Avanços e retrocessos da sociedade brasileira no século XXI

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Depois de um período de forte recessão, redução dos investimentos, aumento do desemprego, queda na renda agregada e grandes dificuldades nos setores produtivos, a economia brasileira apresenta grandes dificuldades para trilhar uma taxa de crescimento econômico mais sólido e consistente, com isso, as perspectivas para o próximo ano ainda são bastante instáveis, incertezas e preocupações reinam em todos os setores.

O século XXI trouxe inúmeras novidades para a economia brasileira, depois de uma estabilização monetária marcada por graves problemas cambiais, o país inicia o século com novas perspectivas, em 2003 assume a presidência o torneiro mecânico Luís Inácio Lula da Silva, o programa defendido nas eleições do ano anterior pregava, inicialmente, o rompimento de políticas do governo anterior mas, quando as perspectivas de vitória cresceram, inúmeras medidas foram tomadas para agradar ao mercado e os setores produtivos, culminando na eleição de um partido político com um discurso de esquerda, intervencionista e fortemente centrado no forte papel do Estado na economia.

O primeiro mandato foi marcado por arrocho econômico, queda do investimento produtivo e uma política restritiva, o objetivo declarado na época era criar as condições para um salto mais sólido no crescimento econômico, isto se fazia necessário porque o governo anterior foi responsável pelo desmonte da economia e aumentado o passivo do governo, exigindo uma política de reequilíbrio dos setores econômicos, a isso o novo governo chamou de herança maldita, ganhando assim na narrativa e colocando os adeptos do governo anterior na defensiva.

Para angariar o apoio das classes economicamente mais elevadas, o governo petista implementou as políticas que vinham sendo adotadas pelo governo FHC, o chamado tripé macroeconômico: cambio flutuante, superávit primário e metas de inflação, é importante destacar que os petistas eram ferrenhos críticos destas políticas quando se encontravam na oposição, usando argumentos fortes e eleitoreiros para inviabilizá-las.

As metas de inflação eram descritas como um instrumento que dava ao Banco Central uma autonomia para levar os índices inflacionários a valores previamente acertados pelas autoridades monetárias, com isso, o governo passava a impressão ao mercado e para toda a sociedade que possuía instrumentos sólidos para controlar a inflação e orientar a sociedade.

O superávit primário foi elevado para 4,2%, levando o governo a promover um forte arrocho nos gastos com o intuito de mostrar para o mercado que suas políticas eram sustentáveis e que o país não mergulharia no caos econômico, como muitos setores do empresariado e da academia, tanto nacional como estrangeira acreditavam e divulgavam abertamente.

O câmbio flutuante seria a manutenção de uma política que já vinha sendo adotada desde 1999 e que trouxe benefícios para o setor produtivo, por esta política as variações cambiais eram aceitas enquanto as mudanças não fossem muito severas e gerasse desequilíbrios macroeconômicos, esta política é adotado desde o final do século anterior e sobreviveu a quatro governos diferentes e ideologias diversas.

Com as denúncias referentes ao chamado mensalão, o governo se vê em uma trajetória defensiva, as discussões relevantes são deixadas de lado e o país se concentra em discussões secundárias, levando a economia a andar em marcha lenta, com as eleições e posterior vitória eleitoral, o segundo governo Lula se volta para a adoção das políticas mais afeitas ao Partido dos Trabalhadores, os gastos públicos são incrementados e o Estado despeja inúmeros recursos em políticas centradas nos gastos governamentais.

Com a Crise de 2008, a chamada Crise Imobiliária ou Crise do Sub-prime, o governo implementa novas políticas públicas, desonerações de variados setores, linha branca e automobilístico, lideram as políticas de incentivo, todas objetivando o incremento dos indicadores e evitando que o país sentisse os impactos da crise originária dos Estados Unidos que afetava toda a economia mundial. Para dinamizar tais medidas, o governo Lula destaca as instituições financeiras ligadas ao governo federal para aumentar os empréstimos e financiamentos, todos com o intuito de evitar que o país entrasse em recessão.

Estas políticas intervencionistas geraram crescimento econômico e elevaram o capital político do governo, os índices de popularidade aumentavam e o país vivia um dos seus melhores momentos, crescimento da renda, inflação sob controle, empregos em alta, inclusão de grupos sociais até então marginalizados e perspectivas políticas e econômicas bastante favoráveis, todo este cenário fez com que a revista inglesa The Economist, um dos maiores berços do conservadorismo ocidentais, retratasse em sua capa uma imagem que gerou grandes aplausos para a sociedade brasileira, uma imagem do Cristo Redentor decolando, o mundo se curvava ao carisma do presidente Lula.

