia ter passado despercebido se não fosse pela publicação pelo economista norte-americano Albert Fishlow, no mesmo ano, de estimativa similar que chamou a atenção de Robert McNamara, então presidente do Banco Mundial.

Em um discurso na UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), em 1972, McNamara destacou o caso brasileiro como motivo de preocupação e mencionou os dados de Fishlow: “[e]m termos de pnb [produto nacional bruto], o país foi bem. Os muito ricos foram muito bem. Mas, ao longo da década, os 40 por cento mais pobres beneficiaram-se apenas marginalmente.”

O governo brasileiro, em especial os economistas palacianos (Antônio Delfim Netto, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen), reagiram prontamente, denunciando o que se apressaram em qualificar como fragilidade dos dados e espúrias motivações por trás das estimativas. Seu incômodo era evidente, e as razões por trás dele, também. O caso brasileiro ocupava as páginas das revistas econômicas internacionais, em um debate que realçava a natureza política das decisões econômicas. Segundo Fishlow, o aumento da desigualdade “indicava precisamente as prioridades [do governo Castello Branco]: a destruição do proletariado urbano enquanto ameaça política e o restabelecimento de uma ordem econômica orientada para a acumulação privada de capital.”

Como resposta, o então Ministro da Fazendo, Delfim Netto, encomendou oficialmente um estudo sobre o assunto a ser realizado por Carlos Langoni, egresso da Universidade de Chicago. Assessorado por funcionários do governo federal, Carlos Langoni publicou em 1973 o livro Distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil. Por trás de um aparato estatístico elaborado e uma profusão de tabelas, o livro buscou interpretar o aumento da desigualdade recorrendo à teoria neoclássica do capital humano.

A mensagem principal servia aos interesses do governo: “Numa economia como a brasileira, com altas taxas de crescimento, principalmente no setor industrial, é razoável antecipar-se a existência de desequilíbrios no mercado de trabalho, pois a expansão da demanda tende a beneficiar justamente as categorias mais qualificadas cuja oferta é relativamente mais inelástica a médio prazo. Assim é natural encontrar-se várias categorias profissionais percebendo salários acima do valor de sua produtividade marginal. Nesse sentido pode-se dizer que o grau de desigualdade da distribuição atual é maior do que o grau esperado a longo prazo, quando será possível eliminar-se esses ganhos extras através da expansão apropriada da oferta”.

O aumento da desigualdade seria assim “razoável” e “natural”, um efeito incontornável do crescimento acelerado, ao invés de um resultado das políticas adotadas. Seria, ainda, transitório, uma vez que o próprio mercado cuidaria de corrigi-lo no “longo prazo”. Carlos Langoni deu um passo a mais e colocou em questão a própria relação de causalidade entre distribuição de renda e bem-estar, sugerindo que talvez o objetivo principal deveria ser a eliminação da pobreza, sem que fosse necessário tratar de reduzir a desigualdade.

A resposta não tardou. O trabalho de Langoni foi objeto de análise minuciosa acompanhada de crítica contundente por parte de inúmeros economistas brasileiros. Uma das primeiras reações apareceu em uma resenha do livro escrita por Pedro Malan e John Wells, ainda em 1973. No mesmo ano, o primeiro encontro da Anpec (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Economia) incluiu uma sessão sobre distribuição de renda, em que foram apresentados outros textos críticos ao trabalho de Langoni. O esforço de responder à defesa “oficial” do regime uniria Edmar Bacha, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, além de Fishlow, Hoffmann, Duarte, Malan, Wells e Paul Singer.

O debate foi travado em diversas frentes. Alguns, como Wells, buscaram utilizar dados anuais para argumentar que o aumento da desigualdade teria ocorrido sobretudo nos anos de ajuste contracionista, isto é, entre 1964 e 1966, e não no período de crescimento, de modo que o mecanismo sugerido por Langoni não seria plausível. Outros priorizaram criticar a própria base teórica adotada por Langoni, a teoria do capital humano. Houve ainda tentativas de reforçar as evidências que conectavam o aumento da desigualdade às políticas de repressão salarial e à redução do salário-mínimo.

O debate promoveu um florescimento de arcabouços conceituais e esforços empíricos que resultaram em uma leitura complexa e abrangente das transformações em curso no capitalismo brasileiro e suas repercussões sobre a distribuição de renda. Foi sem dúvida um dos pontos altos da história do debate econômico nacional. O livro organizado por Tolipan e Tinelli, que reuniria em 1975 os economistas citados acima, incluindo Paul Singer, ainda é um marco.

Entra Paul Singer

A crítica direta de Paul Singer a Langoni conta com dois elementos principais: (i) o argumento de que a teoria marginalista da repartição de renda, adotada por Carlos Langoni, é baseada em um pressuposto falso segundo o qual é possível identificar produtividades marginais individuais e (ii) o questionamento do significado da correlação entre nível de renda e grau de escolaridade (evidência principal utilizada por Carlos Langoni para sustentar sua interpretação). Em relação ao primeiro ponto, Paul Singer argumentou que a renda apropriada pelos distintos grupos sociais não é um mero resultado das características técnicas do processo produtivo, mas é influenciada por determinantes políticos e sociais. Em contraste, a teoria marginalista (que permanece dominante no pensamento econômico nos dias atuais) assume que as remunerações são determinadas pelas produtividades marginais dos diferentes fatores de produção, o que “[se] baseia, por sua vez, na suposição da infinita divisibilidade dos fatores de produção, ou seja, que é possível determinar a produtividade na margem de cada indivíduo que trabalha na empresa. Ora, essa suposição é falsa. A divisão do trabalho em qualquer empresa moderna acarreta uma estreita interdependência de todos os integrantes de amplas equipes de produção. Não tem sentido, portanto, considerar a produtividade de um engenheiro ou de um operário isoladamente. A produtividade do engenheiro é nula se ele não puder contar com a colaboração de outros especialistas e de numerosos operários”.

Trata-se, é verdade, de um debate recorrente, opondo defensores e críticos dos níveis observados de desigualdade em diferentes sociedades e em diferentes períodos. Mais recentemente, o economista francês Thomas Piketty utilizou-se de um argumento análogo ao de Paul Singer para rejeitar a visão segundo a qual a explosão observada nas últimas décadas dos salários dos executivos das grandes corporações deveu-se ao extraordinário crescimento de sua produtividade.

Voltando ao caso brasileiro, Paul Singer complementa a crítica à teoria marginalista da repartição com uma interpretação alternativa à principal evidência utilizada por Carlos Langoni. Segundo ele, “a correlação entre escolaridade e renda não indica uma simples relação de causa e efeito”, mas, “[n]a verdade, a pirâmide educacional reflete, com poucas distorções, a pirâmide de estratificação social e econômica.” Ao contrário do que argumentava Carlos Langoni, a crescente disparidade de salários entre trabalhadores com diferentes graus de escolaridade não era um resultado inevitável de desequilíbrios temporários entre a oferta e a demanda por trabalhadores com diferentes níveis de qualificação.

Na realidade, tratava-se de uma disparidade instituída politicamente, uma vez que as remunerações observadas não seguiam critérios “econômicos”, mas resultavam das políticas governamentais (em especial, a determinação do salário-mínimo e as regras de reajustamento salarial) e suas repercussões na estrutura social brasileira.

Restava, então, investigar essa estrutura e sua transformação desde os anos 1960. Como revela Paul Singer no prefácio de Dominação e desigualdade, aqui estaria sua principal contribuição à controvérsia sobre a desigualdade: “Como já não tinha sentido meramente reafirmar as denúncias da política do regime, propus-me então desenvolver uma interpretação histórica da repartição da renda no Brasil, procurando mostrar como as transformações estruturais, ocasionadas pelo processo de desenvolvimento, produziam mudanças na repartição da renda. Essa postura metodológica obrigava-me, obviamente, a encarar a questão das classes sociais”.

A controvérsia sobre a desigualdade convergia, dessa maneira, com outro desenvolvimento intelectual em curso no Brasil, também crucial para a revisão crítica do desenvolvimentismo: a reinterpretação do nosso percurso histórico com base em uma leitura crítica do marxismo. O aparato crítico herdado de Marx oferecia instrumentos para examinar as ilusões do desenvolvimentismo e interpretar a derrota havida em 1964. Ao eleger a estrutura de classes como foco da sua investigação, Paul Singer mobilizou a retomada em curso do pensamento marxista para intervir no debate em torno do livro de Carlos Langoni.

Junto com José Arthur Giannotti, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso e Fernando Novais, Paul Singer havia feito parte do núcleo original de intelectuais que decidiram se debruçar de modo crítico e interdisciplinar sobre O capital, nos célebres seminários realizados na Universidade de São Paulo (USP), que duraram do final dos anos 1950 até meados dos anos 1960. Tendo tomado contato com a obra de Marx ainda na juventude, quando era operário e dirigente sindical, Paul Singer retomou a leitura do pensador alemão já na sua trajetória acadêmica, combinando múltiplas experiências que lhe permitiram assumir um papel não apenas central como único nos debates intelectuais que se seguiram ao golpe de 1964.

A minifundiarização e o subproletariado

Na ocasião, um dos alvos da retomada do marxismo na periferia era examinar a natureza do processo de proletarização e das transformações das relações sociais de produção no Sul Global. Buscava-se aprofundar o diagnóstico da transição que o desenvolvimentismo descrevia como uma mera realocação da força de trabalho, do setor de subsistência para o setor capitalista, trazendo à tona suas implicações para a acumulação de capital e para o conflito de classes. Em outras palavras, críticos marxistas repensavam o dualismo difundido principalmente pelos trabalhos do economista caribenho Arthur Lewis.

No caso brasileiro, a formulação de Franscisco de Oliveira, em Crítica à razão dualista, sem dúvida trouxe para o primeiro plano a discussão sobre a especificidade do capitalismo periférico e a natureza da acumulação primitiva no Brasil, oferecendo uma série de hipóteses instigantes. Mas foi Paul Singer, em Dominação e desigualdade, quem propôs a análise mais sistemática e de fôlego do processo de proletarização brasileiro.

O livro contém uma investigação inédita da estrutura de classes brasileira e de sua transformação em meados do século XX, com base em um exame rigoroso de uma série de fontes estatísticas, em especial os Censos, os Censos Agropecuários e as Pesquisas Nacionais por Amostras de Domicílio (PNAD). Paul Singer nos traz um diagnóstico sofisticado da especificidade da experiência histórica brasileira, e situa com enorme precisão os contornos estruturais dos conflitos de classe.

No debate clássico sobre a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa, a chave para a compreensão do processo de proletarização foi encontrada na transformação da agricultura. Para desvendar o caso brasileiro, Paul Singer opta pela mesma estratégia Afinal, mais da metade da população econômica ativa (PEA) brasileira estava ocupada nas atividades agrícolas até ao menos 1970. 26 Desde os anos 1930, com a crise da produção agrícola voltada à exportação (especialmente a cafeicultura) e a aceleração da urbanização e da industrialização, a demanda por alimentos e outros produtos agrícolas nos centros urbanos brasileiros aumenta substancialmente.

Esse aumento, por sua vez, resulta em uma expansão da agricultura comercial voltada ao mercado interno. No entanto, essa parte da produção agrícola ainda se sustenta, em larga medida, em trabalho familiar, e não em trabalho assalariado.

A situação mudaria apenas na segunda metade da década de 1950, quando, segundo Paul Singer, “a expansão do capitalismo, acelerada pelo influxo de capital estrangeiro, ultrapassa o limite das atividades urbanas e começa a penetrar na agricultura”. Ainda que a maior parte da expansão da força de trabalho no campo, entre 1950 e 1960, tenha ficado à margem das relações sociais capitalistas, o número de trabalhadores assalariados nas atividades agrícolas cresce, de cerca de 5 para 5,8 milhões de pessoas. Contudo, a despeito desse crescimento absoluto, os empregados agrícolas representam uma parcela em declínio da força de trabalho total.

Entre 1960 e 1970, no entanto, observa-se uma notável inflexão: o número de assalariados nas atividades agrícolas cai para menos de 3,5 milhões (pouco mais de dez por cento da PEA), ao mesmo tempo que há um aumento do número de pessoas ocupadas na agricultura. O percentual de trabalhadores assalariados na força de trabalho rural brasileira é reduzido quase à metade em dez anos, de 37% para 20%. A penetração do capitalismo na agricultura não generaliza o assalariamento, mas sim o campesinato.

O paradoxo é apenas aparente, contudo. Assim como ocorrera em tantas outras experiências anteriores de avanço do capitalismo sobre o campo, o capital repeliu o trabalho com uma intensidade muito maior do que o atraiu. Ao longo dos anos 1960, a agricultura capitalista expandiu seu domínio sobre a produção agrícola brasileira, recorrendo a intensa mecanização e expulsando a força de trabalho. As páginas dedicadas por Paul Singer à análise do papel crescente desempenhado pelos tratores são especialmente interessantes.

O resultado foi um processo intenso de minifundiarização. Entre 1960 e 1970, a população ocupada nos menores estabelecimentos rurais (com até 10 hectares) aumentou vertiginosamente. Sua participação na PEA agrícola total saltou de 31% para 41%. Ademais, esse enorme contingente populacional não apenas se via aprisionado em áreas de dimensão reduzida, mas também havia sido deslocado para regiões mais distantes dos mercados urbanos pela concentração das terras sob domínio da agricultura capitalista. Sua capacidade de garantir a própria subsistência era cada vez mais limitada.

A minifundiarização foi decisiva para criar as bases da proletarização em grande escala, ao constituir um enorme “exército agrícola de reserva” disponível para o capital: “a grande maioria dos trabalhadores agrícolas vive em tal pobreza que, em relação ao capital, ela forma uma única classe de expropriados, cuja força de trabalho está disponível para ser adquirida pelo custo mínimo legal e socialmente estabelecido”.

A minifundiarização não apenas reserva um estoque de mão de obra potencial como também, ao pressionar as condições de subsistência da população minifundiária, acelera o êxodo rural. Em outra passagem, Paul Singer refere-se à “‘urbanização’ forçada dos trabalhadores agrícolas” para descrever esse processo. Na década de 1960, observou-se ao mesmo tempo o crescimento da população ocupada nos minifúndios e a redução da população rural, de 55% para 44,1%.

Acentuando a especificidade do caso brasileiro, Paul Singer notou que esse vasto exército industrial de reserva tornou dispensável “uma fase de acumulação primitiva”, no sentido de que o acesso à terra era limitado já há muito tempo no Brasil. Ou seja, o período decisivo para a proletarização não foi marcado predominantemente por expropriação de terras, como no caso clássico inglês, mas pela acentuação do desequilíbrio estrutural entre os restritos meios de produção à disposição dos produtores e os requisitos de subsistência.

A minifundiarização consistiu no pressuposto da proletarização por ter sido indissociável da formação de uma enorme superpopulação relativa, tomando emprestado a expressão de Marx. No mapeamento da estrutura de classes brasileira (tanto a urbana quanto a rural), Paul Singer optou por dividir as classes trabalhadoras em dois grupos, o proletariado e o subproletariado. O segundo grupo, que o autor vinculou explicitamente ao conceito de exército de reserva, é composto por aqueles “que de fato ou potencialmente oferecem sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais”.

