A economia internacional vem passando por muitas transformações nos últimos trinta anos, a economia mundial centrada no Oceano Atlântico vem perdendo espaço para a ascensão asiática, quem vislumbra uma nova configuração de poder centrada no oriente e fortemente concentrada no Oceano Pacífico, os países asiáticos ganham força em detrimento da Europa e das Américas.
Dos países asiáticos, faz-se importante destacar a ascensão da economia chinesa, de um país intermediário no cenário internacional, a China se transformou, num curto espaço de quarenta anos, na segunda maior economia do mundo, perdendo apenas para a economia norte-americana, com isso, destacamos a previsão feita por Napoleão Bonaparte no começo do século XIX quando profetizou: “Quando a China acordar, o mundo vai tremer”.
Depois de quase trinta anos de sistema comunista, iniciada com a Revolução Socialista de 1949, e depois da morte de seu grande líder, Mao Tsé Tung, a China inicia no final dos anos 70 a construção de um novo paradigma de desenvolvimento econômico, este novo modelo foi construído pelo líder Deng Xiaoping que se destacou como um dos maiores estrategistas da China ao destacar: “Não importa a cor do gato, mas se ele caça o rato”.
As mudanças implementadas no país asiático, no período 1980/2010, trouxeram grande crescimento econômico e inúmeras transformações sociais, na literatura econômica desconhece um modelo que tenha trazido tantas modificações em um país num curto período de tempo e com resultados tão auspiciosos, levando este país a sair de uma situação intermediária para o panteão de segunda maior economia do mundo, com grandes chances de se transformar na maior economia do mundo nas próximas décadas.
A estratégia construída pelo governo chinês era fortemente baseada na intervenção do Estado, que tinha um papel central, não apenas na estrutura econômica, mas em toda lógica política, social e cultural, concentrando, com isso, um grande poder na estrutura social.
Economicamente, cabia ao Estado adotar políticas para fomentar e, ao mesmo tempo, estruturar, fiscalizar e coordenar as grandes alterações na sociedade chinesa, de um país fortemente fechado para uma sociedade mais aberta e cosmopolita, sem perder suas raízes culturais que eram uma das características mais admiradas na sociedade global, integrar a economia chinesa na economia mundial e, ao mesmo tempo, manter as bases culturais do país, este era o grande desafio da sociedade chinesa.
A grande quantidade de mão de obra disponível era um dos maiores ativos da sociedade chinesa, afinal estamos falando de uma sociedade com mais de 1,3 bilhão de pessoas, um contingente imenso que sempre foi visto pelas empresas internacionais como uma grande oportunidade de negócios e investimentos, com forte potencial consumidor e como fonte barata de produção de produtos ocidentais.
O modelo econômico inaugurado na China nos anos 70 estava fortemente atrelado ao comércio internacional, as exportações foram estimuladas como forma de angariar novos recursos monetários e, com isso, garantir uma saúde financeira para financiar as políticas estratégicas do país nas próximas décadas, garantindo condições para melhorar as condições de vida da população e contribuir para o desenvolvimento econômico chinês.
Somente como critério de comparação, no começo dos anos 80, as exportações chinesas eram de US$ 22 bilhões, enquanto as brasileiras eram de US$ 24 bilhões e as coreanas eram de US$ 20 bilhões, em 2010 as exportações brasileiras foram de US$ 250 bilhões, as coreanas de US$ 350 bilhões e as chinesas ultrapassaram os US$ 1,2 trilhão, com estes dados podemos compreender que o paradigma adotado pelo país asiático estava fortemente atrelado ao comércio internacional.
O Estado chinês contribuiu decisivamente para este crescimento das exportações, adotando políticas que contribuíram para a atração de milhares de empresas transnacionais com a criação das Zonas Especiais de Exportação (ZEEs), espaço caracterizado por inúmeros incentivos tributários, financeiros e logísticos para as empresas se instalar, gerar empregos e exportar seus produtos, aumentando a participação das empresas no comércio internacional.
Os investimentos chineses em ciência e tecnologia cresceram de forma acelerada, os produtos oriundos da China ganharam envergadura e conseguiram aumentar o valor agregado de forma crescente, garantindo novos mercados e retornos de escalas consideráveis e impressionantes, transformando o país em um dos líderes no registro de patentes de novos produtos, mercadorias e serviços.
A formação de quadros para a nova estratégia chinesa foi construída no começo dos anos 80, quando o país estimulou e financiou a saída de jovens estudantes para cursos de graduação e de pós-graduação no exterior, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, com o compromisso de se capacitarem para gerenciar as empresas estatais do país, com isso, um grande contingente populacional de pesquisadores altamente qualificados foram absorvidos pelo mercado de ciência e tecnologia, contribuindo para uma nova estrutura produtiva e avanços consideráveis em várias áreas do conhecimento científico, desde a medicina e outras áreas de saúde, a gestão, as engenharias, a física e a biologia.