No ambiente político, o cenário era bastante confuso para os oposicionistas, o ambiente favorável fez com que os petistas conseguissem eleger novos nomes para cargos públicos e se fortalecerem politicamente mas, ao mesmo tempo, consolidavam uma forte dependência do presidente Lula, criando uma situação sui generis, onde o Lulismo era maior e mais consistente que o próprio petismo.

Na eleição de 2010, o petismo consegue eleger Dilma Rousseff, um nome pouco conhecido pelo público em geral, ex-ministra da Casa Civil e das Minas e Energias, seu nome bancado pelo presidente Lula derrota um dos políticos mais tradicionais destes últimos 30 anos, o tucano José Serra, que deixa o governo paulista para se candidatar e perde para a candidata do presidente, para muitos críticos, mais um poste do presidente Lula.

O novo governo herda uma economia em franco crescimento econômico, inflação sob controle, renda em ascensão, desemprego em queda, o país alcançou 7,5% de crescimento do produto interno bruto em 2010, uma marca que o país não alcançava desde os anos de crescimento do Milagre Econômico, no período 1968-1972, todos estes números eram motivos de comemoração mas, ao mesmo tempo, geravam grandes expectativas sobre a sustentabilidade deste momento de expectativas positivas.

O governo Dilma se caracterizou por políticas de desoneração fiscal, controle dos preços dos combustíveis e intervenção constante nos mercados, dentre eles destacamos as políticas adotadas no setor de energia, criando expectativas bastante negativas para o sistema econômico e produtivo, em uma delas o governo força uma queda nas taxas de juros para estimular o crescimento dos investimentos produtivos, esta política vista na época como uma forma de estimular os gastos e a geração de novos empregos, teve como consequências, graves impactos fiscais que culminaram, posteriormente, em um grave rombo fiscal para a economia brasileira, cujos impactos sentimos até os dias atuais.

Novas políticas públicas foram implementadas para aumentar os investimentos do Estado, desde o incremento nas obras até as políticas do setor educacional, que visavam uma maior capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico, dentre elas destacamos o Pronatec, o Fies e o Ciências sem Fronteiras, todas políticas que tiveram muita receptividade na sociedade, destacamos ainda os aumentos nos gastos do setor educacional, onde o governo mantém as políticas iniciadas no governo anterior de expansão das universidades federais e o incremento dos Institutos Federais, cujos impactos foram bastante positivos mas os custos fiscais aumentaram imensamente, calcula-se que, apenas em pessoal o MEC aumentou de 189.637 funcionários para 299.244, um incremento de quase 110 mil postos de trabalho.

Apesar dos fortes investimentos na área, não percebemos mudanças substanciais na educação brasileira, isto se deve a um erro estrutural dos gastos do Estado na educação, cuja grande maioria se concentra no ensino superior em detrimento dos investimentos na educação básica, apenas para ilustrar, em 2017, o gasto primário da União com educação superior somou R$ 75,4 bilhões enquanto com a educação básica, R$ 34,6 bilhões.

O governo Dilma Rousseff se caracterizou pelas falhas constantes na interlocução com o Congresso Nacional, as dificuldades da presidente de negociar com o Legislativo abriu espaço para que muitos grupos descontentes com o governo se transformasse em adversários críticos e atuantes, dentre eles destacamos aqueles liderados pelo Presidente da Câmara, o deputado carioca Eduardo Cunha que deu início ao impeachment da presidente, iniciando um período de fortes nebulosidades para o país, onde vivenciamos uma verdadeira escuridão, as discussões eram todas enviesadas, as políticas públicas ficaram, em sua maioria, paradas ou tocadas em ritmo lento, os investimentos estatais minguaram e a economia entrou em um ritmo lento, as expectativas econômicas eram negativas e os investimentos minguaram.

Os grupos se digladiavam nas ruas, de um lado os defensores da presidente Dilma, defendiam seu legado acusando os outros de golpistas, do lado contrário, víamos um crescimento nos grupos conservadores que surgiam e cresciam , ganhavam musculatura, faziam barulho e ganhavam adeptos, a reflexão crítica inexistia em ambos os grupos, o debate respeitoso não existia, os conflitos eram constantes e o reacionarismo levava a desagregação, amigos que anteriormente se respeitavam agora se antagonizam abertamente, o Brasil virou palco de fortes conflitos que, felizmente, não se transformaram em guerra civil.