A partir da interpretação histórica das transformações das relações sociais de produção, Paul Singer ofereceu uma explicação original para o fenômeno que vinha desafiando os observadores do desenvolvimento periférico: a urbanização acelerada sem a contrapartida da criação de empregos urbanos, com a resultante “marginalização em massa” dos subproletários: “[a] origem desse subproletariado se liga à dissolução, pelo capitalismo, de partes da economia de subsistência, sem que a acumulação de capital gere uma demanda por força de trabalho suficiente para absorver – nas condições normais – a mão de obra assim liberada”.

Leitor atento de O capital, Paul Singer sabia que o processo clássico de proletarização na Europa tampouco foi capaz de absorver a população expulsa do campo.42 Seria, então, o caso de dizer que o Brasil repetia, com mais de um século de atraso, os passos trilhados por outros países? Não haveria, então, algo específico ao capitalismo periférico?

Paul Singer enfrentou essas questões de forma explícita, ressaltando duas diferenças entre o desenvolvimento brasileiro e o caso clássico europeu:

(i) tendo-se iniciado muito mais tarde, o nosso processo de desenvolvimento é contemporâneo de economias capitalistas maduras, que nele intervêm pesadamente, dando-lhe características próprias; (ii) dada a grande extensão territorial do país, o excedente de população criado pela expansão capitalista, em vez de ser exportado (como ocorreu na Europa do século XIX), tende a reproduzir, no interior do país, as formas pré-capitalistas que estão sendo aniquiladas nos centros mais dinâmicos da economia.43

O primeiro ponto sem dúvida merece análise que não cabe nessas linhas, mas aqui quero destacar que a segunda diferença apontada é um dos achados críticos decisivos de Dominação e desigualdade. Ao interpretar a origem do subproletariado brasileiro e quantificá-lo, Paul Singer ofereceu uma das principais pistas para entender as especificidades dos conflitos de classe no Brasil.

E aqui retomo meu ponto de partida: quais lições Dominação e desigualdade ofereceu para a controvérsia sobre a desigualdade?

Ao jogar luz sobre a imbricação entre a minifundiarização e a frmação de um enorme subproletariado, em especial ao longo da década de 1960, Paul Singer explicitou como os mecanismos que reproduziam a concentração de renda e levavam a um aumento da desigualdade poderiam ser identificados na estrutura de classes brasileira e na dinâmica de transformação das relações sociais de produção. Em outras palavras, o crescimento excludente do milagre econômico, marcado por taxas extraordinariamente altas de crescimento do pib e por estagnação salarial, não teria sido possível sem a formação prévia da enorme superpopulação relativa. O braço violento das políticas repressoras do governo militar combinava-se assim com o também violento processo de minifundiarização, e de urbanização forçada das populações rurais, engendrado pelo capital em expansão.

Ao incorporar dados posteriores, Paul Singer mostrou ainda que era possível identificar a partir desse momento ciclos de absorção e reconstituição do exército industrial de reserva no Brasil, ainda que com características específicas e temporalidade própria. Valeu-se do capítulo de Marx sobre a “lei geral da acumulação capitalista” para elucidar, em certa medida, os ciclos distributivos brasileiros.

Concretamente, a expansão acelerada ocorrida durante o milagre econômico, a despeito das políticas de repressão salarial, levou a uma notável redução do subproletariado com correspondente crescimento do proletariado e da pequena burguesia. Certas teorias do desenvolvimento, enredadas em seus esquemas lineares, poderiam identificar em tal transição um passo na superação do subdesenvolvimento.

Mas Paul Singer não perdia de vista a natureza cíclica da dinâmica capitalista. Como ele nota, em A formação da classe operária, “[e]ntre 1980 e 1983, a produção caiu no campo e nas cidades, o desemprego se agigantou e parcelas significativas tanto da pequena burguesia quanto do proletariado foram lançadas no subproletariado”. Lançadas de volta às fileiras do subproletariado, ouso acrescentar.

Retomar o fio da meada

Há muito mais nas páginas a seguir do que pode sugerir esse breve sobrevoo. Mas o exame dos argumentos mencionados permite que se apontem alguns preciosos legados das investigações de Paul Singer sobre a estrutura de classes brasileira. O debate sobre a distribuição de renda no Brasil, que ofereceu o impulso inicial para os trabalhos de Paul Singer reunidos nesta edição, foi retomado no Brasil em meados dos anos 2000. Buscou-se, nos esforços recentes, compreender a queda então em curso na desigualdade salarial. No entanto, a ambição teórica da controvérsia dos anos 1970 foi, em grande medida, deixada de lado e substituída por métodos estatísticos sofisticados. O que se ganhou em precisão, contudo, foi perdido em capacidade interpretativa.

A maior parte dos esforços recentes para estudar a trajetória da desigualdade resigna-se a descrever o movimento, sem ousar interpretá-lo. Ricardo Paes de Barros, que além de ser protagonista do debate econômico brasileiro sobre desigualdade ocupou cargos de alto escalão no governo federal no período do lulismo, “declarou ter encontrado o método que buscava para analisar com rigor a desigualdade brasileira ao se deparar, já na segunda metade dos anos 1980, com o livro que Carlos Langoni publicara em 1973”.

A retomada da perspectiva adotada por Carlos Langoni é, na realidade, um fenômeno mais geral, isto é, não apenas restrito ao debate brasileiro. Segundo argumenta Pedro Ferreira de Souza, nas décadas que se seguiram à controvérsia dos anos 1970, “a abordagem de Carlos Langoni tornou-se dominante” no Brasil e em outros países.47 É preciso, porém, que recuperemos a potência e a percuciência de seus críticos para compreender por que a redução recente da desigualdade salarial acentuou conflitos políticos e dinâmicas estruturais que acabaram levando à sua reversão.

Retomar apenas um lado da controvérsia dos anos 1970 tornou o debate recente deficiente e incompleto, na medida em que se furtou em pautar de forma explícita os limites da queda da desigualdade salarial. Como aprendemos com Paul Singer e seus contemporâneos, tais limites não são dados pela própria trajetória da desigualdade, mas por sua conexão com a dinâmica estrutural da economia e as mudanças da estrutura de classes, temas que precisam urgentemente retomar centralidade.

Os poucos trabalhos que se debruçaram sobre as relações entre a dinâmica estrutural da economia e a distribuição de renda trazem uma constatação inconveniente: a redução das desigualdades se alimentou da regressão da estrutura produtiva, aumentando a vulnerabilidade externa da economia brasileira e criando barreiras ao seu prosseguimento..

A perspectiva sugerida por Paul Singer em Dominação e desigualdade é mais frutífera para elucidar a trajetória recente da distribuição de renda no Brasil. Isso porque as crises econômica, política e social que se combinaram de forma devastadora no Brasil, a partir de 2014, têm sua origem no agravamento dos conflitos de classe. Lembremo-nos de que foram detonadas antes que a vulnerabilidade externa freasse a economia brasileira e, portanto, não podem ser creditadas a restrições de balanço de pagamentos. Mas qual é o vínculo entre a redução das desigualdades e o agravamento dos conflitos de classe? A resposta passa pela retomada do estudo do subproletariado brasileiro, inaugurado por Paul Singer.

Esforços recentes de mapear a estrutura de classes brasileira, quando interpretados à luz dos conceitos de Paul Singer, sugerem que o período do lulismo foi caracterizado por um novo processo de ampliação do proletariado com correspondente redução do subproletariado. Ou, para usar os termos de Marx, de absorção do exército industrial de reserva. A despeito da inclinação conciliatória dos governos Lula, que justamente implantaram um programa focado no subproletariado, evitando o confronto com o capital, as classes antagônicas reorganizaram-se para disputar os contornos da exploração.

A razão de fundo é que as políticas lulistas, combinadas à bonança externa na forma do boom de commodities, reduziram substancialmente a superpopulação relativa, pressionando – à revelia do governo – as condições estruturais para a reprodução ampliada do capital.

Tais tensões de fundo vêm à tona nos anos 2010 com uma onda grevista que não se via desde a emergência do novo sindicalismo no final dos anos 1970. Não é coincidência que a onda anterior também tenha ocorrido após um ciclo de redução da superpopulação relativa. No período recente, ocorreu também um expressivo achatamento cíclico dos lucros, associado à agitação sindical. Esses dois elementos, combinados, contribuem para explicar o acirramento da luta de classes visível no período, que desembocou em uma violenta regressão política e econômica.

Não será fácil para a sociedade brasileira recuperar-se do retrocesso ocorrido. Mas seria ainda mais difícil se não dispusesse de instrumentos que lhe permitissem compreender o que se passou. Uma parte importante desses instrumentos, teóricos e empíricos, foram forjados por Paul Singer nos debates dos anos 1970, nos textos que podem ser lidos nas páginas de seus dois livros que acabaram de ser republicados conjuntamente, Dominação e desigualdade e Repartição de renda. Cabe à geração atual apropriar-se deles e levar adiante o legado de seu autor.

*Fernando Rugitsky é professor de economia na University of the West of England, em Bristol, e co-diretor do Bristol Research in Economics.

Referência

Paul Singer. Dominação e desigualdade. Estudos sobre a desigualdade da Renda. Organização: André Singer, Helena Singer e Suzana Singer. São Paulo, Unesp/Fundação Perseu Abramo, 2024, 304 págs.

O prêmio Nobel de economia, por Michael Roberts

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Michael Roberts – A Terra é Redonda – 16/10/2024

É preciso dizer que as teorias que avançam para a “recuperação do atraso” são vagas e, como tais, pouco convincentes

Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson receberam, agora em 2024, o prêmio Nobel (que, na verdade, é o prêmio Riksbank) de Economia “por seus estudos sobre a formação das instituições e sobre como elas afetam a prosperidade”. Daron Acemoglu e Simon Johnson são professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. James Robinson é professor da Universidade de Chicago, também nos Estados Unidos.

Eis o que os árbitros do Nobel dizem sobre o motivo da premiação: “Hoje, 20% dos países considerados mais ricos são cerca de 30 vezes mais ricos do que os 20% tomados como os mais pobres. As disparidades de renda entre os países têm sido fortemente persistentes nos últimos 75 anos. Os dados disponíveis também mostram que as disparidades de renda entre os países cresceram nos últimos 200 anos. Por que as diferenças de renda entre os países são tão grandes e por que elas são tão persistentes?”

“Os laureados deste ano foram pioneiros em uma nova abordagem que se mostrou capaz de fornecer respostas quantitativas e confiáveis para essa questão, que é obviamente importante para a humanidade. Eles examinaram empiricamente o impacto e a persistência das estratégias de desenvolvimento econômico adotadas por muitos países de baixa renda após a libertação do colonialismo. Verificaram, desse modo, que muitos deles criaram ambientes institucionais que classificaram de extrativistas. A ênfase no uso de dados históricos para apreender os experimentos institucionais, deu início a uma nova tradição de pesquisa que continua a ajudar a descobrir os impulsionadores históricos da prosperidade – ou de sua falta”.

“As pesquisas desses economistas se concentram na ideia de que as instituições políticas moldam de modo fundamental as condições que permitem a geração da riqueza das nações. Mas o que molda essas instituições? Empregando o saber existente no campo da ciência política sobre a reforma democrática, largamente baseado na teoria dos jogos, Acemoglu e Robinson desenvolveram um modelo dinâmico no qual a elite dominante toma decisões estratégicas sobre instituições políticas – particularmente sobre os processos eleitorais – em resposta às ameaças emergentes periodicamente. Essa estrutura teórica agora é padrão para analisar a reforma institucional política. E ela tem impactado significativamente no desenvolvimento da pesquisa nesse campo. Ora, as evidências estão aumentando em apoio a uma das principais implicações do modelo: governos mais inclusivos promovem o desenvolvimento econômico”.

Ora, o que eu mesmo descobri examinando os ganhadores anteriores é que o vencedor ou a vencedora (mais raramente) – qualquer que seja a qualidade de seu trabalho – recebeu o prêmio não pelo melhor, mas geralmente pela pior parte de sua pesquisa. Eis que os trabalhos ganhadores sempre confirmavam a visão dominante sobre o mundo econômico atualmente existente, mesmo se não ia muito longe na compreensão das suas contradições inerentes.

Acho que essa conclusão se aplica aos últimos vencedores acima referidos. O trabalho pelo qual eles receberam o prêmio de um milhão de dólares consiste em pesquisas cujo sentido foi mostrar que os países que alcançaram a prosperidade e acabaram com a pobreza são aqueles que adotaram a “democracia”. Por democracia, entenda-se a democracia liberal de estilo ocidental, onde as pessoas podem falar (principalmente), podem votar em políticos profissionais, esperando que as leis protejam as suas vidas e propriedades (isso é bem esperado).

Nessa perspectiva, as sociedades que são controladas por elites que não tem qualquer responsabilidade democrática, que promovem a mera extração de recursos, que não respeitam a propriedade e o valor gerado na passagem do tempo, não prosperam. Os ganhadores do Nobel provaram essa tese por meio de uma série de artigos em que são apresentadas análises empíricas, as quais mostram a existência de correlação entre democracia (conforme definida) com os níveis de prosperidade.

De fato, os ganhadores do Nobel argumentam que a colonização do Sul Global nos séculos XVIII e XIX poderia ter sido “inclusiva”. Os países da América do Norte, por terem sido “inclusivos” se transformaram em nações prósperas (nessa prosperidade deve ser excluída, obviamente, a população indígena). Já os países do Sul, por terem sido “extrativistas”, permaneceram na pobreza (América Central e do Sul) ou mesmo na extrema pobreza (África). Para eles, tudo depende das instituições assim classificadas. Essa é a teoria que defendem.

Esse tipo de análise econômica é dito institucionalista. Ela prega que não são as forças cegas do mercado e da acumulação de capital que impulsionam o crescimento (e as desigualdades), mas as decisões e as superestruturas construídas pelos atores sociais. Com apoio nesse tipo de modelo, os atuais vencedores afirmam que as revoluções precedem as mudanças econômicas; para eles, não são as mudanças econômicas (ou a falta delas antes que um novo ambiente econômico seja criado) que precedem as revoluções.

Dois pontos decorrem dessa análise. Eis o primeiro deles: se o crescimento e a prosperidade andam de mãos dadas com a “democracia”, como explicar o sucesso de países como a União Soviética, China e Vietnã se eles têm supostamente elites “extrativistas” e/ou antidemocráticas? Como esses nobres ganhadores de prêmios Nobel explicam tais desempenhos econômicos indubitáveis?

Aparentemente, eles o explicam pelo fato de que saíram de uma condição de extrema pobreza copiando tecnologia dos países mais desenvolvidos; contudo, após os primeiros saltos, o caráter extrativista de seus governos passa a fazer com que percam força? Bom, talvez acreditem que o hipercrescimento da China vai perder força logo. Talvez, isso esteja ocorrendo agora!

Em segundo lugar, é correto dizer que revoluções ou reformas políticas são necessárias para colocar as coisas no caminho da prosperidade? Bem, pode haver alguma verdade nisso: a Rússia do início do século XX chegaria aonde está hoje sem a revolução de 1917; a China, explorada pelo imperialismo britânico, chegaria ao ponto em que chegou, agora em 2024, sem a revolução de 1949. Ora, esses nobres ganhadores de prêmios Nobel não se referem a tais exemplos: eles preferem a Grã-Bretanha e os Estados Unidos como exemplos de países vencedores.

