Atenção aos sinais, por Oded Grajew

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Mudança climática e desigualdade estão conectadas e se retroalimentam

Oded Grajew. Presidente emérito do Instituto Ethos, conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis e idealizador do Fórum Social Mundial; fundador e ex-presidente da Fundação Abrinq

Folha de São Paulo, 30/05/2024

Meus pais eram judeus e viveram na Polônia nos anos 1930. Hitler assumiu o poder na Alemanha em 1933 e iniciou a perseguição aos judeus promulgando leis chamadas de “proteção do sangue”, que excluíam qualquer direito ao povo judaico. Em 1938, promoveu a Noite dos Cristais, que causou a destruição de lojas de judeus e a prisão de muitos deles, levados para campos de concentração.

Em todos os seus discursos, Hitler anunciava seus planos de exterminar o povo judeu. A partir da invasão da Polônia em 1938, ele começou a colocar em prática seus planos que resultaram no Holocausto.

Meus pais então levaram a sério as ameaças e os sinais e resolveram emigrar para Israel, em 1938, um pouco antes da invasão da Polônia. Tentaram convencer familiares a fazerem o mesmo.

Infelizmente, não os consideraram e foram quase todos assassinados pelos nazistas. Devo a minha vida aos meus pais terem levado a sério os sinais, o que me ensinou sobre a importância dos alertas.

Vejo agora com grande tristeza e preocupação como o mundo tem desprezado os sinais. Apesar dos alertas da quase totalidade dos cientistas sobre as consequências das mudanças climáticas promovidas por ações humanas, das evidências, de conhecer as medidas necessárias para enfrentar os riscos e de termos recursos para isso, pouquíssimas ações são efetivadas para reverter o processo. Grandes conferências do clima terminam com declarações e promessas dos governantes que quase nunca são cumpridas. Os governos se restringem a correr atrás dos prejuízos e a renovar as promessas. Enquanto isso, vidas e patrimônios são destruídos, os desastres se sucedem, o planeta continua se aquecendo e se aproximando de um caminho sem retorno que inviabilizará a vida humana.

Processo semelhante ocorre com a forma como a maioria da sociedade e dos governos encaram as desigualdades sociais. Os dados são alarmantes: os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza e 52% da renda; metade mais pobre da população fica com apenas 2% da riqueza e 8,5% da renda. O Brasil é o oitavo país mais desigual do planeta, apesar de estar entre as dez maiores economias (vergonha!). E pior: as desigualdades no mundo estão crescendo a cada ano! As desigualdades resultam em sociedade de castas, de dominadores e subordinados, de superiores e inferiores, de lutas pela ascensão social, de conflitos e violência, dentro e entre os países. Isso quando dispomos de armas cada vez mais potentes e do aumento a cada ano dos bilionários orçamentos militares.

As desigualdades fazem as pessoas desacreditarem na democracia, causam revolta, violência e a busca por bodes expiatórios. É um terreno fértil para políticos autoritários, extremistas e populistas.

Os dois fenômenos, mudanças climáticas e desigualdades, são conectados e se retroalimentam. As mudanças climáticas aumentam as desigualdades e as desigualdades aumentam a devastação ambiental. Os dois processos representam um enorme risco para a humanidade. Sinais não faltam: desastres ambientais cada vez mais frequentes e potentes, conflitos cada vez maiores e ameaçadores, crescimento de movimentos políticos extremos e ameaças cada vez maiores às democracias. Ou levamos a sério os sinais e agimos preventivamente ou corremos o risco de chegarmos a uma situação em que seja tarde demais para remediar.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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