Para piorar todo o cenário, o debate sobre a corrupção crescia e ganhava força, a operação Lava Jato descobria grandes conchavos entre os grupos empresariais mais poderosos e políticos inescrupulosos, as investigações perpassavam todos os partidos e grupos políticos, todos se defendiam dizendo que as sobras eram recursos não contabilizados de campanhas e não poderia ser caracterizados como corrupção, neste momento estávamos descobrindo características nossas, enquanto sociedade, que até então poucos imaginavam existir, para os otimistas um momento maravilhoso, onde a depuração levaria ao nascimento de um país melhor e de uma sociedade mais consciente agora, para os pessimistas, mais um capítulo da história suja de corrupção e degradação dos valores morais e republicanos da sociedade brasileira, depois dos anões do orçamento o mensalão, o petrolão e quanto mais viriam até o Brasil se libertar desta pilhagem?

O Impeachment leva Michel Temer ao poder, o Brasil tem outro presidente, a formação do ministério deixa claro os interesses que passam a governar a sociedade da época, Romero Jucá, Gilberto Kassab, Moreira Franco, Eliseu Padilha…. nomes próximos ao presidente assumem os ministérios e trazem para o poder suas fichas corridas, inquéritos e investigações policiais os envolvem diretamente e faz do “novo” governo um exemplo de degradação moral das mais severas, para os que se empenharam na retirada de Dilma Rousseff, a ascensão de Michel Temer representou mais do mesmo, corrupção, patrimonialismo, ineficiência e degradação da coisa pública.

Depois de dois anos do governo Michel Temer os resultados são ínfimos, de um começo bastante contraditório no campo político, algumas medidas econômicas geraram expectativas positivas, dentre elas destacamos a aprovação do Teto dos Gastos, política que definia que os gastos públicos não poderiam crescer além do crescimento do produto interno bruto do ano anterior, esta medida foi muito comemorada pelo mercado e trouxe bons dividendos para o governo, destacamos ainda as políticas criadas para reverter as desonerações do governo anterior, as discussões sobre a Reforma de Previdência, as concessões públicas e as medidas criadas para a privatização das empresas estatais, todas muito comemoradas pelos grupos empresariais que viam na ausência das privatizações como um dos grandes equívocos do governo anterior.

As medidas defendidas pelo governo Temer geraram grandes expectativas nos setores financeiro e produtivo, que viam novas oportunidades de negócio e aumento nas taxas de lucros, as privatizações deveriam ser estimuladas, o Estado não administrava da melhor forma seus ativos, o déficit público crescia e exigia medidas urgentes e emergenciais, obrigando o governo a alienação de ativos públicos para cumprir com seus compromissos, evitando calotes e renegociações de dívidas, medidas estas vistas como um forma de descumprimento dos acordos com os agentes econômicos e produtivos.

A Reforma da Previdência era vista como uma medida central e necessária, o crescimento da longevidade da população e as novas formas de trabalho que surgiam com a quarta revolução industrial, elevavam os gastos previdenciários e colocava todo o sistema em xeque, a falência do modelo anterior de distribuição era evidente e a adoção de novas políticas era uma das mais urgentes medidas de política econômica, para angariar apoio para estas medidas o governo precisava de uma forte base parlamentar, eram necessários 308 votos, uma maioria que poucos governos conseguiriam construir, ainda mais um governo que ascendeu ao poder de uma forma tão controversa, não advogo a tese de que o governo Michel Temer não seja legítimo, embora acredite que este governo carece de uma maior sustentação política e eleitoral para propor e levar a cabo estas medidas, isto porque são medidas que impactam sobre a vida de todos os trabalhadores e, por isso, carecem de uma maior discussão social e política, exigindo um governo legitimado pelas urnas e não um governo que apresenta números tão ruins de avaliação popular.

A Reforma da Previdência é um instrumento fundamental de governabilidade para o próximo presidente, somente com uma reforma equilibrada que o país conseguira reverter esta crise fiscal que tantos constrangimentos causam a sociedade brasileira agora, não teremos nenhuma mudança no campo fiscal se, nesta reforma, não forem contempladas alterações substanciais nas aposentadorias de altos servidores federais, enquanto a média de aposentados do INSS está na casa dos R$ 1,6 mil, os servidores federais apresentam valores mais de dez vezes maiores, o que inviabiliza uma sociedade cujos trabalhadores estão vivendo mais, o que é bastante positivo, e os modelos de contribuição estão sendo colocados em xeque, isto porque a solidariedade intergeracional se reduz de forma acentuada com o passar dos anos e com as transformações na estrutura do emprego, do trabalho e da empregabilidade.

Para muitos setores da sociedade, o combate a corrupção deve ser o mais urgente dos instrumentos de políticas públicas na atualidade, segundo estes setores, o país chegou a tanto desajustes nesta área que, toda e qualquer política pública séria deveria priorizar este combate, somente assim conseguiríamos melhorar a eficiência do Estado e abrir espaço para novos investimentos sociais que auxiliaram na melhoria dos indicadores sociais.