Contudo, o estado da economia, a forma como funciona, o investimento e a produtividade da força de trabalho também têm um efeito no progresso das nações. O capitalismo e a revolução industrial na Grã-Bretanha precederam a mudança em direção sufrágio universal, que só veio depois, após muita luta. A Guerra Civil Inglesa da década de 1640 lançou as bases políticas para a hegemonia da classe capitalista na Grã-Bretanha, mas foi a expansão do comércio (inclusive de escravos) e a colonização no século seguinte que produziram a prosperidade econômica.

A ironia deste prêmio é que o melhor trabalho de Acemoglu e Johnson veio somente mais recentemente. Mas os avaliadores do prêmio se concentraram em trabalhos mais antigos desses pesquisadores. Apenas no ano passado, os autores publicaram o livro Poder e progresso (Objetiva) (Power and Progress), no qual apresentam a contradição presente nas economias modernas entre a tecnologia que aumenta a produtividade do trabalho, mas também tende a elevar a desigualdade e a pobreza. É claro que as soluções políticas que propõem não tocam na questão da mudança nas relações de propriedade, mesmo se recomendam que precisa haver um maior equilíbrio distributivo entre o capital e o trabalho.

A favor dos vencedores deste ano vem o fato de que as suas pesquisas tentam entender o mundo econômico e o seu modo de desenvolvimento, ao invés de estabelecer algum teorema misterioso de equilíbrio, tal como já ocorreu. Muitos vencedores anteriores foram homenageados por tal tipo de contribuição esotérica. Contudo, é preciso dizer que as teorias que avançam para a “recuperação do atraso” são vagas (ou “contingentes” como eles próprios se referem) e, como tais, pouco convincentes.

Acho que há explicação muito melhor e bem mais persuasiva sobre o processo de recuperação do atraso econômico (ou do fracasso em obtê-lo) no recente livro dos economistas marxistas brasileiros Adalmir Antônio Marquetti, Alessandro Miebach e Henrique Morrone. Eis que eles produziram um livro importante e muito perspicaz sobre o desenvolvimento capitalista global. Criaram inclusive uma maneira inovadora de medir o progresso da maioria da humanidade no chamado Sul Global que almeja, sem poder, “recuperar o atraso” em relação aos padrões de vida em vigor no “Norte Global”.

O livro deles, Desenvolvimento desigual e capitalismo – Alçando ou ficando para trás na economia global (Unequal Development and Capitalism – Catching Up and Falling Behind in the Global Economy, Routledge), lida com várias variáveis que os atuais ganhadores do Nobel ignoram, ou seja, produtividade do trabalho e do capital, taxa de acumulação, troca desigual, taxa de exploração – bem como com o fator institucional mais importante, isto é, aquele que define quem controla o excedente, se esse controlador é de dentro ou de fora.

*Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de The great recession: a marxist view (Lulu Press)

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

 

Carta aberta ao Conselho Monetário Nacional, por Vários autores.

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Meta de inflação excessivamente baixa coloca pressão adicional sobre setores cujos preços não apresentam essa rigidez; propomos mudar de 3% para 4%

Folha de São Paulo, 16/10/2024

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Nos anos de 2021 e 2022 a inflação anual atingiu, respectivamente, 10% e 5,8%, fazendo com que, em 2023, no início de um novo governo, houvesse grande cautela quanto à revisão da meta de inflação. O descontrole dos preços produz distorções econômicas e sociais.

Passados quase dois anos, porém, a meta de 3% está se mostrando disfuncional. Há no mundo um consenso de que o objetivo econômico de estabilidade de preços não corresponde a uma inflação zero, mas, sim, a uma inflação suficientemente baixa. A reflexão sobre qual número representa esse conceito deve ser encarada com naturalidade.

O saudável funcionamento de uma economia de mercado requer que exista flexibilidade para a variação de preços relativos. Entretanto diferentes países carregam diferentes legados de rigidez e indexação. Na economia brasileira ainda há muitos resquícios de indexação formais e informais, como no caso conhecido de aluguéis residenciais.

Em uma economia na qual os conjuntos de preços rígidos para baixo ou indexados à inflação passada correspondam a uma parcela importante dos índices de preços, uma meta de inflação excessivamente baixa coloca uma pressão adicional sobre os setores cujos preços não apresentem essa rigidez. Mais especificamente, para a inflação de serviços e preços monitorados cair de forma mais significativa, seria necessária uma economia mais desindexada.

A dificuldade em levar a inflação a 3% no Brasil consiste em que, mesmo com as taxas de juros reais elevadíssimas —atualmente entre 6% e 7%—, o consenso de mercado aponta que a inflação será de 4% em 2025, 3,6% em 2026 e 3,5% em 2027. Ou seja, não se trata de uma postura leniente do Banco Central, mas sim de uma resistência objetiva do sistema de preços do país.

Desde o início do regime de metas de inflação, em 1999, são raríssimos os períodos em que a inflação situou-se abaixo de 3%; em geral, isso só ocorreu quando o desemprego era bastante elevado. Soma-se a isso os efeitos da crise climática, com impactos sobre energia e alimentos, dificultando ainda mais a redução da inflação para este patamar.

A meta de inflação de 3% mostra-se assim excessivamente baixa para uma economia com as características da brasileira. Persistir com a atual meta requereria uma taxa de desemprego desnecessariamente elevada e manutenção de juros altos por tempo excessivo, com efeitos negativos sobre os indicadores sociais, o endividamento das famílias, a taxa de investimento e o crescimento econômico de longo prazo.

Assim, propomos que a meta de inflação passe de 3% para 4%, de modo a permitir um crescimento mais equilibrado da economia brasileira —sem abrir mão, todavia, do objetivo da estabilidade de preços.

As discussões sobre política monetária podem envolver diferenças teóricas e em relação a arcabouços de gestão monetária e mesmo quanto a prioridades dos objetivos de tal política. Esta carta não trata disso, mas propõe apenas um ajuste técnico dentro do arcabouço vigente; um ajuste pequeno e viável, mas necessário e de grande importância.

Luiz Gonzaga Belluzzo
IE/Unicamp

Carmem Feijó
UFF

Demian Fiocca
FEA/USP

Fernando Ferrari Filho
FCE/UFRGS

Gilberto Tadeu Lima
FEA/USP

Leda Paulani
FEA/USP

Lena Lavinas
IE/UFRJ

Luiz Fernando de Paula
IE/UFRJ

Nelson Marconi
Eaesp/FGV

 

O avesso da pele, de Jeferson Tenório

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 Por Marcos Rolim – Extra Classe – 15/03/2022

O Avesso da Pele permite compreender como é ser negro no Brasil, de uma forma como poucas vezes se conseguiu fazer. Nesse particular, talvez não estejamos apenas diante de um ótimo romance, mas de uma obra de importância histórica”

Desde o seu lançamento pela Companhia das Letras, em 2020, o livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, já recebeu várias resenhas elogiosas, além do reconhecimento nos meios literários brasileiros, tendo sido o grande vencedor do Prêmio Jabuti de 2021. Por que, então, retomar essa obra? Bem, os motivos são vários, mas o mais importante deles é que o tema do livro constitui um dos desafios centrais da civilização brasileira e, nesse sentido, podemos e devemos voltar a ele muitas vezes, para que mais pessoas descubram a prosa contundente e terna de Tenório, para que mais leitores possam ter o mesmo impacto de olhar o mundo pela perspectiva daqueles que são permanentemente deslocados do direito e do reconhecimento.

Avesso da Pele permite compreender como é ser negro no Brasil, de uma forma como poucas vezes se conseguiu fazer. Nesse particular, talvez não estejamos apenas diante de um ótimo romance, mas de uma obra de importância histórica, notadamente se tivermos presente a realidade cultural do Rio Grande do Sul, em que as contribuições das culturas de matriz africana têm sido sistematicamente desconsideradas, quando não apagadas pelo discurso oficial.

O romance reconstitui a trajetória de uma família negra, até a morte de Henrique, professor universitário, em uma estúpida ação policial. Nesse percurso, além das dificuldades vividas pelos personagens, temos o desvendamento de diferentes manifestações do racismo em situações do cotidiano, desde passagens que mostram o preconceito na linguagem, até a violência aberta, o que nos oferece um espelho dolorido onde é impossível não nos vermos. Nós, os leitores brancos, estamos ali o tempo todo; em cada comentário racista que já presenciamos e calamos; em cada ausência de pessoas negras que não nos perturbou; em cada surpresa diante de uma pessoa negra ocupando uma posição de destaque; em cada sentimento de medo diante dos riscos reais ou imaginários nas ruas; em cada desconhecimento sobre ações afirmativas e em cada idiotice repetida sobre “racismo reverso” e outros mitos que transitam pelos labirintos da irreflexão.

O racismo, ao contrário do que se consolidou no senso comum, não pode ser compreendido como a expressão de ações ou valores assumidos por “pessoas racistas”. Muito além do mal que, eventualmente, pessoas racistas podem produzir, o racismo é uma estrutura da sociedade brasileira, tão operante quanto outras como a desigualdade social, por exemplo. No centro do racismo estrutural, há a noção de “outridade”, como utilizada por Grada Kilomba, como materialização dos significados reprimidos da sociedade branca. Nesse processo, a pessoa negra é percebida como “a diferente”, como “a outra”, o que lhe assegura imediatamente o espaço da intrusa, como alguém “fora do lugar”. O negro/a negra são o outro da branquitude, sendo, na verdade, definidos por ela, porque as pessoas só se percebem negras quando nomeadas como tal, o que pressupõe relações sociais em que há o poder dessa designação. Chimamanda Ngozi Adichie, em Americanah, traduz essa noção pela protagonista do romance que só passou a se conceber como negra quando foi morar nos Estados Unidos. Antes disso, vivendo na Nigéria, era apenas uma pessoa como todas as demais. Nós, os brancos, não nos concebemos como brancos, porque vivemos em uma sociedade em que nossa cor nos assegura privilégios, e esse é um processo que dispensa pessoas racistas, porque se nutre de uma estrutura social racista.

Jeferson Tenório constrói seu enredo com uma linguagem cristalina, com a qual vai mostrando a saga de pessoas negras sempre em movimento e que, mesmo sendo parte do universo da inclusão social, como integrantes das classes médias, seguem expostas ao preconceito e às possibilidades trágicas da violência. O “avesso” diz respeito àquilo que o pai, Henrique, possui de substancialmente humano e, por extensão, àquilo que todas as pessoas negras – no lado inverso das características racializadas – são como pessoas.

Além da história, como ocorre com as grandes obras, o texto de Tenório agrega um potencial reflexivo autônomo a partir de determinadas “janelas”. Assim, por exemplo, na página 85, o narrador assinala: “Quando uma pessoa branca nos elogia, nunca saberemos se aquilo é sincero, ou apenas uma espécie de piedade, ou para não se sentir culpada, ou mesmo para não ser acusada de racismo. Não sabemos avaliar nosso fracasso. Porque é tentador atribuir todas as nossas fraquezas e nossas falhas ao racismo”. Para, logo adiante, concluir: “E essa é a perversidade do racismo. Porque ele simplesmente te impede de visitar os próprios infernos”. Há outros momentos luminosos como esse, em que a história respira para que o autor possa trançar suas próprias ferramentas teóricas.

No momento em que o Brasil testemunha a reiteração da brutalidade racial e a naturalização do assassinato de corpos negros e indígenas, resultados cada vez mais decorrentes de uma necropolítica, o livro de Tenório adquire um significado ainda maior, como arte transformadora, expressão do casamento da beleza com a promessa emancipatória.

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

 

Equívocos da crítica à financeirização, por Fernando Nogueira da Costa

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 A Terra é Redonda – 14/10/2024

Uma crítica mais bem fundamentada requereria considerar não apenas aspectos negativos, mas também benefícios potenciais da dita “financeirização”

A literatura de denúncia crítica à “financeirização” — o processo pelo qual os mercados, as instituições e as motivações financeiras se tornariam predominantes na economia — questiona os efeitos do crescimento do classificado por ela como “setor” financeiro (e não um sistema econômico-financeiro emergente de interações entre todos os agentes econômicos) sobre a produção, distribuição de renda e desigualdade. Alguns equívocos ou simplificações são frequentes nas abordagens críticas à financeirização e merecem, por sua vez, ser criticados.

Um erro comum é supor a financeirização se referir simplesmente ao aumento do tamanho do setor (sic) financeiro em relação à economia real, isto é, o setor produtivo para os denunciantes. A crítica, demonstrando preconceito moralista ou religioso medieval (antes da Teologia da Prosperidade), trata qualquer crescimento nas atividades financeiras como inerentemente negativo.

Ora, desde quando foi emergindo o sistema capitalista, a partir de fundações de bancos para financiar o comércio – a Casa di San Giorgio, fundada em 1406 na cidade de Gênova, na Itália, um importante centro comercial no início da Renascença, é considerada a primeira instituição financeira dessa história ocidental –, houve a interpenetração do capital financeiro em outras atividades econômicas, incluindo empresas não financeiras, famílias, governos e o “exterior”.

O crescimento dos mercados financeiros e o recurso aos instrumentos financeiros não são, por si só, problemáticos. Eles produzem bons resultados econômicos ao permitir maior liquidez, diversificação e proteção (por exemplo, via hedge cambial) de riscos, além de financiamento para alavancagem financeira de investimentos produtivos. A soma de recursos de terceiros aos recursos próprios resulta em maior economia de escala. O novo lucro operacional, superando as despesas financeiras, propicia maior rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio.

No entanto, os críticos contumazes acham a financeirização favorecer a acumulação de capital financeiro às custas da produção real. Essa visão subestima o papel crucial do sistema financeiro na intermediação de recursos entre poupadores e investidores. Ao mobilizar a poupança aplicada em investimentos financeiros (fontes de funding) em direção a crédito para empreendimentos produtivos, o sistema financeiro é fundamental para o crescimento econômico.

A financeirização, analisada em sua dimensão positiva, permite a mais segura alocação de capital, com a avaliação de riscos ao financiar inovações e o desenvolvimento de novas tecnologias. É necessário diferenciar entre a negociação de ativos existentes (estoque de patrimônios privados) e a criação de ativos novos, geradores de empregos e fluxos de renda. Ambos acontecem de maneira cíclica.

Quando o valor de mercado não bem fundamentado cai abaixo do custo de produzir novos ativos, o crescimento estanca, em depressão, devido a esse custo de oportunidade. Quando o valor de mercado de ativos existentes volta a superar o custo de produção de ativos novos, a economia retoma o crescimento. Atos voluntários de todos os agentes resultam nesse ciclo econômico.

Muitas análises críticas da financeirização tratam o fenômeno como algo autônomo, ignorando sua relação com o processo de globalização econômica. Na realidade, a financeirização está profundamente interligada com a globalização, por esta ter ampliado os fluxos de capital entre fronteiras e facilitado a participação acionária de estrangeiros, destacadamente investidores institucionais como fundos de pensão de trabalhadores ou fundos de investimentos de famílias.

Desconsiderar essa relação global resulta em uma visão limitada das causas e efeitos da financeirização na economia contemporânea. Parte dela é uma resposta à necessidade de gestão de riscos, em um ambiente globalizado, onde empresas e governos enfrentam pressões para se proteger diante flutuações cambiais, crises de crédito e volatilidade de mercados internacionais.