Empresas de alta tecnologia foram fortemente estimuladas, políticas sólidas garantiram novos investimentos do Estado e de empresas privadas, tudo isso fez da China um dos países que mais ganha espaço neste mercado crescente de tecnologias, inovação e produtos integrados ao setor industrial, a chamada Indústria 4.0, que tende a moldar e a influenciar o novo cenário competitivo internacional.
Outra política adotada pelo governo chinês foi a exigência de uma parceria com empresas locais, ou seja, todas as empresas internacionais que se interessassem em produzir do território chinês, deveriam se associar com uma empresa local, esta associação teria duração de 20 ou 30 anos, e garantiria livre acesso ao mercado e ao consumidor chinês e, ao mesmo tempo, obrigaria a empresa transnacional a transferir tecnologias para a parceira local, auxiliando-a na melhora de seus produtos, dentre as empresas que tiveram que se associar a uma parceira local destacamos a brasileira Embraer, que para ser aceita no mercado teve que se associar com a estatal de aviação Avic 2, mas são inúmeros os casos de empresas transnacionais que aceitaram esta associação.
O governo chinês se utilizou de uma política de câmbio desvalorizado para incrementar suas exportações, esta atuação exigia uma forte intervenção no mercado de câmbio, gerando forte descontentamento dos competidores e dos parceiros comerciais mas, mesmo assim, os governantes do país se utilizaram deste expediente para fomentar os ganhos dos exportadores, aumentar a participação do país no comércio internacional, garantiu uma grande quantidade de dólares para alavancar a economia e melhorar os indicadores sociais, legitimando a estratégia construída pelo governo, estima-se que o governo da China possua investido em bancos estrangeiros um montante de US$ 3,9 trilhões, recursos estes fundamentais para consolidar as estratégias construídas pela China para o século XXI.
O governo chinês está fortemente atrelado ao Partido Comunista Chinês (PCC), que controla toda a estrutura social, cabe ao partido definir as políticas, as diretrizes e as estratégias que serão adotadas, destacando que o PCC controla a sociedade com força e autoritarismo, reprimindo e censurando todos aqueles que se manifestarem contrariamente as suas políticas e levando pessoas e grupos dissidentes à morte, um regime fechado, autoritário, violento e fortemente repressor.
O poder centralizado nas mãos do Partido Comunista Chinês é um dos grandes diferenciais da China, as mudanças feitas no país, num período curto, só foram possíveis graças ao forte poder do Partido, em regimes democráticos estas mudanças para serem feitas demorariam muitos anos, talvez décadas e a resistência da sociedade civil organizada seria muito grande e os entraves levantados seriam enormes.
O modelo foi exitoso em garantir um forte crescimento econômico para a economia chinesa, no período 1949/1980 o crescimento anual foi de 4,9%, no período 1980/2010 este crescimento foi quase o dobro, alcançando mais de 9,5%, levando o produto interno bruto (PIB) do país a dar saltos e levar a economia chinesa ao posto de segunda maior economia do mundo, atrás apenas da economia norte-americana e, para muitos analistas internacionais, até 2030 os Estados Unidos serão ultrapassados pelos asiáticos no posto de maior economia mundial.
A ascensão chinesa gerou uma imensa transformação na estrutura produtiva global, a entrada da China no mercado atraiu milhares de empresas transnacionais para o mercado asiático, muitas delas para a própria China, gerando mais empregos e melhorando a renda agregada do país, contribuindo para a transformação das cidades que passaram a atrair novos contingentes de mão de obra, chineses que sempre viveram no meio rural foram para as cidades e transformaram as cidades do país nas maiores metrópoles internacionais, criando novos desafios e oportunidades para os trabalhadores, uma excelente notícia para um país que precisa gerar milhões de empregos anualmente para evitar uma forte degradação social.
Com a chegada das empresas transnacionais, seus países de origem foram vitimados por um aumento no desemprego e uma forte redução na renda, gerando uma degradação no trabalho e um incremento na pobreza e na marginalidade, transformando cidades antes estáveis e bem organizadas em antros marcados por violência e degradação social, onde os investimentos do Estados passaram a ser mais necessários e urgentes.
Melhorias em um lado e degradação em outro, a ascensão da China e de outros países asiáticos, levou a economia internacional a uma nova configuração de poder, as classes médias ocidentais perceberam uma forte degradação em seus empregos e uma redução considerável em sua renda agregada, criando um grupo conhecido como precariado, que se espalha por todas as regiões do mundo e mostram uma nova cara do emprego e das relações sociais em curso na sociedade global.
A ascensão chinesa culminou no fortalecimento das empresas que passaram a dominar inúmeros setores, se antes o país era conhecido como um país produtor de produtos de baixo valor agregado, atualmente a China possui empresas com grande potencial produtivo em vários setores, destacamos a Alibaba, Lenovo e Tencent, empresas que atuam em um setor altamente competitivo e concorrencial, competindo com gigantes norte-americanas e europeias. No setor automobilístico destacamos a ascensão da Chery e da JAC, empresas que vem ganhando espaço e atraindo os melhores projetistas e engenheiros para seus quadros, vislumbrando novas oportunidades para o século XXI.