A corrupção é, dentre os problemas brasileiros, um dos mais significativos, seu combate é fundamental e deve ser uma exigência de todos os grupos sociais e até uma das formas mais importantes para que a classe política reconquiste seu espaço perante o eleitor e, principalmente, se consolide diante de uma sociedade que vê a classe política como um dos setores mais retrógrados e ineficientes do país, contribuindo para demonizar a política, o que preocupa completamente pois a política é um instrumento central dentro da sociedade democrática, embora tenhamos variados distúrbios não podemos esquecer que a não política interessa apenas aqueles que se locupletem com a demonização das práticas políticas reinantes.

Neste ambiente de letargia, a economia brasileira pouco cresce, depois de mais de 9% de queda no produto interno bruto, no período 2015/2017, a recuperação é lenta e insuficiente, os grupos mais necessitados aumentam de forma exponencial, com isso, percebemos uma piora na distribuição da renda, aumento no desemprego, degradação nas formas de trabalho, queda considerável no investimento e um crescimento da pobreza e da desigualdade social, com isso, todas as conquistas dos últimos vinte anos se perdem e passam a comprometer a sustentabilidade social do país, que vê um crescimento na violência, incremento na mortes e assassinatos e piora considerável nos indicadores relacionados à segurança pública.

Ao mesmo tempo, percebemos que alguns setores da sociedade permanecem acumulando benefícios e vantagens consideráveis, o lucro do setor bancário cresce de forma exponencial, os benefícios da classe política continuam crescendo e a riqueza gerada no sistema se concentra, cada vez mais, nas mãos dos mesmos grupos de privilegiados, com tudo isso, percebemos que o discurso de austeridade continua e deve continuar por mais algum tempo, o interessante disso tudo é que a austeridade exigida pelo sistema afeta apenas os cidadãos do andar de baixo, os de cima se locupletam com as benesses de um Estado falido e de uma sociedade marcada e dominada por corporativismos.

O governo petista foi exitoso nas políticas sociais, as condições da sociedade melhoraram e o governo se utilizou desta melhora para alavancar investimentos sociais que contribuíram para inserir os grupos e setores, historicamente, excluídos da sociedade na sociedade de consumo, esta política se esgotou, o Estado perdeu a condição de sinalizar as melhores políticas para a sociedade, a crise fiscal e os conflitos políticos fragilizaram os agentes públicos e, com isso, faz-se necessário novos elementos para a construção de um novo ciclo de desenvolvimento econômico, enquanto os recursos eram vastos e abundantes, o governo conciliava os interesses dos vários grupos econômicos e sociais, os setores financeiramente mais sólidos ganhavam e os menos dotados financeiramente também conseguiam acumular recursos, com os desajustes fiscais o governo se viu numa encruzilhada, evitando fazer escolhas mais consistentes preferiu trilhar um caminho perigos, aumentou o endividamento público e, com isso, acabou aumentando o déficit público e gerando temores de calote na dívida pública.

O governo Michel Temer herdou uma situação fiscal insustentável, como o governo anterior se esquivava de um ajuste fiscal mais sólido para evitar críticas de seus apoiadores mais ferrenhos, o impeachment serviu claramente como uma nova bandeira da esquerda para continuar sua defesa incondicional do papel central do Estado na sociedade, com isso, o ajuste se faz necessário e central, os custos deste ajuste são severos e serão sentidos por todos os grupos sociais, principalmente os setores de baixa renda, com a redução dos gastos públicos os mais pobres verão sua situação piora de forma sensível e inevitável.

O Brasil vem passando por grandes ajustes nos anos recentes, de um período de forte crescimento econômico para os padrões nacionais até uma das maiores recessões, cujos impactos afetaram a todos os grupos sociais, o país se encontra em um momento crucial, uma verdadeira encruzilhada, os desafios são imensos e exigem medidas cruciais, austeridade de um lado e investimentos em outros, é chegada a hora de uma escolha que a classe política posterga a muitas décadas, a construção de um projeto para o país e a resposta para uma pergunta que muito nos incomoda: qual o país que queremos?

Todos queremos um país desenvolvido, com serviços públicos decentes, mão de obra qualificada e novas oportunidades de progresso e ascensão social, na primeira década do século XXI passamos a acreditar que um futuro melhor estava próximo, o crescimento econômico nos trazia grandes esperanças, um futuro melhor estava sendo construído, depois da forte recessão posterior a 2014, onde a economia regrediu mais  de 9% e a população se viu mais pobre e desesperançada,  as preocupações quanto ao futuro retornam de forma cada vez mais intensa, os resultados vindouros devem ser definidos agora, reflitamos sobre nossos problemas para que possamos compreender nossas dificuldades e construir um futuro melhor, mais sólido e consistente para todos e não apenas para uma pequena parcela da população.

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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