Um problema monetário difícil de superar é a dupla assimetria cambial: moeda nacional apreciada (barateadora de importação) diante outra moeda nacional depreciada (favorável à exportação) como a da China. Evita a inflação importada no Brasil, mas as indústrias transnacionais aqui instaladas não conseguem gerar aumentos de produtividade capazes de superar as vantagens de preço conferidas por altos diferenciais de câmbio entre as moedas dos países.

Outro equívoco recorrente é achar todas as empresas não financeiras adotarem a financeirização de maneira homogênea, supostamente priorizando a maximização de valor para os acionistas em detrimento de investimentos produtivos. Essa dinâmica varia amplamente entre setores produtivos e tipos de empresas, por exemplo, familiares fechadas ou sociedades abertas.

Empresas multinacionais utilizam estratégias financeiras avançadas como hedge cambial ou gestão de fluxo de caixa sem comprometer investimentos produtivos. Portanto, reduzir a financeirização corporativa à simples priorização de dividendos ou recompra de ações ignora as necessidades de complexas interações entre estratégias financeiras e decisões produtivas na economia globalizada como onde é vantajoso produzir máquinas e equipamentos e onde importá-los.

É comum a crítica atribuir à financeirização a um avanço no aumento da desigualdade socioeconômica. A pobreza (carência de fluxo de renda) é superável, mas a desigualdade em termos de acumulação de estoque de riqueza não é.

Esta desigualdade é resultado de múltiplos fatores, por exemplo, desigualdade educacional, mudanças tecnológicas, fases de vida com tempo de acumulação de juros compostos, heranças etc. A financeirização contribui para a concentração de riqueza entre os detentores de capital, mas é resultante do incentivo ao trabalho, em sociedade capitalista, ser o acúmulo de reservas financeiras para a aposentadoria e o pagamento de cuidadores da demência sofrida na velhice.

Além disso, a financeirização permite o acesso ao crédito para famílias adquirir moradias e veículos e/ou empreender em pequenas empresas. Oferece oportunidades de mobilidade social e desenvolvimento humano.

Muitas abordagens críticas focam apenas nos bancos e nas empresas, negligenciando o fato de a financeirização envolver famílias e consumidores como participantes ativos, especialmente, por meio do crédito ao consumo, financiamento imobiliário e investimentos pessoais. A conquista da cidadania financeira aumentou o acesso das famílias a crédito, gestão do dinheiro com produtos financeiros e sistemas de pagamentos, ampliando o bem-estar social.

A crítica muitas vezes simplifica o conceito de financeirização, associando-o exclusivamente à especulação e à criação de bolhas de ativos. Embora esses fenômenos ocorram, a financeirização também inclui a criação de mecanismos de gestão de risco, como derivativos, para estabilização dos fluxos de capital.

Focar apenas no aspecto especulativo ignora os avanços positivos em termos de inovação financeira para melhorar a capacidade de gestão de risco das empresas e governos. A visão puramente negativa da financeirização obscurece a razão.

As críticas à financeirização tratam o sistema financeiro como uma entidade monolítica. No entanto, ele é composto por uma variedade de instituições (bancos comerciais, bancos de investimento, fundos de pensão, seguradoras, fintechs etc.), cada qual operando de formas distintas e com diferentes incentivos. Essa diversidade é ignorada ao tratar tudo como fosse um único fenômeno.

Além disso, o comportamento financeiro varia de acordo com as estruturas regulatórias e culturais de diferentes países. Países com sistemas financeiros mais regulados, como Alemanha ou Japão, apresentam uma relação diferente entre o setor financeiro e a economia real, em comparação com economias mais liberalizadas, como a da economia de mercado de capitais dos Estados Unidos.

A crítica à financeirização fica perplexa diante os efeitos potencialmente desestabilizadores ou cíclicos de um sistema econômico-financeiro, especialmente quanto à especulação descolada de fundamentos, crises de inadimplência no crédito e aumento da desigualdade com enriquecimento financeiro.

Há vários equívocos recorrentes ao simplificar a complexidade do fenômeno, como confundir financeirização com a simples expansão do sistema financeiro, subestimar o papel positivo da intermediação financeira, e ignorar a diversidade de comportamentos entre empresas, famílias, governos, instituições financeiras e economia globalizada.

Uma crítica mais bem fundamentada requereria considerar não apenas aspectos negativos, mas também benefícios potenciais da dita “financeirização”, especialmente quando adequadamente regulada e supervisionada pelo Banco Central. Em economia capitalista, não é possível encontrar um equilíbrio contínuo entre inovação financeira e estabilidade econômica, mitigando os riscos sistêmicos, ao restringir o papel positivo dos instrumentos financeiros na economia. A vida financeira é cíclica e difícil. É necessário saber lidar com ela…

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

 

Dia dos professores!

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Nesta data comemoramos o Dia dos Professores.

Neste momento recebemos inúmeras homenagens pelas redes sociais, mensagens que mostram a importância e a centralidade da profissão dos professores na sociedade contemporânea.

Sabemos da relevância do profissional da educação e do conhecimento, vivemos numa sociedade que muitos especialistas descrevem como a Era do Conhecimento, onde a educação é fundamental para o desenvolvimento do ser humano, mas neste cenário, percebemos que entre o discurso e a prática encontramos um grande hiato.

As grandes descobertas do conhecimento pavimentaram espaços sagrados do desenvolvimento da tecnologia, novos produtos, mercadorias e bens estão circulando na sociedade mundial, com avanços da logística internacional, dos novos modelos de negócios e dos novos materiais que estão revolucionando as sociedades e as comunidades locais e regionais.

Vivemos numa sociedade em que poucos querem aprender, poucos querem encarar o desafio do conhecimento, poucos querem fazer esforços continuados para alçar novos espaços profissionais, na maioria os cidadãos querem colher sem esforço, querem uma boa condição financeira sem se debruçar na busca do conhecimento humano, da ciência e das reflexões críticas.

Invejamos os chamados empreendedores dotados de grande mérito e resiliência, que seus casos circulam todos os dias nos meios de comunicação, sendo estudo de caso de sucesso e de perseverança, mas nos esquecemos dos milhares de indivíduos que se esforçam cotidianamente e não conseguem acesso aos espaços do enriquecimento, de fama e de projeção social. Diante disso, para onde estamos caminhando com essas escolhas cotidianas….

Todas as nações que conseguiram alçar espaços de desenvolvimento econômico fizeram, antes de mais nada com fortes investimentos em educação e formação de mão-de-obra qualificada e altamente capacitada, neste momento que percebemos a relevância do professor, como educador, como exemplo e como instrumento de capacitação da sociedade, garantindo condições dignas e decentes para os cidadãos e novas formas perspectivas para um futuro imediato, marcado por incertezas crescentes e grandes instabilidades.

Algumas nações, infelizmente, não conseguiram compreender o papel central da educação e do professor neste cenário, como forma de construir cidadãos, adotando políticas de degradação dos salários dos profissionais da educação, afugentando profissionais altamente qualificados para outras atividades, criando bônus inatingíveis, cargas horárias de trabalhos escorchantes, situações inóspitas de trabalhos e condições indignas, com isso, a educação perde sua relevância social e contribuem ativamente para a perpetuação das desigualdades sociais.

Neste momento, embora recebamos inúmeras mensagens de estímulos e valorização, os professores se encontram num momento inóspito para a categoria, nosso sindicato perde relevância todos os momentos, o poder do capital destrói os instrumentos de solidariedade, transformando trabalhadores que brigam uns com os outros, deixando rastros de desesperança, de rancores e ressentimentos… Triste as nações que perdem as capacidades de construir sonhos e desenvolver esperanças, estamos caminhando a passos largos a degradações morais. A educação tem condição de melhorar o ambiente e criar novos espaços de desenvolvimento civilizacional, nunca esqueçamos disso!

Ary Ramos da Silva Júnior, Doutor em Sociologia e professor universitário a vinte sete anos.

 

 

 

 

Riqueza é distribuída pelo mérito ou pelo privilégio? por Michael França

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Parte considerável da alocação dos recursos pouco tem a ver com o trabalho duro

Michael França, Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford

Folha de São Paulo, 15/10/2024

A vida não é apenas o que você faz, mas também de onde você começou. Imagine um jovem que cresceu em um bairro rico, com escolas de qualidade, desfrutando de bons contatos e amplo apoio financeiro.

Agora pense em outro que nasceu em uma família pobre, frequentou escolas ruins e está imerso em um ambiente que pouco contribui para seu desenvolvimento pessoal. Esses dois jovens podem ter os mesmos sonhos e a mesma capacidade, mas as probabilidades estão fundamentalmente a favor de um deles.

A questão é que esse tipo de vantagem não é conquistada, ela é herdada. Isso não significa que muitos daqueles que estão em uma posição favorecida não se esforçaram. No entanto, significa que eles tiveram um empurrãozinho a mais. E, enquanto chamarmos essa vantagem de “meritocracia”, estaremos negligenciando as verdadeiras forças das desigualdades que moldam nossas vidas.

Grande parte dos recursos não é distribuída com base no esforço individual. Ela é distribuída por um sistema que, por décadas e gerações, favoreceu alguns em detrimento de outros. A isso chamamos de privilégio.

Mas não me entendam mal. O mérito é importante. A ética do trabalho é importante. Contudo precisamos reconhecer que as portas do progresso nunca foram realmente abertas para os brasileiros que perderam na loteria do nascimento. Precisamos admitir que essas portas não dependem de o quão forte você bate, mas de quem segurava as chaves desde o começo.

Apesar disso, algumas vezes ouvimos histórias sobre pessoas que conseguiram superar adversidades e realizar grandes feitos. E não há dúvidas de que essas pessoas são admiráveis. Elas nos inspiram, mostrando o poder da resiliência e do esforço. No entanto, precisamos ser honestos e encarar a realidade.

A realidade é que, para cada história de sucesso que ouvimos, existem milhares que não tiveram a mesma sorte. Há milhares que deram o melhor de si e trabalharam duro, mas enfrentaram dificuldades que os deixaram pelo caminho.

Quando alguém consegue avançar, devemos celebrar. Porém também precisamos lembrar que essas pessoas são a exceção, não a regra. Quando olhamos apenas para as exceções, estamos nos enganando. E um país que se engana nunca conseguirá progredir.

Se focarmos apenas nas poucas histórias de sucesso, correremos o risco de ignorar os muitos que ficaram para trás. Estamos falando aqui de milhares de mulheres e homens talentosos, jovens cheios de sonhos, que não conseguiram alcançar seu potencial. E não foi por falta de vontade.

O verdadeiro desafio de uma nação não é produzir alguns exemplos para dizer que o sistema funciona. O desafio é reformar o sistema para que ele funcione para todos. Para que não precisemos mais nos contentar com as poucas histórias de exceção, mas possamos nos orgulhar da construção de um país onde qualquer um, independentemente do local de nascimento, tenha as mesmas chances de sucesso em suas escolhas.

 

China – qual socialismo? por Elias Jabbour

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 A Terra é Redonda – 20/07/2021

Considerações sobre a natureza da formação econômico-social chinesa.

A natureza do processo de desenvolvimento chinês por si é motivo de imensas e apaixonadas polêmicas, sendo a principal delas a que se refere à natureza de sua formação econômico-social. Socialismo ou capitalismo. Não seria demais advertir que a colocação da questão nestes termos não tem sentido marxista, pois se remete mais ao “princípio da identidade” de Kant do que à “correlação múltipla dos fenômenos”.

Uma realidade não é capitalista ou socialista à priori. Ela é fruto da combinação de diferentes modos de produção coetâneos, mas não contemporâneos dando forma e conteúdo a formações sociais específicas. O socialismo de mercado chinês, a nós, seria uma tipologia nova de formações econômico-sociais.

Tomar a realidade partindo deste nível de abstração demanda visão de processo histórico como antídoto aos famosos “check-lists” positivistas que encerram a velha mania da ciência social ocidental (incluindo os influenciados por Marx) de buscar classificar e organizar critérios para todo fenômeno diante de si. O contrário seria o correto: o conceito se realiza no movimento real. Neste sentido não seria nenhum exagero afirmar que a China, e o movimento que seu processo de desenvolvimento encerra, acumula material suficiente para voltarmos a problematizar o socialismo em termos dialéticos, por dentro do real e não como um ideal abstrato.

No fundo a questão não é refazer o que Marx (não) fez quando o assunto é socialismo. O problema é encontrarmos a forma histórica presente mais próxima daquilo que ele definiu um dia como socialismo (superação da divisão social do trabalho, abolição das classes e da propriedade privada). O preço a se pagar politicamente por se fixar em arquétipos é muito alto.

É o preço de se esquivar diante da realidade que devemos transformar. O que na verdade os comunistas chineses estão conseguindo com muita capacidade. De país mais pobre do mundo em 1949 ao fim da pobreza extrema em um país com as peculiaridades geográficas e diferenciais regionais de produtividade não é algo qualquer. Talvez seja o maior feito da história humana em séculos. Fruto de uma força política chamada Partido Comunista e que reivindica a si o comando de um processo que eles dão o nome de socialismo.

Voltando à questão da natureza da formação econômico-social chinesa. O critério primário para isso é o poder político. Encontrar alguma formação econômico-social onde o poder político está comprometido e dispõe dos elementos essenciais para alcançar determinados objetivos. Poder político não se exprime em “novas relações sociais de produção”. Poder político se exprime em novas relações de propriedade. O banimento de Hegel no ocidente levou a uma apropriação utopista do marxismo feita por acadêmicos e marxistas ocidentais. Ao colocar o pensamento à frente da matéria, percebe-se que uma nova sociedade já nasce sob bases próprias, ou relações sociais avançadas na primeira hora. Quando na verdade a grande questão é a base material que serve de suporte ao poder político.

Trata-se de uma forma sútil de negar a política e se refugiar no “ardil do conceito” hegeliano. Novas relações sociais não surgem fora dos marcos da propriedade pública e essa propriedade deve ter um grau de produtividade do trabalho maior que a propriedade privada. O próprio Marx nos adverte sobre o fato de novas relações sociais não surgirem sem antes as forças produtivas que a sustentam não terem se esgotado. Do ponto de vista político impor relações sociais novas em forças produtivas inexistentes abre campo à reação e ao fascismo. Mas esse é um outro ponto, do qual poderemos nos concentrar em outro momento tamanha a sua importância.

Muitos dos problemas do socialismo decorrem desta forma equivocada, tomando a nuvem por Juno. O papel do poder político de novo tipo é elevar o grau das forças produtivas, montar uma muralha de aço para sua autodefesa. As relações de produção têm relação de efeito a este movimento. Trata-se de pontos interessantes para começar a pensar a China como uma gigantesca experiência socialista.

Por exemplo, por que não pensar na grande empresa ou corporação empresarial estatal mediada e voltada para grandes tarefas postas pelo Partido Comunista como uma interessante forma histórica de propriedade? E como caracterizar uma formação econômico-social onde o núcleo da economia é este tipo de propriedade (no caso chinês, 96 conglomerados empresariais estatais)?

E onde é este tipo de propriedade a geradora dos ciclos de acumulação na economia em oposição às formações econômico-sociais de tipo capitalista onde o Estado induz, mas é o setor privado o gerador destes ciclos? As possibilidades abertas por um poder exercido pelo Partido Comunista baseado na grande produção e finanças estatais não seria uma forma histórica orientada a superação de antigas formas, baseadas na grande propriedade privada? Ou nos refugiaremos no “super-trunfo” para quem os problemas do socialismo se resolvem, à priori (nada positivista…) com “poder operário” e “democracia”?