A China promoveu grandes avanços na sociedade, mais de 500 milhões de pessoas saíram do meio rural e foram transferidos para as cidades, criando grandes polos urbanos e modernas metrópoles, garantindo uma melhora considerável na vida destas pessoas, nas condições de higiene pessoal, na alimentação, na segurança e no conhecimento, elevando as expectativas de vida da população.
A crise de 2008 gerou novas preocupações para a sociedade chinesa, o incremento do nacionalismo e do xenofobismo, além de uma redução generalizada do comércio internacional, levou o país a repensar seu modelo de desenvolvimento, permanecer dependente das políticas anteriores, centradas no setor exportador se mostraram insuficientes para alavancar o crescimento do país, com isso, um novo modelo surge e passa a ser desenvolvido pelo Partido Comunista, este novo paradigma está centrado no mercado interno e na melhoria das condições de vida do trabalhador chinês, com melhorias sociais, previdência social e políticas públicas.
A adoção deste novo modelo econômico é marcada por inúmeros desafios e oportunidades, mais poder de compra e recursos monetários nas mãos da população pode levar o cidadão a demandas novas e crescentes, dentre estas demandas, os chineses podem demandar mais liberdade e mais benefícios que podem culminar em exigências democráticas, incompatíveis a um regime autoritário e fortemente centralizado.
A adoção de um novo modelo econômico está envolto em inúmeros desafios políticos e econômicos, de um lado o Partido Comunista busca uma forma de criar um novo catalisador para o crescimento do país, diminuindo a dependência do setor externo, que com a crise imobiliária norte-americana se mostrou instável e pouco confiável. Os riscos do novo modelo são muito mais políticos do que econômico, isto porque uma população mais rica e com renda em ascensão, com mais acesso aos mercados globais, ao turismo internacional e aos prazeres do capitalismo, pode demandar muito mais do que produtos e mercadorias, pode demandar mais liberdade, mais transparência e menos censura, gerando constrangimentos futuros para os donos do poder no país asiático.
A dependência do setor exportador se mostrou uma estratégia muito exitosa, num determinado momento garantiu grande crescimento econômico e uma melhoria considerável da economia do país, elevando-o a uma categoria de destaque na sociedade global, de uma economia média a um player de destaque no mundo contemporâneo, o novo modelo tem este desafio, aprofundar os ganhos chineses, melhorar os indicadores sociais e transformar o país na economia hegemônica do século XXI, os desafios são imensos mas se analisarmos historicamente tudo que foi feito no país nos últimos quarenta anos, poucos analistas internacionais duvidam do potencial e da capacidade empreendedora e criativa da população chinesa.
Outro ponto importante a se destacar é que, depois de ganhar mercados na economia internacional e elevar sua participação nas exportações globais, a China angariou aliados e inúmeros adversários e concorrentes, dentre eles destacamos os Estados Unidos, que sob o governo Donald Trump decretou uma verdadeira guerra comercial com o país asiático, onde os lados estão defendendo políticas e pensamentos diferentes, um mais nacionalista e protecionista, e outro mais internacionalista e concorrencial, sendo que os norte-americanos responsáveis por este modelo construído no pós segunda guerra, que pregava a competição e a integração entre as economias, hoje se coloca como nacionalista e fortemente protecionista, são os novos ventos da economia internacional, a China está realmente transformando as estruturas da economia mundial e gerando uma reconfiguração dos espaços de poder político e institucional.
Os impactos desta guerra comercial deverão ser sentidos em todas as regiões do mundo, o cerne desta discórdia entre norte-americanos e chineses é o crescente déficit comercial que o primeiro tem com o país asiático, apenas em 2017, os Estados Unidos exportaram US$ 130 bilhões para a China e importaram US$ 520 bilhões, acumulando um déficit comercial de quase US$ 400 bilhões que, segundo o presidente Donald Trump está relacionado as políticas adotadas pela China, que distorcem as relações comerciais entre os países e geram fortes perdas econômicas para os norte-americanos e como seu lema é “A América Primeiro”, a guerra comercial é a única forma de reverter esta situação e gerar perdas aos chineses.
Um outro ponto de grande preocupação dos analistas internacionais é com o setor bancário e financeiro chinês, o país possui uma dívida acumulada de trilhões de dólares que podem gerar graves constrangimentos no país nos próximos anos, bancos estatais mal administrados podem elevar as dívidas para patamares de insustentabilidade, levando o país a uma crise forte e graves impactos sobre a economia internacional.
O paradigma chinês não se baseia no pensamento liberal como querem os defensores desta ideologia e também não se caracteriza como uma estratégia socialista ou comunista, o modelo criado no país asiático é um grande híbrido que associa uma forte intervenção do Estado na sociedade e um estimulo brutal a concorrência e a competição, o modelo dominante e exitoso no século XXI não pode se basear apenas em ideologias que restringem e limitam a análise e as políticas a serem implementadas, faz-se fundamental a agilidade e a rapidez na adoção de políticas concatenadas e compartilhadas entre Estado e Mercado, como forma de garantir um novo espaço de construção econômica e produtiva para os países num ambiente de grande concorrência e busca por ganhos de competitividade mas com melhorias sociais e novas perspectivas para a comunidade.