Nos últimos 20 anos a China construiu cerca de 40 mil quilômetros de trens de alta velocidade. Ao lado disso tecnologias disruptivas (plataforma 5G, Big Data e Inteligência Artificial) surgidas no seio dos grandes conglomerados empresariais estatais elevaram em demasia a capacidade de planificação do Estado chinês. Em outras palavras: elevou-se a capacidade humana de intervir na natureza, o que significa mudança qualitativa no modo de produção dominante àquela formação econômico-social com o surgimento de novas regularidades a serem decifradas pela ciência social moderna. A China, literalmente, arrasta para frente a fronteira das ciências humanas e sociais.

Pensar em termos científicos a formação econômico-social chinesa passa necessariamente pela apreensão do fato de diferentes modos de produção coabitarem em uma verdadeira unidade de contrários. O socialismo enquanto forma histórica que se realiza na grande propriedade pública e na planificação em nível superior não está alheios às contradições de ordem capitalista que por ali coexistem. Fetiche da mercadoria, consumismo, surgimento de bilionários e precarização do trabalho são fenômenos reais, não imaginários.

Talvez são estas contradições que servem de motor ao surgimento de novas soluções políticas e econômicas a determinadas questões. A elevação da regulação estatal sobre as fintechs e a aceleração de compras de ativos de empresas privada pelo Estado não demonstra somente ação política. Em movimento significa o próprio surgimento de novas formas históricas de propriedade não previstas em nenhum manual.

Finalizando esta breve discussão, fica uma questão e uma breve resposta. Qual a forma histórica correspondente ao socialismo em nosso tempo apontada pela experiência chinesa? Não tenho dúvidas que a elevação da capacidade de planificar a economia e basear a planificação no sentido de elaborar e executar grandes projetos pode ser a chave que nos encaminhe para um socialismo que tem na razão uma forma histórica em oposição à irracionalidade capitalista. Não estaríamos ressuscitando o velho Ignacio Rangel e observando na China o surgimento de uma “Nova Economia do Projetamento”? O projeto de uma ponte, viaduto ou milhares de linhas de trens de alta velocidade não passam de uma operação contábil ou em sua essência não estaria a realização do socialismo enquanto transformação da razão em instrumento de governo?

O socialismo é uma ciência. E como ciência devemos encará-lo. Ou não?

*Elias Jabbour é professor dos Programas de pós-graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ. Autor, entre outros livros, de China Hoje – Projeto Nacional Desenvolvimento e Socialismo de Mercado (Anita Garibaldi).

 

O mito do desenvolvimento econômico, por Luiz Carlos Bresser-Pereira

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A Terra é Redonda – 13/10/2024

Considerações sobre o livro de Celso Furtado.

Em 1974, quando Celso Furtado publicou O mito do desenvolvimento econômico, ele estava preocupado com o problema dos recursos naturais não-renováveis que estabeleciam um limite para o crescimento da renda e do consumo no mundo – preocupação que se apoiava no livro recém-publicado, The limits of growth, preparado por um grupo interdisciplinar do M.I.T. para o Clube de Roma.[i]

No primeiro ensaio, que é também o mais importante do livro, o autor discute as mudanças que vêm ocorrendo no capitalismo e, em particular, o papel das grandes empresas, as corporações, nesse capitalismo. Mas esta discussão tem como objetivo mostrar como o caminho do desenvolvimento capitalista estava se transformando em um mito.

Logo no início do livro, Celso Furtado cita mitos como o do bon sauvage de Rousseau, a ideia do desaparecimento do Estado de Marx, a concepção walrasiana do equilíbrio geral, e afirma que “os mitos operam como faróis que iluminam o campo de percepção do cientista social, permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada ver de outros, ao mesmo tempo que lhes proporciona conforto, pois as discriminações valorativas que realiza surgem ao seu espírito como um reflexo da realidade objetiva” (p. 15).

A questão que Celso Furtado se põe é o que acontecerá para e economia mundial se o desenvolvimento econômico, que desde a Segunda Guerra Mundial se tornou o objetivo para o qual se voltam todos os povos, vier a ser bem-sucedido e lograr estabelecer um padrão de vida semelhante ao existente no mundo rico para todos. E sua resposta é clara: “se tal acontecesse a pressão sobre os recursos não-renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso” (p. 19). Bastaria substituir ‘poluição’ por ‘aquecimento global’ e o problema se agravaria muito.

Para ele, seria ingênuo acreditar que o progresso tecnológico resolveria o problema. Sua aceleração está antes o agravando do que o resolvendo.

Para Celso Furtado, o capitalismo que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial caracterizou-se pela unificação do centro, sob o comando dos Estados Unidos. Já se esboçava então, pela ação persistente do GATT, o processo de liberalização comercial que ganharia força total com a virada neoliberal de 1980. Ele observa que “não pode se afirmar que as transformações estruturais que então aconteciam hajam sido desejadas e muito menos planejadas pelos centros econômicos e políticos dos Estados Unidos” (p. 36). Foram antes pensadas, acrescentaria eu, por economistas neoclássicos e da escola austríaca que haviam ficado fora do mainstream acadêmico em 1930, ansiavam pela volta ao poder nas universidades. Eles encontraram um espaço favorável criado pela crise dos anos 1970.

Celso Furtado dá grande importância ao surgimento das grandes empresas internacionais e suas novas relações com a periferia. Ele afirma que “a evolução do sistema capitalista, no último quarto de século, caracterizou-se pela homogeneização e integração do centro, um distanciamento crescente entre o centro e a periferia e uma ampliação considerável do fosso que, dentro da periferia, separa uma minoria privilegiada e as grandes massas da população” (p. 46).

O pós-guerra foi um período de crescimento no centro e na periferia. “A intensidade do crescimento no centro condiciona a orientação da industrialização na periferia, pois as minorias privilegiadas desta última procuram reproduzir o estilo de vida do centro” (p. 46). Esta é uma afirmação que Celso Furtado repetirá muitas vezes em toda a sua obra. Para conquistar e manter esse privilégio, estas minorias passarem a se associar antes com a maioria privilegiada do centro do que com seus concidadãos. Dessa maneira, perdido o apoio da classe média e mesmo dos empresários industriais, o nacionalismo econômico ou desenvolvimentismo, que caracterizara o Brasil desde os anos 1930, começava a ser ameaçado.

Mas Celso Furtado está então mais preocupado com a pressão que o desenvolvimento no centro e na periferia estava fazendo sobre os recursos não-renováveis. Esta pressão decorre principalmente do consumo crescente de toda a população. Ele faz, então, uma série de cálculos sobre o montante desse consumo nos anos 1970 – nos quais ele estava.

Preocupa-se com a tendência da minoria privilegiada na periferia que representava 5% da população de mudar para 10%, e preocupa-se muito mais com a hipótese da homogeneização do consumo para todo o mundo. “A hipótese de generalização, no conjunto do sistema capitalista, das formas de consumo hoje prevalescentes nos países cêntricos não tem cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse sistema… O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de o generalizar levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização” (p. 75).

É a partir daí que Celso Furtado conclui que o desenvolvimento econômico é um mito. “Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que ia o atual centro do regime capitalista. Cabe, portanto, afirmar que a ideia do desenvolvimento econômico é um simples mito” (p. 75).

Note-se que o mito não é o próprio desenvolvimento econômico, mas a “ideia” de que o desenvolvimento incluindo o alcançamento possível para os países da periferia do capitalismo. Esta ideia é uma parte importante da ideologia neoliberal que o centro transfere para a periferia. Se o Sul Global adotar o liberalismo econômico e rejeitar o desenvolvimentismo, ele estaria no caminho do melhor dos mundos possíveis do Dr. Pangloss.

Não estaria Celso Furtado sendo pessimista nessa matéria? Creio que sim. Para chegar à sua conclusão, ele se baseou em uma hipótese que não está se realizando e não terá condições de se realizar. Um grande número de países não está realizando o alcançamento (o catching up) aos níveis de desenvolvimento do centro. Desta maneira, a ideia de que todos os países se desenvolveriam e alcançariam o nível dos mais desenvolvidos, que é a base do seu argumento sobre o mito, jamais se realizarão.

Não importa aqui discutir as causas desse fracasso; afirmo apenas que elas incluem o imperialismo do Norte Global e sua determinação de impedir que os países periféricos se industrializem e realizem o alcançamento. Além disso, é preciso considerar que, passados 50 anos, os recursos naturais reprodutivos não deram sinal de esgotamento não obstante os abusos a que foram submetidos.

O desenvolvimento econômico não é, portanto, um mito, mas uma ideia força que orienta os povos e os governos. Ele continua a ser possível – ou continuava na época em que Celso Furtado escreveu. Depois disso, porém, surgiu um novo e muito grave problema que talvez confirme o limite ao crescimento: o aquecimento global, que representa uma ameaça à sobrevivência da humanidade. Este problema surgiu do aumento da produção global por habitante – do desenvolvimento econômico, portanto.

E levou certo número de intelectuais a defender o decrescimento. Mas essa tese não encontrou nenhuma repercussão no mundo político. Porque mesmo nos países ricos há ainda muito pobres. E também por uma razão objetiva; para lutar contra o aquecimento global os indivíduos precisam mudar seus hábitos de consumo (comer menos carne, viajar menos, cultivar sobriedade no consumo), que não exigem investimentos.

Já os países precisam fazer grandes investimentos na transição energética na mudança das máquinas, equipamentos e imóveis para que consumam menos energia. O desenvolvimento econômico torna-se, assim, o instrumento para o problema – o aquecimento global – que ele próprio criou.

Celso Furtado foi o maior dos economistas brasileiros, ainda que suas ideias tenham deixado de coincidir com a política econômica que passou a ser praticada no Brasil a partir de 1990, no governo Collor, quando este promoveu a abertura econômica e a financeira. Seu protesto surgiu cedo, com seu livro de 1992, A construção interrompida.

Dez anos depois, para explicar como o desenvolvimento econômico foi então interrompido, eu e um grupo de economistas brasileiros começamos a definir o “novo desenvolvimentismo”, uma nova teoria econômica e economia política baseada no desenvolvimentismo estruturalista de Celso Furtado e na teoria econômica pós-keynesiana. Para nós o desenvolvimento econômico não é um mito; é algo que pode ser alcançado. Já a ideia do desenvolvimento é um mito porque o alcançamento que o mito propõe estar acontecendo não está na verdade se realizando, exceto em alguns países do Leste, Sudeste e Sul da Ásia.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Autor, entre outros livros, de Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Ed. FGV)

 

Tributos, uma questão política.

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Neste momento, o governo brasileiro está preparando um projeto de lei para taxas os milionários, com alíquotas entre 12% a 15% que vai impactar fortemente no bolso dos detentores de grandes fortunas, algo em torno de 250 mil pessoas que conseguiram esta isenção tributária, isenção esta que contribuiu e contribui fortemente para aumentar seus ganhos e suas fortunas e, ao mesmo tempo, evitando que o governo nacional aumente sua arrecadação.

Especialistas em tributação calculam que mais de R$ 1,6 trilhão de pessoas físicas isentas de pagamentos de impostos, garantindo a poucos brasileiros esse benefício que não existe em nações civilizadas e que contribuem ativamente para que o sistema tributário nacional fosse regressivo, beneficiando poucos cidadãos em detrimento de uma grande massa da população do país.

O Brasil criou um instrumento legal, pouco original e imoral para garantir isenções tributárias que degradam o sistema tributário nacional, este benefício foi oficializado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, gerando ganhos substanciais, garantindo aplausos dos donos do poder, que contribuiu ativamente para concentrar a renda e aumentar os índices de desigualdades sociais.

Embora, entendamos que esta medida é urgente e deveria ser tomada com urgência, acreditamos que o governo deveria ser mais ousado na defesa desta tese, usando toda sua força política para garantir que este projeto se transforme em realidade, angariando grandes somas monetárias e financeiras para investir num conjunto de medidas que melhorem as condições de vida dos grupos mais pauperizados, que infelizmente cresce de forma acelerada.

Vale destacar, que muito menos uma Presidenta da República, eleita e reeleita legitimamente foi impedida de governar, neste cenário, percebemos que se faz necessário conscientizar a população para proteger estas medidas tributárias que visam dar mais progressividade ao sistema tributário nacional e garantir melhoras substanciais para os desfavorecidos.

 

Grau de investimento

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Muitos economistas com formação mais ortodoxas destacam as dificuldades fiscais do governo brasileiro, destacando o crescimento dos gastos públicos, a chamada “farra fiscal” e fazem críticas severas aos condutores da política econômica, exigindo a resolução de desequilíbrios históricos num curto espaço de tempo, deixando de lado análises técnicas e nos concentrando em visões puramente ideológicas, acreditando na livre concorrência e no equilíbrio do mercado, criando e difundindo uma realidade enviesada, individualista e concentrada no curto prazo.

Na atualidade, percebemos indicadores econômicos positivos na economia nacional, forte crescimento do PIB neste segundo trimestre, deflação de 0,02% em agosto, arrecadação federal crescendo 9,5% em termos reais no decorrer do ano, aumento significativo do emprego e da renda agregada, incremento das exportações e aumento dos superávits comerciais, melhora das contas externas e incremento das reservas internacionais.

Neste cenário, a Moody’s, uma das três grandes agências de classificação de risco, as duas outras são a Fitch e a Standard & Poors, que orientam os investidores no momento de alocação de recursos financeiros, aumentou a nota da economia brasileira, aproximando-a do chamado grau de investimento, um verdadeiro selo positivo concedido pelas empresas que classificam os riscos soberanos, garantindo a solvência deste investimento e mostrando, no mercado financeiro global, que esse agente econômico tem capacidade de endividamento, condições de pagamento e boas perspectivas para o futuro. Neste momento de grandes intempéries na sociedade mundial, marcado por guerras crescentes e conflitos monetários entre nações que buscam a hegemonia global, este selo chancelado pela agência Moody’s traz grande alívio para os detentores do título do Brasil.

Embora saibamos que o Brasil precisa urgentemente transformar sua estrutura econômica e produtiva, com fortes investimentos em infraestruturas material e imaterial, o incremento da nota brasileira deveria ser vista como algo positiva e, auxiliar na compreensão dos grandes e reais desafios para a sociedade nacional, deixando de lado discussões equivocadas e estimulando as políticas mais consistentes para configurar uma nova economia, mais próxima dos anseios e compromissos do século XXI, centrado na automatização, na inteligência artificial e no mundo digital que estão dominando as economias globais, deixando de lado investimentos que permearam a economia brasileira dos séculos anteriores mas, que ainda controlam fortemente as estruturas de poder que perpetua uma visão atrasada e reacionária do Brasil contemporâneo.

A economia brasileira vem passando por grandes alterações, a melhora da nota por uma agência de classificação de risco nos traz horizontes positivos, perspectivas de taxas de juros menores e prazos mais elevados, desta forma, a entrada destes recursos podem auxiliar nos grandes desafios econômicos nacionais, melhorando na transição energética, na descarbonização produtiva e consolidando um papel estratégico na sociedade global, fortalecendo nossa autonomia energética e, ao mesmo tempo, investindo mais fortemente para garantir uma soberania tecnológica que nunca tivemos, historicamente somos sempre importadores de tecnologias e exportadores de produtos primários de baixo valor agregado. Quem sabe, neste momento de grandes transformações na estrutura produtiva mundial, o Brasil consegue enxergar instrumentos para melhorar a nossa inserção global e voltarmos a cultivar o sonho do desenvolvimento.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Gestor Financeiro, Especialista em Economia Comportamental, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Por que os EUA apostam nas armas? por Breno Altman

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Dinâmica da acumulação capitalista se degrada em extrema concentração de renda e riqueza, empobrecimento de trabalhadores e colapso ambiental

Breno Altman, Jornalista, é fundador do site Opera Mundi.

Folha de São Paulo, 10/10/2024

O mundo vive a crise da ordem estabelecida em 1991, após o colapso da União Soviética e a quebra do campo socialista. Vencida a Guerra Fria, os Estados Unidos conquistaram a hegemonia planetária em todos os terrenos: militar, político, econômico e cultural.

Parecia tão indestrutível esse novo contexto que, para muitos, fazia todo o sentido a afirmação de Francis Fukuyama, renomado cientista político norte-americano: chegara-se ao “fim da história”, não haveria alternativa além da democracia liberal e da economia de mercado.

Trinta anos depois, esse horizonte de pedra está abalado. Os Estados Unidos lutam para manter seu comando, acantonados por fatores degenerativos internos e externos. A dinâmica da acumulação capitalista se degrada em extrema concentração de renda e riqueza, empobrecimento das classes trabalhadoras, colapso ambiental e adoecimento físico-mental. O regime político perde legitimidade e funcionalidade, dissociado de qualquer perspectiva sustentável de prosperidade. A coesão social se desfaz a olhos vistos.

Apesar das imensas reservas de poder, os EUA acompanham seu protagonismo ser ameaçado pelo desenvolvimento chinês, cuja aceleração seduz países de quase todos os continentes. Novas articulações e instituições multipolares, além de nações e blocos ambicionando autonomia, despontam à margem da arquitetura imperialista erigida após a Segunda Guerra. Dois dos pilares hegemônicos fundamentais são confrontados: a dominância do dólar nos fluxos financeiros e o monopólio da guerra sobre as relações internacionais.

Uma coalizão heterogênea de Estados vai sendo tecida para superar a ordem pós-soviética. A coluna vertebral dessa aliança está na crescente associação entre a pujança econômica da China e o reerguimento do exército russo. Torna-se cada vez mais difícil a manutenção do modelo copérnico estabelecido no final do século 20, pelo qual todas as nações deveriam girar ao redor de um centro único ou sofrer as consequências por qualquer indisciplina.

O certo é que as classes dirigentes dos EUA estão decididas a pagar qualquer preço para impedir que a decadência se transforme em bancarrota. Contam com a solidariedade incondicional de seus vassalos, especialmente europeus e japoneses, para uma luta de vida ou morte.

Mas não é na economia que o Ocidente imaginário localiza sua principal plataforma de sobrevivência, mas sim na guerra. Seus dirigentes acreditam que ainda conservam posição predominante no aspecto militar, capaz de impor limites a seus oponentes, além de impulsionar um dos setores mais lucrativos, o complexo bélico-industrial.

A sustentação da Ucrânia e do Estado de Israel, armados até os dentes pelos Estados Unidos e a União Europeia, comprova a opção de incentivar potências regionais como cabeças de ponte que ajudem a preservar ou conquistar, na marra, liderança sobre zonas estratégicas.

No outono de sua hegemonia, a Casa Branca empurra a humanidade para a beira do precipício. Sem ilusões com republicanos e democratas, somente uma firme posição anti-imperialista, em defesa da paz e da soberania, poderá livrar países como o Brasil de acabarem sequestrados por um sistema que prefere a guerra e a destruição como mapa da estrada.

 

Europa Ocidental à deriva, por Luiz Carlos Bresser-Pereira.

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Semiestagnação e ameaça do nacional populismo avançam onde a forma de capitalismo é a mais avançada

Por Luiz Carlos Bresser-Pereira Valor, 28/06/2024

Nas eleições recentes para o Parlamento Europeu, a direita radical fez novos avanços. Ao contrário do que se previa, não foi uma grande vitória, mas fez estragos nos dois países centrais da zona do euro, a França e a Alemanha. Já nos Estados Unidos, essa direita já esteve no poder e poderá voltar a ele no final deste ano. Não quero, porém, discutir esse país, mas sim a Europa Ocidental. Meu argumento é que o capitalismo do mundo rico está em crise – uma crise mais política do que econômica – e esta crise se vê mais claramente no Europa Ocidental.

Minha impressão é que esta região está à deriva. Seus dirigentes não sabem que rumo tomar. No pós-guerra, os europeus ocidentais construíram o capitalismo mais avançado de que temos notícia. Um capitalismo social-democrático. Em 1990 seu PIB per capita era quase igual ao dos Estados Unidos, enquanto a distribuição de renda era (e continua a ser) substancialmente melhor, o mesmo valendo para a qualidade de vida. Mas, desde então, a Europa Ocidental vem crescendo 50% menos do que os Estados Unidos. Entre 1990 e 2023 o PIB per capita cresceu 66% nos Estados Unidos contra apenas 48% na Europa Ocidental. Se considerarmos um período mais recente, de 2010 e 2023, as taxas médias de crescimento do PIB foram de 2,1% nos Estados Unidos contra 1,4% na Europa Ocidental.

No plano político interno, a Europa Ocidental parece melhor do que os Estados Unidos. A crise política se expressa em uma polarização sem precedentes nos Estados Unidos, onde o Partido Republicano deixou de ser uma legenda simplesmente conservadora para ser um partido da direita radical – um partido nacional-populista. Eu prefiro não falar em extrema direita, porque o nacional-populismo de Trump, ainda que antidemocrático, não pretende acabar com a democracia porque é dela que o populismo vive.

Há duas causas para a polarização e para a confusão que dela deriva: a imigração e a importação de bens dos países em desenvolvimento. Elas implicam redução dos salários, senão desemprego ou piora da qualidade do emprego nos países ricos A polarização é uma doença social, já que uma boa sociedade é uma sociedade coesa, na qual existem conflitos de classe e de grupos, mas em um quadro social no qual existem objetivos comuns e os contendores se respeitam. Há duas causas diretas para essa polarização e para a confusão que dela deriva: uma é a imigração, a outra é a importação de bens dos países em desenvolvimento, principalmente da China. As duas implicam redução dos salários, senão desemprego ou piora da qualidade do emprego para os trabalhadores dos países ricos. Uma questão para a qual os neoliberais não têm resposta, porque defendem a imigração e rejeitam o uso de tarifas para proteger a produção nacional, nem tem a esquerda que, por uma questão de direitos humanos, não se dispõe a restringir duramente a imigração.

Temos também duas causas indiretas. Nos Estados Unidos, a forte concentração de renda que marcou a era neoliberal (1980-2020), na Europa Ocidental, o baixo crescimento. E uma terceira, a China, cujo PIB, em termos de paridade do poder de compra, já é 25% maior dos que os Estados Unidos, e cujo PIB per capita no período 1990 a 2023 foi de 6,7%! Ou seja, uma China que cresce três vezes mais rápido que os Estados Unidos, e quase cinco vezes mais rápido do que a Europa Ocidental, não obstante sua taxa de crescimento tenha caído desde a pandemia.

Para a concentração de renda, que foi o principal responsável por esse aumento da desigualdade, a centro-esquerda tem soluções na linha da social-democracia, enquanto o neoliberalismo de centro-direita não as tem. Já para o baixo crescimento da Europa Ocidental não vejo soluções à vista.

Não posso deixar de comparar a Europa Ocidental com a América Latina, apesar da grande diferença de PIB per capita. Desde 2010, o crescimento médio nessa região foi de 0,8%. Por isso há tempos eu afirmo que a região está semiestagnada. Podemos dizer a mesma coisa da Europa Ocidental, com seus 1,4% de crescimento? Creio que sim.

Europa Ocidental e América Latina têm um ponto em comum. Ambas as regiões se subordinaram aos Estados Unidos – a Europa Ocidental, um pouco depois deste país e o Reino Unido terem feito a sua virada neoliberal em 1980, com Ronald Reagan e Margaret Thatcher; a América Latina, em torno de 1990, quando os países abriram suas economias. Ora, quando duas regiões se subordinam a um país mais poderoso, pagarão os custos dessa dependência.

As duas regiões adotaram o neoliberalismo, mas de maneira diferente. A Europa, com seus PhDs em economia, funcionários da Comissão Europeia, a América Latina, também com economistas PhDs; todos obtidos em universidades onde se ensina a Teoria Econômica Neoclássica e a ortodoxia neoliberal. Em consequência, a política econômica, nos países dessas duas regiões, é 100% neoliberal e o crescimento resultante é precário.

Já os Estados Unidos não se deixam dominar pela ortodoxia neoliberal, ainda que lá esteja a maioria dos departamentos ortodoxos de economia. O controle continua com os políticos, que são mais pragmáticos, e veem sempre como necessário um certo grau de intervenção do Estado na economia. São políticos quase desenvolvimentistas, senão estritamente desenvolvimentistas conservadores, como é o caso de Trump e Biden. Repete-se, assim, a velho princípio: “Faça o que eu digo, não o que eu faço”.

Voltando à Europa Ocidental, ela está pateticamente subordinada aos Estados Unidos. Dominique de Villepin, o notável ministro das Relações Exteriores da França durante a Guerra do Iraque, em artigo no último número de Le Monde Diplomatique (maio 2024), escreve sobre uma Europa ameaçada que não consegue afirmar sua soberania territorial, sua soberania tecnológica e “sua soberania econômica ameaçada pelo impulso do protecionismo e do planejamento industrial que os Estados Unidos estão pragmaticamente perseguindo com Trump e agora Biden”.

Sim, a Europa está aliada aos Estados Unidos, mas vale a pena uma aliança com um sócio maior?

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, é professor emérito da FGV.

Oriente Médio está à beira de uma guerra aberta regional, por Hussein Kalout.

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Israel e seus adversários romperam os limites que regulavam até então a rivalidade

Hussein Kalout, Cientista político, professor de relações internacionais e pesquisador na Universidade Harvard; ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018, governo Temer).

 Folha de São Paulo, 06/10/2024

[RESUMO] Recente escalada do conflito iniciado há um ano entre Israel e Hamas, com Irã lançando ataque maciço com mísseis contra o primeiro, expõe mudanças profundas nas relações de força no Oriente Médio e gera apreensão sobre os próximos passos na região. Estratégia do governo Netanyahu levou a um isolamento diplomático de seu país sem precedentes, assim como arranhou a imagem de potência bélica inconteste sobre seus vizinhos. Por sua vez, Irã e o Eixo da Resistência já não temem mais um conflito aberto e direto com Israel.

Benjamin Netanyahu apostou na conflagração de uma guerra regional no Oriente Médio como principal rota de atuação estratégica de seu governo. O objetivo é redimensionar a arquitetura de segurança coletiva da região e prolongar a sua vida política como chefe de governo do Estado de Israel.

A conjuntura atual do Oriente Médio expõe mudanças profundas. Do ponto de vista político, militar ou estratégico, Israel e o Eixo da Resistência romperam os limites que regulavam até então essa rivalidade.

Apesar de haver visões distintas sobre o conceito do que seria uma “vitória” ou uma “derrota”, o embate entre ambos os lados ganhará contorno cada vez mais intrincado.  O confronto decisivo entre Irã e Israel começou. Ainda que ambos não assumem, os preparativos para a guerra regional já estão engatilhados.

Israel emprega ao máximo o seu poder de letalidade —contra alvos militares ou civis, indistintamente— e busca traduzir essa destruição em grande triunfo político com definitivas vitórias para preservar a sua imagem e para manter sob o seu domínio o controle dos acontecimentos.

Conquistas estratégicas importantes como, por exemplo, a possibilidade de paz com palestinos, libaneses e sírios não compõem o arcabouço desse repertório.

Por outro lado, o Eixo da Resistência interpreta o conceito de vitória sob prisma distinto. Para Teerã, são considerados triunfos claros a proteção de seu arsenal estratégico, o imobilismo da economia israelense, a permanente instabilidade securitária de Tel Aviv, o isolamento diplomático de Israel no mundo e a danificação da base industrial de defesa israelense.

A estratégia de Israel de eliminar a cadeia de comando e controle do Hezbollah, associada ao assassinato de lideranças políticas que compõem o topo da cadeia decisória do grupo e a demolição da infraestrutura humana e física do Líbano, em nada gera, na visão do Eixo da Resistência, transformações tangíveis na equação de força.

Portanto, essa estratégia é interpretada como ineficaz e categorizada no bojo de ações paliativas e contornáveis, já que não indicam ser suficientes para desagregar a força e a coesão do Eixo da Resistência como um todo.

Quando o Estado de Israel recorre a esse tipo de expediente não fica apenas revelada a sua vulnerabilidade, mas também a sua necessidade de autoafirmação como potência militar inconteste na região. Contudo, na visão do Irã e de seus aliados, o emprego desses meios não tende a restaurar o poder dissuasório dos israelenses.

Os últimos ataques de Irã à Israel, em retaliação às mortes de líderes do Hamas e do Hezbollah, demonstraram que Tel Aviv perdeu o domínio de como traçar novas regras de engajamento com seus inimigos. As retaliações iranianas mudaram a correlação de forças. A aposta na autocontenção iraniana e na reticência do emprego dissuasório de armas bélicas contra Israel revela que Netanyahu errou o cálculo da equação.

O Irã, que vinha evitando a deflagração de um confronto armado aberto, respondeu com dureza e impingiu danos reais ao complexo militar e securitário israelense. No fundo, os iranianos demonstram estar cada vez mais dispostos a enfrentar Israel —não importando a dimensão dos custos, pois sabem que a Rússia não deixará de subsidiá-los em armas.

Por sua vez, a invasão militar do Líbano por terra pode se provar uma péssima escolha por parte dos decisores políticos de Israel. A estratégia de empurrar as forças do Hezbollah ao norte do rio Litani vai por hora esbarrando na agressividade e na capacidade de resistência dos combatentes do grupo libanês.

O uso brutal da força por parte de Israel contra o Líbano também não provou ser o meio adequado para viabilizar o retorno dos deslocados israelenses para as suas casas ao norte do país.

Derrotado em todos os tabuleiros diplomáticos, Netanyahu e seu governo fazem Israel experimentar um isolamento internacional sem precedente. As iniciativas propostas por americanos, egípcios e cataris para a libertação dos reféns israelenses sequestrados pelo Hamas foram torpedeadas pelo próprio Netanyahu e o seu arco extremista de alianças políticas.

A proposta franco-americana de um cessar-fogo entre Israel e o Líbano, lançada às vésperas da última Assembleia Geral da ONU, em Nova York, também sofreu o mesmo destino.

No fundo, ao que parece, a palavra “diplomacia”, na gramática política do atual governo de Tel Aviv, nada mais é que sinônimo de guerra e destruição. É essa, pois, a imagem que o mundo possui hoje do país. O aniquilamento de Gaza e de sua população civil e o franco conflito contra o Líbano podem ter afastado todos os países árabes propensos a selar a paz definitiva com Israel.

O último ataque iraniano contra o território israelense revela a força, a ousadia e a disposição sem limites de Teerã. O discurso do líder suprema do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, nesta sexta (4/10) não escamoteia mais o objetivo de Teerã de buscar o confronto aberto e direto com Israel.

O tom da fala não deixa dúvidas de que o que está porvir lançará uma sombra de insegurança sobre Israel que pode perdurar por um longo período. O tempo das humilhações políticas ou militares ao Irã e aos seus aliados já não se acomoda no âmbito da flexibilidade pragmática de Teerã.

Contudo, tanto o Irã como o Hezbollah parecem ainda não ter plena clareza do grau e da dimensão real do poder tecnológico e de inteligência de Israel. Ambos subestimaram a capacidade cibernética do país e a disposição de Tel Aviv de empregá-la a qualquer custo.

Na visão deles, sem apoio absoluto e dedicado engajamento dos EUA, Israel não possui os recursos necessários para vencer militarmente o Irã e seus aliados do Eixo da Resistência. A superioridade militar de Israel já não é mais absoluta —para seus inimigos, atualmente é segmentada e se dá essencialmente em três campos: cibernético, tecnológico e aéreo.

O cenário do momento sugere que, até o resultado da eleição presidencial nos EUA, o governo israelense irá tirar o máximo proveito do vácuo de poder em Washington para alcançar os seus pretendidos objetivos: segurança e estabilidade.

Sem o pesado apoio bélico dos americanos, Netanyahu não teria ido tão longe no tabuleiro regional médio-oriental.

Resta saber, por fim, quais são os próximos movimentos estratégicos do governo israelense: se irá amortizar a virulência dos ataques do Irã ou se a resposta será reciprocada. Na visão do Eixo da Resistência, a guerra regional já foi declarada.

 

O mal cotidiano, por Andréa Pimenta Sizenando Matos

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Andréa Pimenta Sizenando Matos – A Terra é Redonda – 06/12/2023

Padecemos do mal-estar da civilização, há esperança, mas não para nós, pois, do ponto de vista da psicanálise, não somos programados para a felicidade

O fenômeno do mal pode ser abordado sob diferentes perspectivas; através do senso comum, dos mitos, da religião, das várias ciências, etc. Interessa-me aborda-lo à luz da psicanálise para que se revele o surgimento de novas formas de apresentação do mal-estar na cultura e, como cultura, ontem e hoje.

Em O mal estar na civilização, Freud diz: “Eis que, em meu entender, a questão decisiva para o destino da espécie humana: se o seu desenvolvimento cultural conseguirá, e em caso afirmativo até que ponto, dominar a perturbação da convivência que provem da pulsão humana de agressão e de auto-aniquilamento. A nossa época merece talvez um interesse particular justamente neste assunto. Hoje, os seres humanos levaram tão longe o seu domínio sobre as forças da natureza que com o seu auxílio lhe será fácil exterminar-se uns aos outros, até o ultimo homem. Eles sabem-no, daí boa parte da inquietação contemporânea, da sua felicidade, do seu espirito angustiado. E agora podemos esperar que o outro dos dois poderes celestiais, o Eros eterno, faça um esforço para se consolidar na luta contra seu inimigo igualmente mortal.

Mas quem pode prever o desfecho?”

Será que a noção de banalidade do mal, forjada por Hannah Arendt na década de 1960, é suficiente para compreendermos as contradições da nossa sociedade? Freud nos auxilia no desenvolvimento desta noção para o conceito de sociopatologia da vida cotidiana, no texto citado.

O que esta em jogo no mal estar freudiano? Como Freud interpreta o processo civilizatório? A concepção de que o homem não é um ser pacificado portanto, encontra-se em constante conflito. Ele outorga a gênese do conflito à oposição entre as pulsões; Eros, pulsão de vida e Tánatos, pulsão de morte; luta ininterrupta no nosso mundo interno.

A agressividade humana, como disposição, como representante do mal, não é algo que se apresenta, somente, de forma espetacular mas, cotidianamente, banalmente. Não é somente dirigida ao mundo externo, mas, a si mesmo, como atos auto destrutivos e, não provem somente das pulsões mas, também, de processos sociais (inquisição, escravidão, terrorismo).

A concepção de que estarmos inseridos em um ambiente hostil, inóspito, que traduz-se por uma luta continua entre a nossa natureza e a cultura, a civilização. A concepção de que a sociedade é criada às custas do recalcamento das pulsões ou outra direção possível e aceitável à suas satisfações.

Chegamos a um paradigma da psicanálise: somos indivíduos desabrigados, vivemos no mal-estar e carregamos dentro de nós um estranho. Aqui levanta-se o problema crucial da relação do ser humano com a lei, lei primordial, que marca a passagem, o salto, da natureza para a cultura.

Este é o modelo edípico, onde as relações da criança e seus pais representam a derradeira etapa de um progressivo e doloroso processo de alienação e separação. O Édipo nos conduz a superar a infância, isto é, nossa dependência à mãe e ao seu desejo, e à introjeção da lei, lei da cultura, representada pelo pai.

O Édipo é pedra angular da estrutura intrapsíquica e do processo civilizatório. As vicissitudes edípicas, quais sejam, alguma renúncia às pulsões, à onipotência do desejo, ao princípio do prazer em prol do princípio de realidade, faz-se sob a égide de um pacto de mão dupla, pacto edípico, pacto social.

Perdemos e ganhamos. Em troca da renúncia exigida temos o direito de receber um nome, uma filiação, um lugar na estrutura de parentesco, acesso à ordem simbólica, além de tudo o mais que nos permita desenvolver e viver. Assim, identificamo-nos com os valores da cultura, entramos no círculo de intercâmbio social e nos tornamos, de fato e de direito, sócios da sociedade humana.

O pacto primordial prepara e sustenta o segundo pacto e vice-versa. A má integração de um ou de outro pode gerar problemas, confirma ou infirma, um e outro, até a um ponto de ruptura.

É esta a chave psicanalítica para a compreensão da violência que dilacera o tecido social. O mal-estar apresenta-se pela violência, pela guerra civil crônica: violência urbana, doméstica, a luta individual de cada um. Apresenta-se pela guerra militar armada: Rússia versus Ucrânia, Israel versus Palestina, para citar apenas as que estão em pauta na atualidade.

Aqui, vale uma digressão. Esta lei é também entronizada pela sociedade. As sociedades modernas são baseadas em estruturas de poder. Todo poder é violento. Percebe-se, justamente, o elemento mítico que há na estrutura legal, jurídica. A instância jurídica é um pilar desta violência. O poder jurídico deve ter um braço forte para a execução das leis, inevitável e infelizmente. Vê-se a ambiguidade da lei: há os que estão acima da lei, são justamente os que determinam o que é a lei e, a esta posição, corresponde-se uma outra, oposta, os que são banidos da lei, não cobertos por ela, passíveis de serem mortos: indígenas, negros, pobres. Estes estão, definitivamente, desabrigados.

O que podemos diante do mal-estar? Apropriarmo-nos dele, dominá-lo, deslocá-lo é fundamental. Transformar o mal-estar pela via de um dispositivo que nos permita refletir criticamente sobre ele; alcançar um olhar irônico e crítico para que se revele a nossa posição sobre o nosso estar no mundo, na pós-modernidade.

Transformá-lo através de uma nova criação, sublime: o trabalho, a literatura, as artes, uma solução subjetiva, particular de cada um.

Trata-se de reunir um sistema de fragmentos em uma boa obra.

Este é um modo de resistência à violência que nos ronda no século XXI, e em todos os séculos passados.

Finalizo com uma “profecia” do escritor tcheco Franz Kafka: “Há esperança suficiente, para Deus, esperança infinita, mas não para nós; sentencia o escritor. Se o universo traz a agonia das situações que nos oprimem e não controlamos; traz o embate inútil com leis e acasos que nos escapam, absolutamente.”

Padecemos do mal-estar da civilização, há esperança, mas não para nós, pois, do ponto de vista da psicanálise, não somos programados para a felicidade. Há pouquíssimos momentos de felicidade, quando mudamos de um estado ruim para um melhor. Nosso estado normal é o de estar jogado no mal-estar. Mas vivemos de projetar esperanças, ela é a última que morre.

*Andréa Pimenta Sizenando Matos é psicanalista.

Proibição de celulares nas escolas, por Fernando Lionel Quiroga.

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Fernando Lionel Quiroga

A Terra é Redonda – 05/10/2024

 O que deve orientar a decisão não são tanto argumentos em favor ou contra as tecnologias, mas sobre os efeitos nocivos que elas têm produzido, cuja base científica é bastante expressiva a respeito

Políticas públicas sérias apoiam-se em fatos sociais, não em experiências locais, sejam elas exitosas ou não. O êxito e o fracasso, aliás, são sempre questões localizadas dentro de um contexto específico. Demandam reflexão e exercício de crítica, algo que se distancia da “febre histórica” e do entusiasmo que costuma acompanhar o fetiche da novidade.

O conceito de “fato social”, de Émile Durkheim, diz respeito aos modos de agir, pensar e sentir localizados fora do indivíduo, já que são impostos socialmente, de modo coercitivo, sobre eles. Daí a ingenuidade de esperar respostas individuais a tais problemas. Apoiar-se nelas implica não enxergar os sentidos sociais que orientam nossas trajetórias e determinam, parafraseando a formulação irônica de Pierre Bourdieu, nossa própria “escolha do destino”.

O anúncio recém-publicado pelo Ministério da Educação acerca do projeto de  lei que prevê a proibição dos aparelhos celulares nas escolas é um sinal de que seu uso, no ambiente escolar, tem se tornado mais problemático do que exitoso. É o que apontam diversos estudos em várias regiões do planeta, que vem regulamentando ou mesmo proibindo seu uso na escola, como França, Espanha, Grécia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Itália, Suíça etc.

Nestes estudos, de modo genérico, não faltam exemplos dos efeitos perniciosos que estes aparelhos causam no desenvolvimento intelectual de crianças e adolescentes. Citamos alguns: o cyberbullying, a nomofobia (abreviação de no mobile phone phobia) ou medo extremo de ficar sem acesso ao celular ou a serviços digitais, como internet e redes sociais, o aumento da ansiedade, a precarização do sono, a desinformação, a dessubjetivação, a desinformação, a esmagadora predominância do uso para entretenimento, o hikomori (termo japonês usado para descrever pessoas, geralmente jovens, que se isolam socialmente por longos períodos muitas vezes vivendo reclusos em seus quartos ou casas e evitando qualquer tipo de interação presencial com a sociedade), a desintegração da memória, a fadiga cognitiva, dentre outros.

Um belo livro, rico em fontes de estudos sérios acerca de cada um destes aspectos é o do neurocientista francês Michel Desmurget – A fábrica de cretinos digitais.

Mas há outro problema, central, a meu ver, que é o mais profundo de todos eles. O que o uso intensivo do celular tem produzido (uso intensivo, aqui, é o que costuma-se chamar de “novo normal”) e que tem se apresentado como fato social, é a perda da capacidade de atenção.

O que o frenesi do uso do smartphone e ecrãs (telas) de modo geral tem produzido como efeito colateral ao entretenimento ininterrupto, é a depauperação da capacidade de atenção. Para isto é fundamental a compreensão do que é que estamos perdendo em troca do magnetismo presente das telas. Segundo o filósofo alemão Christoph Türcke, a atenção seria o ponto fulcral da constituição do próprio fundamento da humanidade, do homo sapiens tal como o conhecemos, de um processo de aproximadamente 300 mil anos de evolução.

Segundo o filósofo, “nos primórdios da humanidade (a atenção) estava entre as coisas mais difíceis. Era algo que não existia ainda em parte alguma na natureza. Apenas coletivamente podia entrar em andamento: quando a repetição compulsiva (termo cunhado por Freud em Além do princípio de prazer), ritualizada do horror vivido se direcionava a algo mais elevado – a um destinatário comum. Sua imaginação foi equivalente tanto à inauguração do espaço mental quanto à constituição da atenção humana”.

Foi por meio da reprodução do horror (os rituais de sacrifício) pela própria imaginação como “mecanismo de legítima defesa” que o homem conseguiu controlar o horror natural. Por meio da produção de uma descarga capaz de produzir um refúgio da experiência em face do horror. Foi por meio da busca pela redenção, do alívio contra tais experiências produzidas pela natureza: ameaças naturais, tempestades, catástrofes, invasões de tribos inimigas, etc. que teria se dado à hominização. “Buscava-se a redenção, encontrou-se a cultura”, escreve Christoph Türcke. A atenção, portanto, não pode ficar restrita ao conjunto de disposições sociais como civismo, solidariedade e empatia.

A atenção diz respeito ao berço de toda cultura. Trata-se do ponto decisivo que nos permitiu, após milênios de evolução, chegar até as civilizações modernas. Interessante é a ideia que Christoph Türcke recupera de Malebranche sobre a atenção. Segundo este, a atenção seria uma “oração natural”. Decorre da atenção o desenvolvimento da imaginação. A imaginação nasce do tédio profundo, do ócio, da contemplação desinteressada. É a partir desse aparente vazio, desse espaço intersticial e amorfo que a imaginação encontra sua verdadeira vocação.

Ora, o que ocorre na atmosfera digital é a captura total desta função. E, finalmente, chegamos à intencionalidade política desta condição, cuja principal característica é a desintegração da mentalidade. A alma é o último recurso natural a ser explorado pela selvageria capitalista. Mas essa é a mesma história desde a colonização pela Companhia de Jesus, alguém poderia observar. Sim e não. A diferença daquele para o modelo atual de colonização neoliberal movida pelas forças de um oligopólio avassalador e apocalíptico é que, ao invés de operar pelo método da inculcação, o faz através de algo que aqui chamamos de uma “descompressão cognitiva” como resultado da lógica behaviorista subjacente aos artefatos digitais.

Observados estes pontos, ainda que de modo grosseiramente resumidos, constatamos que as tecnologias digitais ultrapassam de longe o significado de “ferramentas” quando incorporadas ao ambiente escolar. Todavia, ainda que elas o sejam, e é preciso admitir seu enorme potencial em favor do ensino nas mais variadas áreas do conhecimento, deve-se olhar também para seus efeitos mais nocivos, como o cyberbullying, a depauperação da ética, a concorrência desleal de atenção entre conteúdos da escola e o maravilhoso mundo das redes sociais, etc. É preciso mudar de perspectiva para a compreensão do que quer que seja a noção de ferramentas.

Herbert Marcuse, no livro Tecnologias, guerra e fascismo, reflete sobre o uso das tecnologias, especialmente por meio da propaganda nazista e de técnicas de instauração do medo coletivo como elementos-chave para a formação de uma “nova mentalidade alemã”. Elas (as tecnologias) são, portanto, ferramentas. Mas são esmagadoramente ferramentas à serviço do capital. Daí que sua incorporação à sala de aula e à escola deve-se precaver contra a ingenuidade de tratá-las como ferramentas neutras.

Por último, é em razão da ambiguidade inerente às tecnologias que o projeto de lei que está em curso tende à polêmica. O momento exige um debate de natureza essencialmente ética. Não se trata de localizar o aspecto nuclear quanto ao uso ou não de celulares no espaço escolar, justamente porque não há núcleo: a ambiguidade é sua principal característica.

Neste sentido, a mensagem histórica que o tema nos provoca a pensar diz respeito a uma decisão digna de um dos célebres diálogos socráticos. “Deve-se ou não banir o celular no ambiente escolar?” – é uma dessas questões implicadas no enfrentamento, de um lado, da febre histórica que promove a disseminação desenfreada de tecnologias digitais em tantos espaços da vida quanto for possível e, de outro, da ideologia embutida por meio de algoritmos nas plataformas digitais.

O que deve orientar a decisão não são tanto argumentos em favor ou contra as tecnologias, mas sobre os efeitos nocivos que elas têm produzido, cuja base científica é bastante expressiva a respeito. O peso da decisão sugere uma reflexão sobre qual dos pratos da balança mais tem cedido para, a partir daí, e mesmo que para o atual momento isso signifique o afastamento total destes aparelhos no espaço escolar, tome-se a decisão balizada pela ética e pela ciência, e sobretudo orientada para a garantia do próprio futuro das novas gerações.

*Fernando Lionel Quiroga é professor de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Combater crime organizado exige mais democracia, não menos, por Sylvia Colombo

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Solução para o problema vai na contramão das alternativas setorizadas propostas por figuras como Milei e Bukele

Sylvia Colombo, Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

Folha de São Paulo, 06/10/2024

Não é de hoje que a expressão “crime organizado” circula nas campanhas eleitorais nacionais e regionais, impulsionando candidatos de extrema direita e propostas cada vez mais belicosas como soluções para o problema.

Na América Latina, a situação não é diferente, e vemos diversos políticos que colocam a democracia em risco ao prometer enfrentar o problema sem se importar com as consequências para ela. Exemplos disso são Nayib Bukele, em El Salvador, Javier Milei, na Argentina, e Daniel Noboa que, em alta de popularidade, desponta como o favorito para ser reeleito presidente do Equador nas eleições que ocorrerão no início do próximo ano.

Uma possível vitória de Donald Trump nos Estados Unidos em novembro reforçaria essa tendência, dando força a mais propostas como as que hoje encantam a ex-esquerdista Xiomara Castro, de Honduras, e a ministra argentina Patricia Bullrich. Ambas querem criar em seus países prisões de segurança máxima inspiradas no modelo de El Salvador.

Entretanto, quando permitimos, como mídia e sociedade, que o crime organizado ocupe uma caixinha isolada, separada de temas tradicionais como saúde, educação e até mesmo de problemas específicos como roubo de celulares, estamos tratando o problema de forma setorizada, sem enxergá-lo pelo que realmente é: um ator central nesses processos.

Essa foi a conclusão a que cheguei após ler o ensaio “How Organized Crime Threatens Latin America” (Como o Crime Organizado Ameaça a América Latina), de Javier Corrales, professor do Amherst College (em Amherst, Massachusetts), e Will Freeman, do Council on Foreign Relations, publicado na edição mais recente do Journal of Democracy, da Johns Hopkins University Press.

Ambos os acadêmicos nos lembram que, embora estejamos muito preocupados com figuras caricatas que surgem a cada eleição e atuam tanto dentro quanto fora do sistema, há um personagem muito mais perigoso, enraizado nas teias do poder, capaz de minar a democracia em tempo recorde. Quando isso acontecer, aquelas figuras serão apenas o rosto de uma destruição que compromete valores, ameaça os direitos humanos e civis e nos fará retroceder no tempo.

Para os autores, “os cartéis de drogas e seus chefes substituíram generais sedentos de poder, guerrilheiros marxistas e elites empresariais predatórias como as forças mais inimigas da democracia”.

Além disso, algumas organizações criminosas atualmente possuem inteligência e recursos muito maiores do que os atores políticos do passado e sabem interagir de outras formas com governos, não necessariamente tirando-os do poder, mas os manipulando de maneira habilidosa.

Os acadêmicos concluem: “Se as democracias da América Latina não conseguirem desenvolver meios para conter o poder do crime organizado, elas se verão corroídas de várias maneiras: grupos criminosos com influência sobre territórios intimidarão candidatos e protegerão outros; autoridades civis frustradas sentir-se-ão tentadas a conceder poder excessivo aos militares; presidentes de caráter autoritário adotarão políticas de combate ao crime que corroem as liberdades civis e a separação constitucional dos Poderes; as instituições do Estado continuarão a funcionar mal sob a influência do crime organizado, que corrompe e distorce”, dizem.

Apontar uma solução para essa questão não é simples, mas envolve os pilares do que entendemos como democracia. Diante de suas falhas, é preciso atuar com ainda mais democracia, criando mais organismos de transparência, renovando a independência entre os Poderes e envolvendo a sociedade numa democracia contínua e participativa.

 

 

A encruzilhada do desemprego juvenil, por Erik Chiconelli Gomes

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Ele é maior do que a média nacional, a informalidade é alta e 67% não possuem qualificação. Há desajustes profundos entre o sistema educacional e o mercado de trabalho. E o “empreendedorismo” não resolverá o problema: uma política robusta de primeiro emprego é necessária

Erik Chiconelli Gomes – OUTRAS PALAVRAS – 01/10/2024

O mercado de trabalho brasileiro tem apresentado uma dinâmica complexa nos últimos anos, com tendências aparentemente contraditórias que merecem uma análise aprofundada. Por um lado, observamos uma queda na taxa geral de desemprego, que atingiu 6,6% no trimestre encerrado em agosto de 2024, o menor patamar para esse período desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) em 2012 (IBGE, 2024a, p. 3). Por outro lado, os dados revelam uma situação preocupante para os jovens entre 18 e 24 anos, cuja taxa de desemprego permanece significativamente acima da média nacional, em torno de 14% (IBGE, 2024b, p. 7).

Esta disparidade entre a situação geral do mercado de trabalho e a realidade enfrentada pelos jovens não é um fenômeno novo, mas sua persistência e intensidade demandam uma reflexão crítica sobre as estruturas socioeconômicas e as políticas públicas vigentes no país. Como argumenta Pochmann (2023, p. 45), “o desemprego juvenil é um sintoma de desajustes profundos no sistema educacional e no mercado de trabalho, refletindo a incapacidade da sociedade em promover uma transição suave e efetiva da escola para o mundo profissional”.

Para compreender a complexidade desse cenário, é necessário analisar não apenas os números absolutos, mas também os fatores históricos e sociológicos que contribuem para a manutenção dessa disparidade. A formação do mercado de trabalho brasileiro, marcada por um processo de industrialização tardio e dependente, criou estruturas que perpetuam desigualdades e dificultam a inserção dos jovens no mercado formal (Furtado, 2022, p. 112).

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) destaca que “a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos é historicamente maior do que a taxa geral, refletindo dificuldades estruturais de inserção desse grupo no mercado de trabalho” (IPEA, 2024, p. 23). Essa constatação nos leva a questionar se as políticas públicas e as estratégias de desenvolvimento econômico têm sido eficazes em abordar as necessidades específicas desse segmento populacional.

Um aspecto particularmente preocupante é o alto índice de demissões a pedido entre os jovens, que chega a 40% do total de desligamentos nessa faixa etária, contra 34% na média geral (DIEESE, 2024, p. 18). Esse dado pode indicar uma insatisfação generalizada com as condições de trabalho oferecidas, bem como uma possível inadequação entre as expectativas dos jovens e as oportunidades disponíveis no mercado.

A precarização do trabalho, fenômeno que se intensificou nas últimas décadas com a flexibilização das leis trabalhistas e o avanço da chamada “gig economy”, afeta de maneira desproporcional os trabalhadores mais jovens. Como observa Antunes (2023, p. 87), “a uberização do trabalho e a proliferação de contratos temporários e intermitentes atingem com maior intensidade os jovens, que se veem forçados a aceitar condições laborais instáveis e pouco protegidas”.

O descompasso entre a formação educacional e as demandas do mercado de trabalho é outro fator crucial para entender o desemprego juvenil. Apesar do aumento no nível de escolaridade da população brasileira nas últimas décadas, persiste uma lacuna significativa entre as habilidades desenvolvidas no sistema educacional e aquelas requeridas pelo setor produtivo (Schwartzman, 2022, p. 156).

A questão da qualificação profissional emerge como um ponto nevrálgico nesse debate. O IBGE (2024c, p. 12) aponta que “entre os jovens desempregados, 67% não possuem qualificação técnica específica para as vagas disponíveis no mercado”. Essa estatística revela uma falha sistêmica na preparação dos jovens para o mundo do trabalho, demandando uma reavaliação urgente das políticas educacionais e de formação profissional.

A dimensão regional do desemprego juvenil também merece atenção. As disparidades econômicas entre as diferentes regiões do Brasil se refletem nas oportunidades de trabalho para os jovens. Segundo o IPEA (2024, p. 45), “as regiões Norte e Nordeste apresentam taxas de desemprego juvenil significativamente maiores que as regiões Sul e Sudeste, evidenciando a necessidade de políticas regionalizadas de geração de emprego e renda”.

O fenômeno dos “nem-nem” – jovens que nem estudam nem trabalham – é outro aspecto preocupante dessa realidade. O IBGE (2024d, p. 8) estima que “cerca de 23% dos jovens entre 18 e 24 anos se encontram nessa situação, o que representa um desperdício de potencial humano e um risco para a coesão social”. Essa parcela da juventude, muitas vezes invisibilizada nas estatísticas oficiais de desemprego, demanda atenção especial das políticas públicas.

A questão de gênero adiciona uma camada extra de complexidade ao problema do desemprego juvenil. As mulheres jovens enfrentam taxas de desemprego consistentemente mais altas que seus pares masculinos, além de serem mais afetadas pela informalidade e pela precarização do trabalho (DIEESE, 2024, p. 27). Essa disparidade reflete padrões históricos de discriminação e segregação ocupacional que persistem no mercado de trabalho brasileiro.

O impacto da revolução tecnológica e da automação sobre o emprego juvenil é outro fator que não pode ser ignorado. Como observa Schwab (2023, p. 134), “a Quarta Revolução Industrial está reconfigurando rapidamente o panorama do trabalho, com implicações particularmente profundas para os trabalhadores mais jovens, que precisam se adaptar a um ambiente em constante mutação”.

A pandemia de Covid-19 exacerbou muitas das tendências preexistentes no mercado de trabalho, afetando de maneira desproporcional os jovens. O IPEA (2024, p. 56) destaca que “os setores econômicos mais impactados pelas medidas de distanciamento social, como serviços e comércio, são justamente aqueles que tradicionalmente empregam mais jovens”. A recuperação pós-pandemia tem se mostrado desigual, com os jovens enfrentando maiores dificuldades para se reinserirem no mercado.

A questão da informalidade é particularmente relevante para a análise do desemprego juvenil. O IBGE (2024e, p. 15) aponta que “40% dos jovens ocupados estão na informalidade, um percentual significativamente maior que a média geral da população”. Essa alta taxa de informalidade entre os jovens não apenas reflete a precariedade de suas condições de trabalho, mas também compromete sua proteção social e perspectivas de desenvolvimento profissional a longo prazo.

A interseccionalidade entre raça e desemprego juvenil revela outra faceta das desigualdades estruturais do mercado de trabalho brasileiro. Segundo o DIEESE (2024, p. 33), “jovens negros enfrentam taxas de desemprego 30% maiores que jovens brancos na mesma faixa etária”. Essa disparidade racial no acesso ao emprego é um reflexo direto do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira e demanda ações afirmativas específicas.

O empreendedorismo juvenil tem sido frequentemente apontado como uma possível solução para o desemprego nessa faixa etária. Contudo, como argumenta Nogueira (2023, p. 78), “a narrativa do empreendedorismo como panaceia para o desemprego juvenil muitas vezes mascara a precarização do trabalho e transfere a responsabilidade da geração de emprego do Estado e do setor produtivo para o indivíduo”.

A questão da rotatividade no emprego entre os jovens também merece atenção. O alto índice de demissões a pedido nessa faixa etária pode ser interpretado de diversas formas. Por um lado, pode indicar uma maior disposição dos jovens em buscar melhores oportunidades e condições de trabalho. Por outro, pode refletir uma insatisfação generalizada com as opções disponíveis no mercado e uma dificuldade em encontrar posições que atendam suas expectativas e aspirações profissionais.

As políticas públicas voltadas para o emprego juvenil têm se mostrado insuficientes para enfrentar a magnitude do problema. Programas como o Jovem Aprendiz e o ProJovem, embora bem-intencionados, têm alcance limitado e nem sempre conseguem proporcionar uma inserção duradoura no mercado de trabalho formal (IPEA, 2024, p. 67). É necessário repensar essas políticas, ampliando seu escopo e efetividade.

Neste contexto, é fundamental destacar o papel do Sistema Nacional de Emprego (SINE) como uma ferramenta essencial para combater o desemprego juvenil. O SINE, presente em praticamente todas as cidades brasileiras, oferece uma gama de serviços cruciais para a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Além da divulgação de vagas e intermediação de mão-de-obra, o SINE também proporciona qualificação profissional, orientação profissional e fomento a atividades autônomas e empreendedoras. O fortalecimento e a modernização do SINE pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) representam um passo importante para melhorar as perspectivas de emprego para os jovens brasileiros.

A questão do primeiro emprego continua sendo um desafio significativo para os jovens brasileiros. A exigência de experiência prévia por parte dos empregadores cria um ciclo vicioso, no qual os jovens não conseguem obter experiência porque não são contratados, e não são contratados porque não têm experiência. Romper esse ciclo demanda uma mudança de mentalidade por parte do setor empresarial e políticas públicas que incentivem a contratação de jovens sem experiência.

O papel da educação superior na empregabilidade dos jovens é outro ponto que merece reflexão. Embora o acesso ao ensino superior tenha se expandido nas últimas décadas, isso não se traduziu automaticamente em melhores perspectivas de emprego para os jovens graduados. Como observa Neri (2023, p. 112), “há um descompasso entre a formação oferecida pelas universidades e as demandas do mercado de trabalho, resultando em um fenômeno de subemprego de jovens graduados”.

Em conclusão, o desemprego juvenil no Brasil é um problema multifacetado que reflete e perpetua desigualdades estruturais profundas na sociedade brasileira. Sua solução demanda uma abordagem holística que envolva não apenas políticas de geração de emprego, mas também reformas educacionais, combate às discriminações de gênero e raça, incentivos à inovação e ao empreendedorismo sustentável, e uma reconstrução do pacto social em torno do trabalho digno. Somente através de um esforço coordenado e de longo prazo, que envolva governo, setor privado, academia e sociedade civil, será possível criar um ambiente no qual os jovens brasileiros possam desenvolver plenamente seu potencial e contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país.

Referências

Antunes, R. (2023). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo.

DIEESE. (2024). A situação do trabalho no Brasil na primeira metade da década de 2020. São Paulo: DIEESE.

Furtado, C. (2022). Formação econômica do Brasil: edição comemorativa 60 anos. São Paulo: Companhia das Letras.

IBGE. (2024a). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua. Rio de Janeiro: IBGE.

IBGE. (2024b). Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE.

IBGE. (2024c). Aspectos das relações de trabalho e sindicalização. Rio de Janeiro: IBGE.

IBGE. (2024d). Educação 2023. Rio de Janeiro: IBGE.

IBGE. (2024e). Economia Informal Urbana. Rio de Janeiro: IBGE.

IPEA. (2024). Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Brasília: IPEA.

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). (2024). Rede SINE: Entenda o que é e como funciona.

Neri, M. (2023). Juventude e trabalho no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV Social.

Nogueira, M. A. (2023). Educação, saber, produção em Marx e Engels. São Paulo: Cortez.

Pochmann, M. (2023). Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo.

Schwab, K. (2023). A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro.

Schwartzman, S. (2022). Educação e trabalho no Brasil do século XXI. São Paulo: Editora Unesp.